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domingo, 20 de março de 2011

EM DIFERENTES FRONTS

CARTAS DO EDITOR | Ricardo Stefanelli - Diretor de Redação - ZERO HORA 20/03/2011

Acostumado à guerra urbana, em Porto Alegre ou no Rio, aonde já foi 15 vezes a serviço de ZH, o repórter especial Humberto Trezzi traz nesta edição um relato diferenciado, leitura que recomendo obrigatória. Em sua incursão pela Líbia de Muamar Kadafi, ele vivenciou uma outra guerra, na qual as bombas ignoram crachás e desrespeitam as ambulâncias de socorro. Durante uma semana, os leitores acompanharam os relatos enviados por Trezzi.

Instigado a contar os bastidores do conflito e da cobertura, Trezzi ficou os últimos três dias em casa, já em Porto Alegre, curando-se de um ferimento no olho esquerdo causado no mais violento front da batalha líbia e, ao mesmo tempo, redigindo o minucioso texto que revela os difíceis caminhos para a obtenção da informação em uma terra sem lei.

Aos 48 anos, experiente repórter de conflitos, Trezzi inclusive já frequentou cursos de correspondente em área de risco, ministrados por militares veteranos de guerra (um, na Argentina, outro no Brasil). Os aprendizados tiveram serventia, quando se defrontou com tiroteios nas favelas cariocas ou nas montanhas da Colômbia. Mas driblar disparos de infantaria é uma coisa, evitar balas de canhão é outra. Aula mesmo, porém, ele teve com o “professor” Anthony Loyd, o mais famoso correspondente de guerra britânico, um homem de 45 anos que só se sente à vontade numa situação: quando está na guerra. Trezzi seria mais um a quem Loyd seria indiferente, não fosse o britânico atraído pelo tapa-olho do repórter ferido, chamariz perfeito para compartilharem em um café, que inveja, num hotel em Benghazi. Para consolar o correspondente de ZH, abatido por ter de retornar antes, Loyd se solidarizou:

– Odeio bombas. É a única coisa na guerra contra a qual não adianta técnica de defesa.

Portando três diferentes colírios para diminuir a pressão do olho e conter a inflamação, enxergando às vezes sim às vezes não, ora embaçado, ora perfeito, o repórter já tem histórias para contar para os netos, mas bem antes que eles um dia nasçam ele compartilha com os leitores a partir da página 22.

Enquanto você estiver viajando com Trezzi pelo perigoso deserto da Líbia, o repórter Daniel Scola estará desembarcando no Rio Grande depois de uma semana no caos japonês. O enviado da RBS traz na bagagem histórias de dificuldades para contar, pois conseguiu transmitir seu material mesmo que enfrentando estradas bloqueadas, a paralisação dos trens e ônibus e a impossibilidade de locar carros em direção à região mais afetada pelos tremores de terra, pelo tsunami e pela ameaça da radiação.

Ninguém volta o mesmo de experiências como essas. E a decisão de retornar nem sempre é fácil. Depois de 10 dias na fronteira entre a Tunísia e a Líbia, o repórter Rodrigo Lopes tomou talvez a decisão mais difícil ao longo de seus 15 anos de jornalismo e duas dezenas de coberturas internacionais. Na viagem de carro pelo deserto líbio até uma cidade tomada por rebeldes, sentira uma fisgada no lado esquerdo do abdômen. Na adrenalina de escrever, fazer boletins para a Rádio Gaúcha, gravar vídeos e atualizar o site de zh.com, e mais preocupado porque havia perdido os óculos de grau na fuga do território líbio, não deu maior importância aos primeiros sintomas. No dia seguinte, as dores aumentaram.

Lopes precisou dar um tempo na cobertura diária de milhares de refugiados que escapavam do país de Kadafi para procurar um médico tunisiano.

– Pedra nos rins – diagnosticou. – Se conseguir expelir, em 24 horas fica bom.

Lopes preparava-se para viajar para o Egito, de onde voltaria à Líbia, desta vez pelo lado leste até a capital dos rebeldes, Benghazi. Seriam mais de 600 quilômetros pelo deserto, sem telefone, sem internet e sem atendimento adequado. Ainda pensou em se resguardar, esperar 24 horas, e insistir. Mas acordou com pontadas lancinantes a ponto de fazê-lo chorar de dor no quarto de hotel. Para não comprometer a cobertura, teve de tomar a solitária decisão de retornar a Porto Alegre, onde um novo diagnóstico constatou tratar-se de uma hérnia inguinal, que está ainda sendo tratada.

Apesar dos infortúnios, a presença em zona conflitos é parte da missão de informar. Como ensina Byron Pitts, correspondente de guerra da rede de TV americana CBS, “a história exige testemunhas”.

COMENTÁRIO DO BENGOCHEA - É oportuno este editorial para destacar a coragem e a bravura destes intrépidos repórteres de Zero Hora e de todo o mundo que arriscam a vida em diferentes fronts nos ambientes de guerra, de conflitos civis, de desordem, de corrupção, de improbidades, de violência e de criminalidade. Parabéns a todos eles e que continuem revelando ao mundo como o nosso mundo é.

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