Revelamos aqui as causas e efeitos da insegurança pública e jurídica no Brasil, propondo uma ampla mobilização na defesa da liberdade, democracia, federalismo, moralidade, probidade, civismo, cidadania e supremacia do interesse público, exigindo uma Constituição enxuta; Leis rigorosas; Segurança jurídica e judiciária; Justiça coativa; Reforma política, Zelo do erário; Execução penal digna; Poderes harmônicos e comprometidos; e Sistema de Justiça Criminal eficiente na preservação da Ordem Pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio.

sexta-feira, 28 de fevereiro de 2014

A FACE (NEM TÃO OCULTA) DO AUTORITARISMO

O SUL 21 26/fev/2014, 11h54min


Alberto Kopittke



Nos últimos 15 dias o RS assistiu um conjunto de fatos que merecem reflexão:

- Se torna pública a fala do Deputado Heinze (PP) chamando índios, quilombolas e lésbicas “de tudo o que não presta”;

- A Vereadora Mônica Leal (PP) apresenta projeto que proíbe qualquer tipo de manifestação pública em Porto Alegre que não tenha autorização policial;

- O Vereador Carlos Nedel (PP) se manifesta contrário a realização de debates sobre os 50 do Golpe Civil Militar de 1964, na Câmara de Vereadores;

- O TC Riccardi (também filiado ao PP) publica manifestos nos jornais incitando a quebra da hierarquia, defendendo que os brigadianos não sigam as ordens do seu Comando e criem formas paralelas para a repressão a manifestações;(4)

Essas e outras atitudes possuem em comum, não apenas o Partido Político em que se originam, mas uma determinada concepção de sociedade, que possui uma longa trajetória na história brasileira. É uma concepção que precisa necessariamente que a sociedade se radicalize e se polarize politicamente, através da criação de um ambiente (mesmo fictício) de instabilidade institucional e um sentimento generalizado de medo na sociedade, para fazer a manutenção dos seus interesses (ameaçados pelas novas reivindicações que uma sociedade menos desigual vem apresentando) e colocar em marcha os seus objetivos de poder.

Ao mesmo tempo em que defendem abertamente que os direitos civis são “dificultadores” da garantia da ordem, promovem a ideia de que as instituições (Polícia Militar, Polícia Civil, Ministério Público e o Judiciário) são fracas e sem capacidade para mediar os conflitos sociais e coibir os excessos de indivíduos, dentro do arcabouço legal vigente. Assim, é colocada em marcha uma progressiva desconstrução da estrutura de garantias constitucionais, apoiada por um falso silogismo que acusa todos os que não concordam com essas “medidas necessárias” de compactuarem com os indivíduos que estão promovendo a desordem, chegando até mesmo a suscitar que possam estar por trás do atos de vandalismo (ou o terrorismo, numa etapa mais avançada do processo).

Não por acaso, esse pensamento autoritário sempre cresceu assumindo um discurso anti-política, escondendo o fato de estarem colocando em marcha as suas próprias ambições (políticas) de poder, mesmo que através da força e não das ideias. Esses grupos são a contra-parte, o outro lado da polarização, em relação aqueles que pretensamente defendem causas libertárias e que fazem uso da violência como forma de ação política, como é o caso dos chamados black blocs (que, destaque-se, não possuem nenhum tipo de relação com os partidos socialistas, os movimentos sindicais, os movimentos sociais de lutas por direitos ou os recentes movimentos em rede).

Esses dois segmentos radicalizados, que emergem em situações de agitação social em todo o mundo, passam a alimentar uma espiral da insensatez: cada ato de um lado é respondido com mais força pelo outro, ambos pretensamente rumando em direção ao objetivo de estabelecer a sua verdade como verdade única e inquestionável, contra “o inimigo”. Esse tipo de pensamento tomou o poder no país em sua forma plena, pelo menos entre 37-45 e entre 64-88 (um total de 37 anos, nos últimos 76!). Períodos de profundo retrocesso na construção de uma nação democrática e que, além dos diversos problemas econômicos (muito bem escondidos pela propaganda e a censura oficial), estruturou uma das sociedades mais desiguais do mundo, além de tornar o Estado incapaz de lidar com a violência de forma preventiva.

Infelizmente não é possível impedir que, de tempos em tempos, determinados grupos queiram desestabilizar a democracia (ao invés de lutar para qualificá-la). O que podemos impedir (através da democracia) é que a atitude desses grupos sirva de justificativa para que outros grupos tomem o poder também pela quebra da ordem democrática.

O Estado Democrático de Direito possui todos os mecanismos para reprimir excessos sem a necessidade de suprimir direitos. Pelo contrário, é na hora em que o autoritarismo mostra a sua face que os direitos e a democracia devem estar mais fortes.


Alberto Kopittke é vereador de Porto Alegre pelo Partidos dos Trabalhadores

quinta-feira, 27 de fevereiro de 2014

OS MAIS IGUAIS


ZERO HORA 27 de fevereiro de 2014 | N° 17717


EDITORIAIS



O Ministério Público do Distrito Federal pediu à Vara de Execuções Penais que convoque o governador Agnelo Queiroz (PT) para explicar e tomar providências contra privilégios que estão sendo dispensados aos condenados do mensalão no Centro de Progressão Penitenciária do Presídio da Papuda, onde estão integrantes do chamado núcleo político do processo. De acordo com reclamações de outros prisioneiros, até uma feijoada foi realizada para os petistas, que também recebem constantes visitas de parlamentares do partido, em horário não permitido. As regalias concedidas ao ex-tesoureiro Delúbio Soares, inclusive, provocaram nesta semana a demissão de um diretor que se opôs às concessões. Por isso, se o governo do DF não tomar as devidas providências, o MP pretende pedir ao Supremo que o ex-ministro José Dirceu e o ex-tesoureiro sejam transferidos para um presídio federal.

Os promotores alegam que o tratamento diferenciado fere os direitos dos demais detentos e aumenta o risco de rebelião. Desde a chegada dos prisioneiros ilustres, na metade de novembro, a Subsecretaria do Sistema Penitenciário (Sesipe), que controla o sistema penal no Distrito Federal, tem feito uma espécie de blindagem dos petistas, impedindo inclusive que representantes do Ministério Público exerçam livremente suas funções fiscalizadoras. Tais procedimentos são realmente inadmissíveis, pois representam uma evidente burla à condenação.

Ninguém pode querer que os condenados do mensalão sejam submetidos a tratamento degradante. Nem eles, nem outros prisioneiros. A função do Estado é proporcionar a todos que estão sob sua guarda o tratamento digno e igualitário que a Constituição Federal assegura a todos os brasileiros. Até por isso, as regalias constatadas causam preocupação. Se cada governador dispensar privilégios a correligionários que cumprem pena em presídios de sua jurisdição, o sistema penal vira um caos.

A condenação de figuras de destaque da política nacional pelo STF foi interpretada pela população como um divisor de águas na impunidade dos poderosos. Se a execução da sentença for abrandada por simpatia ideo- lógica ou comprometimento partidário, o Brasil estará tornando realidade uma preocupante mensagem da fábula do escritor George Orwell na célebre Revolução dos Bichos. Quando os animais assumiram o comando da granja, criaram os Mandamentos do Animalismo, uma espécie de Constituição do novo sistema que tinha como principal máxima o sétimo item: “Todos os animais são iguais”. Os detentores do poder, porém, passaram a desfrutar de privilégios e trataram de justificá-los de forma escrita, acrescentando um complemento: “Todos os animais são iguais, mas alguns são mais iguais do que os outros”.

E o socialismo virou totalitarismo.

quarta-feira, 26 de fevereiro de 2014

VIOLÊNCIA EM PROTESTOS É MODELO IMPORTADO



JORNAL DO COMÉRCIO 26/02/2014 - 13h41min


Violência em protestos é modelo importado, diz Carvalho




O ministro da Secretaria Geral da Presidência, Gilberto Carvalho, afirmou nesta quarta-feira (26) que há uma "importação" de um modelo de violência nas manifestações brasileiras e isso preocupa o governo, mas que ele não acredita em politização. "Na história brasileira, quem tentar politizar uma manifestação na Copa vai quebrar a cara, porque o povo sabe distinguir as coisas", afirmou ao chegar no Itamaraty para um evento sobre política externa.

"O povo brasileiro adora futebol e espera a Copa. Nós faremos da Copa uma grande festa popular. Tomaremos iniciativas para que de fato hajam formas de participação popular na Copa. Então, acho que quem tentar politizar não vai se dar bem", continuou.

Gilberto comentou a carta que as Nações Unidas teria enviado ao governo brasileiro mostrando preocupação sobre a repressão violenta a manifestações e que não teria sido respondida até hoje, como mostrou o jornal O Estado de S. Paulo . O ministro afirmou não ter conhecimento sobre isso, mas disse que, se existe, "não tem nenhum problema porque nós temos consciência da nossa responsabilidade".

"Precisamos dizer ao mundo que o Brasil é um país essencialmente democrático. O mundo vai ter que entender que o Brasil tem uma forma muito própria de tratar as manifestações. Elas são bem-vindas, elas são naturais, elas são mostras do que é o amadurecimento da consciência social e cidadã de um povo", disse.

"O único problema que nós temos e trataremos com maturidade de dialogar com a sociedade e resolver é o aparecimento da violência nas nossas manifestações, inclusive, ao meu juízo, importando um modelo de fora de um tipo de manifestação violenta. Isso sim nos preocupa, nós vamos tratar".

A Carta da ONU teria sido entregue no meio do ano passado e tratava das manifestações de junho. Relatores das Nações Unidas mostraram preocupação com o que consideraram "uso excessivo de força policial" e denunciava supostas violações de direitos humanos por parte das autoridades para conter as manifestações.

O texto ainda listou uma série de exigências ao governo brasileiro. A entidade quer saber como as ações de autoridades públicas estão em linha com os compromissos internacionais do Brasil em direitos humanos.

DEPREDAÇÃO E AGRESSÕES NÃO VALEM COMO CRÍTICA



JORNAL DO COMÉRCIO - 26/02/2014


EDITORIAL



Em alguns casos, as manifestações de rua, como a última em São Paulo, passaram dos limites. Se a polícia militar age, “foi dura e não sabe lidar com os movimentos sociais”. Se não impede a baderna, a destruição do patrimônio público e privado, é criticada. Aliás, há um sentimento velado de animosidade entre os policiais contra a imprensa, a quem julgam que sempre critica a ação nas ruas. Depredações e agressões de lado a lado estão depondo contra imagem do Brasil no exterior. As manifestações são necessárias e válidas, desde que respeitando os direitos dos demais, a integridade física, principalmente dos agentes da lei e profissionais da imprensa no exercício do seu trabalho, e evitando as depredações, algumas visando o furto descarado em bancos e lojas. Pessoas que forçam a entrada em prédios públicos e protagonizam atos de deboche perdem o respeito da sociedade e para aquilo pelo qual protestam.

Em Londres, manifestação em favor das passeatas no Brasil mostrou pessoas caminhando com cartazes, algumas palavras de ordem, mas sem bloquear as ruas. Aí, esses mesmos jovens, a maioria dos quais, quase certamente, conhece muitas capitais europeias, dizem que, lá, temos um “povo civilizado”. Porém, aqui, eles agem civilizadamente? Querem que um policial fardado, cumprindo ordens e apenas evitando a baderna, apanhe na rua sem reagir? Com certeza, os que bradam contra os chamados “excessos” policiais jamais estiveram no meio de uma baderna generalizada nas quais alguns usam paus e pedras para atingir os que apenas estão dando limites físicos para os manifestantes, sem proibir os atos em si. Um cinegrafista foi vítima fatal por estar, ainda que isolado, na trajetória de foguete que o matou, lançado de maneira gratuita e sem qualquer objetivo válido por dois manifestantes, segundo apurado. É isso que queremos aqui em Porto Alegre?

Os moços podem e devem reclamar contra o que julgam errado na vida pública e privada brasileira, gaúcha e porto-alegrense, mas com limites. A força policial também deve ter cuidado ao lidar com a juventude impetuosa.

Todos sabemos o que precisamos melhorar, e muito está sendo feito. Repete-se à exaustão o clamor por mais educação, saúde, segurança e punição aos corruptos em todos os níveis. Porém, não podemos cair na fantasia e na alienação cívica. Nem tudo é colorido demais, nem Porto Alegre, o Rio Grande do Sul e o Brasil têm traços nítidos, como se os personagens existissem como em um conto de fadas, ou numa fábula moral de uma única dimensão, feliz e sem problemas. Para mantermos uma postura de produtividade, organização, progresso e de muita responsabilidade social, não necessitamos de semblantes carrancudos nem de dentes cerrados. A vida é bela, mas tem lá os seus sacrifícios e exigências. Vamos ter organização e compromissos em nível pessoal e familiar - a base de tudo, como sempre -, ter amor ao estudo curricular e ao trabalho, com muitos compromissos coletivos. A vida pode não ser a festa que esperávamos, mas, uma vez que estamos nela, temos que comemorar com responsabilidade. Vamos apreciá-la, mas sempre honestos, sóbrios e responsáveis. Sem agressões e vandalismo praticados por mascarados.

terça-feira, 25 de fevereiro de 2014

A REJEIÇÃO AOS PROTESTOS



ZERO HORA 25 de fevereiro de 2014 | N° 17715


EDITORIAIS



Pesquisa do Instituto Datafolha divulgada ontem revela que o apoio às manifestações de rua no país caiu para o mais baixo índice desde junho do ano passado. Logo depois que multidões saíram às ruas na metade do ano passado, com um amplo leque de reivindicações, o índice de apoio aos protestos chegou a alcançar 81% dos entrevistados. Agora, apenas 52% das pessoas ouvidas pela pesquisa continuam apoiando as manifestações, com restrições à violência e a atos durante a Copa embora a aprovação ao Mundial também tenha caído bastante.

O que isso significa? Em primeiro lugar, uma inequívoca rejeição às agressões e às depredações praticadas por minorias infiltradas nas manifestações, notadamente o movimento autodenominado Black Blocs. A pesquisa foi feita nos dias subsequentes à morte do cinegrafista Santiago Andrade, numa manifestação em São Paulo. Mas nota-se, também, um desconforto dos brasileiros em relação aos protestos contra a Copa do Mundo. Ainda que a maioria questione os gastos exagerados e a utilização de dinheiro público nas obras, não se pode esquecer que o Brasil festejou o direito de receber a competição da Fifa. Além disso, o povo brasileiro ama futebol e já não há mais como voltar atrás na promoção do grande evento esportivo. Então, no momento em que as manifestações centram seu foco na Copa do Mundo, o apoio aos protestos se retrai.

O outro ponto visado pelos ativistas é o transporte público, que ainda atrai apoiadores. Há, realmente, um descontentamento geral em relação à qualidade dos serviços. Por isso, cada vez que é anunciado um reajuste de tarifas, as pessoas se revoltam e veem nas manifestações um instrumento legítimo de pressão. Porém, quando há queima e depredação de ônibus, os usuários também se sentem prejudicados.

Por fim, a constatação de que os protestos não são espontâneos – e sim organizados por grupos com interesses diversos, inclusive com motivações políticas – também provocou deserções entre pessoas que lutam por causas coletivas, sem atrelamentos a corporações. Aí, porém, é preciso estabelecer uma diferenciação clara entre ativistas profissionais e integrantes de sindicatos, partidos políticos e outras organizações que se manifestam pacificamente e também defendem demandas da população.

A interpretação mais interessante que se pode fazer desta pesquisa é a de que os brasileiros estão a cada dia mais conscientes do que querem e melhor informados sobre os segmentos sociais que pretendem representá-los. Apoiar e rejeitar são exercícios inequívocos de cidadania.

segunda-feira, 24 de fevereiro de 2014

VIOLÊNCIA REVOLUCIONÁRIA



O Estado de S.Paulo 24 de fevereiro de 2014 | 2h 04


Denis Lerrer Rosenfield



A morte de um cinegrafista da Band, atingido no crânio por um rojão disparado por um black bloc, tendo contado com a ajuda de outro membro do mesmo grupo, está suscitando uma série de reações indignadas. Algumas dessas reações têm conteúdo eminentemente político, para não dizer que vertem lágrimas de crocodilo. O apoio velado, para não dizer explícito, agora se traduz pela condenação. Ora, a impunidade com que tal grupo tem agido desde junho já anunciava um desenlace como esse. Era só questão de tempo.

Observemos que não se trata de um assassinato qualquer, como esses que são estampados todos os dias nas notícias impressas e televisivas. Há uma nítida tentativa de alguns responsáveis governamentais e formadores de opinião de desqualificar o componente político desse assassinato, como se fosse uma espécie de acidente que poderia acontecer a qualquer um. Desde junho a violência sob a forma de vandalismo, quebra-quebra e das mais variadas formas de intimidação tomou conta das ruas brasileiras. Mais recentemente esses mesmos grupos procuraram apropriar-se do movimento não violento dos rolezinhos, com o intuito de lhe conferir uma dimensão político-ideológica. Ainda mais recentemente, o MST ameaçou invadir o Supremo e o Palácio do Planalto fazendo uso explícito da violência, 30 pessoas sendo feridas. Transfere para as cidades o que já fazia no campo brasileiro.

Agem todos esses grupos impunemente, apoiados por movimentos sociais organizados e partidos de esquerda e extrema esquerda. Agora, com o assassinato político, todos procuram dissociar-se do ocorrido pela simples razão da condenação e do repúdio observados na opinião pública. Procuram dissociar-se do que até ontem, por assim dizer, apoiavam. Outro fato digno de nota nesse processo é que a qualificação de puro assassinato procura retirar dessa morte a conotação propriamente política, como se não fossem os grupos de extrema esquerda que estivessem por trás - ou à frente - deles. É como se a "esquerda" não tivesse nada que ver com isso.

Imaginem se fosse um grupo de extrema direita o responsável por esse assassinato. Os formadores de opinião "engajados" não cessariam de ressaltar que a direita é culpada de todo o acontecido. Palavras como "fascistas" seriam proferidas e escritas diariamente. Como se trata da "esquerda", procura-se não mais falar disso!

Nas jornadas de junho já havia ficado patente o charme que a violência dos black blocs exercia sobre uma esquerda nostálgica do período áureo do marxismo. É como se se tratasse de um recurso legítimo dos descontentes e revoltados contra o status quo, o "capitalismo", a "burguesia", os "conservadores" e a direita em geral. Tudo estaria justificado em nome da moralidade de um fim maior, que seria uma sociedade sem classes, chamada de socialismo ou comunismo. Quando a violência era mencionada, o objetivo era apenas denominar a ação policial mediante o recurso da força. O jogo ideologicamente encenado era o seguinte: a violência da extrema esquerda seria legítima e moralmente justificada, enquanto o uso da polícia para coibir essa violência seria ilegítimo e imoral. Mesmo máscaras chegaram a ser justificadas. Seria a estética de uma violência glamourizada.

A extrema esquerda, por exemplo, personificada no PSOL, que agora procura dissociar-se do assassinato do cinegrafista da Band, dizia há pouco tempo, na fala de seu secretário-geral: "Em tese, as táticas black bloc dispõem-se a proteger manifestações da sociedade civil contra ações truculentas das forças do Estado". E ainda completou: "Não nos parece que o conceito da tática black bloc seja algo retrógrado ou mesmo indesejável em essência e propósitos originais. É algo progressivo, politicamente moderno, trazido pelas mãos da dialética na História". Eis a "modernidade dialética" do assassinato, travestido de ato revolucionário.

Eis um discurso da Academia, que deveria ser um lugar de inteligência, o que não é, aliás, manifestamente o caso: "Ao chamar a atenção para os bancos, para as grandes marcas e para o Estado brasileiro, o Black Bloc resgata a atenção dos meios de comunicação e a redireciona para o sistema econômico e político que está na gênese da verdadeira violência da nossa sociedade". Eis, enfim, a violência revolucionária apresentada como moralmente legítima. O assassinato faz parte desse percurso!

Há uma mentalidade reinante que tende a justificar qualquer ato violento por razões de ordem pretensamente política, como se fosse válida a concepção marxista da luta de classes. Os conflitos seriam estruturais por seu caráter de classe, de modo que qualquer ação que visasse a destruir o status quo capitalista seria legítima. A violência, nessa perspectiva, seria moralmente justificada. Há o que poderíamos chamar de um marxismo-leninismo difuso que se apresenta sob a forma do politicamente correto.

Segundo essa abordagem, a violência seria somente um meio da classe dominante visando a assegurar a exploração dos trabalhadores, sendo a polícia o seu instrumento. Note-se que, na grande maioria das notícias e análises, o foco esteve centrado na dita violência policial, como se o uso legítimo da força não fosse monopólio do Estado. Intencionalmente, a causa foi confundida com o efeito. O uso policial da força, reativo, foi tido como se fosse a causa. A violência causadora, a dos grupos de extrema esquerda, era tida por moralmente válida, sendo uma ferramenta legítima da luta política.

Uma vez que esses grupos conseguiram impor a sua visão, as forças policiais foram desmobilizadas. Passaram a observadoras das cenas de violência, não intervindo. A impunidade abriu o caminho para que a violência se generalizasse. Não mais contidos, os grupos de extrema esquerda passaram a aumentar o grau de violência. As autoridades públicas, nesse sentido, têm também a sua parcela de responsabilidade.

*Denis Lerrer Rosenfield é professor de Filosofia na UFRGS.


domingo, 23 de fevereiro de 2014

OS LADOS DA HISTÓRIA


ZERO HORA 23 de fevereiro de 2014 | N° 17713


ARTIGOS


por Percival Puggina*



Há poucos dias, em Petrópolis (RJ), com a presença da ministra dos Direitos Humanos, realizou-se evento para assinalar a desapropriação de um prédio identificado como centro de tortura. No final da cerimônia, um coral cantou adivinhe o quê? nosso Hino Nacional? não, o hino da Internacional Comunista, peça musical de fervor revolucionário que chegou a ser hino oficial da URSS durante décadas. Cumprindo a tradição, a performance foi acompanhada e aplaudida por uma plateia de punhos cerrados e erguidos. Ninguém desafinou. Nem vaiou.

Dizer-se democrata e cantar o hino de uma ditadura comunista é desinformar. A propósito, nenhum dos três livros que acabo de importar chamou a atenção das editoras nacionais, apesar de sua cronométrica e milimétrica aproximação à atualidade brasileira, inclusive com o ocorrido em Petrópolis. São eles: Disinformation, que trata das técnicas para construir imagens e versões, e solapar as liberdades; The Killing of History, a propósito de como certas teorias sociais e críticas literárias estão matando os fatos; e The Tyranny of Clichés, sobre como as esquerdas trapaceiam no conflito das ideias. Não seria fantasioso, de modo algum, considerar que o mutismo a respeito dessas e de outras obras seja uma evidência da realidade abordada nos três livros. Pergunto: não seria, também, por desejo de desinformar, de matar a História e de vencer o debate trapaceando que não se traduzem esses livros? A hipótese explicaria muito bem, por exemplo, a ocultação pela mídia nacional de Camaradas, obra de William Waack, escrita após minuciosa pesquisa nos Arquivos de Moscou, com foco na estratégia e na influência da URSS sobre a atuação dos comunistas no Brasil durante a primeira parte do século passado. Tanto se desinforma, se vandaliza a História e se trapaceia no debate de ideias, que hoje ninguém duvida da influên- cia e da participação da CIA nos atos e fatos de 1964. Ao mesmo tempo, sequer entra em cogitação a óbvia consequência disso: que tenha havido simétrica influência e participação soviética na América e no Brasil.

Entre 1945 e 1991, a Guerra Fria, sabemos todos, campeou solta no mundo inteiro. Luta estratégica, de vida ou morte, que não poupou a Lua e o espaço sideral. Surpreendentemente, segundo a história que nos é contada, só a CIA se interessava pelo Brasil. A URSS, que estendia malhas, a ferro e fogo, no Leste Europeu, na África, na Ásia, na América Central, no Caribe e na América do Sul, mediante movimentos guerrilheiros e forças de ocupação, ignoraria solenemente as terrinhas descobertas por Cabral! Se já ouvira falar no Brasil, não prestara atenção. Aqui só xeretariam os gananciosos ianques, difundindo a paranoia de um tal de comunismo que nos humilhava com seu desprezo.

Nas primeiras páginas do The Tyranny of Clichés, o autor Jonah Goldberg cita uma frase que cai como roupa de bom alfaiate sobre o que está em curso no Brasil: “A História não tem lados, mas os historiadores têm”. Foi esse ensinamento que não pude deixar de associar ao fato narrado na abertura deste texto – a reunião da Comissão Nacional da Verdade ocorrida em Petrópolis. Aí está o pecado original de uma Comissão cujo símbolo deveria ser um Saci-Pererê maneta. Com membros apenas do lado esquerdo, essa Comissão não inspira confiança alguma em quem tenha apreço pela verdade. Saberiam cantar o Hino Nacional, com igual fervor e sem desafinar?

*ESCRITOR

ONDA DE MANIFESTAÇÕES NA VENEZUELA JÁ DEIXOU 10 MORTOS

ZERO HORA  22/02/2014 | 21h36

Milhares de opositores e chavistas voltam às ruas de Caracas, na Venezuela. A onda de manifestações já deixou dez mortos, segundo fontes oficiais



Em Caracas, ao menos 50 mil pessoas atenderam à convocação do líder opositor Henrique Capriles
Foto: LEO RAMIREZ / AFP


Milhares de opositores e chavistas saíram às ruas de Caracas neste sábado, na zona leste da cidade para exigir o desarmamento dos grupos paramilitares e no centro para pedir o fim da violência, após quase três semanas de protestos estudantis com saldo de dez mortos.

Em Caracas, ao menos 50 mil pessoas atenderam à convocação do líder opositor Henrique Capriles e foram às ruas para exigir o desarmamento dos grupos paramilitares e protestar contra a crise econômica.

Os opositores se reuniram nas proximidades de um centro comercial de Sucre, reduto da oposição que foi, ao lado do vizinho Chacao, cenário de protestos noturnos, que em alguns casos viraram batalhas campais com as forças de segurança e com a intervenção de civis armados apontados como membros dos denominados "coletivos", simpatizantes do chavismo.

"O Estado deve deter estes grupos que atuam como paramilitares. É inaceitável que existam grupos armados que estão fora de controle", disse à AFP Ramón Guillermo Aveledo, um dos líderes da Mesa de Unidade Democrática (MUD), que aglutina a oposição.

"Já não aguentamos a situação do país. Não é justo que estando em um dos países mais ricos do mundo não possamos conseguir comida, que matem nossos amigos e reprimam nossos protestos", disse à AFP Joel Moreno, estudante de 24 anos, que veio de Barquisimeto (oeste) para participar do protesto.

A passeata da oposição deste sábado foi convocada por Henrique Capriles, governador de Miranda e candidato derrotado por pequena margem pelo presidente Nicolás Maduro na eleição de abril de 2013.

Os protestos, que começaram com estudantes de San Cristóbal e contra a insegurança que afeta o país, chegaram a outros pontos da Venezuela e passaram a ter outros temas, como a crise econômica, a inflação, a repressão policial e a libertação dos detidos nas manifestações.

A onda de manifestações já deixou dez mortos, segundo fontes oficiais, sendo seis por disparos de armas de fogo, três por acidentes de trânsito ligados aos protestos, e um por circunstâncias ainda não apuradas.

Os manifestantes também demonstram apoio a Leopoldo López, outro líder opositor e principal promotor dos protestos, que está em prisão preventiva desde terça-feira em uma unidade militar na região Caracas, acusado de estimular a violência.

Maduro chama os protestos de "golpe de Estado em desenvolvimento", nega qualquer vínculo com grupos armados ilegais e atribui a violência a pistoleiros colombianos contratados pela oposição.

No centro de Caracas, reduto governista, uma multidão, em sua maioria do sexo feminino, participava na manifestação "mulheres pela paz e pela vida", convocada pelo chavismo.

"A Venezuela é um país de paz e não pode se transformar nisto. O que querem estes estudantes? Somos gente de paz. Esperamos que tudo se normalize. Deixem o presidente governar, ele foi eleito democraticamente", explicou à AFP Josefina Lisset, 54 anos, estudante universitária graças a um programa social.

Os dois protestos ocorrem em zonas opostas de Caracas, e a possibilidade de que se encontrem em algum ponto causa alarme em um país altamente polarizado.

Segundo o governo, os protestos afetam "apenas" 18 dos 335 municípios da Venezuela e serão controlados por meios constitucionais, legais e pacíficos.

Capriles ratifica liderança

Com sua convocação para o protesto deste sábado, Capriles volta a se colocar na liderança da oposição, após o domínio dos últimos dias do setor radical da Mesa da Unidade Democrática, cujos dirigentes promovem a estratégia de ocupar as ruas para exigir a "saída" do governo.

"Este governo é um erro na história, mas não podemos sair deste erro para incorrer em outro erro. Temos que construir uma força tão grande que seja capaz de atrair os que levam o lenço vermelho (do chavismo)", decretou Capriles.











ATO MARCADO POR DEPREDAÇÃO E CONFRONTO

ZERO HORA 22/02/2014 | 20h14

PM detém 230 manifestantes e jornalistas em ato contra a Copa em São Paulo. Ato foi marcado por depredação de agências bancárias e confronto com a polícia



Vândalos provocam depredação durante protesto contra Copa do Mundo no Brasil
Foto: EVELSON DE FREITAS / ESTADÃO CONTEÚDO


Manifestantes e policiais militares entraram em confronto na noite deste sábado em São Paulo, durante ato contra a Copa do Mundo. Houve depredações de agências bancárias e conflito na rua Coronel Xavier de Toledo, no centro da cidade, segundo informações da Polícia Militar, que deteve 230 pessoas, entre elas três repórteres e dois fotógrafos.

Com o intuito de tentar dispersar os manifestantes, os policiais marcharam pela rua do centro e fizeram cordão de isolamento para bloquear a ação de manifestantes. De acordo com a corporação, cinco policiais militares ficaram feridos.

No Facebook, o ato de hoje contava com mais de 14 mil presenças confirmadas. O primeiro protesto, realizado em 25 de janeiro, terminou em confronto e teve 128 pessoas detidas.


sábado, 22 de fevereiro de 2014

O FIM DOS SIMBOLOS

21/02/2014 20h49



Atacar a imprensa é alarmante – é como se parte da sociedade desconfiasse da democracia
WALCYR CARRASCO



Para salvar a cigana Esmeralda da condenação à fogueira, o Corcunda de Notre-Dame a leva para o sótão e o telhado da famosa catedral, no romance de Victor Hugo. Era um refúgio seguro. Durante séculos, as igrejas funcionavam como se fossem embaixadas, que protegiam os abrigados até mesmo de exércitos inimigos. Óbvio, não permaneceram assim continuamente. No Brasil, em 1968, foi um escândalo quando, ao final da missa pela morte do estudante Edson Luís, os participantes que deixavam a Igreja da Candelária, no Rio de Janeiro, foram atacados pela cavalaria. Considero esse episódio como a destruição de um símbolo importante que nos afeta até hoje. Até então, a missa era intocável. Estive, pessoalmente, na missa pela morte do jornalista Vladimir Herzog, pelo governo militar, na Catedral da Sé, em São Paulo. Lembro o clima de terror, instaurado em torno de uma simples participação numa missa.

Ao longo dos últimos anos, acompanhei o fim de vários símbolos. Já foi dito o suficiente sobre a morte do cinegrafista Santiago Andrade pelos black blocs. Antes dele, outros jornalistas foram atacados, não só pelos manifestantes, mas também levaram balas de borracha da polícia. Carros de reportagem foram queimados. Jornalistas já foram atacados, sim, em outras situações, internacionalmente. Em guerras, por exemplo. Numa sociedade democrática, durante manifestações, é alarmante. É como se parte da sociedade deixasse de reconhecer a isenção do jornalismo, crença vital para a democracia. Paradoxalmente, outra autoridade tem sido dinamitada nos últimos tempos: a polícia. Quando se descobre que os presídios, onde teoricamente a Justiça mantém criminosos e promoveria sua reintegração, são dominados por grupos criminosos, na cabeça das pessoas, polícia e Judiciário como um todo perdem. Deixam de ser a expressão da lei, tornam-se simbolos estraçalhados. Da mesma forma, o Congresso, com suas atitudes mais que controversas. Já conheço muita gente que diz claramente:

– Para que Congresso? Para que sustentar aquele bando de políticos que não fazem nada?

Não concordo com isso. País sem Congresso é ditadura – no final das contas, é muito pior. O homem não é o único animal que vive em comunidade, mas é o único capaz de criar símbolos. O símbolo é um signo que dá sentido a uma coisa, objeto, até mesmo associação. A vida em grupo precisa de símbolos e convenções. Pode parecer superficial, mas a moda também expressa esse desagregamento. Nas últimas décadas, houve um movimento para relaxar a forma como as pessoas se vestem. Comparecer a uma festa de camiseta não é mais o horror dos horrores. Mas a forma como as pessoas se vestiam, décadas atrás, simbolizava o significado do evento, para elas e para quem também ia. Hoje é uma confusão. Há inúmeros casais em que os homens aparecem de jeans e tênis, e as mulheres de rendas e paetês, como se nada tivessem a ver um com o outro. O ritual de se arrumar para os outros vem sendo abandonado. E, com ele, inúmeros outros pequenos rituais que enriqueciam o cotidiano, que funcionavam como uma linguagem não falada. O fim dos símbolos decreta a destruição da civilidade. Um deles, simples, mas essencial, é a questão da fila. Por convenção, quem chega primeiro fica em primeiro lugar, e assim sucessivamente. A não ser que exista um controle, as pessoas parecem perder essa noção. Amontoam-se. Gritam. Querem ser os primeiros. Não estou me referindo à população mais pobre. Outro dia, no Leblon, no Rio de Janeiro, entrei numa sorveteria que também vende chocolates. Peguei alguns tabletes e fui para o caixa. Na minha vez, um carioca jogou algumas notas no caixa e avisou:

– Tira aqui, seis sorvetes.
– É a minha vez – disse, gentil, enquanto ele fechava a cara.

Se insistisse, eu chamaria até o gerente. Sou bom de barraco quando me sinto injustiçado.
Já vi crianças ser quase atropeladas na hora do embarque do avião. Embora a lei lhes dê prioridade, e os assentos sejam marcados!

Perdemos os símbolos, década após década. Os grandes, fundamentais para a sociedade como um todo: a sacralidade, o respeito à mídia, a crença nos políticos. E os menores, do dia a dia, que ditam normas de convivência, como até mesmo deixar alguém entrar no elevador antes de nós. Nem sequer vejo o nascimento de novos símbolos e convenções. Que futuro estamos construindo, afinal?

SOMOS TODO SANTIAGO


O rojão que matou o cinegrafista Santiago Andrade atingiu cada um de nós. É preciso dar um “basta!” à escalada da intolerância e da violência nas manifestações de rua

GUILHERME EVELIN E HELIO GUROVITZ, COM RAPHAEL GOMIDE E VINÍCIUS GORCZESKI
14/02/2014 21h16 - Atualizado em 21/02/2014 13h55


Jornalistas são os olhos, ouvidos e vozes de uma nação. Olhos, ouvidos e vozes que trabalham para todos. É por meio dos olhos das câmeras que vemos o que acontece em locais distantes. Por meio dos ouvidos dos microfones que escutamos o que os outros têm a nos dizer. Por meio das vozes que narram as histórias que tentamos entender o mundo, compreender nosso tempo, alcançar um conhecimento modesto sobre o pouco que cabe a cada um de nós saber nesta vida. Sem olhos, sem ouvidos, sem vozes, restam apenas ignorância, escuridão, silêncio.
Qualquer ataque à imprensa é um ataque a esses olhos, ouvidos e vozes. Quem ataca a imprensa ataca olhos, ouvidos e vozes que trabalham para si próprio, que estendem sua própria visão, sua própria audição e sua própria voz. Quem ataca a imprensa não quer apenas cegar o outro – quer também ficar cego. Não quer apenas ensurdecer o outro – quer também ficar surdo. Não quer apenas calar o outro – quer também ficar mudo. 
Ser os olhos de todos nós era o trabalho do jornalista e cinegrafista Santiago Andrade, da Rede Bandeirantes de Televisão. Santiago foi atingido com um rojão na cabeça, enquanto trabalhava na cobertura de protestos contra o reajuste da tarifa de ônibus, no Rio de Janeiro na quinta-feira, dia 6 de fevereiro. Sua morte na última segunda-feira, dia 10, fez dele a primeira vítima a morrer num conflito provocado pela espiral de manifestações que tomaram o país desde as jornadas de junho do ano passado, quando milhões de brasileiros foram às ruas protestar inicialmente contra reajustes nas tarifas de ônibus, depois contra carências de toda sorte.

A PRIMEIRA VÍTIMA O momento em que  o rojão atinge  o cinegrafista Santiago Andrade. A escalada  da violência nas manifestações fez  seu primeiro cadáver (Foto: Agência O Globo)
Desde então, as manifestações minguaram em participação e passaram a ser monopolizadas por grupos de ativistas violentos – entre os quais praticantes da tática anarquista conhecida como black bloc. Eles transformaram em meta o vandalismo contra governo, polícia, imprensa, bancos, estabelecimentos comerciais, monumentos – e tudo aquilo que possa estar associado às instituições democráticas. Não é uma atitude desprovida de racionalidade, como lembra o cientista político Fernando Luís Schüler, em artigo na edição de ÉPOCA desta semana. Trata-se de uma ideologia antiga e tosca, inaceitável num Estado democrático de direito. Ela procura justificar a violência como reação à “violência do Estado” e inspira a ação dos ativistas, recrutados entre jovens com amplo acesso à internet, formação intelectual de menos – e irresponsabilidade de mais.
É o caso de Caio Silva de Souza e Fábio Raposo, os dois rapazes que armaram o rojão que matou Santiago. É provável que digam a verdade quando afirmam que não o tinham como alvo. Mas não foi por acaso que o morteiro o atingiu. Os jornalistas têm sido algumas das principais vítimas do aumento da truculência nos protestos. Segundo um levantamento feito pela Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji), 118 jornalistas foram alvos de violência, desde o início das manifestações. Um relatório da organização internacional Repórteres sem Fronteiras considera o Brasil o país no hemisfério ocidental que mais registrou  mortes de jornalistas ligadas ao exercício da profissão em 2013. (Em 2012, tal posição era do México.) No mundo, o Brasil foi o oitavo país mais perigoso para a atividade jornalística.
Toda vez que a violência se banaliza ou vira uma arma política, quem perde somos todos nós. Quando essa violência atinge jornalistas, perdemos duplamente.  Pela violência em si – e pela perda de nossos olhos, nossos ouvidos, nossas vozes. Alguns políticos míopes, cujo principal objetivo na vida pública parece ser aferrar-se ao poder, podem achar que a imprensa no Brasil constitui hoje uma “oposição sem cara” ao bloco político no governo. Eles se esquecem de dizer – certamente não por ignorância – que o papel da imprensa numa democracia é justamente funcionar como olhos vigilantes, ouvidos atentos e vozes destemidas da sociedade – para denunciar os abusos, desvios e erros de quem exerce o poder. Nas palavras sensatas do ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, em entrevista a ÉPOCA: “Chega! É hora de dar um basta!”.

Em 2013... (Foto: ÉPOCA)
Jornalistas viraram alvos preferenciais da violência no Brasil porque, ao estar presentes nas manifestações nas ruas, cumprem sua missão de servir como olhos, ouvidos e vozes da sociedade. Os abusos da polícia na contenção das primeiras manifestações foram denunciados pela imprensa profissional e serviram de estopim para as jornadas de junho de 2013. Ao relatar o despreparo e a falta de controle emocional dos policiais para lidar com um novo tipo de manifestação, sem lideranças identificáveis e convocada pelas redes sociais, os jornalistas frequentemente se tornaram vítimas, eles próprios, dos abusos. Segundo o levantamento da Abraji, a maior parte das violências contra jornalistas tem partido de policiais.
O despreparo policial realimenta a violência dos ativistas. Para interrompê-la, os abusos precisam ser punidos de todos os lados – e eles têm sido pouco castigados, apesar dos muitos flagrantes. A Polícia Militar do Rio de Janeiro informou a ÉPOCA que concluiu apenas três sindicâncias sobre excessos cometidos no controle das manifestações. É preciso também valorizar os policiais em seu papel de agentes do Estado e dar-lhes os meios adequados para enfrentar manifestantes armados de pedras, artefatos explosivos, facões, querosene e bolas infláveis.  É necessária uma revisão da legislação para impedir que um ativista seja preso por agressão a um policial um dia, e no outro já esteja liberado. “Não é possível que alguém dê uma pedrada num policial e responda por lesão leve”, diz o secretário de Segurança Pública de São Paulo, Fernando Grella Vieira. “Precisamos adequar a legislação, para termos instrumentos de resposta às situações de vandalismo.”
A violência nas ruas encontra também sua correspondência nas redes sociais, onde a retórica da intolerância tem se amplificado por pistoleiros de aluguel e oportunistas rasteiros, que agem movidos por mera pecúnia. Se quisermos dar um “basta!” à brutalidade, como diz o ministro Cardozo, é preciso também um esforço para trazer a discussão pública para termos mais civilizados e menos bestiais. “É melhor contar cabeças do que cortar cabeças”, costumava dizer, em defesa da democracia, um dos maiores intelectuais do século XX, o italiano Norberto Bobbio. No labirinto da convivência coletiva, o único salto qualitativo possível, diz Bobbio, é da violência para a não violência.
É fundamental que a morte de Santiago seja um ponto de inflexão para isso – a hora do “basta!”. Nos protestos estudantis de 1968, uma palavra de ordem ecoou no Rio de Janeiro após a morte do estudante Edson Luís de Lima Souto, atingido pela polícia durante a invasão de um restaurante universitário: “Mataram um estudante, poderia ser seu filho”. No nosso tempo, a morte de Santiago poderia suscitar uma palavra de ordem semelhante: “Mataram um jornalista, poderia ser você”. Na verdade, era você. E todos nós.
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Imprensa na mira (Foto: Diego Zanchetta/Estadão Conteúdo, Uanderson Fernandes/AFP, Pedro Kirilos /Ag. O Globo,  Alan Morici/Brazil PhotoPress, Midia Ninja, Ueslei Marcelino/Reuters, reprodução (3), Amauri Nehn/Brazil Photo Press, André Coelho/Ag. O Globo, Fernando Bizerra)

CHEGA. É HORA DE DAR UM BASTA

José Eduardo Cardozo: "Chega. É hora de dar um basta"

O ministro da Justiça recebeu da presidente Dilma Rousseff a incumbência de acabar com a violência nas manifestações. E diz: “Temos de ser rápidos e precisos”

DIEGO ESCOSTEGUY
14/02/2014 21h29


PROPORÇÃO O ministro José Eduardo Cardozo, na quinta-feira passada. “Não há por que atirar bombas de gás e balas de borracha em situações que não exigem isso” (Foto: Celso Junior/ÉPOCA)
O ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, é o bombeiro-geral da República. À frente da Pasta há três anos, desde o começo do governo, Cardozo é o homem convocado pela presidente Dilma Rousseffquando uma encrenca aparece em Brasília. Da caça a fugitivos da Justiça, como o petista Henrique Pizzolato, a investigações sobre cartel de trens. Recentemente, Cardozo recebeu de Dilma o que talvez seja sua mais difícil encrenca até agora: liderar Brasília e os governos estaduais num esforço para pôr fim à violência que define os protestos em curso no país – e com urgência. Nesta entrevista exclusiva a ÉPOCA, ele adianta as medidas que são preparadas para os próximos dias. 
ÉPOCA – Qual a reação do senhor ao saber da morte do cinegrafista Santiago Andrade?
José Eduardo Cardozo –
 Fiquei bastante chocado, como acho que todos os brasileiros ficaram. Conquistamos a democracia e a liberdade de expressão no Brasil a duras penas. Muitas pessoas lutaram por isso. Foram presas, perderam suas vidas. Esse é um valor muito caro para quem viveu o período da ditadura militar. De repente, pessoas usam a liberdade de manifestação de maneira injustificada, para depredar, atingir outras pessoas – e, para completar, até para matar. É difícil não ficar revoltado. É por isso que, nesta hora, devemos refletir com muito cuidado – e com muita racionalidade – para que a emoção não nos leve a tomar medidas indesejáveis, que não resolvam o problema, ou até que o piorem. Como governante e ministro da Justiça, tenho de buscar a melhor alternativa, seja do ponto de vista de ações políticas, legislativas ou administrativas, para impedir que episódios assim se repitam. E que protestos com episódios de violência, seja da polícia ou dos manifestantes, continuem ocorrendo. Chega. É hora de dar um basta.
ÉPOCA – Como o governo contribuirá para esse basta? Com a proximidade da Copa, ele se torna ainda mais urgente e necessário.
Cardozo – 
Quanto à Copa, os brasileiros e os estrangeiros que nos visitarão podem ficar tranquilos. Nosso plano de segurança é muito bem feito. Partiu de uma premissa usada em todos os países do mundo. Temos integração com o Ministério da Defesa, com diretrizes claras e respeito à hierarquia. Centros de inteligência concentrarão as decisões. As equipes, civis ou militares, estão em sintonia e em estado máximo de alerta. Isso me deixa seguro de que o plano de segurança é absolutamente correto, avançado e tranquilizador. É absolutamente natural que haja manifestações na Copa. Mas também é absolutamente natural que o Estado esteja presente nelas, para garantir tanto o livre direito à manifestação quanto a ordem pública. Não permitiremos atos de vandalismo e violência.
ÉPOCA – Como assegurar, na prática, que as manifestações ocorram sem violência, por parte de black blocs ou abusos de força policial?
Cardozo –
 Atuamos em várias frentes. Uma delas diz respeito à atuação policial. Em discussões com os secretários de Segurança de São Paulo (Fernando Grellae do Rio (José Mariano Beltrame), definimos um protocolo, uma espécie de regramento comum para a atuação das polícias nessas situações. Não só para a Copa: vai valer agora. Um regramento que diga quando se podem ou não usar certas armas. Que parta do princípio da proporcionalidade. A ação policial tem de ser proporcional àquilo que é exigido dela – não pode ir além nem ficar aquém. Não se pode usar um meio mais rigoroso que o necessário para resolver o problema. Não há por que atirar bombas de gás ou balas de borracha em situações que não exigem isso. Só serão usadas em situações extremas – e para evitar o uso de armas letais. Esse regramento dará parâmetro de atuação às tropas policiais brasileiras, que ainda estão perdidas em como lidar com as manifestações. Permitirá também que a sociedade saiba como a polícia pode ou não agir em cada situação. E cobrar punição por eventuais abusos ou falhas.
ÉPOCA – Quando esse protocolo entrará em vigor?
Cardozo –
 O governo poderia fazer isso por portaria, mas estou discutindo com todos os secretários de Segurança Pública do país, de modo que esse protocolo receba todas as contribuições possíveis – e tenha a maior legitimidade possível. Temos urgência nisso. Teremos isso pronto em dez dias.
"Usam a liberdade de manifestação para depredar e até para matar. É revoltante"
ÉPOCA – O que mais pode ser feito?
Cardozo –
 Melhorar nossas leis. Nosso Código Penal é de 1940. Os problemas atuais exigem uma atualização de nossa legislação. Há alguns anos, era impensável que marginais se aproveitassem de manifestações legítimas para praticar atos violentos. Seja com que finalidade fosse. O anonimato numa manifestação também não era uma questão. Tornou-se agora. A Constituição é muito clara. Permite a liberdade de expressão, mas veda o anonimato. É preciso regulamentar isso. Não se pode recorrer ao anonimato para cometer crimes. Vários países do mundo, como França e Canadá, têm leis sobre isso. Estamos buscando elementos nas experiências bem-sucedidas de outros países e nas sugestões dos secretários de Segurança Pública.
ÉPOCA –  Essas lacunas serão preenchidas por meio de um projeto de lei do Executivo?
Cardozo – 
Sim, pretendemos mandar um projeto ao Congresso em pouquíssimos dias. Ele poderá conter outras propostas. Avaliamos, por exemplo, fazer como em outros países, em que a polícia tem a prerrogativa de deter um manifestante que esteja portando armas brancas, como paus ou pedras, ao menos até que o protesto se encerre. Haverá também uma parte que tratará do agravamento de penas. Talvez seja correto aumentar a punição ao indivíduo que, numa manifestação, deprede o patrimônio dos outros – e, pior, fira ou mate pessoas. O que não podemos fazer neste  momento, porém, é cair no extremo oposto, no exagero.
ÉPOCA –  Como trazer o terrorismo ao debate…
Cardozo –
 Isso. Parece incorreto qualificar de terrorismo os crimes nas manifestações. A Lei de Terrorismo é necessária e está em discussão, mas não se aplica ao problema que enfrentamos. Não podemos reagir passionalmente agora.
ÉPOCA –  O senhor tem convicção de que terá o apoio do Congresso para aprovar essas medidas?
Cardozo –
 Estamos buscando o diálogo para que isso aconteça. Temos de ser rápidos e precisos. Com racionalidade na discussão, mas com pressa, porque o Brasil tem pressa.
ÉPOCA –  Nas medidas em discussão para os próximos dias, haverá propostas para garantir que os jornalistas possam fazer seu trabalho nessas manifestações?
Cardozo – 
Os números mostram que os jornalistas brasileiros trabalham sob um clima de perigo físico inaceitável. Jornalistas são assassinados no Brasil apenas por fazer seu trabalho. Esse lamentável episódio com o cinegrafista da TV Bandeirantes mostra a gravidade da situação. Todos sabemos – ou deveríamos saber – que a liberdade de imprensa é fundamental para nossa democracia. É inaceitável que um jornalista seja tolhido ou ameaçado no exercício de sua função, como tem sido o caso nas manifestações. O Estado tem de garantir ao jornalista condições para que ele faça seu trabalho em segurança. Temos de ter uma política de Estado para isso.
ÉPOCA – Como o governo federal pode garantir a segurança dos jornalistas se, ao mesmo tempo, patrocina blogs e sites que, a pretexto de reforçar a pluralidade de opiniões, se dedicam a achincalhar jornalistas, procuradores, ministros do Supremo, políticos da oposição? Não é contraditório financiar esse discurso do ódio?

Cardozo – 
Não entrarei em detalhes sobre esses patrocínios, mas posso registrar que a cultura da intolerância é algo muito forte na sociedade brasileira. Percebe-se que a circulação de informação na internet, ao mesmo tempo que permite o acesso a um sem-número de fatos e opiniões, permite também a propagação do que você chama de discurso do ódio, da intolerância e do desprezo em relação ao outro. Como lidar com isso? A questão-chave é a definição do limite. Num Estado constitucional, há limites para o poder e para os direitos das pessoas. Como disse Montesquieu, todo homem que tem poder tende a dele abusar. É muito difícil, porém, precisar na internet o limite desse direito à livre expressão. Dificilmente se consegue resolver isso por atos governamentais.
ÉPOCA – Proibir o anonimato de opiniões na internet, como nos protestos, não seria uma opção em acordo com a Constituição? Afinal, os mascarados nas ruas tiram suas ideias de algum lugar, e não parece ser da leitura dos clássicos…

Cardozo –
 O governo e a sociedade precisam enfrentar isso. Mas não podemos cair no erro de reagir de modo intolerante à própria intolerância. Isso só leva à polarização, à radicalização e à violência. Precisamente o que muitos desses atores na internet desejam. 

CRIME NO RIO, PRESSA EM BRASÍLIA

21/02/2014 15h05
Depois da morte do cinegrafista Santiago Andrade, o Congresso quer dar celeridade à aprovação de leis que ajudem a evitar novas tragédias

LEANDRO LOYOLA



ANONIMATO
Manifestantes destroem catracas na Central do Brasil. Democracias como Canadá e França proíbem máscaras (Foto: Paulo Campos/Futura Press)

A morte do cinegrafista Santiago Andrade, no Rio de Janeiro, provocou as reações previstas em casos célebres de morte estúpida. Com a mesma rapidez com que tristeza e revolta se manifestaram em redes sociais, começaram a surgir ideias no Congresso Nacional, em Brasília. Numa tarde normalmente vazia, o senador Jorge Viana (PT-AC) subiu à tribuna para propor a votação urgente de um projeto que versa sobre o crime de terrorismo – e caminha pelas vias burocráticas desde 2011. “Foi usado um explosivo. Não é um rojão de festa junina. Poderia ter matado muitas pessoas”, disse Viana. “Foi, sim, uma ação terrorista a que nós vimos na manifestação.” Seu colega de partido Paulo Paim (RS) sugeriu a aprovação da matéria o mais rápido possível. Dois dias após a morte de Santiago, num tom mais comedido, o secretário de Segurança do Rio de Janeiro, José Mariano Beltrame, entregou a senadores da Comissão Especial de Segurança Pública uma proposta de projeto de lei para coibir a violência em manifestações.

Feito com a ajuda do Ministério Público carioca e das polícias locais, inspirado na legislação da Espanha, o texto cria o crime de desordem e estabelece uma pena de 12 anos de prisão em caso de morte. Proíbe o uso de armas e máscaras – ou de qualquer coisa capaz de esconder a identidade. “As manifestações surgiram no ano passado de uma maneira que nunca havíamos visto. Gente mascarada usando pedras, coquetéis molotov, foguetes. Em função do que temos hoje na lei, não temos condição de manter essas pessoas presas e puni-las, porque os crimes são de menor potencial ofensivo”, diz Beltrame. Ele já entregara o mesmo texto ao Ministério da Justiça no ano passado – mas, com “pressa”, levou também à Comissão Especial de Segurança Pública do Senado. “Precisamos ser rápidos”, disse.




Como os senadores que foram à tribuna, a intenção de Beltrame é evitar novas mortes em conflitos e dar celeridade ao debate. Há algumas soluções praticamente consensuais. Algumas delas surgiram em conversas entre o ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, e secretários de Segurança dos Estados, como o paulista Fernando Grella e o próprio Beltrame. O que todos querem é simples. Hoje, um manifestante vestido com a máscara de Guy Fawkes, mais conhecido símbolo do grupo de hackers anarquistas Anonymous, ou com uma camiseta escondendo o rosto, joga pedras na polícia ou destrói uma agência bancária. Se for preso e identificado, será solto pouco depois e responderá em liberdade, com risco de cumprir apenas uma curta pena na cadeia. A intenção é que esse manifestante pense duas vezes antes de atacar policiais – crime gravíssimo em qualquer democracia – ou destruir patrimônio público ou privado.

A proibição ao uso de máscaras é uma possibilidade factível. Não se trata de cerceamento de liberdade. Democracias como Canadá e França já fazem isso. A Inglaterra permite o uso das máscaras, mas a polícia pode interpelar qualquer mascarado e obrigá-lo a se identificar. Se for considerado suspeito, ele pode ser detido por até 48 horas. Outra mudança é permitir que a polícia possa deter, preventivamente, manifestantes que carreguem armas, como facas, paus e pedras. Medidas como essas duas precisam passar pelo Congresso Nacional, mas têm a vantagem de não exigir grandes alterações na lei.

É necessário também evitar outra ameaça: a violência excessiva das polícias. Em diversas ocasiões, no ano passado, o uso exagerado da força provocou reações ainda mais violentas em protestos no país. Uma medida de controle é estabelecer para as polícias de todos os Estados um protocolo comum de ação em manifestações. Trata-se de uma maneira de coibir abusos ou eventuais omissões. Do ponto de vista prático, isso precisa apenas de um acordo entre o governo federal e os Estados.

Ao contrário dessas medidas viáveis, o projeto que regulamenta o crime de terrorismo, citado pelo senador Viana, não parece o mais adequado para tratar de violência em manifestações populares. Relatado pelo senador Romero Jucá (PMDB-RR), o texto define terrorismo como “provocar ou difundir terror ou pânico generalizado mediante ofensa ou tentativa de ofensa à vida, à integridade física, ou à saúde, ou à privação de liberdade de pessoas”. “Acredito que precisamos trabalhar para esclarecer mais o tipo penal”, diz o senador Pedro Taques (PDT-MS) envolvido no projeto. “Esse projeto não tem nada a ver com os crimes nas manifestações.” Misturar terrorismo com depredação, vandalismo, incitação ou homicídio em manifestações pode resultar em outro crime, o cerceamento de liberdade de expressão. Unir as duas coisas foi a fórmula usada pela ditadura militar (1964-1985), para manter o controle das oposições – parte delas armadas. Essa era uma das funções da Lei de Segurança Nacional, baixada em outubro de 1969. A presidente Dilma Rousseff sabe disso.

Em vez da lei contra o terrorismo, os parlamentares devem se concentrar no projeto de Beltrame e em outro apresentado pelo senador Armando Monteiro (PTB-PE). É importante manter o foco. Há 44 projetos relacionados ao tema caminhando no Congresso. Basicamente, alguns querem criar novos crimes, enquanto outros querem apenas aumentar a pena para os crimes que já existem. Uma armadilha a evitar é misturar leis destinadas a prevenir tragédias como a morte de Santiago e matérias encrencadas, como a reforma do Código de Processo Penal. A reforma é um projeto longo, que se arrasta cercado de complexidades e interesses. A melhor maneira de homenagear Santiago – e evitar a proliferação de novas vítimas e algozes disfarçados de democratas – é discutir medidas simples como as já consensuais. E buscar, além disso, a concisão jurídica.

ELES RECEBERAM DINHEIRO?


21/02/2014 16h51

Presos os acusados, é preciso investigar as denúncias de que partidos políticos aliciam e incitam a violência
HUDSON CORRÊA E RAPHAEL GOMIDE, COM ISABEL CLEMENTE, ANA LUIZA CARDOSO E FLÁVIA TAVARES



OS ACUSADOS
Caio Silva de Souza (à esq.) e Fábio Raposo Barbosa (no detalhe). Caio disse que, nos protestos, havia encarregados de distribuir pedras e fogos de artifício para os manifestantes (Fotos: Daniel Marenco/Folhapress e Carlos Moraes/Ag. O Dia)

Depois de uma ação policial rápida e eficaz, os suspeitos do assassinato do cinegrafista Santiago Andrade foram presos na semana passada. Restou, no entanto, uma questão no ar, fundamental para entender – e combater – os crimes em manifestações: Caio Silva de Souza e Fábio Raposo Barbosa recebem dinheiro para promover violência em protestos? Quem fez a denúncia, num primeiro momento, foi o próprio advogado de defesa de ambos, Jonas Tadeu Nunes. Ele disse que, quando participava de manifestações, Caio recebia R$ 150, lanche e passagem de volta para casa. Jonas disse também que o aliciamento se dá em “sistema de pirâmide”. Um ativista ligado a partidos arregimenta um grupo de pessoas, e cada uma delas recruta outros simpatizantes. Isso se repete, e a rede de aliciamento cresce. Dessa maneira, o dinheiro circula entre integrantes da célula, e fica difícil descobrir quem é o financiador na ponta.

Em seu depoimento à polícia, Caio admitiu haver pessoas “que aliciam jovens para participar de passeatas” e que “já foi convidado também para participar de forma remunerada”. Não revelou quem fazia esse tipo de proposta. Mas deu detalhes. Disse que havia “encarregados de distribuir pedras e apetrechos”, além de explosivos, para os atos de vandalismo. Caio afirmou também que acha que os partidos cujas bandeiras aparecem nos protestos são os mesmos que pagam manifestantes. Ele citou o PSOL, o PSTU e a Frente Independente Popular (FIP). Os dois partidos emitiram nota negando esse tipo de financiamento. A FIP não se pronunciou. Segundo o delegado Fernando Veloso, chefe da Polícia Civil, os serviços de inteligência iniciaram há alguns meses investigações sobre o aliciamento de jovens para promover quebra-quebras durante os protestos. Ainda em janeiro, um policial disse a ÉPOCA que políticos recrutavam até 300 manifestantes por protesto, com pagamento de R$ 200 para cada um.

Numa outra frente de investigação, a polícia apura casos de vandalismo cometidos por filiados a partidos políticos. ÉPOCA obteve documentos do serviço de inteligência sobre um dos investigados, um militante do PSOL, com histórico de fazer inveja a muito black bloc. Cantor e compositor, Paulo Henrique Antonio Lima, de 25 anos, candidatou-se em 2012 a vereador de São Gonçalo, na região metropolitana do Rio de Janeiro. Não se elegeu. PH Lima – nome que usa nas redes sociais – foi preso duas vezes no intervalo de sete dias, em julho de 2013. Uma das detenções ocorreu no Leblon, na Zona Sul, local do “Ocupa Cabral”, movimento que promoveu um acampamento perto da casa do governador Sérgio Cabral. Duas mil pessoas participaram do protesto, que terminou em confronto com a polícia quando um grupo tentou se aproximar do prédio onde mora o governador. Os manifestantes recuaram e saíram pelas ruas quebrando agências bancárias, ateando fogo a lixeiras e saqueando lojas. Naquela noite, nove foram presos, acusados de formação de quadrilha – entre eles PH Lima. Ele também responde a um processo por lesão corporal leve, ao arremessar pedras. No começo do ano, PH Lima passou a se dedicar também aos rolezinhos, até aqui sem ações violentas. “Fui preso por formação de quadrilha apenas porque segurava uma faixa que dizia ‘Fora Cabral’. Os policiais foram truculentos e me prenderam sem justificativa”, disse PH Lima a ÉPOCA.

NATAL
Elisa Quadros, a Sininho. Ela roubou a cena durante as investigações. A lista de contribuições a uma festa de Natal organizada por ela envolvia um juiz, um policial e dois políticos do PSOL (Foto: Celso Barbosa/Futura Press/Folhapress)

A principal liderança do PSOL no Rio é o deputado estadual Marcelo Freixo, que presidiu a CPI contra as milícias. Ele ganhou fama nacional por ter inspirado um dos principais personagens do filme Tropa de elite 2. Na semana passada, seu nome foi o primeiro a surgir nas aventadas ligações entre partidos e manifestantes violentos. O advogado Jonas disse na delegacia que Freixo era “ligado” ao rapaz que acendeu o rojão que atingiu Santiago e ofereceu ajuda jurídica a Fábio Raposo Barbosa, um dos acusados. Jonas atribuiu a afirmação à ativista Elisa Quadros, apelidada de Sininho. Sininho e Freixo negaram. Freixo diz ser “totalmente contra a violência, como método e como princípio”. De concreto, os dois admitem que, depois da prisão de Raposo, Sininho procurou Freixo por telefone. Segundo ambos, ela pediu que Freixo – na qualidade de presidente da Comissão de Direitos Humanos da Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro – verificasse “se não aconteceria nada com o Fábio na prisão”.

O telefonema para Freixo fez com que Sininho roubasse a cena durante as investigações. Ela apareceu ao longo da semana em vários momentos, em atos de solidariedade aos presos, em vídeos em que atacava a imprensa – e também quando foi divulgada uma lista de contribuições para uma festa de Natal organizada por ela, para os moradores de rua da região da Cinelândia, no Rio de Janeiro. Na lista de contribuintes estavam dois vereadores do PSOL, Renato Cinco e Jefferson Moura, um juiz, João Batista Damasceno, e até um policial, o delegado Orlando Zaccone – durante o evento, ele deu uma palestra sobre o direito de protestar.

A relação de Freixo com manifestantes, até onde se sabe, se dá de forma indireta e na área jurídica. Dois assessores de Freixo, os advogados Thiago Melo e Tomás Ramos atuam no Instituto dos Defensores dos Direitos Humanos (DDH), uma ONG que oferece defesa jurídica a manifestantes detidos. Thiago é funcionário do gabinete de Freixo e Tomás dá expediente na Comissão de Direitos Humanos. Cada um dos advogados recebe salário de R$ 5.264,44. “O DDH garante que os detidos não sejam acusados por motivos absurdos. Essas pessoas não estão condenadas, e não me cabe julgá-las, mas garantir sua defesa”, diz Thiago. Freixo considera legítima a atuação dos assessores.

Outro partido que sai em socorro de manifestantes presos é o PR, comandado no Rio de Janeiro pelo deputado federal Anthony Garotinho. No dia 16 de dezembro, 25 ativistas foram detidos depois de invadir o prédio do antigo Museu do Índio, conhecido como Aldeia Maracanã, por ficar ao lado do estádio. Logo em seguida, chegou à delegacia um dos principais funcionários do gabinete do deputado estadual Geraldo Pudim (PR). O publicitário Sebastião Rodrigues Machado Junior, conhecido como Nayt, se apresentou como assessor especial para direitos humanos de Pudim. Ele prestou declaração como testemunha e reclamou que não tomara conhecimento de ordem judicial para a desocupação. Nayt faz parte da direção do PR e recebe um salário de R$ 8 mil mensais no gabinete de Pudim.

POLÍTICOS
O deputado Geraldo Pudim (PR) e o militante PH Lima, do PSOL (à dir.). PH Lima já foi preso por vandalismo (Fotos: Carlos Moraes/Ag. O Dia e reprodução)

Em novembro, uma reportagem do jornal O Globo apontou Nayt como suspeito de recrutar e pagar ativistas para manifestações de rua. Após a publicação da reportagem, uma das delegacias que investigam atos de vandalismo intimou-o a prestar depoimento. Nayt recorreu à Justiça, que considerou a intimação ilegal, pois não especificava a acusação ou caso investigado. Procurado por ÉPOCA, Nayt preferiu não dar entrevista. A assessoria de Pudim disse que Nayt não recruta manifestantes e que, no caso da Aldeia Maracanã, passava de carro pelo local quando viu as prisões e decidiu ir à delegacia.

Caio e Raposo, os suspeitos do assassinato de Santiago, são assíduos em manifestações – independentemente de a polícia comprovar se recebem dinheiro. Caio tem 22 anos e mora no município de Nilópolis, na região metropolitana do Rio de Janeiro. Ele tem apenas o ensino fundamental, que cursou em escolas públicas, e trabalha como porteiro num hospital em Campo Grande, bairro da Zona Oeste do Rio. Vai ao trabalho de trem. Mora com o pai, o enfermeiro Antonio Carlos, cuja casa fica mais perto da estação. A mãe vive no mesmo bairro, com o avô materno de Caio. Mãe e avô tomam remédios controlados contra esquizofrenia.

Raposo também tem 22 anos e mora sozinho num apartamento no Méier, bairro de classe média na Zona Norte do Rio. Antes de se tornar Fox, nome que usa nas manifestações, Raposo era apenas Fabinho, filho mais velho de uma professora da rede pública. Ele cresceu no Méier. Há poucos anos, os pais se divorciaram. A mãe se mudou com a irmã e o segundo marido para o Recreio dos Bandeirantes, bairro da Zona Oeste do Rio. Raposo ficou com o pai, mas desde o ano passado mora sozinho. É o tipo de jovem que ajuda vizinhos idosos com sacolas de compras e chama a síndica de “tia”. Quem o conhece desde pequeno lembra o menino que gostava de soltar pipa, andar de bicicleta e skate. Para pagar as contas, Raposo fazia bicos como DJ. Depois, comprou equipamentos para tatuar e resolveu mudar de profissão. Treina tatuagens nos amigos. A mãe visita o filho com frequência e, não raro, se encarrega de fazer as compras de supermercado para ele.

Caio e Raposo aguardam o julgamento em penitenciárias diferentes no Complexo de Gericinó, em Bangu. A polícia ainda investiga até que ponto eles são parte de um fenômeno maior – o aliciamento de militantes pagos para promover atos violentos em manifestações.