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domingo, 14 de dezembro de 2014

REDE DE REPRESSÃO MONTADA PELA DITADURA NO RS

ZH 13/12/2014 | 14h01


Conheça a rede de repressão montada pela ditadura no Rio Grande do Sul. Estado concentrou 39 locais de detenção e tortura durante o regime militar, a maior estrutura montada no país, conforme relatório da Comissão Nacional da Verdade

por Nilson Mariano



Uma rede com 39 locais de detenção e tortura foi montada no Rio Grande do Sul enquanto vigorou a ditadura militar. A julgar pelo relatório da Comissão Nacional da Verdade (CNV), divulgado quarta-feira, converteu-se na maior estrutura repressiva do país — em número de unidades instaladas —, superando outros Estados estratégicos como Rio de Janeiro, São Paulo e Minas Gerais.

A CNV define que eram “instituições e locais associados a graves violações de direitos humanos”. Quartéis do Exército e da Brigada Militar, mais delegacias de Polícia Civil, foram adaptados para guardar ou interrogar prisioneiros políticos, em 16 cidades. Houve até um navio-cárcere, o Canopus, que ancorou no porto de Rio Grande em abril de 1964.

Nem todos os lugares foram centros de tortura. Podiam ser referência para o “primeiro soco” (interrogatório preliminar) ou o depósito daqueles que já haviam feito confissões depois de sofrerem choques elétricos e espancamentos. Em intensidade, nenhum superou o Departamento de Ordem Política e Social (Dops), no Palácio da Polícia de Porto Alegre.

O fato de o aparato gaúcho ser o mais amplo do Brasil surpreendeu até veteranos militantes de esquerda que pesquisam o assunto. João Carlos Bona Garcia, ex-Vanguarda Popular Revolucionária (VPR), diz que as unidades de prisão e tortura foram se espalhando gradativamente, motivadas por estratégias do regime.

Bona Garcia esteve na Ilha das Pedras Brancas, em Guaíba, e no 19º Regimento de Infantaria de São Leopoldo, mas foi no Dops que mais padeceu, em março e abril de 1970. Conta que foi torturado pelo major Átila Rohrsetzer, do Centro de Informações do Exército (CIE), a quem descreve como “um sádico e doente”, porque aplicava choques elétricos ao som de música clássica e falando na própria família.

As torturas ocorriam numa sala batizada de fossa. Um médico acompanhava o major Átila. Para avaliar a resistência da vítima, dava chutinhos com a ponta do sapato estilo bico fino no corpo que se contorcia de dor. Atestou que era um “guri forte”, logo podia continuar sendo interrogado, como lembra Bona Garcia:

— Levei muito choque elétrico, tanto na cabeça, quanto nas mãos, nas orelhas. Conectavam um fio na orelha esquerda e outro no pé direito, para que a corrente do choque circulasse por todo o corpo rapidamente. É apavorante. Ficava meio desorientado, notava que saía faísca pelos cabelos.

O episódio que multiplicou os locais de repressão pelo Estado foi a tentativa de sequestrar o cônsul americano em Porto Alegre, Curtis Carly Cutter, em abril de 1970, por um grupo da VPR. Veterano da Guerra da Coreia (1950-1953), Cutter escapou com um ferimento no braço, mas o atentado acionou o sinal de alerta no CIE.

No mesmo mês, foi enviado ao Rio Grande do Sul um dos maiores especialistas em tortura e solução final (matar e ocultar o cadáver): o major do CIE do Rio de Janeiro Paulo Malhães, que chegaria a coronel do Exército. Ao lado do sargento Clodoaldo Cabral, seu escudeiro, ensinou novas técnicas aos gaúchos. Um dos discípulos foi o delegado do Dops Pedro Seelig. Em depoimento à Comissão Estadual da Verdade do Rio, Malhães destacou:

— É, o Pedro Seelig, este mesmo. Grande amigo.

Quem esteve à mercê de Malhães não esquece a experiência. Paulo de Tarso Carneiro, da Vanguarda Armada Revolucionária Palmares (VAR-Palmares), lembra que ele se apresentou no Dops dizendo ser “homem de confiança” do general Emílio Médici, que governou o país de 1969 a 1974:

— Usava óculos escuros, mas não cobria o rosto. Fazia fila para torturar, não tinha pudor. Referia-se aos prisioneiros como um bando de comunistas.

A dupla Malhães e Cabral aumentou os centros de interrogatório. Passou por Caxias do Sul e demorou-se em Três Passos, onde improvisou a Brigada Militar para suas atividades. O então vereador Reneu Geraldino Mertz apanhou tanto, que ficou surdo de um ouvido. Morreu em 1991, ainda com as sequelas.

Antônio Alberi Maffi conta que estava com Mertz e outros companheiros da VPR, que tinha uma filial na região. Recorda que o quartel da BM (hoje o 7º Batalhão de Polícia Militar) estava em obras. Todas as noites, diz, a equipe de Malhães interrogava e torturava o grupo:

— O prédio estava em obras, ficava um pouco afastado do centro, os moradores não podiam ouvir nossos gritos. Fomos torturados com choques elétricos aplicados por uma maricota (equipamento que regula a intensidade da voltagem elétrica).

Outra razão para o elevado número de locais de detenção é a posição geográfica do Rio Grande do Sul, com fronteiras para o Uruguai e a Argentina, rotas de fuga para perseguidos políticos. O advogado Índio Vargas, do antigo PTB de Leonel Brizola, observa que o contingente militar sempre foi expressivo no Estado, em razão das encrencas passadas com os castelhanos.

Vargas também foi torturado no Dops, inclusive por Malhães. Perambulou por outros centros, o que era rotina entre os prisioneiros. Ficou confinado na Ilha das Pedras Brancas, mas o mais insalubre foi o Presídio Central de Porto Alegre, conforme relembra:

— O pior era a comida, precisava ter coragem para engolir aquilo. Lembro que a Dilma Rousseff ia visitar o marido, Carlos Araújo (mais tarde seria deputado pelo PDT), e levava alimentos para ele.

Calino Pacheco Filho, ex-VAR-Palmares, também cita as fronteiras como argumento para a forte vigilância sobre o Rio Grande do Sul. Torturado no Dops, onde nenhum hóspede escapava de pelos menos alguns safanões, esteve na Ilha das Pedras Brancas e na Base Aérea de Canoas. Em cada lugar, uma sensação diferente, como relata:

— Fiquei dois dias na Base Aérea, sem tortura. Parecia que o pessoal da Aeronáutica queria uma aula de interrogatório, porque havia gente em outra sala, acompanhando.


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