Revelamos aqui as causas e efeitos da insegurança pública e jurídica no Brasil, propondo uma ampla mobilização na defesa da liberdade, democracia, federalismo, moralidade, probidade, civismo, cidadania e supremacia do interesse público, exigindo uma Constituição enxuta; Leis rigorosas; Segurança jurídica e judiciária; Justiça coativa; Reforma política, Zelo do erário; Execução penal digna; Poderes harmônicos e comprometidos; e Sistema de Justiça Criminal eficiente na preservação da Ordem Pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio.

quinta-feira, 29 de dezembro de 2011

NA SEXTA ECONOMIA DO MUNDO FALTA DISTRIBUIR RENDA

EDITORIAL JORNAL DO COMERCIO 29/12/2011

Muito bem, somos a sexta economia do planeta, passamos a Grã-Bretanha. No entanto, o nosso Produto Interno Bruto (PIB), algo como US$ 2,5 trilhões, não nos garante a qualidade de vida dos súditos de Sua Majestade. Aqui, somos 200 milhões de pessoas. A consolidação do Brasil como a sexta maior economia do mundo é justificada pelas reformas macroeconômicas e institucionais realizadas pelo País nos últimos anos e que tiveram como resultado a formação de mercado interno robusto. O desafio agora é dar suporte para que essa economia cresça no longo prazo, o que consiste em investir em infraestrutura, facilitar as regras do ambiente de negócios e distribuir renda. Ganhamos mais prestígio, mas, como a população brasileira é muito numerosa, a renda média é mais baixa. Mesmo como sexta economia mundial, o País continua pobre, esse é o fato. Tivemos um crescimento fulgurante, pois os cálculos são feitos em dólar, que tem se desvalorizado nos últimos anos. Não é possível dizer que esses números são definitivos. O real valorizou-se muito, enquanto a libra esterlina sofreu uma forte desvalorização. Isso faz uma diferença enorme, lembram os analistas. O cálculo mais realista para mostrar a situação da economia brasileira atualmente deveria basear-se no PIB per capita. É que o PIB per capita do Brasil representa apenas 25% do americano. Isso não é para esfriar o entusiasmo. Pelo contrário, é para mostrar que é preciso trabalhar forte para manter o crescimento com mais educação, infraestrutura e tecnologia.

É fundamental adotar medidas políticas que mudem dois pontos essenciais: a educação e a poupança. O nosso nível de educação é baixo, com menos de 10% da população ativa com um diploma universitário. Isso situa o país abaixo da China, Índia e Rússia. O perigo da inflação vem de aumentos irreais de salários, incluindo-se aí o mínimo, especialmente no setor público, sem aumento da produtividade. Se os salários aumentam junto com a produção e não por causa da demanda, é possível controlar a inflação sem elevar as taxas de juros. O mercado interno é o grande diferencial do Brasil. E isso só se tornou viável com uma estruturação macroeconômica, com destaque para o fim da superinflação, a implantação da Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) e uma distribuição de renda caminhando junto com o crescimento. Ora, a robustez atual trouxe benefícios para a classe média, o que gerou um mercado interno que o mundo inteiro está de olho. Mas ainda temos muito para caminhar. Nada de fantasiar reajustes sem o lastro da produtividade. As reformas microeconômicas devem ser feitas para atrair investimentos estrangeiros e o fortalecimento da indústria nacional por meio de redução de tributos, qualificação da mão de obra e construção de uma infraestrutura que aumente a competitividade da nossa economia. O caminho que o Brasil está fazendo é o correto. A China continuará crescendo por um bom tempo e os países mais pobres que demandam comida apresentam crescimento maior do que os países desenvolvidos que demandam computadores, que ninguém come, é claro. É verdade que temos hoje uma certa dependência da China, mas é melhor do que criar dependência da Europa, que apresenta crescimento muito baixo.

É fundamental adotar medidas políticas que mudem dois pontos essenciais: a educação e a poupança. O nosso nível de educação é baixo, com menos de 10% da população ativa com um diploma universitário. Isso situa o país abaixo da China, Índia e Rússia. O perigo da inflação vem de aumentos irreais de salários, incluindo-se aí o mínimo, especialmente no setor público, sem aumento da produtividade. Se os salários aumentam junto com a produção e não por causa da demanda, é possível controlar a inflação sem elevar as taxas de juros. O mercado interno é o grande diferencial do Brasil. E isso só se tornou viável com uma estruturação macroeconômica, com destaque para o fim da superinflação, a implantação da Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) e uma distribuição de renda caminhando junto com o crescimento. Ora, a robustez atual trouxe benefícios para a classe média, o que gerou um mercado interno que o mundo inteiro está de olho. Mas ainda temos muito para caminhar. Nada de fantasiar reajustes sem o lastro da produtividade. As reformas microeconômicas devem ser feitas para atrair investimentos estrangeiros e o fortalecimento da indústria nacional por meio de redução de tributos, qualificação da mão de obra e construção de uma infraestrutura que aumente a competitividade da nossa economia. O caminho que o Brasil está fazendo é o correto. A China continuará crescendo por um bom tempo e os países mais pobres que demandam comida apresentam crescimento maior do que os países desenvolvidos que demandam computadores, que ninguém come, é claro. É verdade que temos hoje uma certa dependência da China, mas é melhor do que criar dependência da Europa, que apresenta crescimento muito baixo.

COMENTÁRIO DO BENGOCHEA - Não sou economista e posso estar equivocado no meu comentário, mas não creio em distribuição de renda com políticas focadas só em "educação e a poupança". Realmente, "o nosso nível de educação é baixo, com menos de 10% da população ativa com um diploma universitário", e estes, ainda por cima, só possuem um papel em mãos, já que a prática não tem sido trabalhada no ensino brasileiro, o que desqualifica muitos no mercado de trabalho. E a poupança, esta é apenas para poucos, pois o salário mínimo nunca atinge a finalidade prevista na constituição brasileira. No meu entendimento, para distribuir renda é preciso fazer políticas assistenciais com contrapartidas dos beneficiados, para que o dinheiro público seja tratado com responsabilidade e devolução ao cidadão pagador de impostos. Também é necessário conter a ganância do Estado por impostos e a condescendência para com os juros praticados por bancos e comércio. As taxas praticadas no Brasil são abusivas e fonte de discórdia, sofrimento e revolta. Além disto, a sociedade precisa exigir dos Poderes mais compromisso e moralidade com o dinheiro público estabelecendo políticas de contenção de salário extravagantes, farras e distribuição de dinheiro público a fundo perdido e sem contrapartidas.

ANARQUIA

DO LEITOR. Redator responsável: Renato Panattieri - CORREIO DO POVO, 29/12/2011

Anarquia

Na acepção legal da palavra, anarquia significa negação do princípio da autoridade. Sociedade política, estrutura social em que não há dominação, que se constitui sem governo. Na visão da maioria do povo, anarquia é desordem, confusão, desmoralização. No sentido figurado, é este mesmo o significado.

Segundo o Aurélio, anarquia é falta de governo ou de outra autoridade capaz de manter o equilíbrio da estrutura política, social, econômica, etc.

Começa pela classe política. Para cada cidadão que confia sempre, há outros sete que não confiam nunca. O que se vê hoje no país?

Um Congresso Nacional dominado pelo poder Executivo. Um poder Judiciário em plena iconoclastia (CP 23/12 e 24/12), justamente o único poder capaz de varrer do país a sujeira escondida nos poderes Executivo e Legislativo, desde que tenha coragem e independência.

Afinal, a corrupção é o mal que mais prejudica o país. O Ministério Público será o grande parceiro desta e nesta varredura.

Juarez S. Vargas, Gravataí

quarta-feira, 28 de dezembro de 2011

PACIFICAÇÃO - MILITARES DO EB ENVOLVIDOS EM MORTE DE JOVEM


Militares são afastados após morte de jovem na Vila Cruzeiro. Exército diz que adolescente morreu em confronto, mas parentes negam que ele estivesse armado - ANTÔNIO WERNECK, DUILO VICTOR e ISABEL ARAÚJO - O GLOBO, 27/12/11 - 23h46

RIO - O Comando Militar do Leste (CML) do Exército informou na terça-feira que os oito militares envolvidos na morte de um adolescente de 14 anos, na Favela da Vila Cruzeiro, na Penha, foram afastados das ruas e vão responder a um inquérito policial-militar (IPM). Segundo o Exército, as armas dos militares foram recolhidas e passarão por perícia. A morte de Abraão da Silva Maximiliano, na noite de segunda-feira, ocorreu, ainda de acordo com o CML, durante um confronto. Parentes da vítima e vizinhos que presenciaram a cena, porém, negam a versão e garantem que o jovem estava sozinho numa praça da comunidade quando foi baleado e morto por um militar.

O local foi examinado por peritos do Exército e do Instituto de Criminalística da Polícia Civil. Segundo a Força de Pacificação do Exército, que atua nos complexos do Alemão e da Penha, o adolescente estava com outros dois suspeitos, que atacaram a tiros uma patrulha da Força de Pacificação, na área conhecida como Mirante da Chatuba.

— Meu sobrinho não é bandido, era uma criança e estava apenas descansando quando foi atacado. Foi uma covardia. Até agora ninguém do Exército nos deu qualquer explicação, não apresentaram os suspeitos nem apreenderam armas com ninguém. Só queremos justiça — disse Eliane Lopes, tia do jovem.

Abraão foi baleado na barriga, por volta das 21h30m. Socorrido por uma ambulância militar, ele chegou morto ao Hospital Getúlio Vargas, segundo funcionários da unidade. Não foram apreendidas armas com o adolescente. Em seguida, um grupo de cerca de 20 moradores da Vila Cruzeiro foi para a porta do hospital, protestar contra a ação do Exército. Na tarde da terça-feira, o grupo fez nova manifestação, desta vez em frente à sede da Força de Pacificação, na Vila Cruzeiro, com cartazes pedindo paz e justiça.

O coronel Malbatan Leal, chefe de comunicação social da Força de Pacificação, contou que a troca de tiros começou depois que os suspeitos foram chamados para uma revista. Armados de pistolas, eles atiraram contra os militares, segundo o coronel. No início, ainda de acordo com Leal, a patrulha reagiu com dois disparos de advertência para o alto e balas de borracha:

— Sempre lamentamos qualquer perda, em qualquer circunstância. Só atiramos contra os bandidos por autoproteção, quando dispararam em direção à patrulha.

Órfão de pai e mãe, Abraão morava na favela com a irmã, Jéssica da Silva Maximiliano, de 20 anos. Ela conta que estava acordada esperando o jovem para jantar, quando foi informada por vizinhos sobre o episódio. Ela recolheu projéteis que foram disparados:

— Estou inconformada. Meu irmão era uma criança inocente, que nunca fez nada para ninguém. Na mesma hora que me contaram que ele foi baleado, corri ao seu encontro e o vi já dentro do carro dos militares, ainda vivo. Ele estava respirando, e ninguém me deixou chegar perto. Fui para o hospital e, apenas uma hora depois, os militares levaram o corpo.

Primo da vítima diz ter sido ameaçado por militares

Primo do jovem, Wellington Alves da Silva, de 20 anos, disse que também ficou na mira do fuzil dos militares. Segundo ele, uma vizinha o salvou ao sair em sua defesa e pedir apoio para outros moradores.

— Joguei bola com meu primo e fui em casa tomar banho. Ele ficou na pracinha me esperando. Quando voltei, ele estava sendo revistado e, em segundos, ouvi uma rajada de balas. Corri na direção dele. Cheguei perto do corpo e fui rendido e obrigado a deitar no chão. O militar apontou o fuzil para minha cabeça e disse que ia me matar também, pois era uma testemunha. Meu primo estava caído, sangrando, mas respirava. Achei que ia morrer — contou, acrescentando que Abraão sonhava em ser jogador de futebol e que queria se alistar no Exército.

Apesar da sindicância aberta, a Força de Pacificação não descarta a chance de o menor ter sido atingido acidentalmente pelos suspeitos que o acompanhavam. O caso foi registrado na 22 DP (Penha). A comunicação social da Força informou que será mantido o cronograma e que apenas em junho o Exército deixará a comunidade, para instalação de uma UPP. A Secretaria de Segurança Pública informou, por meio da assessoria de imprensa, que cabe ao Exército se manifestar sobre o episódio. O comandante das UPPs, coronel Rogério Seabra, também se manifestou pela assessoria: “Nosso engajamento na região já tem mais de um ano. A interação da comunidade tem sido boa. Moradores contam que nunca tiveram um Natal tão tranquilo. Mesmo assim, a sindicância foi aberta para esclarecer de que arma partiu o tiro”.

Três civis mortos

Desde 2003, este foi o terceiro caso de morte de um civil em episódios envolvendo militares das Forças Armadas. Naquele ano, homens do Exército mataram o professor de inglês e advogado Frederico Branco de Faria, de 56 anos, numa blitz realizada na Avenida Martin Luther King, em Tomás Coelho. Acompanhado da namorada, o advogado teria tentado furar o bloqueio feito pelo Exército e por policiais do 3º BPM (Méier). O Comando Militar do Leste informou, na ocasião, que o advogado tentara atropelar um oficial que estava no meio da rua.

Outro caso de violência contra civis aconteceu no Morro da Providência, em 2008. Três jovens se revoltaram durante uma revista, feita por homens do Exército que patrulhavam a região, durante a implantação do projeto “Cimento Social”, do governo federal (que previa melhorias em 782 imóveis na comunidade). Como resposta, eles foram levados por um grupo de 11 militares para o Morro da Mineira e entregues a traficantes de uma facção rival ao da Providência. No local, os jovens foram barbaramente torturados e assassinados com 46 tiros. Um deles teve as mãos decepadas antes de ser morto.

Durante a retomada do Complexo de favelas do Alemão, em novembro de 2010, pelo menos um homem morreu ao ser atingido por uma bala perdida durante um intenso tiroteio. Ele foi atingido na barriga, na Estrada do Itararé, ao sair de casa para comprar o presente de aniversário do filho caçula, que completava 1 ano.

COMENTÁRIO DO BENGOCHEA - Este é mais um fato que responde que o Haiti não é aqui. Oficiais do EB e governantes acreditam que os militares estão preparados para enfrentar a guerra do Rio, por terem adquirido experiência na prática no Haiti. Conclusão errada! No Haiti, as forças da ONU atuam protegidos por leis especiais que garantem a ação bélica junto à população. No Brasil, a Guerra do Rio é uma guerra suja envolvendo Estado, sociedade, comunidades e traficantes infiltrados entre os moradores, montando negócios lucrativos, com poder de vida e morte, aliciando como soldados crianças e adolescentes, e portando armas de guerra e muito dinheiro para corromper.

É preciso tirar as Forças Armadas desta encrenca, sob pena de mancharem a imagem destas instituições.

A Guerra do Rio é caso de ordem pública em situação emergencial e deve ficar a cargo de um sistema envolvendo polícias preparadas, MP, defensoria, setor prisional, saúde, educação e de uma justiça ágil para garantir a prisão, o processo, o julgamento, a sentença e a pena. As forças armadas só deveriam atuar em cerco, na logística, na inteligência e nas ações cívico-sociais.

segunda-feira, 26 de dezembro de 2011

PARA QUE A FICÇÃO NÃO SE TORNE REALIDADE

EDITORIAL JORNAL DO COMÉRCIO, 26/12/2011

O filme Corra que a polícia vem aí foi muito engraçado, mostrando uma caricatura e os chavões do trabalho, das frases e das manias dos policiais dos Estados Unidos (EUA). Foi um sucesso de bilheteria. No entanto, a ficção virou realidade no recente episódio envolvendo policiais civis do Paraná, que vieram ao Rio Grande do Sul de maneira sorrateira, o que até levanta suspeitas sobre as verdadeiras intenções. O trágico é que "a piada" custou a vida de duas pessoas que não deveriam ter morrido. Um sargento da Brigada pagou alto preço pelo seu cacoete policial. Ao ver, de madrugada, um carro parado com homens dentro, aproximou-se para verificar. Foi baleado e morreu. Atirou antes? Ninguém sabe, ninguém viu. Depois, a tentativa de libertar pessoas sequestradas resultou em um dos reféns mortos. Tudo com poucas horas de diferença. Convenhamos, chegou num ponto em que é melhor mesmo bradar corram que a polícia vem aí. Lamentavelmente, ainda que as polícias Militar e Civil do Estado façam bom ou ótimo trabalho em alto percentual.

Nenhuma categoria profissional está livre de ter em seu meio pessoas corruptas ou desastradas. Isso não torna a instituição corrupta, mas os que praticam deslizes devem ser processados e condenados, na forma da lei. Pois depois de estarem nos píncaros da glória, pontuados exemplarmente pelos brasileiros por causa da ocupação de favelas no Rio, eis que a desconfiança bateu de maneira escandalosa na PM do Rio. Policiais acusados de cobrar propina de traficantes para não reprimir a venda de drogas na região recebiam mensalmente valores em torno de R$ 160 mil.

Entre os presos estava - foi solto pela Justiça por falta de provas - o tenente-coronel Djalma Beltrami, comandante, logo destituído, do 7º BPM, de São Gonçalo. Também na Polícia Federal deslizes foram detectados. Dizem que todo homem tem o seu preço. Dinheiro, sexo e poder movimentam o mundo, desde tempos imemoriais. Mas também empresários corrompem agentes e autoridades, fechando o ciclo. Os que são acusados se defendem com frases padrão como "é tudo armação dos adversários". Houve uma evolução, digamos, higiênica, na maneira de surrupiar dinheiro público. Ele saiu das cuecas, passou pelas meias e agora se instalou nas ONGs, das quais temos 3.400 no País. Um exagero. A corrupção é uma metástase que se espraia pelos organismos oficiais. Só com a extirpação dos tecidos cancerosos poderemos cicatrizar o problema, quando o contrabando e falsificações chegam em toneladas.

Agora entraremos na segunda etapa, aquela onde as acusações são esquecidas com o tempo, pela paciência dos acusados e seus advogados em negar sempre, mesmo quando flagrados em delitos, e pela morosidade da Justiça. Como a memória no Brasil é curta, em breve os implicados de hoje serão os grandes vitoriosos nas eleições de amanhã. Consagrados pelos mesmos eleitores que, antes, se horrorizaram com o que viram e ouviram. O Brasil toma conhecimento das falcatruas através da imprensa. É bom, por um lado, mas prova a inoperância de tantas estruturas que foram criadas para combater os desvios. Aí, quem fiscaliza os poderes criados para vigiar? O "Estado indutor" incha e tem parcos resultados. Alguns dos seus integrantes acabam se julgando com maior importância do que têm.

domingo, 25 de dezembro de 2011

ACIMA OU ABAIXO DA LEI?

ROBERTO ROMANO - ESTADO DE MINAS, 25/12/2011

"Em Shakespeare a imaginação e a força dos celerados acabam na dezena de cadáveres. Eles não tinham ideologia. A ideologia permitiu ao século 20 experimentar o banditismo em escala de milhões". Claude Lefort, a partir de semelhante juízo sobre os justiceiros políticos, explica o termo "libertário", que "não implica nem exclui crença alguma a priori, mas só a crença que requer adesão à ordem estabelecida, submissão à autoridade de fato, confusão entre a ideia da lei (se falta a lei, não falamos do libertário, mas de um bandido) e as leis empíricas que a pretendem encarnar. A atitude libertária foge das categorias ideológicas e não pode ser codificada em doutrinas" (Um Homem Incômodo, ensaio sobre o Gulag). Lefort tem o respeito da esquerda que pesa os valores e as palavras.

Importa muito examinar a lei nos seus elos com a ideologia. Nos últimos tempos surgiram fortes discussões sobre o tema na imprensa, na universidade e na Justiça brasileiras. Sublinho a distinção lefortiana entre a lei em sentido amplo e as leis que pretendem encarná-la. A tese platônica entra na fórmula usada por Lefort. A lei é um paradigma supremo, inalcançável nos limites do tempo e do espaço. A sua ideia relativiza os modelos políticos ou ideológicos. O libertário enfrenta uma grave aporia: segue a lei, mas não se contenta com a outorgada pelos governantes. Ele age sob vaias dos realistas, recusa o exemplo de Trasímaco e dos que julgam não existir lei além da imposta em nome dos poderosos.

Segundo Platão, Sócrates assumiu atitude correta na aporia legal. É célebre a onomatopeia figurada no diálogo Críton. Os amigos do filósofo queriam a sua fuga após a sentença de morte. "Se eu fugisse, as leis e os atenienses levantar-se-iam dizendo: 'Que fazes, Sócrates? Queres nos arruinar e, conosco, a cidade inteira? Ou pensas ser possível à polis continuar a existir se os julgamentos nela efetuados não têm força alguma e, pelo contrário, perdem toda autoridade pelo arbítrio de meros particulares?'". Leis devem ser obedecidas, mesmo quando decretam a cicuta para o seu adversário. Importa reler a passagem do Críton. Ela resume e anuncia as tragédias dos indivíduos, movimentos sociais e políticos, nos inúmeros Estados, das tiranias aos regimes de liberdade. Na República, Platão mostra que a decadência democrática surge quando os cidadãos "livres" caçoam dos que obedecem à lei, chamando-os "servos voluntários". Com tal licença, nascem os tiranos, morre a democracia.

Se a lei, em sentido absoluto, não pode ser tomada como fetiche ou, no caso oposto, desculpar a desobediência às leis, também é verdadeiro que as segundas, ao contrário da primeira, trazem marcas dos interesses defendidos por líderes ocasionais, o que sempre causou dificuldades jurídicas ao longo dos milênios. Quem deve governar, as leis ou os chefes políticos?

Marcello Gigante, estudioso da questão, anota as teses platônicas (Nomos Basileus). É preciso analisar as leis existentes, pois elas podem não corresponder à ideia da lei (unida ao Bem), mas exprimir a vontade privada dos legisladores ou governantes. Todas as constituições políticas falham, sendo preciso esquadrinhar as ordens que delas brotam para definir o seu grau de acerto. A salvação da cidade reside na obediência às mesmas leis por governantes e governados, pois ninguém está acima da norma legal. Mesmo insinuando algumas pistas falsas sobre o problema (no diálogo Político), Platão proclama que as leis devem ser soberanas, não os homens. Quem impõe ordenamentos que só beneficiam os dirigentes é rebelde, não estadista. Quem, na cidadania, só aceita leis gratas à sua opinião (hoje diríamos ideologia) age como idiota (termo que, na Grécia, identifica os que só defendem os próprios interesses).

Platão entendeu a luta política. Basta ler jornais para saber o quanto seu diagnóstico é certeiro. Parlamentares e governos do Brasil atual, na maioria das vezes, legislam em proveito próprio, agem como lobistas de interesses alheios aos da cidadania. "Na cidade em que a lei é súdita e desprovida de soberania, a destruição é iminente; naquelas, ao contrário, onde a lei é a soberana dos governantes, sendo eles escravos da lei, vejo salvação e todos os bens" (Platão). A realidade brasileira é oposta ao enunciado justo. Aqui, os donos do poder torturam a lei e a distorcem em benefício pessoal ou partidário.

Aristóteles, na Ética a Nicômaco, aprimorou a noção de lei soberana, nela harmonizando a justiça e a equidade (epikeia). O conceito foi bem definido por Leonardo Bruni, pensador e político do Renascimento. "Epikeia é a parte da justiça que os jurisconsultos nomeiam ex bono et equo (do que é bom e equânime). A lei é escrita de certo modo e deve, no entanto, ser interpretada segundo os critérios do bem e da equidade" (De Interpretatione Recta).

Voltemos à aporia inicial: o libertário busca a lei, critica as leis do Estado, mas obedece a elas no mesmo ato em que luta por sua abolição ou por seu aperfeiçoamento. Se não consegue tal coisa, tenta interpretar as leis de maneira a corrigir suas falhas, aplicando-as a pessoas e situações concretas. Ninguém está acima da lei, seja qual for a sua doutrina ideológica. Como diz Lefort, a ideologia leva, cedo ou tarde, aos milhões de assassinatos praticados por justiceiros que se imaginam libertários.

Mas, de outro lado, toda lei deve ser interpretada segundo a justiça. Nem descompromisso nem fetiche legal. A prudência indica o caminho: "Quem dá a cada um o que lhe pertence porque conhece a verdadeira e necessária razão das leis age em constante acordo consigo mesmo e por seu próprio decreto, não por decreto alheio: ele merece, pois, ser reconhecido como justo" (Baruch Spinoza, Tratado Teológico-Político).

ROBERTO ROMANO. Filosofo, professor de ética e filosofia na Unicamp, é autor, entre outros livros, de 'O Caldeira de Medeia' (Perspectiva)- FONTE: CONTEÚDO LIVRE

NINGUÉM É DE NINGUÉM

CARLOS GUILHERME MOTA -FOLHA DE SÃO PAULO, 25/12/2011

Apaga-se da história do Brasil a complexidade dos estamentos sociais, substituídos agora pela classe B, pela classe C, etc.

O problema mais grave do Brasil nesta última quadra solicita discussão atualizada a propósito dos valores que deveriam reger um país que se pensa em ascensão. Que os índices positivos não nos iludam neste final do primeiro ano do governo Dilma, pois em amplas camadas da população a capacidade de leitura e escrita, de organização do pensamento e de raciocínio matemático minimamente articulado ainda nos remetem à Idade da Pedra Lascada. Um mal-estar da (in)civilização ronda o País, com a sociedade civil em frangalhos se distanciando cada vez mais das utopias democratizantes dos anos 80 e 90.

Muitos pensam candidamente, como o ministro Guido Mantega, que é na economia e nas finanças que reside nosso calcanhar de aquiles. Ora, no Brasil, salvo em poucos momentos excepcionais de sua história, as elites sempre evitaram atacar frontalmente o principal problema que corrói nossa sociedade, que é o da educação. E quem diz educação se refere aos valores básicos da cidadania, que deveriam ser cultivados com total empenho não apenas pelo Estado – como ocorreu nos anos 50 do século passado –, mas também por famílias conscientes da enormidade do abismo que as aguarda e a seus despreparados rebentos, em curto prazo. Famílias mais modestas parecem dar maior atenção a esse problema do que as elites satisfeitas com a colonialidade neosenzaleira de nosso mores nacional.

Que fazer então? Uma ação mobilizadora do Estado, bem planejada, firme e duradoura, centrada nas escolas, ao longo do tempo e acima dos partidos de ocasião, com o objetivo definido de plasmar uma nova sociedade civil deveras democrática, preparada para enfrentar os graves desafios da atualidade, eis o que deve ser feito por quem tenha visão de estadista. Pois o que se está vendo é o naufrágio da naçãonesta sociedade do espetáculo e da cultura do marketing, gerando a “carência de resistência mental”, de que falava Karl Mannheim em Diagnóstico de Nosso Tempo (já no exílio em 1939), carência tanto mais grave em uma sociedade de massas despreparada como a nossa.

Habituadas à “miséria farta”, a que se referia Anísio Teixeira, nossas elites – servindo-se dos tentáculos do “neo” sindicalismo populista e adotando tipos vários de expedientes protelatórios – souberam aliciar lideranças das classes dominadas (trabalhadores e lumpem proletários), nelas introjetando os valores do velho coronelismo dos donos do poder, agora em sua versão pósmoderna repaginada. Um exemplo? Não por acaso, nesse sistema ideológico dominante e desmobilizador, simplesmente fizeram desaparecer da cena nacional as classes sociais tradicionais (burguesia, proletariado, etc.), cujas histórias aprendemos nos antigos e bons cursos colegiais. Ou seja, foram desidratadas as classes fundamentais e seus projetos, eclipsados nesse sistema obtuso de classificação social adotado por marqueteiros, “analistas” e oportunistas da hora. Apagou-se da história do Brasil toda a complexidade e dinamismos das classes e estamentos sociais, substituídos agora pela classe B, a classe C, etc. Solidamente instalado o capitalismo selvagem, nessa manobra ideológica apaga-se até mesmo a possibilidade de crítica à ganância desassombrada de uma abstrata classe A. (Nessa visão de mundo, a classe C ascendeu para a classe B, mercê da bolha que explica o consumismo dos últimos anos, que logo poderá explodir, aprofundando ainda mais a cultura da inadimplência, da violência e do banditismo em seus variados matizes.)

O problema nacional reside justamente na dita classe A, no aglomerado de burguesias dominantes que, em confortável maioria, assumem em nosso país um caráter decididamente predatório, como denunciou há alguns anos o urbanista Candido Malta Campos, ao fazer a distinção entre burguesia positiva e burguesia predatória. Afinal, não se equacionou em tempo hábil a questão urbana (que inclui o problema dos transportes de massa), a questão da Previdência, a questão universitária para a formação de quadros (inclusive de docentes para o segundo grau), a questão da alimentação, da habitação e do saneamento básico, e assim por diante.

Nesse quadro, como falar em valores quando a deseducação começa em casa e o consumismo passa a fazer parte do ethos coletivo das elites, que deveriam servir de referência para o conjunto social? Em geral, miram-se elas em outros países naquilo que há de superficial e moderno, desconhecendo porém o que fazem aquelas elites garantidoras de alto nível em políticas públicas, em suas universidades, em seus teatros e museus educativos, em suas escolas.

No que diz respeito à universidade como geradora de valores e crítica para a renovação democrática, nossos liberais falharam, com o ex-ministro Paulo Renato à frente. Mas a esquerda faz apenas o que sabe fazer: pouco, talvez por falta de leitura. Nem mesmo ao sociólogo e deputado Florestan Fernandes deu-se maior atenção quando alertava ele, há 20 anos: “Muitos colocam o combate à fome e à penúria em primeiro lugar. Contudo, a educação e a consciência social clara são os principais substratos dos pobres na luta de classes. Uma população trabalhadora menos rústica não seria reduzida à condição de substituta e sucessora da população escrava e liberta por tanto tempo se dispusesse de melhor nível educacional e cultural”.

A revalorização do trabalho na esfera pública deve voltar à ordem do dia para que se reverta a grave desidentificação dos servidores – professores e intelectuais, inclusive – com o serviço público, tanto no Estado como na iniciativa privada, que também oferece serviço à coletividade. A hora é de requalificarmos nossos professores para a longa batalha que se anuncia e retomarmos a discussão sobre o papel da universidade, tão silenciosa em face da enormidade dos problemas nacionais.


CARLOS GUILHERME MOTA - HISTORIADOR, PROFESSOR TITULAR DA USP E DO MACKENZIE, E AUTOR DE EDUCAÇÃO, CONTRAIDEOLOGIA E CULTURA (ED. GLOBO)- FONTE: CONTEÚDO LIVRE.

RESISTÊNCIA AOS INIMIGOS DA LIBERDADE

ALDIR GUEDES SORIANO - FOLHA DE SÃO PAULO, 24/12/2011

É importante reconhecer que a luta pela democracia passa por uma defesa da liberdade religiosa: a consciência deve permanecer livre de coerção


Certamente ainda existem os inimigos profissionais da liberdade de que falava o jurista Rui Barbosa. São agentes que trabalham incansavelmente contra a autonomia da consciência individual, arrastando nesse propósito autoritário uma multidão de obreiros inconscientes e alienados da realidade.

Impulsionados pela "libido dominandi", os inimigos profissionais da liberdade pretendem impor a autonomia do consenso coletivo. Nesse campo, não é lícita a intromissão do poder político. A consciência religiosa ou ateia deve permanecer livre de qualquer forma de coerção.

Regular as relações interpessoais com o fim de promover a pacífica convivência social é papel do Estado, mas há limites.

No Estado democrático de Direito, o poder estatal é limitado pelos direitos fundamentais e pela autonomia da consciência individual.

Por defender o princípio da liberdade religiosa, Rui Barbosa atraiu a animosidade dos ultramontanos e foi considerado inimigo da religião. Ao perseverar na defesa dos princípios liberais, Rui teve que se exilar em Londres.

É importante reconhecer que a luta pela democracia passa pela defesa da liberdade religiosa. Não pode subsistir a democracia sem essa liberdade pública.

Remanesce, hoje, a necessidade de defesa desses princípios liberais como forma de resistência à autonomia da consciência coletiva, ao fanatismo e à intolerância religiosa. A tese da universalidade dos direitos humanos não pode ser superada pelo relativismo cultural, atualmente promovida em conferências realizadas no Irã e em outros países teocráticos.

Direitos fundamentais não podem ser violados em nome do relativismo cultural. É preciso defender urgentemente a tese da universalidade dos direitos humanos ao redor do mundo, e até mesmo no âmbito das Nações Unidas.

No Irã, os bahá'ís são sistematicamente perseguidos e não podem exercer o direito à educação superior. Ao redor do mundo, um cristão é morto a cada cinco minutos, em razão de virulentas perseguições religiosas. Recentemente, em uma única noite, 500 cristãos foram assassinados em uma pequena aldeia na Nigéria, por fanáticos religiosos munidos de facões e armas de fogo. Mulheres apanhadas em adultério são punidas com apedrejamento.

Enfim, nos diversos países teocráticos, a pena de morte é aplicada contra aqueles que mudam de religião ou que manifestam alguma dissidência em relação à religião oficial do Estado.

Rui Barbosa era apaixonado pelo liberalismo político e pela liberdade. Herdou esse legado de seu pai, João Barbosa.

A liberdade religiosa está na origem e no âmago de todos os demais direitos fundamentais da pessoa humana. Essa liberdade, segundo Rui, é inata ao homem, pacífica, civilizadora e filha do evangelho.
Diante dos grandes desafios e ameaças à consciência individual, por que não promover o princípio democrático da liberdade religiosa?

É preciso promover os princípios liberais como uma forma de resistência contra a opressão, o fanatismo e a tirania.

ALDIR GUEDES SORIANO, advogado e membro da Comissão de Direito e Liberdade Religiosa da OAB-SP, é coordenador da obra coletiva "Direito à Liberdade Religiosa - Desafios e Perspectivas para o Século 21".

sábado, 24 de dezembro de 2011

MILÍCIAS PARTIDÁRIAS NA FAVELA NACIONAL

Sandra Cavalcanti, professora e jornalista, foi deputada federal e constituinte. O ESTADO DE SÃO PAULO, 24/12/2011

Após meio século de descaso e equivocada visão social, as autoridades da cidade do Rio de Janeiro estão tentando uma solução mais legal e menos populista. Sem ideologias nem objetivos eleitoreiros, elas entenderam, afinal, que é impossível manter comunidades "diferenciadas" dentro de uma área urbana sem ferir a igualdade dos cidadãos. A inclusão social dos moradores das metrópoles depende inteiramente da inclusão legal.

A inclusão legal significa o seguinte: para ser um cidadão urbano legal o cidadão deve morar em imóvel legalmente construído, seja próprio ou alugado; e deve também pagar todos os impostos, taxas e tarifas fixados por lei. Ou seja, todos os serviços dos quais é usuário: de água, de esgotos, de energia, de iluminação pública, de limpeza urbana, de coleta de lixo e de telefone. Exatamente como os demais cidadãos de sua cidade.

Essa sua contribuição lhe permite exigir retribuições: escolas de primeiro e segundo grau, postos de saúde, postos policiais, transporte coletivo oficialmente registrado, atendimentos de emergência, redes de esgotos, Correios, vigilância sanitária, vias de acesso com segurança, enfim, todo um conjunto de benefícios. Nada de favores do poder público! Hoje, na quase totalidade das favelas, quando alguns desses serviços existem, são considerados "bondades" oferecidas pelos que ali exercem o poder paralelo! Cobram o que querem, dão ordens às famílias, apavoram as mães, aliciam os jovens e os corrompem, fabricando bandidos...

A ilegalidade consentida foi piorando muito ao longo dos anos. Chegou ao seu auge na década de 1980, quando o então governador Leonel Brizola entregou as favelas do Rio, como capitanias hereditárias, aos seus associados políticos. Fez mais: proibiu que qualquer autoridade subisse os morros ou entrasse em suas vielas para estabelecer a ordem pública ou dar segurança aos seus moradores.

Vale, pois, perguntar: se a causa verdadeira dessa tragédia criminosa era do conhecimento de todos, por que nunca antes havia sido enfrentada de forma correta? Por que as autoridades do Rio deixaram o poder paralelo chegar até onde chegou?

Por conivência. Por cumplicidade. Por interesses pessoais. Pela importância eleitoral desses redutos de votos dominados. Minas de ouro de lucros obscuros.

Foi a industrialização do País que detonou os movimentos migratórios. Eles estão na origem das primeiras favelas. A partir de 1930 e, principalmente, após 1950, esse processo ocorreu em todas as cidades grandes. E ainda não parou. Nem a nova capital da República escapou. Ao contrário, ela sofre no presente os mais intensos sintomas dessa terrível doença: a maioria da população brasiliense mora nas dezenas de favelas que circundam o equivocado projeto urbanístico de Brasília.

Muitos estudos revelam que, nas favelas, as comunidades se comportam de modo diferente. Instalados ali sem a proteção de autorizações legais, os seus ocupantes acabam perdendo a noção de que existem leis para serem observadas e cumpridas.

Essa situação contamina todos os setores da comunidade. Eles não adquirem o hábito de cumprir o que determinam as leis. Isso não faz parte de seu dia a dia. O Estado, para eles, não existe. O poder, ali, é exercido por quem dispõe de força.

Só obedecem a quem pode intimidá-los: ou ao político que lhes arranjou aquele espaço; ou ao traficante que lhes emprestou dinheiro para a laje; ou ao miliciano que, em troca de uma suposta proteção, cobra uma taxa camarada.

Privados de serviços públicos legítimos, esses moradores são obrigados a pagar água, luz, taxa para edificação e "proteção". Um sistema de "impostos" paralelo, que nada perdoa.

Diante desse quadro, é extraordinária a coragem e a correção do modelo que vem sendo posto em prática pelo atual chefe da Segurança Pública do Estado do Rio de Janeiro. A operação de resgate da cidadania dos moradores de favelas, embora esteja custando uma fortuna em matéria de recursos públicos, está sendo uma inesperada e gratificante surpresa para nós, cariocas!

Quem sabe, diante de tão magnífico exemplo, os três Poderes, em Brasília, acordem para a realidade e se disponham, também, a realizar uma operação semelhante? Quem sabe eles resolvem trazer o governo de volta ao clima de legalidade? Uma "UPP" no Planalto? Sim. É disso exatamente que estamos precisando. Exigir um comportamento mais decente de todos os que ocupam cargos de comando no governo. Punir todos os que, nas legendas que formam a famosa base de governo, agem como os traficantes apadrinhados, aqui, no Rio, pelo caudilho brizolista, com a garantia da impunidade.

O êxito das Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs) veio mostrar que é possível dar um choque de ordem nessas áreas apodrecidas. Sem uma operação corajosa a favelização política que ocorre hoje, no Brasil, vai continuar pelo País afora. E quem são os assaltantes que desviam dos cofres públicos o suado dinheiro arrancado dos brasileiros? São líderes de partidos e de sindicatos. Que são até aplaudidos pelos comparsas. Qual a punição? Perdas de ministérios? Aposentadorias? Afastamentos? Tudo para inglês ver... A mesma embromação usada para os favelados: discursos, obras cosméticas, teleféricos caríssimos, passarelas McDonald's-Niemeyer

O alvo das UPPs é simples: o morador da favela deve poder viver legalmente, sob a proteção das leis. Como qualquer outro cidadão, com os mesmos direitos e os mesmos deveres. Pois esse deve ser, também, o alvo para o País. Roubo praticado por companheiros e aliados é crime. É ato ilícito. Vai contra a lei.

Se uma "UPP" em Brasília não for instalada, se as punições não vierem, se a contemporização continuar, se o império da lei vai esperar o início do ano que vem, se aqueles milicianos e traficantes não forem punidos, então teremos alcançado uma façanha impensável: o Brasil será a maior favela do mundo!

O BRASIL QUE DÁ CERTO


EDITORIAL INTERATIVO - ZERO HORA 24/12/2011

O movimento da semana de Natal nas principais cidades do país – incluindo shoppings cheios de clientes, ruas congestionadas de veí-culos, trânsito intenso nas estradas, aeroportos lotados, atividade comercial atípica – retrata acima de tudo um Brasil que está dando certo em vários aspectos da vida nacional. Embora nosso país não esteja imune aos efeitos da crise global, que no momento se manifesta de forma mais acentuada na Europa, encaminhamo-nos para um final de ano com avanços que merecem ser reconhecidos nesta hora de celebração. Basta um olhar mais benevolente e menos crítico para constatarmos que o Brasil deste Natal de 2011 registra avanços promissores, entre os quais o pleno emprego, a participação efetiva no consumo de uma parcela da população que estava excluída, a inflação controlada, a vigilância ética dos cidadãos sobre seus representantes políticos, a oferta de escola para todas as crianças e a preocupação crescente da sociedade com a qualificação do ensino público.

Não se pode fechar os olhos para os problemas. O país cresceu menos do que o previsto e algumas conquistas que já pareciam asseguradas passam por turbulências merecedoras de atenção. Mas esses percalços são normais numa democracia, especialmente num país emergente que ainda não aplainou todos os caminhos para o seu desenvolvimento. O importante é que os obstáculos vêm sendo encarados como desafios pelas autoridades e pelos cidadãos. Enquanto nações historicamente estabilizadas tropeçam por conta de políticas administrativas e sociais equivocadas, o Brasil investe no seu próprio povo, distribuindo renda, apostando no consumo interno e olhando com atenção os gargalos de infraestrutura que ainda obstaculizam o seu crescimento.

Entre os desafios do futuro próximo, está o enfrentamento das principais apreensões da população brasileira, registradas em recente pesquisa encomendada pela Confederação Nacional da Indústria ao Ibope. A consulta feita em todos os Estados da federação mostrou que saúde, impostos e segurança, nesta ordem, são hoje as principais preocupações dos cidadãos. As mazelas da saúde são bem conhecidas. Embora o país disponha de um sistema universal de atendimento, reconhecido como modelar nas nações em desenvolvimento porque oferece assistência gratuita para qualquer pessoa, incluindo consultas com especialistas, partos e exames laboratoriais, o que costuma ser destacado é o lado negativo, representado por hospitais superlotados, médicos mal pagos e pacientes sofrendo nas antessalas das emergências. Há muito, portanto, a corrigir. A questão tributária também preocupa porque os contribuintes brasileiros pagam muito e recebem pouco do Estado. Cidadania atenta, escolha criteriosa de governantes e vigilância permanente sobre o poder público tendem a atenuar esse problema. A falta de segurança, que nos humilha diante de países ricos e pobres que sofrem do mesmo mal, ainda parece um desafio para muitas décadas, mas algumas ações isoladas de autoridades estaduais vêm se mostrando promissoras – como a política de retomada de territórios dominados pelo tráfico no Rio de Janeiro.

Certamente não será o Papai Noel que nos trará de presente a solução de nossos problemas. Cada brasileiro é que precisa fazer a sua parte nesta empreitada para que possamos efetivamente alcançar um resultado coletivo de bem-estar e esperança. O Natal se presta para esta reflexão: se somos capazes de ser solidários, de celebrar os nossos melhores sentimentos com familiares e amigos, de movimentar o comércio e o trânsito no sentido da prosperidade, por que não seremos capazes de construir um país mais digno e desenvolvido?

O Brasil que dá certo não depende apenas de governantes, políticos e líderes empresariais. Depende de cada um de nós.

A questão proposta aos leitores foi a seguinte: Você concorda que cada brasileiro tem o poder de melhorar um pouco mais o país?


O LEITOR CONCORDA

Sim, eu concordo. Aprendi, desde criança, que valores morais como honestidade, respeito ao próximo, solidariedade, lealdade e responsabilidade com aquilo que é do outro são indiscutíveis. Fazem e moldam o caráter de alguém. Não são bobagens e quem não os tem não pode ser considerado “esperto’’! Se cada brasileiro pensar e trabalhar pelo bem comum, creio que faremos uma nação evoluída moral e culturalmente. Marilena Turra, Blumenau (SC)

Para contribuir com um país melhor, não podemos, em primeiro lugar, terceirizar a responsabilidade dos nossos problemas. Historicamente, sempre tivemos uma resposta mágica para a questão: a culpa é do governo. Agora, portanto, já que o país está no caminho certo, precisamos fazer a nossa parte para acertar o rumo da vida e saber cobrar dos governantes o que for da responsabilidade deles. Elstor Hanzen, Novo Hamburgo (RS)

É claro e óbvio! Basta cada um “fazer a sua parte”, o que se traduz em abraçar a cidadania e adotar práticas de sustentabilidade. O impacto se dará na vida em sociedade, a começar pelas relações de vizinhança. Não basta reclamar do governo (ou da falta dele), é preciso ser um cidadão consciente de seus direitos e deveres. Todos sairão ganhando. Wander Dantas, São Paulo (SP)

Acredito. Tanto, que insisto todos os dias para o meu filho de oito anos que ele deve sempre fazer as coisas da maneira correta. Meus exemplos justificam as minhas exigências diárias. Miguel Noronha, Porto Alegre (RS)

Sim. Não podemos mais ficar esperando somente atitudes de nossos governantes, já que é fato que, se depender deles, o Brasil nunca melhorará de verdade. Quem deve tomar atitudes é o povo, unido, que pode ter muito mais força que pessoas que só pensam em si mesmas. Andreas Richter Weber, Porto Alegre (RS)


O LEITOR DISCORDA

Não acredito. A situação é tão complicada, que a cada dia vemos violência, droga... É muito difícil. Existem, sim, pessoas que dão um pouco mais para essa mudança, mas digamos que seja um grão de areia em um oceano. Acho que essa geração que está aí já está perdida. Quem sabe daqui a uns 50 anos... Quem viver verá. Gilmar Ramires, Jaguarão (RS)

COMENTÁRIO DO BENGOCHEA - Concordo. Só o povo brasileiro, em especial a sociedade organizada e os representantes do povo instalados com mandato direito nos Poderes Executivo e Legislativo e indireto no Poder Judiciário podem transformar este país e garantir os direitos que cabe a todos num país que quer ser republicano e democrático. Só uma sociedade mobilizada pode exigir dos Poderes o compromisso de governar o país com harmonia, integração e respeito, dentro dos princípios da igualdade, humanidade e liberdade, elaborando leis sérias, aplicando-as de forma coativa e observando os princípios básicos da administração que impostos pela responsabilidade fiscal.

Já que é Natal e logo após vamos renovar o ano, desejaria um Brasil tratado com seriedade onde parlamentares adotassem postura moral e comprometida com as demandas de seus eleitores; onde os magistrados saíssem de seus casulos corporativos e aristocráticos e primassem na aplicação das leis com mais severidade e agilidade; onde as autoridades do Executivo se preocupassem mais com saúde, educação e segurança, valorizando seus agentes e investindo em recursos para fomentar o acesso e a garantia da vida, da cultura e da paz social do povo brasileiro; e onde sua nação levantasse do "berço esplêndido" para agregar civismo à cidadania em defesa de direitos, deveres e bem da pátria, mobilizando forças e espaços para exigir dos três primeiros um Brasil com governo soberano e dedicado ao seu povo.

sexta-feira, 23 de dezembro de 2011

O ESTADO AJOELHADO


Marco A. Birnfeld. Espaço Vital. O Estado ajoelhado - JORNAL DO COMÉRCIO 23/12/2011

O livro “Espírito Santo” expõe como o crime organizado é capaz de ameaçar a hegemonia de um Estado, revelando o perigo de uma rede criminosa que se mistura às instituições públicas. Segundo os autores, “a criminalidade colocou o Poder Público de joelhos”. O livro se desenrola a partir do assassinato do juiz Alexandre Martins de Castro Filho, em março de 2003.

“No Espírito Santo, a rede foi tecida em profundidade e extensão - contando com a impunidade, disseminando o medo que promove a omissão das autoridades e, depois, conquistando sua cumplicidade ativa e despudorada. Quase todo o aparelho do Estado foi capturado pelo crime” - relatam os autores, que são o juiz Carlos Eduardo Lemos, o antropólogo Luiz Eduardo Soares (ex-secretário nacional de Segurança Pública e coautor de “Elite da Tropa” ) e o delegado federal Rodney Miranda. (Editora: Objetiva; páginas: 240; preço: R$ 12,90).


Novo livro trata da história do crime organizado no Espírito Santo. Erika Soares - São Paulo(SP) - 11/09/2009 - FORUM DE SEGURANÇA PÚBLICA

A editora Objetiva está lançando o livro Espírito Santo - Tragédia e Justiça no coração de um estado brasileiro, de Luiz Eduardo Soares, Carlos Eduardo Ribeiro Lemos e Rodney Rocha Miranda. A obra trata da história recente de combate ao crime organizado no Espírito Santo.

Segundo Rodney Rocha Miranda, delegado da PF e secretário estadual de segurança do ES, "as vitórias, tragédias e reflexões sobre esse momento da vida dos capixabas estão retratadas no livro, mas representam apenas uma amostra do que está acontecendo na maioria dos Estados e poderes brasileiros."

"Buscamos com esse livro registrar a luta de algumas pessoas para mudar o estado caótico que se encontrava o ES e, ousando, provocar um debate no país sobre o papel das instituições na manutenção do Estado Democrático de Direito e de como certos poderes instituídos, caso usados indevidamente, têm o condão de afetar negativamente a vida de milhões de pessoas", diz o secretário.

Saiba mais sobre o livro e os autores abaixo:

Nas primeiras horas da manhã do dia 24 de março de 2003, o juiz Alexandre Martins de Castro Filho, 32 anos, é assassinado numa emboscada quando se dirigia a sua academia de ginástica, em Vila Velha, cidade vizinha a Vitória, no Espírito Santo. A morte choca o país, chamando atenção para a força do crime organizado e sua proximidade com o poder. Dois anos antes, Alexandre e o colega Carlos Eduardo Ribeiro Lemos haviam descoberto que seu superior hierárquico, juiz titular da Vara de Execuções Penais (VEP) do estado, integrava uma quadrilha especializada em mortes por encomenda, entre ou-tros crimes. Faziam parte do grupo vários nomes de vulto da segurança pública estadual.

Nesse mesmo período, o Delegado da Polícia Federal Rodney Rocha Miranda, atuando no Núcleo de Combate a Impunidade do Ministério da Justiça e na Coordenação de Re-pressão ao Crime Organizado da PF, percorria o Brasil com sua equipe participando de casos de repercussão nacional: as prisões dos deputados federais Talvane Albuquerque e Jader Barbalho, do senador Luiz Estevão, e a busca realizada no escritório do marido da então governadora do Maranhão e pré-candidata favorita à presidência da República, Roseana Sarney. Rodney conduziu ainda outras ações sem o mesmo destaque na mídia, mas de grande importância para a preservação do Estado democrático de direito. O con-vite do Governador Paulo Hartung para que assumisse a secretaria de segurança do Es-tado do Espírito Santo, aproximou, a partir de janeiro de 2003, Rodney de Alexandre e Carlos Eduardo, histórias até então paralelas, porém marcadas pelo mesmo propósito: combater o crime organizado.

A investigação do assassinato do juiz Alexandre e do crime organizado que corroia o Estado, à época um verdadeiro santuário da impunidade, uniu o juiz Carlos Eduardo e o secretário Rodney. Ambos sofreram na carne os resultados dessa cruzada: ameaças a familiares e questionamentos diários sobre o caminho percorrido.

Luiz Eduardo Soares, que em janeiro de 2003 assumira a secretaria nacional de segu-rança pública, decidiu investir, ante a tragédia de Alexandre, a energia de sua gestão no apoio à restauração da segurança pública do Espírito Santo, colaborando com os esfor-ços de investigação e de articulação de uma ampla ação concertada contra o crime orga-nizado. Luiz Eduardo, co-autor de Cabeça de Porco e Elite da Tropa, ambos publicados pela editora Objetiva, e ex-Coordenador de Segurança, Justiça e Cidadania do Estado do Rio de Janeiro, acompanhou os bastidores dessa epopéia e considerou seu dever relatá-la em um livro:

"O Espírito Santo era o retrato dramático e extremo da degradação das instituições pú-blicas, da corrupção epidêmica e do crime organizado. Era um verdadeiro santuário da impunidade. É gratificante escrever sobre o processo em que o estado passou a limpo sua história e transformou aquela realidade bárbara em uma situação inteiramente dife-rente, na qual os direitos humanos se afirmam e a legalidade constitucional se impõe, apesar de naturais dificuldades e limitações. O relato dos fatos que promoveram essa mudança pode servir de alerta e exemplo para outros estados brasileiros", destacou Luiz Eduardo.

Os autores de Espírito Santo narram, no livro, a luta travada contra o crime organizado capixaba, desde a descoberta de seu modus operandi à prisão dos carrascos de Alexan-dre. Com trama e personagens cinematográficos, o livro mostra como a criminalidade colocou um estado de joelhos, revelando sua fragilidade diante de uma rede criminosa que chega a se confundir com as instituições públicas, tamanha a proximidade entre bandidos e autoridades.

Segundo Rodney, a idéia de escrever o livro nasceu há cerca de três anos, em conjectu-ras com o já amigo inseparável Carlos Eduardo, durante um encontro que ambos tive-ram em Pernambuco com Luiz Eduardo Soares. "O livro está pronto mas essa história continua e ainda está longe de um desfecho satisfatório. Para se ter uma idéia da luta que ainda há pela frente, o coronel da polícia militar acusado de ser um dos mandantes da morte de Alexandre esteve preso preventivamente durante seis anos, por decisão de Carlos Eduardo, mas hoje está solto porque nenhum juiz tem coragem de condená-lo", disse Rodney.

"A idéia do livro foi deixar registrada a luta de algumas pessoas que acreditam que a situação de letargia que estamos vivendo pode mudar. Ao mesmo tempo, pretende pro-vocar um debate sobre o papel das instituições no combate ao crime organizado e à vio-lência de um modo geral", disse Rodney Miranda.

"O Espírito Santo é um microcosmo do País e o que acontece lá deve servir de exemplo para reflexão nacional. A idéia principal desse livro é revelar como funcionam essas organizações para que possamos lutar contra elas. A população brasileira precisa saber como as coisas realmente acontecem", alerta o juiz Carlos Eduardo.

O INÍCIO

Os juízes Carlos Eduardo e Alexandre puxaram o fio da meada quando perceberam que o juiz titular da Vara de Execuções Penais (VEP) vinha autorizando rotineiramente li-berdade condicional e progressão de regime para prisão aberta e semi-aberta, a crimino-sos condenados de todos os presídios do estado que ainda não haviam cumprido pena suficiente para tais benefícios. No começo, a dupla achou que estava diante de equívo-cos e decidiu questionar as autorizações do chefe, que não lhes deu atenção. As irregu-laridades continuaram e, no dia 19 de novembro de 2001, eles decidiram entregar juntos um relatório confidencial sobre os fatos ao juiz corregedor, responsável por identificar erros cometidos por seus pares e puni-los. Abafadas num primeiro momento, as denún-cias vazaram para a mídia produzindo um grande escândalo.
No mesmo passo, os outros poderes estaduais estavam contaminados pela presença de integrantes do crime organizado em seus quadros, o que originou, inclusive, um pedido de intervenção federal, cuja negação causaria a queda do então ministro da Justiça, Mi-guel Reali Júnior. Pressionado pela crescente repercussão na imprensa nacional, o pre-sidente Fernando Henrique enviou ao estado uma missão especial, integrada por vários órgãos, como Ministério Público Federal, Polícia Federal, Polícia Rodoviária Federal.

Com a eleição do governador Paulo Hartung, em janeiro de 2003, e a posse do novo secretário de segurança, Rodney Miranda, o estado somou esforços com as entidades que participavam da missão especial. Vale ressaltar que o braço armado da organização criminosa tinha em seu comando um coronel reformado da polícia militar, que depois seria apontado como um dos mandantes do assassinato do juiz Alexandre.
"Me meti em muitas confusões ao longo da carreira, mas faria tudo outra vez. Quando fui para o Espírito Santo, onde nunca tinha pisado antes, a bolsa de apostas era: ele não sobrevive um mês. A morte de Alexandre foi uma tragédia pessoal para nós, mas o que aconteceu com ele lá poderia acontecer na maioria dos estados brasileiros", diz Rodney.

Assim que se instalou a missão, Alexandre e Carlos Eduardo expediram 1.900 manda-dos de prisão. O objetivo era prender todos os pistoleiros que atuavam no estado e seus mandantes, quaisquer que fossem os seus postos e sua importância política.
A insegurança entre os criminosos cresceu e a temperatura das ameaças aos persona-gens do livro também, culminando com o assassinato de Alexandre e a concomitante tentativa de homicídio de Rodney. Naquela manhã, ambos haviam dispensado a escolta policial. "Àquela altura, nós ainda não acreditávamos que os inimigos pudessem come-ter tamanha covardia", admite Carlos Eduardo.

A partir daí, iniciou-se uma verdadeira caçada policial aos autores do assassinato do juiz Alexandre sob o comando direto do secretário Rodney Miranda, culminando na prisão dos executores em menos de dez horas. Nessa época foi fundamental o apoio logístico e institucional do então secretário nacional de segurança pública, Luiz Eduardo Soares e a coragem de Carlos Eduardo em conduzir a instrução do processo.
Agosto de 2009: sete acusados da participação no crime foram julgados e condenados. Os acusados pela execução e seus auxiliares diretos, que estão condenados e presos, são pobres e têm baixa escolaridade. Os dois policiais condenados ocupam posições subal-ternas na corporação militar. Por outro lado, os três acusados pelo planejamento e con-tratação dos executores ainda aguardam julgamento. Em total liberdade.

Permanecem sob permanente escolta e cerceados em sua liberdade Carlos Eduardo Le-mos, Rodney Miranda e suas respectivas famílias.

SOBRE OS AUTORES

Luiz Eduardo Soares foi secretário nacional de Segurança Pública e Coordenador de Segurança, Justiça e Cidadania do Estado do Rio de Janeiro. É mestre em antropologia social, doutor em ciência política, com pós-doutorado em filosofia política. Foi profes-sor do IUPERJ e da UNICAMP, pesquisador visitante do Vera Institute of Justice, de New York, e professor visitante da Harvard University, Columbia University, Univer-sity of Virginia e University of Pittsburgh. Atualmente, é secretário municipal de Valo-rização da Vida e Prevenção da Violência de Nova Iguaçu, Rio de Janeiro, e leciona na UERJ e na Universidade Estácio de Sá. Escreveu, entre outros livros, Cabeça de Porco, com MV Bill e Celso Athayde, e Elite da Tropa, com André Batista e Rodrigo Pimen-tel, ambos da Objetiva.

Carlos Eduardo Ribeiro Lemos é juiz de direito estadual, atualmente titular da 5ª Vara Criminal da Capital (Vitória-ES). Mestre em Direito Constitucional, especialista em Direito Penal e Processual Penal, professor de Direito Penal da Faculdade de Direito de Vitória e membro da Comissão Nacional de Apoio às Penas e Medidas Alternativas (Conapa).

Rodney Rocha Miranda é delegado federal e secretário de Segurança Pública e Defesa Social do Espírito Santo. Anteriormente, foi secretário de Defesa Social de Pernambuco e secretário de Segurança Comunitária de Caruaru-PE. Bacharel em Administração e Direito, pós-graduado pela Escola da Magistratura do DF e pela Academia Nacional de Polícia Federal. Ex-integrante do Núcleo de Combate a Impunidade do Ministério da Justiça e membro fundador do Fórum Brasileiro de Segurança Pública. Delegado fede-ral, ficou conhecido por diligências polêmicas, como a prisão do deputado federal Jader Barbalho e a busca no escritório do marido da então governadora do Maranhão e pré-candidata favorita à presidência, Roseana Sarney.

SOBERANIA E CRIMINALIDADE

EDUARDO BOMFIM – advogado, GAZETA DE ALAGOAS, 23/12/2011


Em 1920, na Grande Depressão econômica, as elites dos EUA, em um dos seus recorrentes surtos de puritanismo hipócrita e eugenia sanitarista, introduziram a famosa Lei Seca para combater a pobreza e violência social que grassava no país.

Proibiu-se a fabricação, o comércio, a importação e o consumo de bebidas alcoólicas em território norte-americano, o que durou exatos 13 anos.

Achavam que as chagas sociais tinham como causa principal o consumo de bebidas alcoólicas, o que excluía, portanto, a miséria, o desemprego, a desestruturação do parque industrial, a quebradeira do comércio e a falência da agricultura decorrentes da crise.

O resultado foi que nunca se bebeu tanto em toda a história dos Estados Unidos; o alcoolismo atingiu índices altíssimos, a violência explodiu com o fenômeno dos gangsterismo.

A História tem mostrado que os fatores de instabilidades psicossociais não resultam unicamente das realidades econômicas depressivas ou em nações estraçalhadas por guerras, mas acontecem também nos países em crescimento, como o Brasil.

Por exemplo, os atuais episódios que estão ocorrendo em Maceió, provocando o pânico generalizado da população, a queima de ônibus, notícias sobre arrastões no Centro da cidade e bairros da capital nos levam à reflexão sobre o aumento do crime organizado em Alagoas, que é uma realidade nacional incontestável.

O crescimento econômico do País e a inclusão social de milhões de pessoas não estão correspondendo a uma elevação do nível de satisfação espiritual e de civilização do povo, e a miséria generalizada, onde são recrutados os soldados rasos desse crime organizado, ainda é imensa.

Quando se tomam de assalto as favelas do Rio, incorrendo-se no erro de usar as forças armadas, as organizações criminosas buscam os elos mais débeis das estruturas de segurança, como é o caso óbvio de Alagoas.

O crime organizado no Brasil só pode ser derrotado por meio de uma eficaz política nacional de segurança, na vigilância total das nossas fronteiras, na repressão ao tráfico de armas, na ação da inteligência contra o bilionário e fagueiro trânsito dos narco-dólares no País.

É um grave problema de soberania, que exige também muito investimento no combate aos abismos sociais que persistem. Caso contrário, o Estado brasileiro, a exemplo do México, será refém dessa vaga criminosa típica da nova era global.

IMPUNIDADE - VÁRIAS VEZES PRESO E SOLTO, PICHADOR CAI DE PRÉDIO EM OUTRO ATO DE VANDALISMO


QUEDA NA MADRUGADA. Pichador despenca de prédio da Capital. Segundo BM, jovem de 20 anos foi flagrado 10 vezes em ações semelhantes - MARCELO GONZATTO

Um pichador despencou da fachada de um prédio, no bairro Rio Branco, na Capital, quando tentava rabiscar letras a uma altura de quase 20 metros. Ismael Francisco de Souza, 20 anos, caiu sobre a marquise do edifício e se encontrava internado no Hospital de Pronto Socorro (HPS) em estado regular até a noite de ontem. Ele já foi flagrado pela polícia pelo menos uma dezena de vezes pichando paredes da Capital nos últimos três anos.

Um veículo da Brigada Militar passava perto do número 1.376 da Avenida Osvaldo Aranha, às 3h de ontem, quando os policiais ouviram pedidos de ajuda. Sobre a marquise do prédio, um rapaz gritava de dor e pedia socorro. Conforme a ocorrência registrada pela BM, ele dizia que estava morrendo e tinha as pernas quebradas. Souza teria confessado aos policiais militares que estava pichando e, conforme o relato dos policiais, havia uma lata de spray junto dele.

O jovem subiu até o topo do prédio, de 12 andares, e começou a descer pela fachada agarrado ao cabo de aterramento do sistema de para-raios – que se estende da cobertura até o chão. Ele havia conseguido pintar seis letras – a última delas na altura do sexto andar –, quando perdeu o equilíbrio.

– O mesmo rapaz já havia pichado o prédio. Como faz uns três meses que refizemos toda a pintura, ele resolveu deixar a marca dele de novo. Mas, desta vez, se deu mal – comenta o zelador do edifício, Gerson Oliveira.

Não havia certeza sobre como ele conseguiu chegar ao topo do prédio. Para entrar na área do condomínio, conforme Oliveira, ele teria pulado do telhado de um imóvel vizinho, mais baixo. De lá, teria superado uma cerca elétrica e chegado à marquise. Uma das hipóteses é de que teria alcançado o 12º andar, agarrando-se ao mesmo cabo pelo qual tentava descer.

Restauradora considera que falta ação do poder público

A Brigada Militar registra pelo menos uma dezena de ocasiões em que Souza foi flagrado pichando. A primeira delas foi em 2008, quando foi detido sujando fachadas na Avenida Bento Gonçalves e, posteriormente, na Farrapos. Este ano, se repetiram pelo menos outros oito flagrantes. Como o crime é de menor potencial ofensivo, ele assina um termo circunstanciado e pode ser condenado a penas alternativas como serviço comunitário.

Conforme uma moradora, o edifício é visto como uma espécie de campo de disputa por vândalos da Capital.

– É alvo de uma disputa entre pichadores. Já haviam pintado na lateral, pelo telhado do vizinho, e também no topo – contou uma moradora.

Souza foi submetido a uma cirurgia no HPS e seu estado de saúde. Em outubro, outro jovem despencou de um edifício da Capital quando pichava.

Restauradora e autora do projeto e livro “SOS Monumento”, Alice Prati considera a segunda queda de um pichador em curto espaço de tempo um alerta. Para ela, a sociedade “está se rendendo” à ação desses jovens, e, principalmente, falta ao poder público vontade para coibir as ações.

– Esse rapaz já passou 10 vezes pelas autoridades. E sempre saiu para continuar pichando – afirma Alice.

Ela ressalta que a segunda queda mostra que os pichadores vêm aprimorando sua técnica. Sobem cada vez mais alto, diz Alice, mas, mesmo quando atuam mais próximos à rua, não sofrem qualquer censura.

– Como ele passou quatro horas quase na frente do Pronto Socorro sem ninguém ver? É uma evidência clara de passividade de todos – diz.


COMENTÁRIO DO BENGOCHEA - Enquanto perdurarem as lei brandas e uma justiça tolerante para atos de vandalismo, as pessoas não terão a garantia da incolumidade do patrimônio prevista na constituição brasileira. Esta na hora do Brasil rever suas leis e sua cultura nas questões de ordem pública para que os "ditos" pequenos crimes com o vandalismo não fiquem impunes e estimulando os grande crimes. Que diga a teoria das "Janelas Quebradas", conhecida por tolerância zero. Se os Poderes Executivo, Judiciário e Legislativo que governam o Estado não coíbem as pequenas infrações, jamais terão força e compromisso de combater os grandes e hediondos crimes.

quinta-feira, 22 de dezembro de 2011

AUMENTO DO NÚMERO DE MORADORES DE FAVELAS CHAMA A ATENÇÃO

Sobretudo numa época de economia em crescimento e de maior distribuição da renda - Donizeti Costa e Mauricio Simionato, especial para O Globo. 21/12/11 - 23h48

SÃO PAULO - O aumento no número de pessoas vivendo em favelas no país na última década chama a atenção sobretudo por abranger os oito anos do governo Lula - uma época de economia em crescimento e de maior distribuição da renda, mas que não impediu esse viés negativo do ponto de vista habitacional. Para a arquiteta e urbanista Erminia Maricato - que foi secretária de Habitação e Desenvolvimento Urbano da prefeitura de São Paulo de 1989 a 1992, na gestão de petista de Luiza Erundina -, esse desencontro de índices é fácil de explicar:

- Mesmo entrando dinheiro para as camadas menos favorecidas, sem uma regulação dos preços da terra e dos imóveis urbanos, elas continuarão sem ter acesso à casa própria. E, como consequência, morando em imóveis irregulares, de elevado risco e na periferia.

Segundo Ermínia, a aplicação do Estatuto da Cidade, aprovado em 2001, ajudaria a corrigir essa distorção.

Erminia lembra que, quando o município, usando dinheiro público, leva benfeitorias como asfalto, água, esgoto e eletricidade a regiões sem infraestrutura, a valorização do bem vai para o bolso do proprietário do imóvel. As Zonas Especiais de Interesse Social (Zeis), previstas no Estatuto, corrigiriam isso:

- O terreno só poderia ser usado para a construção de determinado imóvel, que seria vendido por um preço determinado para moradores de determinada faixa de renda.

Raquel Rolnik, outra referência em arquitetura e urbanismo no país, diz que é preciso certo cuidado na análise do levantamento de moradias irregulares. Para ela, além da mudança de metodologia, reconhecida pelo instituto, é preciso que ser levem em conta outros fatores:

- Na pesquisa não se levam em conta, por exemplo, loteamentos clandestinos. Nem grupamentos subnormais em número inferior a 51 moradias - diz a especialista, lembrando ainda que um estudo feito por ela em 2000 indicava que apenas 30% dos domicílios do Brasil tinham condições urbanas adequadas. E cita, como exemplo, bairros inteiros do Litoral Norte de São Paulo que não eram servidos por rede de esgoto.

- O levantamento do IBGE é um retrato parcial da realidade, mostra apenas uma parte da precariedade urbanística do Brasil.

A arquiteta e urbanista constata ainda que, além de não implementarem a total aplicação do Estatuto da Cidade, os governos vêm ajudando a aumentar a massa de excluídos habitacionais com projetos como o da Copa 2014, das Olimpíadas de 2016 e, no caso específico de São Paulo, do Rodoanel e da recuperação da várzea do Rio Tietê.

- Para recuperar o rio, querem que os moradores do Jardim Pantanal, na região de São Miguel, troquem uma área que tem metrô, escolas e postos de saúde por Itaquá, a 40 quilômetros dali, num lugar que não tem nada disso - exemplifica ela.

- Isso é uma produção em massa de favelas, o mesmo que enxugar gelo.

Roberto Romano, professor titular de Ética e Filosofia Política da Unicamp, afirma que o conflito entre a atual pujança econômica e o declínio habitacional do país apontado pelo estudo do IBGE remete aos tempos da ditadura militar:

- Na época do governo do general Médici havia até uma frase para definir isso: "O país vai bem, mas o povo vai mal".

Ele até reconhece que nos últimos anos houve uma evolução nos ganhos da população de baixa renda, mas não o bastante para tirá-la da quase clandestinidade habitacional:

- Um mal dos governos, desde os tempos do DIP (Departamento de Imprensa e Propaganda) de Getúlio Vargas, é vender sonho e promessas como se fossem realidade.

O secretário da Habitação de São Paulo, Ricardo Pereira Leite, faz questão de frisar que os 41% de aumento das moradias irregulares no Estado de São Paulo se devem a mudanças no critério de pesquisa. Como exemplo, cita que habitações que antes não eram consideradas subnormais agora aparecem assim enquadradas:

- Nós (a Prefeitura e o instituto) trabalhamos com um número bem próximo de pessoas morando em favelas, de cerca de 1,3 milhão. Mas, nesses dez anos, o crescimento no números de habitantes desse tipo de moradia foi semelhante ao aumento populacional na cidade, da ordem de 3%.

- O processo de urbanização dos grandes centros metropolitanos não foi acompanhado por políticas públicas habitacionais - diz o professor e doutor do Nepo (Núcleo de Estudos de População) da Unicamp (Universidade Estadual de Campinas), Roberto Luiz do Carmo, ao comentar os índices divulgados ontem pelo IBGE sobre o processo de "favelização" das regiões metropolitanas do país.

- Há uma dívida histórica da política habitacional. Nunca se pensou que esta transferência de pessoas que ocorreu da área rural para os centros urbanos, ocorrida a partir da década de 1950, tivesse de estar acompanhada por políticas públicas habitacionais", disse Carmo, doutor em Demografia pela Unicamp.

Para ele, o cerne do aumento das favelas está na relação entre o mercado imobiliário e os poderes públicos.

-A dinâmica urbana é comandada pelo mercado imobiliário e não pelos poderes públicos, como deveria ser. Por isso, as classes D e E estão excluídas pelo mercado - disse ele.

Rio é a cidade com maior população em favelas do Brasil. Políticas habitacionais estão longe de atender à demanda por moradias na cidade. Rafael Galdo - O GLOBO, 21/12/11 - 10h01


RIO - O Rio de Janeiro é a cidade com a maior população vivendo em aglomerados subnormais do país, revela o estudo do Censo 2010 sobre o tema, divulgado nesta quarta-feira pelo IBGE. São 1.393.314 pessoas nas 763 favelas do Rio, ou seja, 22,03% dos 6.323.037 moradores do Rio. A cidade fica à frente inclusive de São Paulo, cuja população nas favelas e loteamentos irregulares é de 1.280.400, embora a capital paulista tenha mais aglomerados subnormais do que a fluminense, 1.020 ao todo.

Os números do Rio denotam um dado preocupante, que mostram que as políticas habitacionais estão longe de atender à demanda por moradias na cidade. Se comparados com os números do Censo 2000 do IBGE (quando havia 1.092.283 moradores de favelas no Rio, ou 18,65% dos habitantes do município), o crescimento da população em aglomerados subnormais em 10 anos foi de 27,65%, enquanto a cidade regular, excetuando os moradores das favelas, cresceu a um ritmo oito vezes menor, apenas 3,4%, passando de 4.765.621 para 4.929.723 nesses dez anos.

Também é do Rio o título do maior aglomerado subnormal do Brasil. Individualmente (sem levar em consideração a formação de complexos de favelas), a Rocinha continua sendo a maior favela do país. De acordo com o Censo, eram 69.161 moradores em 2010. Enquanto a segunda colocada, a comunidade Sol Nascente, no Distrito Federal, tinha 56.483 habitantes. Já a terceira maior favela do Brasil também era carioca: Rio das Pedras, na Zona Oeste, tinha 54.793 moradores em 2010. Mas se considerado que a comunidade forma um complexo com a favela A.M. e Amigos de Rio das Pedras, esse número era ainda maior, de 63.482 moradores. Ambas as comunidades, Rocinha e Rio das Pedras, são alguns dos destinos favoritos de imigrantes nordestinos no Rio, assim como de pessoas vindas de áreas distantes da Região Metropolitana do Rio, que escolhem essas regiões, entre outros fatores, devido à proximidade com os centros de trabalho.

A lista de maiores favelas/complexos de favelas do Rio (usando aqui critérios do Instituto Pereira Passos para reunir aglomerados subnormais em complexos de favela), tem ainda o Complexo do Alemão, com 58.430 habitantes; o Complexo da Fazenda Coqueiro, com 44.834 moradores; o Complexo da Penha (35.388); o Complexo do Jacarezinho (32.972); o Complexo de Acari (21.999); o Complexo de Manguinhos (21.846); e o Complexo da Pedreira (20.508).

Embora nem o IBGE nem o IPP agrupe as favelas da região da Maré num único complexo, se reunidas as áreas contíguas de favela da Maré, a população do Parque União, do Parque Rubens Vaz, da Nova Holanda, do Parque Maré, da Baixa do Sapateiro e do Timbau, juntos, era de 64.215 moradores em 2010. Uma população maior, portanto, do que de Rio das Pedras, mas menor do que da Rocinha.

Os números do IBGE, no entanto, ao considerar aglomerado subnormal apenas as comunidades que ocupam ou ocupavam até recentemente áreas públicas ou particulares alheias, não incluem áreas oriundas de conjuntos habitacionais hoje favelizadas, como a Vila do João, na própria Maré, quase toda a Cidade de Deus e a Vila Kennedy.

Além disso, desta vez, a pesquisa do IBGE utilizou metodologias distintas das de censos anteriores, como imagens de satélite para identificar as áreas dos aglomerados. Por isso, segundo o instituto, as comparações entre 2000 e 2010 podem apresentar diferenças.

FAVELAS CRESCEM 29,8% NO RS


GAÚCHOS À MARGEM. Favelas crescem 29,8% no Estado - KAMILA ALMEIDA, ZERO HORA 22/12/2011

Censo aponta que, em 10 anos, Rio Grande do Sul ganhou 68,2 mil favelados
De 2000 até o ano passado, o número de favelas no Rio Grande do Sul teve um crescimento de 29,8%. Mais do que o dobro que o crescimento da população no mesmo período, de 12,3%. Recorte do Censo 2010, o dado faz parte do levantamento Aglomerados Subnormais, divulgado ontem pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

Hoje são 297.540 indivíduos nessas condições, contra 229.244 em 2000. O número corresponde a 2,8% dos gaúchos. Em 1991, quando o censo começou a ser realizado, a população de favelados no Estado não chegava a 100 mil. Era de 99.621.

– Esse resultado é assustador, uma certa contradição se considerar as projeções da Organização das Nações Unidas (ONU), que levavam em conta a regularização fundiária a partir do estatuto das cidades – disse o professor do Programa de Pós-graduação em Planejamento Urbano e Regional da UFRGS Eber Souza Marzulo.

Levando em consideração apenas os municípios, o levantamento revela uma migração para regiões suburbanas de Porto Alegre. A Capital assistiu a um crescimento de 34,5% da população em áreas suburbanas – eram 143.353, em 2000, e passaram a ser 192.843. Também mostraram crescimento municípios como Tramandaí (11,8%), no Litoral Norte, e Novo Hamburgo (9,3%), no Vale do Sinos.

Fabiano Pereira, secretário de Justiça e de Direitos Humanos do Estado afirma não haver explicações plausíveis para este crescimento no Estado.

– O Brasil cresceu tanto em muitos setores. Agora, 2012 tem de ser o ano da cidadania e dos valores. Não podemos admitir seres humanos passando fome e morando em áreas degradadas – destaca Pereira.

Pelo IBGE, é considerada favela – ou “aglomerado subnormal” – regiões que têm pelo menos 51 domicílios, com ocupação ilegal e em terreno inadequados para urbanização. Dentro desses parâmetros, o Rio Grande do Sul tem registradas 223 favelas em 23 municípios – cerca de metade delas (108) na Capital.

As condições das favelas gaúchas, entretanto, são melhores do que a média nacional. De acordo com o levantamento, 96% dos domicílios têm fornecimento de água, 75% têm fornecimento de energia elétrica, 75% são ligados à rede esgoto ou dispõem de fossa séptica. O dado, porém, não considera se o esgoto é ou não tratado.

11,4 milhões de brasileiros vivem em favelas, pouco mais do que a população da cidade de São Paulo.

297.540 gaúchos vivem em favelas, pouco mais do que a população de Santa Maria.

68.296 foi crescimento no número de gaúchos favelados desde 2000, quase o equivalente à população de Santa Rosa.

223 favelas foram catalogadas no RS, 108 delas em Porto Alegre.


Áreas precárias abrigam 6% dos brasileiros

No Brasil, os dados do IBGE mostram que a falta de uma solução adequada para a coleta de esgoto é o principal problema de saneamento nas favelas. O Censo de 2010 revelou que o país tem 11,4 milhões de pessoas vivendo em áreas de ocupação irregular e serviços ou urbanização precários. Isso representa 6% da população nacional. Com quase 70 mil habitantes, Rocinha, em São Conrado, na zona sul do Rio, é a maior favela do país.

Segundo o IBGE, de modo geral as áreas mais antigas e consolidadas tendem a ter melhores serviços do que as áreas de ocupação mais recente. Normalmente, a proximidade com áreas centrais da cidade também implica em melhores condições de saneamento.

O PAÍS DAS FAVELAS

EDITORIAL ZERO HORA 22/12/2011

Num primeiro momento, é chocante a informação de que mais de 11 milhões de brasileiros – contingente superior a toda a população de Portugal – vivem em 6.329 “aglomerados subnormais”, como o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), responsável pelo levantamento, define áreas de favelas, invasões e palafitas. Mas, no Brasil das desigualdades, as favelas já fazem parte da realidade, muitas delas foram urbanizadas e contam hoje com um mínimo de assistência do Estado. O estudo, portanto, precisa contribuir para que o país, numa época de amplas transformações econômicas e sociais, possa encontrar alternativas eficazes para enfrentar chagas como a subabitação e a precariedade na área de saneamento básico, que tanto sofrimento impõem às faixas de menor renda.

Um aspecto particularmente preocupante é a velocidade com que esses agrupamentos urbanos prosperam mesmo em Estados menos familiarizados com favelas, como Rio Grande do Sul e Santa Catarina. A situação chegou ao ponto de o número de brasileiros em áreas irregulares praticamente dobrar no país num período de duas décadas. Nessa velocidade, o poder público esbarra em dificuldades ainda maiores que o esperado para enfrentar o desafio de garantir condições mais dignas no cotidiano dos moradores com as escassas verbas oficiais disponíveis e o excesso de burocracia. Isso, porém, não exime o setor público de responsabilidades diante de um quadro que não condiz com a situação socioeconômica conquistada pelo país, exigindo, por isso, a adoção de ações rápidas e eficazes.

Enquanto o problema não é enfrentado, os brasileiros nessas condições continuam a habitar residências precárias e esbarram na falta de infraestrutura, com carências que impedem um mínimo de bem-estar físico e mental. O principal problema é saneamento básico, já que a rede de esgoto, quando existe, está longe de ser considerada a ideal, o que coloca em risco a qualidade da saúde, particularmente das crianças. Mesmo a rede de energia elétrica, na maioria das vezes, é caracterizada pela precariedade. A situação não é muito diferente no que diz respeito a postos ambulatoriais, ao atendimento escolar e à área de segurança pública. O resultado é que os moradores se tornam mais expostos a doenças e à criminalidade e, devido à dificuldade de acesso à educação, ficam em condições desfavoráveis de ascender socialmente e de deixar para trás uma vida marcada por privações.

Recentes iniciativas, como a instalação das Unidades de Polícia Pacificadora (UPP), no Rio de Janeiro, têm servido para reiterar a eficácia de políticas preocupadas em aproximar as comunidades dos organismos de segurança, aliadas ao fortalecimento de ações sociais. O levantamento do IBGE precisa contribuir para que moradores de habitações precárias possam encontrar formas de garantir para suas comunidades a proteção e a assistência a que têm direito.

terça-feira, 20 de dezembro de 2011

PACIFICAÇÃO - MILITARES GAÚCHOS NAS FAVELAS DO RIO


MISSÃO NOBRE. Gaúchos treinam para levar paz a favelas do Rio. Soldados vão integrar força nacional e ajudar em ações em áreas antes conflagradas pelo tráfico - JOICE BACELO, ZERO HORA 20/12/2022

Das 55 horas de treinamento, apenas 18 serão destinadas para sono e refeições. A partir do início da tarde de hoje, 118 soldados encaram um exercício intensivo de atividades específicas para a missão de manutenção da ordem no complexo das favelas do Alemão e da Penha, no Rio de Janeiro. O preparo do esquadrão gaúcho que atuará em uma força de pacificação nacional será realizado no quartel do Exército em Bagé, na região da Campanha.

No grupo estão incluídos pelotões de Bagé, Jaguarão e Porto Alegre. Os militares, que ficam na cidade até a próxima quinta-feira, devem perder a noção do tempo: a previsão é de que os treinamentos ocorram pela manhã, à tarde, à noite e também durante a madrugada. São ações semelhantes às executadas para a missão Minustah, realizada pelas tropas brasileiras no Haiti.

– Apesar de o treinamento ser o mesmo, tem uma diferença muito grande: nessa missão nós estaremos lidando com cidadãos brasileiros, do nosso lugar comum. É um momento histórico para o nosso país, que certamente, no futuro, constará nos livros da história brasileira – diz o comandante do esquadrão, capitão Leonardo Morrudo Babot.

Grupo deverá permanecer em solo carioca por nove semanas

Além desse esquadrão, o Rio Grande do Sul enviará para as favelas do Rio de Janeiro um batalhão com 800 soldados, que atualmente estão em treinamento em suas unidades para atuar no Complexo do Alemão. O esquadrão dará apoio a esse batalhão assim como ao de São Paulo, responsável pela missão na Favela da Penha. No dia 2 de janeiro, o grupo se reúne para uma nova concentração em São Leopoldo e em Sapucaia do Sul.

As tropas começam a embarcar no dia 16 de janeiro, 11 dias antes do início da missão. A previsão é de que os soldados gaúchos permaneçam no Rio de Janeiro por nove semanas – durante o período haverá um rodízio entre os militares para que cada um consiga visitar a família e ficar de folga em casa pelo período de uma semana.

Com o é o treinamento

- Patrulha ostensiva – Os soldados ocupam uma área determinada para fazer a revista de pessoas suspeitas. A simulação que será realizada durante o treinamento terá a participação de 40 soldados que não foram selecionados para a operação no Rio de Janeiro. Eles receberam instruções de comportamento semelhante ao habitual da cultura carioca.

- Patrulha em área de alto risco – O treinamento inclui uma simulação de deslocamento pelo interior da favela. Em vez de armas letais, os soldados utilizarão o armamento usado nas competições de paintball.

- Busca e apreensão – Dentro do quartel haverá um local específico para a simulação, onde os soldados terão de acessar o interior do prédio para efetuar a busca e apreensão de pessoas e produtos envolvidos com o tráfico de drogas.

- Execução de tiro – Haverá treinamento de tiro de fuzil e pistola, além do manuseio de armamento não letal – para a simulação serão utilizadas escopetas calibre 12 com munição de borracha. Também serão executadas ações com granada luz e som – material de iluminação intensa e forte barulho, mas que não se fragmenta como uma granada, geralmente usado na dispersão de grupos de pessoas.

- Check point – Ações de controle de vias urbanas, onde é a feita a revista tanto em pessoas quanto em veículos. A simulação será realizada toda dentro do quartel, com a participação dos mesmos soldados envolvidos no treinamento de patrulha ostensiva.

- Escolta de autoridade e de comboio – Os soldados receberão orientações de acompanhamento e segurança. O treinamento será realizado tanto para a escolta a pé quanto para veículos.

A TOMADA DE UM REDUTO DO TRÁFICO

- Criadas pela atual gestão da Secretaria de Segurança Pública do Rio a partir de 2008, as Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs) trabalham com princípios da polícia comunitária em áreas dominadas pelo tráfico.

- O Complexo do Alemão, onde os gaúchos irão atuar, foi ocupado pela polícia em 28 de novembro do ano passado. A ação foi uma resposta a uma série de atentados ocorridos no Rio em 2010, que resultaram em mais de cem veículos queimados.

- O episódio foi marcado pela cooperação entre as forças de segurança. Além da Polícia Militar, as polícias Civil e Federal, o Exército, a Marinha e a Força Aérea fizeram parte da força-tarefa que enfrentou os traficantes.

- Em dezembro de 2010, os militares assumiram oficialmente o comando das ações no conjunto de favelas.

SUA SEGURANÇA | HUMBERTO TREZZI - Batismo para militares gaúchos

A tradição pacifista do Brasil faz com que militares passem a vida toda esperando o momento em que irão entrar em ação. De preferência, numa causa com motivações nobres, como uma Missão de Paz. Pois agora chegou a vez de militares gaúchos terem sua dose de vida concreta, num front que costuma ser cruel com desavisados: as favelas do Rio.

Não que esses soldados estejam indo para lá para entrar em combate. A ideia é o oposto, devem zelar pela segurança de comunidades liberadas do domínio de facções do tráfico algo semelhante ao Haiti, onde alguns gaúchos já estiveram. Eles não podem ser ingênuos. Os bandidos estão sempre dispostos a recuperar o domínio em regiões nas quais reinaram por décadas. Prova disso são recentes gravações feitas pela Polícia Civil, que mostram traficantes ainda atuantes no Complexo do Alemão.

Ainda bem que o treinamento das Forças Armadas para quem vai atuar no Rio é cópia fiel da realidade daquele Estado conflagrado.


COMENTÁRIO DO BENGOCHEA - Envolver militares das forças armas em ações policiais de permanência e policiamento ostensivo sem medidas de excessão tem sido um dos maiores erros na estratégia de pacificação do Rio. A falta de capacidade técnica policial, o uso de armas inapropriadas para o policiamento ostensivo comunitário, os princípios militares envolvidos e as ameaças do contato do tráfico com a caserna, diretamente ou por meio dos moradores aliciados contribuem para a inoperancia dos objetivos de restabelecer a confiança dos moradores no Estado. Os militares só poderiam ser usados na fase de cerco e ocupação de território dominado pelo tráfico. O perigo é a adaptação odo tráfico às forças armadas. Tropas policiais para manter a permanência já deveriam ter sido previstas antes de iniciar a ocupação. O imediatismo provoca estes erros.

segunda-feira, 19 de dezembro de 2011

OS MILITARES NA ESQUERDA







Na América Latina o comunismo é poder nos países. Na Venezuela, Chaves demonstra sua gana em direcionar-se ao totalitarismo, afora alguns ensaios, principalmente de cerceamento da imprensa, em outros países. Aqui no Brasil, a democracia mais consolidada, não deu espaço sobre a censura à imprensa e ainda está inconclusa. Mas a Lei da “Comissão da verdade” funciona como um “osso” para a imprensa roer, enquanto é estudada uma forma válida de sua neutralização. Em todo o cone Sul estão buscando o poder total, ideário permanente a ser perseguido pelos camaradas. Ainda mais, agora que a Rússia começa a se refazer de sua derrocada, buscando uma reconexão com a China, a qual se mantém com independência, na busca de substituir os Estados Unidos na liderança planetária. Ocorre um novo fato, por conta das manifestações orquestradas, nos principais points das mais importantes capitais do planeta. Manifestações populares com as indisfarçáveis bandeiras vermelhas e com as conhecidas palavras de ordem bradadas contra o capitalismo. Se isso não é esquerda, então não existe mais o conceito como querem alguns fazer crer.

Minha meta é entender os militares brasileiros no contexto desse processo. Quero me ater aos militares de esquerda no Brasil. Não vou falar da comenda de Jânio ao Che Guevara; do fustigamento constante do Weneck Sodré;  da performance do cabo Ancelmo e seus sargentos; ou da traição do Lamarca. Houve, ao inicio de 1964, uma anarquia tão grande e com a participação de militares que, per si, se tornou o gatilho das decisões de comandos militares, em dar um basta ao descalabro nacional. A sociedade já estava clamando por uma ação e de várias formas hipotecou sua plena solidariedade ao movimento de 64. Ocorreu, em fatos, uma contrarrevolução à revolução comunista que se instalaria.

Para entender melhor essa argumentação cite-se o brasilianista - americano John W. F. Dulles, autor do livro “Anarquista e comunista do Brasil” que mapeou e estudou a gênese dessas duas ideologias no Brasil. Uma leitura atenta, nesse livro, quanto a formação de células comunistas nos quartéis brasileiros, é bastante interessante. Acho que os comandos da marinha, exército, aeronáutica e polícias e bombeiros militares devam dar, novamente, uma olhada nessa bibliografia. Faço dois destaques dessa pesquisa do Mister Dulles: a primeira se refere a uma grande manifestação popular anarquista, em São Paulo, em 1919, quando os manifestantes, confrontados com a cavalaria da Força Pública (atual PM) gritavam brados de “Morra a Polícia” e “Viva o Exército”; a segunda pela significativa quantificação de células instaladas no Exército, um mínimo na Aeronáutica, nenhuma citação de célula na Marinha e uma, por contágio, com o pessoal da PM do Rio, que trabalhava no presídio da ilha.

Essa leitura eu procedi há mais de trinta anos e por ela desenvolvi a teoria da fragilidade dos integrantes de baixos escalões do Exército, em serem mais propensos, do que os policiais militares, a se envolverem com a ideologia vermelha. Justificava meu pensamento na própria teoria da guerra. Por ser a guerra, o esforço de preparação em todos os níveis, repetido anualmente, para algo que nunca ocorre, é uma forma de entendimento introjetado da “utopia”. E isto dá uma identidade comum. Fora isso, estão as soluções maravilhosas propostas pela ideologia sanguinária, inclusive com o dever de matar o burguês responsável pela desgraça da pátria. O burguês é um inimigo a ser morto. Hoje, não digo que haja, nesse início, a mesma visão. Mas é uma questão de tempo, para estruturem e desenvolverem ações de conquista de executores. A preocupação está agora na participação acentuada dos militares estaduais, como simpatizantes e ativistas da esquerda. Do uso das mulheres e filhos, com comportamento idêntico ao do MST. Há uma juventude militar desinformada que está sendo influenciada pelas ações da mídia no poder, como de sorte a toda a juventude nacional. Esse é um cenário que deve ser considerado, porém há outro mais grave, que é a forma de politização partidária dos militares estaduais.

O partidarismo sempre conviveu com a caserna. Se há um governo e esse governo é democrático, ele pertence a um partido ou coligação partidária. E a escolha dos cargos disponíveis vai ocorrer num critério de intimidade ou interação e a capacidade técnica de pessoas que são próximas das cúpulas dos partidos, inclusive dos cargos militares. Aí se formam as castas de poder e servidão e a desconformidade dos tropeiros, como se denomina os militares da atividade de linha. Isso é parte de um terreno fértil a teorização de partido de militares.

É um sonho que coexiste como solução mágica. É outra forma de utopia. E só chega-se ao estágio de busca e criação de um partido exclusivo (princípio fascista de poder dos partidos sindicais) quando todos os artifícios da democracia estão falhando. Um partido como sua própria designação diz, é um pedaço e, portanto, deveria ter uma definição bastante clara em ser de direita ou esquerda e, dentro dessa escolha buscar todos os segmentos. Se tu não és, ou não queres te identificar com um desses lados, ou estás a serviço ou esperando um bote. “ninguém pode servir a dois Senhores, sem que um deles saia desservido”. Estamos num momento brasileiro que mesmo fraudulentamente, os valores estão que estão sendo apresentados à sociedade são de esquerda. Não há espaço para um partido militar, mesmo de esquerda, a menos que revolucionário. Na direita, até teria espaço, mas seria massa de manobra, para a pirotecnia da oposição. Seria um partido que teria apoio, mas não votos. Vai ser difícil entender propostas conciliadoras. Os militares podem fazer carreira política e seu público deve ser a sociedade e não o classismo.

Os níveis hierárquicos dos militares ativos têm visões diversas na questão de uma participação engajada da democracia, através de partidos políticos. Os cabos e soldados, níveis de execução, têm um visão prática e imediatista. Buscam respostas para o aqui e agora; o que eu ganho, neste momento e que ganho depois de eleito. Já graduados e os tenentes estão mais propensos as proposta de médio e longo prazo, podendo ter um engajamento discreto, conforme o grau de liberalização de seus comandos; Capitães e Majores são tenentes cansados das propostas vãs da política. Alguns bifurcam na utopia de um partido exclusivo, excetos aqueles que já conquistaram alguma “boquinha”, a grande maioria vai cuidar da carreira sem uso desses meios.  Coronéis e Generais aguardam na fila. Como se diria, ”a minha vez vai chegar”. E nessa fila acontecem os mais variados comportamentos. Do adesismo imediato à resistência para não abrir vaga e facilitar o poder constituído mobiliar imediatamente seu staff militar. E esse quadro não tende a sofrer mudança. Agora, sempre haverá crítica, ao militar que quando é transferido para a reserva, faz sua manifestação político/crítica.

O que garante o reconhecimento público do pensamento institucional de uma organização militar é seu processo histórico. Os verdadeiros comandantes que publicam sua forma de ver o mundo em tudo que prejudique a doutrina de sua instituição. Muitos se evocam que em seu comando vale o seu pensamento. Os comandos são transitórios. As instituições vão agregando comando a comando as vicissitudes e vícios de seus comandantes e o respectivo reflexo na tropa. As organizações têm a amálgama desse processo de formação de pensamento institucional, a partir do que recebeu na formação básica, do núcleo da ideologia institucional (Academia), que vai ser reforçada ou reformada, no dia a dia, da atividade cotidiana. Um comando sozinho deixa sua marca, mas dentro de um processo histórico, que pode no máximo significar um desvio temporário corrigido ou corrigível.

Nossa preocupação está em algo que deve ser estudado e está ocorrendo em relação a questão salarial, mais claramente nos militares estaduais, onde parece existir uma pré convulsão direcionada. Estão sendo quebrados princípios garantidores da condição de militar e acredito que, propositadamente. Não há de se negar a discrepância entre salários que são praticados em Brasília, no Piauí, no Rio Grande do Sul e outros Estados. O melhor referencial é o da Polícia Rodoviária Federal, que conta com uma atuação até privilegiada, em comparação às PMs, com um salário básico de quatro a seis vezes a média das PMs brasileiras. E a Polícia Federal para os quadros superiores. Essa mesma comparação pode ser estendida às Forças Singulares (Marinha, Exército e Aeronáutica). 

Mas o que vejo de grave nesse assunto não é buscar melhores condições. Há discordância de algumas práticas. Grave é o teor de uma proposta de PEC, a qual garante a criação do fundo e a suplementação salarial aos Estados, para garantir o piso básico às organizações policiais que se unificarem. Só poderão ter acesso ao “Subsídio” como forma remuneratória (que é um direito constitucional dos policiais), aqueles Estados que sua Polícia militar e sua Polícia Civil se transformarem um uma Polícia Estadual (Única). Aquele discurso de polícia única sempre prometida está a caminho. Creio ter sido a mesma mente petista que estruturou ser possível comprar o apoio parlamentar, subsidiando parlamentares, que também estruturou essa estratégia. Após todas os militares estaduais transformados por vontade própria e com o interesse dos erários estaduais, em poucos anos todas as polícias estarão vinculadas à uma CUT da vida. E aí, parar o Brasil e implantar um novo modelo socialista entre os modelos da China e de Havana é uma facilidade. As Forças Armadas, quem sabe até, poderão estar contempladas nesse pacote.