Revelamos aqui as causas e efeitos da insegurança pública e jurídica no Brasil, propondo uma ampla mobilização na defesa da liberdade, democracia, federalismo, moralidade, probidade, civismo, cidadania e supremacia do interesse público, exigindo uma Constituição enxuta; Leis rigorosas; Segurança jurídica e judiciária; Justiça coativa; Reforma política, Zelo do erário; Execução penal digna; Poderes harmônicos e comprometidos; e Sistema de Justiça Criminal eficiente na preservação da Ordem Pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio.

sábado, 30 de novembro de 2013

O MAL DE CALLIGARIS

ZERO HORA 30 de novembro de 2013 | N° 17630


ARTIGOS


 Gilberto Schwartsmann*



Há alguns dias, leitores de ZH fizeram críticas às opiniões veiculadas pela jornalista Rosane de Oliveira e pelo escritor Luis Fernando Verissimo, no que diz respeito às condenações de políticos envolvidos no processo do mensalão. Confesso que me identifiquei mais com a posição dos leitores. Mas isto não tem a menor importância.

Minha opinião contrária aos colunistas não me impede de admirá-los. Ao contrário, suas opiniões fizeram-me refletir sobre meu próprio pensamento. Ninguém morreu ou deixou de ser respeitado por causa disso. Em outras palavras, é saudável divergir.

Recentemente, assisti a uma discussão entre políticos pela televisão. Contudo, não percebi entre os debatedores um desejo genuíno de trocar ideias ou que a qualidade da argumentação de um pudesse impactar no modo de pensar do outro. Longe disto.

Eles não debatiam suas diferentes formas de pensar. O que presenciei foram monólogos em sequência, impenetráveis, sem a menor chance de reconciliação entre os diferentes pontos de vista. Todos, sem exceção, revelavam uma incapacidade de reconhecer qualquer mérito no contraditório.

Tenho pensado sobre essa incapacidade de tolerar a divergência, que muitos de nós temos. Opiniões diferentes são muitas vezes recebidas como uma declaração de guerra. Desta forma, fica muito difícil crescer. Nas relações afetivas, a incapacidade de ouvir e respeitar a opinião do outro já acabou com muitos casamentos.

Imagino que o mesmo ocorra na política, pois os projetos estruturais de uma nação dependem do apoio dos diferentes segmentos da sociedade. E para isto é fundamental que as diversas correntes de pensamento sejam ouvidas e suas razões analisadas. É assim que se constrói um verdadeiro pacto social.

O debate travado pelos políticos deu-me a sensação de que eles não buscavam uma alternativa que melhor representasse os interesses coletivos. Cada um, do seu jeito, desejava ouvir a própria voz, sem ser contestado. Havia mais interesse em desconstruir os argumentos dos outros do que em analisar o seu conteúdo.

De onde viria a nossa incapacidade de conviver com quem discorda de nossas opiniões? Que mecanismos emocionais seriam responsáveis por esse tipo de atitude? Em artigo recente, o psicanalista Contardo Calligaris sugere que essa sensação ruim que aflora dentro de nós quando alguém discorda de nosso ponto de vista tem a ver, lá no íntimo, com uma vivência de abandono. Como se o outro, ao divergir, não desejasse mais ficar ao nosso lado.

Discordar, então, tornar-se-ia uma experiência vivida, inconscientemente, como uma traição. Talvez por isto, quando alguém “ousa” divergir de nossa opinião, ficamos irritados ou agressivos. Pois aquele que discorda de nosso pensamento é percebido, emocionalmente, como quem nos abandona. E, para muitos, esse sentimento é intolerável.

Não sei se a abordagem psicanalítica explicaria todas as razões de nossa incapacidade em tolerar opiniões contrárias. Mas seria muito saudável se as pessoas exercitassem um pouco mais sua capacidade de refletir sobre a opinião dos outros. Desta forma, as amizades e os amores seriam mais duradouros. O trabalho renderia mais. Nem falar no sucesso de nossos projetos políticos.


*MÉDICO E PROFESSOR



Contardo Calligaris

sábado, 23 de novembro de 2013

DISTINÇÃO ENTRE SINDICATO E ASSOCIAÇÃO PROFISSIONAL

BLOG DO PROF JOÃO DAMASCENO
terça-feira, 9 de junho de 2009



Tendo em vista a recente decisão do TST sobre a matéria, após o STF pacificar que o Sindicato e demais associações podem representar ampliativamente os associados, submeto os comentários abaixo a crítica:


Está aí uma celeuma que, a meu ver, poderia ser interpretada de forma menos complicada.
É impressionante que o tema venha sob o título de “novo entendimento” pela Justiça do Trabalho, em face do quanto já decidido pelo E. STF.

A Justiça do Trabalho tem se mostrado titubeante, na maioria dos casos, quando da análise desse tema quanto ao alcance do comando constitucional e da substituição processual.

Para matéria trabalhista, necessário é que se faça a devida distinção entre atuação sindical no interesse da categoria de trabalhadores e quando o mesmo atua no interesse dos associados.

Talvez a confusão se estabeleça porque sindicato, como definido na CLT, é também uma associação civil sem fins lucrativos, como definido no Código Civil.

Como o Direito do Trabalho é um ramo do Direito Privado, penso que a melhor definição é entender que se trata de uma associação civil formada por trabalhadores, cujo nome, alcunha, apelido é sindicato, e que, obedecidas as previsões constitucionais e celetistas (território, categoria, etc.), possui um perfil a mais, um plus, quando se trata de defender os interesses da categoria de trabalhadores que representa perante os empregadores, e, nesse momento específico e exclusivo de atuação, assume o perfil jurídico de sindicato.

A definição é moderna e mais ampla que aquela prevista exclusivamente na CLT.

Como associação civil, pode e deve defender os interesses dos associados em todos os âmbitos dos interesses destes e em tudo que entender necessário para melhoria das condições de vida e de trabalho dos associados, inclusive quanto aos seus familiares.

Contudo, é como sindicado que representa a categoria profissional e, nesse caso, ela atua com mandato legal (CR e CLT) maior que o legitimado enquanto associação civil (Cód. Civil) para, tão somente, discutir cláusulas do contrato coletivo do trabalho ou exigir o seu cumprimento ou da lei em gênero.

Como sindicato, representa a categoria profissional para assuntos homogêneos de natureza trabalhista.

Representa toda a categoria profissional, incluindo os que são associados, ou seja, sindicalizados, e aqueles que não são sindicalizados (associados), mas que estão vinculados ao sindicado por fazer parte da categoria profissional e pela obrigação do imposto sindical anual.

Por fazer parte da categoria profissional, são todos representados pelo sindicato em questões laborais, seja perante os patrões no momento de celebrar o acordo ou convenção coletiva, seja no âmbito judicial, quanto aos direitos homogêneos da categoria, acaso desrespeitados e que careçam de prestação jurisdicional.

Assim, somente o sindicato, que é também um tipo de associação civil, pode representar a categoria profissional e abarcar a todos, mesmo que não sejam associados, sindicalizados, em matéria de Dir.Coletivo do Trabalho.

O contrário, a associação jamais poderá representar os que não são associados em Direito do Trabalho.
(E nesse caso, penso que a decisão do E. TST ainda não pacifica o tema)

É possível que um sindicado saiba atuar tanto como sindicato, quanto como associação.

O limite estará na matéria tratada, se de natureza de Dir. Coletivo do Trabalho ou de associativismo civil.

Exemplifiquemos, para tornar os comentários, aparentemente antagônicos, mais digestos.


SINDICATO:

Representa todos os trabalhadores de uma categoria profissional ou de trabalhadores que laboram para um empreendimento empresarial, discutindo e definindo as cláusulas do contrato coletivo do trabalho. Podendo agir em juízo na defesa dos interesses da categoria. Nesta hipótese, representa todos os trabalhadores, independentemente dos mesmos serem sindicalizados (associados) ou não, inclusive perante o Judiciário.


ASSOCIAÇÃO:

Representa apenas seus associados em todas as demais áreas do associativismo civil, exceto em questões de Dir. Coletivo do Trabalho. É possível que haja no mesmo local um sindicato da categoria e uma associação da mesma categoria, ou até mesmo mais de uma associação. Assim como é possível o sindicato assumir as duas funções e atuar distintamente quando convocado para tanto.

O sindicato cuidará das questões de Dir. Coletivo do Trabalho e é o único legitimado a sentar na mesa e participar das rodadas de negociação com os patrões quanto ao contrato coletivo de trabalho (acordos e convenções coletivas), além de, se necessário, postular em juízo a homologação ou julgamento do acordo ou convenção coletiva do trabalho.

A associação cuidará ou será a pessoa jurídica que atuará na promoção do bem de vida dos trabalhadores, mas apenas dos associados, quanto aos diversos objetivos civis possíveis, tais como clube de recreação, convênios com plano de saúde, com planos de seguros de vida e de bens, com clínicas médicas ou odontológicas, descontos em lojas credenciadas, cooperativa de consumo, convênios com cursos profissionalizantes, faculdades, convênio com bancos para financiamento de bens ou casa própria, convênio com empresa de telefonia, assinatura de TV, assinatura de internet, serviço de fotocópia e dados, convênio com postos de gasolina, convênio com empresa de turismo, festas e comemorações, campeonatos, etc., etc., etc., etc.


Ora, onde reside a diferença?

A diferença está em que: os benefícios do associativismo somente é possível àqueles que são associados, conforme os exemplos citados no item anterior (associação), ou seja, somente o associado poderá se beneficiar do convênio com o plano de saúde com desconto, plano diferenciado, etc.

Mas a associação não terá legitimidade para negociar acordo ou convenção coletiva do trabalho.

Quanto ao sindicato, somente ele poderá cuidar de Dir. Coletivo do Trabalho, representando a todos, sindicalizados (associados) ou não.

Igualmente, em matéria de substituição processual, o sindicato atuará representando a todos e não somente aos sindicalizados (associados), contudo, somente em matéria de Dir. Coletivo do Trabalho e direito homogêneo da categoria.

Já a associação, somente poderá atuar e representar, substituindo processualmente, os associados, nos interesses do associativismo, no âmbito do Direito Civil.

É claro que há de se prestar atenção aos novos comandos constitucionais contidos na atual competência da JT, no art. 114 da CR.

Contudo, a matéria ali é de cunho civilista.


O sindicato, por ser uma espécie de associação civil, pode agir e atuar nas duas frentes, sendo um verdadeiro sindicato quando se tratar de questões de Dir. Coletivo do Trabalho, e agir como uma verdadeira associação civil, buscando o melhor para os seus associados, no cooperativismo e no associativismo.

Inclusive, as melhorias proporcionadas pelo sindicato, atuando como associação, é a forma pela qual convidará os demais trabalhadores da categoria a se sindicalizarem, a se associarem.

Penso que a confusão é feita em razão da redação do caput do art. 8º da CR, mas que, contudo, o teor dos incisos do referido artigo não se mantém em consonância com o caput.

Houve sim uma atecnia do legislador (que lhe é próprio) ao constitucionalizar o que era regido pela CLT.
Vejamos:


“Art. 8º É livre a associação profissional ou sindical, observado o seguinte:
I - a lei não poderá exigir autorização do Estado para a fundação de sindicato, ressalvado o registro no órgão competente, vedadas ao Poder Público a interferência e a intervenção na organização sindical;
II - é vedada a criação de mais de uma organização sindical, em qualquer grau, representativa de categoria profissional ou econômica, na mesma base territorial, que será definida pelos trabalhadores ou empregadores interessados, não podendo ser inferior à área de um Município;
III - ao sindicato cabe a defesa dos direitos e interesses coletivos ou individuais da categoria, inclusive em questões judiciais ou administrativas;
IV - a assembléia geral fixará a contribuição que, em se tratando de categoria profissional, será descontada em folha, para custeio do sistema confederativo da representação sindical respectiva, independentemente da contribuição prevista em lei;
V - ninguém será obrigado a filiar-se ou a manter-se filiado a sindicato;
VI - é obrigatória a participação dos sindicatos nas negociações coletivas de trabalho;
VII - o aposentado filiado tem direito a votar e ser votado nas organizações sindicais;
VIII - é vedada a dispensa do empregado sindicalizado a partir do registro da candidatura a cargo de direção ou representação sindical e, se eleito, ainda que suplente, até um ano após o final do mandato, salvo se cometer falta grave nos termos da lei.
Parágrafo único. As disposições deste artigo aplicam-se à organização de sindicatos rurais e de colônias de pescadores, atendidas as condições que a lei estabelecer.”


Sublinhei nos incisos que o dizer do legislador sempre se refere a sindicatos e a organização sindical, além de categoria profissional.

Todos os termos são definições de Dir. Laboral e de Dir. Coletivo do Trabalho.

Apesar do caput do art. 8º constar associação profissional, esta não se confunde com a associação civil e que teria poderes para negociar contrato coletivo do trabalho, que é o sindicato. Assim, o legislador, apesar de usar duas palavras, acabou por significar um único ente, aquele que tem poder e legitimação para negociar e representar os trabalhos em Dir. Coletivo do Trabalho.

Até porque associação civil não está limitada em número e a territorialidade.

São essas as diferenças que exponho em sala de aula.

Surpreende-me algumas decisões da justiça trabalhista que negam a substituição processual do sindicato aos obreiros que não são associados, sindicalizados.

Em matéria de Dir. Coletivo do Trabalho, o sindicato está legitimado, tanto pela CLT quanto pela CR, especialmente pelo quanto previsto no inc. III do art. 8º da CR.


Fraternalmente, João Damasceno.



Novo entendimento sobre substituição processual chega à Oitava Turma

A legitimidade dos sindicatos e a substituição processual. Com o novo entendimento adotado pelo Tribunal Superior do Trabalho a respeito, a questão de que a substituição processual assegurada aos sindicatos pela Constituição deve ser interpretada de forma ampla foi discutida pela Oitava Turma. O assunto apareceu no julgamento de um recurso de revista da Associação dos Docentes da Universidade Metodista de Piracicaba – Adunimep - Seção Sindical do Sindicato Nacional dos Docentes das Instituições de Ensino Superior – Andes, que tratava da legitimidade da Adunimep para substituir processualmente seus associados.

O recurso da Adunimep refere-se a ação em que os professores assistentes III, vinculados à associação, pretendem receber, do Instituto Educacional Piracicabano, o mesmo reajuste salarial de 92,57% aplicado sobre o salário de agosto de 1985 dos substituídos pelo Sinpro – Sindicato dos Professores de Campinas. O reajuste, fixado em decisão do Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região (SP), é pago pelo instituto desde dezembro de 1996 a todos os que fizeram parte da ação do Sinpro.

Desde julho de 2000, a associação, que é uma seção sindical da Andes em Piracicaba, e enfrenta dificuldades de admissibilidade da ação de equiparação salarial devido ao reconhecimento de sua legitimidade para ajuizar a ação, ou seja, para substituir processualmente seus associados. Procurando superar o problema, a Adunimep, no recurso ao TST, sustentou que o artigo 8º da Constituição Federal deve ser interpretado de forma ampla, e não restritiva. O novo entendimento adotado pelo TST foi levantado pela Oitava Turma, ao julgar o caso. No entanto, a relatora, ministra Dora Maria da Costa, indicou uma dificuldade para o conhecimento do recurso: a falta de análise, pelo Tribunal Regional do Trabalho da 15ª Região (SP), a respeito do pedido da Adunimep.

A ação teve início na 1ª Vara do Trabalho de Piracicaba (SP), que julgou extinta a reclamação trabalhista após concluir pela ilegitimidade da associação devido à falta de autorização expressa em seu regimento para atuar como representante de seus filiados em questões de direito individual. Em seguida, o TRT da 15 ª Região (SP) negou provimento ao recurso de ambas as partes.

Legitimidade da associação
A ministra Dora Costa esclareceu que as Turmas do Supremo Tribunal Federal já expressaram entendimento de que o artigo 8º da Constituição reconhece a legitimidade das entidades sindicais para representar todos os integrantes da categoria. Com o cancelamento da Súmula nº 310 do TST, o entendimento atual do Tribunal segue na mesma direção.

Ao abordar o tema, a ministra ressaltou que a legitimidade do sindicato para defender direitos individuais da categoria é uma forma de universalizar o acesso dos trabalhadores à Justiça, considerando que muitos empregados deixam de ingressar na Justiça do Trabalho com receio de perder o emprego ou mesmo de não conseguir novo emprego. “O fato é notório, tanto assim que a maioria das ações propostas nos tribunais trabalhistas é de cidadãos desempregados”, observou. A substituição processual conferida aos sindicatos, porém, não é irrestrita, deixou claro a relatora: ela se limita às ações que tratem da proteção de direitos e interesses coletivos ou individuais homogêneos da categoria.

No caso concreto, porém, a ministra constatou estar impedida de ultrapassar a fase de conhecimento do recurso, sem poder apreciar o mérito da questão, por falta de pressuposto de admissibilidade do apelo. A relatora observou que o TRT da 15ª Região nada registrou sobre o pedido do sindicato na reclamação trabalhista, e concluiu que “a análise de tal premissa é questão fática imprescindível para a solução da controvérsia”, porque “permitiria verificar se o sindicato efetivamente atua na defesa de direitos e interesses coletivos ou individuais homogêneos da categoria”. A Adunimep já interpôs embargos declaratórios à decisão da Oitava Turma.

RR-1581/2000-012-15.00.3


Fonte: TST


Postado por Prof. João Damasceno às terça-feira, junho 09, 2009

sexta-feira, 22 de novembro de 2013

REVISIONISMO PIROTÉCNICO

ZERO HORA 22 de novembro de 2013 | N° 17622


EDITORIAIS



Depois da questionável pirotecnia de viés eleitoreiro promovida pelo Planalto em torno da exumação do ex-presidente João Goulart, o Congresso Nacional promoveu um debate até a madrugada de ontem para anular a sessão do dia 2 de abril de 1964, que declarou vaga a Presidência da República e oficializou o golpe militar. A onda revisionista das instituições brasileiras começa a virar o fio. Tudo bem que os poderes constituídos repudiem a ditadura e renovem seus compromissos democráticos, mas se excedem aqueles que tentam reescrever a História. Houve um golpe, um presidente foi deposto ilegitimamente, isso é inquestionável. Mas o Congresso da época chancelou tudo: não dá para apagar essa parte triste.

Um dos autores da proposta, juntamente com o colega Randolfe Rodrigues (PSOL-AL), o senador Pedro Simon (PMDB-RS) antecipou-se às críticas garantindo que a intenção não é reconstituir os fatos. Nas suas próprias palavras, a História apenas vai dizer que, naquele dia, “o presidente do Congresso usurpou a vontade popular de maneira estúpida e ridícula, depondo o presidente da República”. A decisão, de fato, é comparável à que, em abril deste ano, devolveu simbolicamente o mandato de senador ao líder comunista Luiz Carlos Prestes. Também a Câmara, numa iniciativa recente, tomou a mesma atitude em relação a deputados que, ao longo de duas décadas de regime militar, foram cassados, impedidos de exercer o mandato e, em muitos casos, perseguidos. Por isso, passaram à História, o que não implica a necessidade de se tentar reescrevê-la.

No caso específico de Jango, a recente exumação contribuiu também para o país jogar luz sobre uma figura pública que, deposta no auge da popularidade, chegou a ter as referências a seu nome proibida. Ou, o que é pior, passou a ser lembrada de forma deturpada. Desde a redemocratização, porém, a trajetória política do presidente deposto em meio a um clima de radicalização num cenário de polarização ideológica no auge da Guerra Fria vem sendo alvo constante de pesquisas e teses acadêmicas. E os historiadores e biógrafos têm melhores condições do que os políticos de definir um perfil menos idealizado dessa e de outras figuras públicas do país.

Assim como as acusações que acabaram sendo usadas para justificar o golpe contra um presidente temido pela defesa das reformas de base, entre as quais a agrária, também os processos de reabilitação de imagem costumam ser parciais. Por isso, o país não deve olhar o passado apenas como uma etapa que pode ser revista, mas também para se dar conta do quanto avançou no aperfeiçoamento da democracia.

quarta-feira, 20 de novembro de 2013

PACTO QUER PASSAR IDEIA DE AUSTERIDADE


Documento assinado por deputados e senadores da base aliada ao governo diz que é preciso zelar pelo cumprimento das metas fiscais

20 de novembro de 2013 | 2h 07

MARCELO DE MORAES, RICARDO DELLA COLETTA, RAFAEL MORAES MOURA, TÂNIA MONTEIRO / BRASÍLIA - O Estado de S.Paulo



Em uma tentativa de recuperar a credibilidade junto ao mercado financeiro, a presidente Dilma Rousseff firmou ontem um pacto político com as lideranças dos partidos de sua base aliada no Congresso Nacional para evitar a aprovação de novos cortes de impostos e novos gastos sem previsão orçamentária.

"É preciso zelar pelo cumprimento das metas fiscais acordadas no Orçamento e na LDO (Lei de Diretrizes Orçamentárias)", diz um trecho do pacto, assinado por deputados e senadores da coalizão governista. "Por isso, tomamos a decisão de não apoiar matérias que impliquem, neste momento, aumento de gastos ou redução de receita orçamentária."

Segundo fontes ouvidas pelo Estado, o ministro da Fazenda, Guido Mantega, argumentou com os parlamentares que há risco inflacionário e possibilidade de redução da nota de crédito do Brasil por agências internacionais, para convencê-los a assumir o pacto proposto por Dilma.

No entanto, o presidente da Câmara, Henrique Eduardo Alves (PMDB-RN), insiste em votar o projeto que cria um piso salarial para agentes comunitários de saúde. A medida tem impacto anual de R$ 2,5 bilhões, segundo o governo.

Outro revés ocorreu ao mesmo tempo em que o pacto era anunciado no Palácio do Planalto: o Senado aprovava, a pedido do governo, a criação de uma agência de extensão rural e de 518 novos cargos no DNIT. A agência tem orçamento previsto de R$ 1,3 bilhão para 2014.

Com a proposta do pacto, o governo tenta passar para o mercado e investidores estrangeiros a mensagem de que existe compromisso com a austeridade fiscal. No Twitter, a presidente disse ontem que esse pacto é "imprescindível" para a continuidade de programas de desenvolvimento sustentável.

Apesar da situação confortável no cenário político, onde Dilma seria reeleita já no primeiro turno, segundo a última pesquisa do Ibope, na economia, os sinais são muito mais incertos. O mercado carimba o governo como "gastador", exatamente por não demonstrar esse compromisso com as contas públicas.

Há no Planalto a preocupação assumida em desfazer essa imagem, que pode influenciar negativamente o interesse de investidores em colocar dinheiro no País. Dilma começou seu movimento público na semana passada, ao conversar com deputados de partidos aliados. Anteontem, também usou sua conta no Twitter para tratar do assunto e espalhar seu novo recado.

No microblog, Dilma lembrou que o primeiro pacto que lançou em resposta aos protestos de junho foi justamente o da estabilidade fiscal. E lembrou que apesar de o País sentir os efeitos da crise internacional, pelo "décimo ano consecutivo vamos manter a inflação abaixo da meta de 6,5% anuais" - embora a meta seja de 4,5%.

Propostas. O problema é que apesar disso, o Congresso tem na pauta propostas que comprometem qualquer meta de austeridade e o próprio governo tem dificuldades para controlar seus gastos. Ao deixar sua base de apoio solta para aprovar esses projetos classificados como "bombas fiscais", o governo perde o discurso para proclamar sua responsabilidade fiscal.

O movimento do Planalto diverge da abordagem anterior do governo. Preocupada com o baixo crescimento da economia, Dilma promoveu cortes bilionários de impostos, cujo rombo dificulta o cumprimento da meta de superávit primário, levando desconfiança aos mercados.

Ontem, Dilma também pediu para o Congresso aprovar o fim da exigência para que a União compense o esforço fiscal frustrado de Estados e municípios. Segundo o presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), o projeto do governo com a mudança na regra deve ser analisado em sessão conjunta do Congresso hoje.

segunda-feira, 18 de novembro de 2013

PRISÕES E MATURIDADE DA DEMOCRACIA DO PAÍS

ZERO HORA 18 de novembro de 2013 | N° 17618


PÁGINA 10 | CARLOS ROLLSING (INTERINO)



Uma democracia forte precisa colocar as instituições acima dos interesses políticos. Somente em repúblicas instáveis ou autoritárias é que desmandos vindos das cúpulas governamentais manobram a Justiça, calam a imprensa, doutrinam as polícias e protegem os seus aliados.

O Brasil, neste contexto, demonstra amadurecimento da sua democracia. Sai a imagem de um Supremo Tribunal Federal (STF) benevolente, moroso, e entra em cena uma nova Corte autônoma que analisa, julga, respeita o contraditório e, quando condena, determina a execução da pena. É o que está ocorrendo desde sexta-feira, com a determinação emitida pelo presidente do STF, Joaquim Barbosa, de prisão dos envolvidos no caso do mensalão pelos crimes em que não há mais possibilidade de recurso. No decorrer do processo, o direito à ampla defesa foi respeitado, inclusive com a admissão dos embargos declaratórios e infringentes. Agora, com diversas condenações sentenciadas após análises de 11 ministros, as penas começam a ser cumpridas. Qualquer destino diferente poderia indicar o recrudescimento da sensação da impunidade. A prisão dos partícipes no escândalo do mensalão do PT é somente uma etapa. É preciso julgar outros casos notórios de corrupção, como os mensalões do PSDB e do DEM. Como uma democracia não se desenvolve apenas com a condenação de corruptos, o Brasil necessita seguir na trilha da transparência, da ficha limpa, da participação popular, da reforma política, da redução das desigualdades sociais e da qualificação da educação. Há um longo caminho por percorrer para construir um país melhor, mas o cumprimento de pena dos mensaleiros mostra que aqui não se faz mais “pizza” a cada novo processo. Isso significa respeito às instituições, à lei e à população.

A construção e o amadurecimento da democracia brasileira começaram na década de 1980, com as Diretas Já. Depois, um grande salto com a Constituinte. Em oito anos de governo Fernando Henrique, o Brasil controlou a inflação e abriu um novo tempo de estabilidade econômica. Em igual período, Lula avançou nas transformações sociais, tirou milhares da pobreza extrema. O Brasil, hoje, é a sexta maior economia do mundo. E a Justiça dá sinais de vitalidade. O Brasil avança. Para melhor. E punir corruptos após julgamentos ocorridos dentro da lei é parte desse processo de fortalecimento.



BOMBA DESATIVADA?




A condição de operador do esquema, a trajetória de envolvimento com corrupção, o fato de ter sido condenado pelo Supremo Tribunal Federal a cumprir a maior pena entre os acusados e os segredos que guarda fazem do empresário Marcos Valério o personagem mais notório do mensalão, ao lado de José Dirceu, o todo-poderoso chefe da Casa Civil do governo Lula que caiu após as denúncias, em 2005.

Com 40 anos, um mês e seis dias de prisão por cumprir, Valério poderá passar o resto da vida na cadeia. No sábado, após se entregar, passou por exame de corpo delito no Instituto Médico Legal de Belo Horizonte (foto). Apontado por muito tempo como “homem-bomba” devido aos segredos e detalhes que conhece do mensalão, jamais falou. Nunca delatou antigos parceiros ou caciques do PT. A revista Veja chegou a publicar reportagem dizendo que Valério havia envolvido Lula no esquema, mas as declarações não eram do empresário, e sim de pessoas próximas a ele.

Valério entendeu que jogar no ventilador os detalhes do caso não iria melhorar o seu futuro. Da cadeia, ele possivelmente será julgado no processo do mensalão mineiro, do PSDB, no qual também é apontado como operador. Está abreviada a trajetória de Valério, que usou as suas empresas para fazer empréstimos fictícios e desviar recursos públicos.

domingo, 17 de novembro de 2013

MST DE JOSÉ RAINHA INVADE 16 FAZENDAS

ZERO HORA 17 de novembro de 2013 | N° 17617

Um ano e meio depois de sair da prisão, acusado de desvio de recursos federais, o líder sem-terra José Rainha Júnior voltou a comandar invasões de fazendas no oeste paulista.

Integrantes do MST da Base, dissidência do Movimento dos Sem-Terra (MST) sob o comando de Rainha, tomaram na sexta-feira 16 propriedades rurais nas regiões do Pontal do Paranapanema e da Alta Paulista.

“Nosso país tem mais de cem anos da independência de Portugal, mas continua como um povo escravo”, afirmou o líder, em nota à imprensa.

A mobilização, apoiada por federações de agricultores familiares e sindicatos rurais ligados à Central Única de Trabalhadores (CUT), pede a desapropriação das terras que foram ocupadas, o assentamento imediato das famílias acampadas e a retomada de convênio entre o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) e o Instituto de Terras do Estado de São Paulo (Itesp) para arrecadar terras públicas ocupadas por fazendeiros.

Foram invadidas quatro fazendas na região de Araçatuba e três no município de Marabá Paulista. Houve invasões também nas cidades de Andradina, Paraguaçu Paulista, Iacri, Rinópolis, Dracena, Panorama, Monte Castelo, Flora Rica e Pauliceia.

A onda de invasões é a primeira liderada por José Rainha depois que deixou o Centro de Detenção Provisória de Pinheiros, em São Paulo, em março do ano passado, onde ficou nove meses preso.

sexta-feira, 15 de novembro de 2013

REPÚBLICA JÁ!


ZERO HORA 15 de novembro de 2013 | N° 17615


ARTIGOS

Astor Wartchow*



“A organização político-administrativa da República Federativa do Brasil compreende a União, os Estados, o Distrito Federal e os municípios, todos autônomos, nos termos desta Constituição.” (art.18)

Autônomos? Apenas teoricamente. Afinal, não é uma República um país que escraviza seu povo através de um sistema legal e tributário em que a União (governo federal) concentra mais de 60% dos recursos arrecadados.

Cujo povo sofre e vê, dia após dia, a corrupção disseminada e seu dinheiro escorrendo pelo ralo governamental em centenas de focos de desperdício e a “cupinização” de suas estruturas burocráticas e de serviços.

Um povo que pretende ser reconhecido, mas que tolera a espoliação e o deboche. Fosse outra a nação, já estaria em situação de desobediência civil, modesta e comportada alternativa de protesto entre outras mais radicais.

Não é uma República um país em que o parlamento renuncia ao seu dever e tarefa essencial, a exemplo de fiscalização e mudanças legislativas, e em que vigoram a inoperância e a omissão.

Óbvio que não é uma República um país em que parlamentares e governantes estaduais e municipais falam subordinadamente acerca de suas relações de amizade pessoal e partidária com o governo central como fator de facilitação e obtenção de recursos financeiros para suas comunidades. Um ridículo discurso de submissão “real” e tributária que nos transporta de volta no tempo político uns cem anos.

Sem vergonha e em bordões sucessivos cantam em prosa e vídeo nos seus palanques midiáticos e eletrônicos os atos de benemerência e generosidade palaciana, em loas sem fim ao governo central.

Com certeza, não é uma República uma nação que se revela omissa, seja por incompetência ou “interesse”. Ou não é o interesse menor que explica a bajulação que legitima e inspira a centralizante e endinheirada “realeza brasiliense e sua corte”?

Assistimos a silenciosa “entrega” e a metódica e sistemática desconstrução da verdade, sob o predomínio da indiferença e da não indignação.

Mas se não é uma República, o que é? E o que poderá vir a ser?

Uma nação que já se uniu em torno das bandeiras nacionais da anistia, das diretas já e da Constituinte, entre outras, não será capaz de erguer a urgente, atualíssima, única e fundamental bandeira política? Ou já não há motivos de esperança relativamente ao municipalismo, ao federalismo e à República? Vamos esperar mais 124 anos?

República já!


ADVOGADO


quarta-feira, 13 de novembro de 2013

PODER, ORDEM E VIOLÊNCIA NA DEMOCRACIA


13 de novembro de 2013 | 2h 11



Mario Cesar Flores* - O Estado de S.Paulo





Já é rotina o noticiário negativo sobre o Brasil político, econômico e social. O que o justifica? Não vivemos cataclismos naturais - terremotos, tsunamis e furacões. Temos território extenso e fértil, domínio da agropecuária tropical, clima predominantemente favorável, recursos naturais abundantes, base industrial razoável e nossa segurança não está ameaçada. Seria consequência do quadro internacional? Por que outros países sem nosso cenário positivo são menos afetados?

Sobra uma culpa: a humana. Somos uma sociedade de desempenho medíocre em cenário magnífico! Nossa democracia capenga na incompetência e na corrupção, nos conluios arrivistas com vista ao poder, sem amparo em ideias, na aceitação festiva da ficção travestida de realidade pela propaganda ilusória. Em coerência com a política, a economia e o social vivem aos tropeços: PIB travado, déficit fiscal, inflação renitente, juros altos, infraestrutura deficiente, segurança pública e SUS caóticos, ensino medíocre, fundamental e superior (nenhuma universidade entre as 200 melhores no mundo)... Os limites da dimensão do artigo impedem citá-los todos.

O resultado desse quadro transparece na disseminação de um clima difuso de decepção e inquietação, indutor de manifestações populares que deságuam comumente na desordem e na violência, reivindicativas ou de resistência (a sentença judicial de reintegração de posse, por exemplo), quando não de mera contestação do poder legal, visto como falho (é o caso do "fora Cabral" em protestos no Rio de Janeiro).

Cabem aqui algumas dúvidas: seriam pacíficos os protestos por insatisfações de setores da sociedade em que minorias agridem o direito do povo com bloqueios de ruas, incêndios de ônibus e carros e invasões, em que algumas dezenas ou centenas, eventualmente uns poucos milhares de pessoas, clamam por direitos reais ou supostos, prejudicando direitos inquestionáveis de maiorias? Há racionalidade no "passe livre" a ser pago por todo o povo via imposto, na eleição geral para reitor de universidade? Racional ou não o pretendido, protestos com agressão a direitos alheios e violência não são pacíficos. A Europa veria como legítimo e pacífico o fechamento de Suez por egípcios descontentes com a deposição do presidente Mursi...?

Os protestos de insatisfação com a incapacidade da política e da máquina pública de "tocarem" correta e competentemente a vida brasileira vêm crescendo com apoio na propensão do povo à tolerância divertida com a (quando não à participação na) contestação da autoridade e da ordem, com apoio na permissividade da lei (a reboque da lei, na condescendência da Justiça por ela pautada) e na complacência de autoridades autoinibidas na imposição da ordem. São comuns as manifestações de políticos e autoridades, se não de concordância com o ilegal, ao menos de crítica à ação da polícia, ambígua e de sabor eleitoral. Fórmula rotineira: "É legítimo protestar, mas..." E na sequência do "mas" vem a dúbia reprovação do vandalismo, seguida por crítica à polícia, que pode até merecê-la, mas não como regra geral e por conveniência política (a simpatia popular).

Algumas manifestações ditas legítimas têm incorporado ações que assemelham nossos black blocs a um simulacro burlesco, uma mistura lúdico-tropical, de Freikorps alemães e mau-maus quenianos. Ressalvado o fato de que, aparentemente, nossos mascarados praticam o vandalismo sem objetivos concretos: são mais "contra o que está aí" do que a favor de algo preciso - quando não são apenas delinquentes mesmo. Aparentemente, mas não é descartável, embora não se tenha até agora comprovado essa hipótese, que alguns grupos atuem a serviço de ideários adversos à democracia liberal, que veem (com razão) na violência uma forma de fragilizá-la.

Os sintomas de deterioração do sentido de ordem estão aí, no nosso dia a dia. Na mídia: "Conflito entre black blocs e PM deixa sinais de vandalismo". A frase sugere dúvida: se a PM não interviesse, não haveria vandalismo? "Ato de protesto tem um minuto de silêncio pelas vítimas da PM" - quantos minutos pelas vítimas da delinquência...? "A violência dos black blocs responde à violência policial" - não seria o contrário? Na mídia e no povo em geral: em confronto entre policiais e delinquentes, vítima inocente é logo atribuída à polícia, gerando protestos que não existiriam se a culpa fosse atribuída à delinquência.

Faceta preocupante do quadro: o clima de permissividade (societária, do poder público e da lei) tende também à conformidade com a violência sem vinculação com os parágrafos anteriores, simplesmente criminosa, transformada em meio de vida ou de afirmação ("eu existo e quero participar da vida no consumo") de parte da massa marginalizada. O crime já desperta pouca atenção e delitos triviais são assimilados como rotina banal.

É difícil equilibrar liberdade e ordem, mas há que fazê-lo, sob pena de descrédito da democracia. Quando a ordem legal não ocorre na rotina da moldura do Direito, o poder legal não pode fugir de sua responsabilidade. Se a pretexto de respeitar o figurino democrático ele falha - seria mesmo desse figurino a leniência com a desordem, ainda que praticada por motivações compreensíveis...? -, mais dia, menos dia a tendência a aceitar medidas de sabor autoritário emergirá naturalmente, se é que a violência apoteótica já não pretende isso mesmo. A complacência com o ilegal é terreno fértil mais para a emersão de Robespierres redentoristas em versão bolivariana século 21 que de verdadeiros democratas!

Na democracia é válido protestar, mas só protestar não basta - e ainda que por motivo legítimo, protesto com agressão a direitos do povo não é pacífico nem democrático. A solução passa pela escolha de lideranças políticas competentes, probas e responsáveis. O povo tem, portanto, responsabilidade direta nela.


*Mario Cesar Flores é almirante.

terça-feira, 12 de novembro de 2013

TROCAMOS UMA VIOLÊNCIA POR OUTRA

JORNAL JURID, Terça Feira, 12 de Novembro de 2013 

Civilização é inteligência (razão); barbárie é instinto (paixão); assim, a civilização proíbe o instinto e manipula a inteligência. O Estado possui o monopólio da força física e poucos meios de comunicação possuem o monopólio da força da argumentação

Por | Edson Luís Kossmann - Segunda Feira, 11 de Novembro de 2013



Conforme Lewis Henry Morgan, a raça humana viveu, progressivamente, um período de selvageria que precedeu a barbárie, e esta precedeu a civilização. Com a civilização surgiu o Estado. Alguns datam a gênese do Estado há cerca de 10 mil anos, na Mesopotâmia.


Assim, conforme os contratualistas, a civilização criou o Estado e concentrou a força física (poder da violência física) em suas mãos, o monopólio da "força pública". O uso dessa força foi desenvolvido desde a prática tirânica, arbitrária e absoluta do despotismo, até dos chamados regimes democráticos da modernidade. Com a modernidade tem-se o Estado, o Direito e as Instituições sociais e políticas.


Com isso, operou-se uma substituição da força física, que passou a ser monopólio do Estado, pelo argumento, pela fala, pela voz. O ser humano, individual ou coletivamente, passou a usar a negociação, a composição; portanto, o argumento no lugar da violência, da força física. Ocorre que, também na modernidade, os espaços públicos da fala, do debate, do argumento e da ação coletiva (fora do Estado) passaram a ser monopolizados pelos meios de comunicação. Desde a antiguidade selvagem até os dias atuais, ocorreu um processo de "domesticação" do ser humano, com a retirada da possibilidade da força física (o que efetivamente tornou possível uma convivência civilizada, pois, sem ela, a própria espécie humana já teria sido extinta), em substituição pela razão argumentativa, que, porém, tornou-se monopólio dos meios de comunicação de massa.


Assim, o Estado usa a força apenas para evitar seu uso por parte do indivíduo, ou seja, a força contra o uso da força. E o uso da razão, que é manifesta primordialmente pela palavra, pelo argumento, foi usurpada pelos grandes meios de comunicação que passaram a ter o monopólio da voz, da palavra. Dessa forma, a civilização proibiu o uso da força e monopolizou (em favor de um pequeno grupo) o uso da palavra, ou seja, da manifestação da razão, manipulando a razão dos demais, e assim, o ser humano foi domesticados pela sua própria espécie.


A moderação e a estabilização de interesses e de expectativas são produzidas por meio do convencimento racional, com o uso do argumento, da fala. Para que a fala tenha a força de produzir essa estabilidade é necessário que ela seja compreendida e assimilada como sendo verdadeira, portanto, deve ter força de verdade. Nos meios de comunicação de massa, a verdade do argumento está relacionada à autoridade de seu emissor. Se determinada pessoa ou meio de comunicação disse determinada coisa, ela carrega uma força de verdade, pois quem a disse tem autoridade de fazer com que o seu "dito", seja o efetivo "feito".


Nos casos dos meios de comunicação, principalmente no Brasil, onde o que é dito é "produzido" por um pequeno número de empresas, a autoridade de quem diz e, portanto, a verdade do que é dito, se manifesta no poder de dizê-la: assim, a verdade é produzida e dita por quem tem o poder de dizê-la.


O ser humano, portanto, trocou um poder dominante por outro: o poder de domínio da força pelo poder do domínio da comunicação e, portanto, da fala, do argumento e, em última análise, da própria manipulação. Civilização é inteligência (razão); barbárie é instinto (paixão); assim, a civilização proíbe o instinto e manipula a inteligência. O Estado possui o monopólio da força física e poucos meios de comunicação possuem o monopólio da força da argumentação.


Logo, se na antiguidade o ser humano vivia sob o jugo de quem (indivíduos ou grupos) possuía a força física, exercida através da violência corporal (que hoje é monopolizada pelo Estado); atualmente, vive sob outro jugo, o da violência da razão, do convencimento, exercida e imposta por quem possui a força e o monopólio da fala, da comunicação.


Autor


Edson Luís Kossmann é advogado


segunda-feira, 11 de novembro de 2013

INFORMAÇÃO É SUBSTANTIVA

11 de novembro de 2013 | 2h 04


Carlos Alberto Di Franco* - O Estado de S.Paulo



Arrogância, precipitação e superficialidade têm sido, na opinião de James Fallows, autor do provocante Detonando a Notícia, a marca registrada de certos setores da mídia. A crítica, contundente e despida de corporativismo, produziu reações iradas, alguns aplausos entusiásticos e, sem dúvida, uma saudável autocrítica.

A síndrome não reflete uma idiossincrasia da imprensa estadunidense. Trata-se de uma patologia universal. Também nossa. Reconhecê-la é importante. Superá-la, um dever. Fallows questiona, por exemplo, a aspiração de exercer um permanente contrapoder que está no cerne de algumas matérias. A investigação jornalística não brota da dúvida necessária, da interrogação inteligente. Nasce, muitas vezes, de uma enxurrada de preconceitos.

Há um ceticismo ético, base da boa reportagem investigativa. É a saudável desconfiança que se alimenta de uma paixão: o desejo dominante de descobrir e contar a verdade. Outra coisa, bem diferente, é o jornalismo de suspeita. O profissional suspicaz não tem "olhos de ver". Não admite que possam existir decência, retidão, bondade. Tudo passa por um crivo negativo que se traduz numa incapacidade crescente de elogiar o que deu certo. O jornalista não deve ser ingênuo. Mas não precisa ser cínico. Basta ser honrado, independente.

A fórmula de um bom jornal reclama uma balanceada combinação de convicção e dúvida. A candura, num país marcado pela tradição da impunidade, acaba sendo um desserviço à sociedade. É indispensável o exercício da denúncia fundamentada. Precisamos, independentemente do escárnio e do fôlego das máfias de colarinho branco, perseverar num verdadeiro jornalismo de buldogues. Um dia a coisa vai mudar. E vai mudar graças também ao esforço investigativo dos bons jornalistas. Essa atitude, contudo, não se confunde com o cinismo de quem sabe "o preço de cada coisa e o valor de coisa alguma". O repórter, observador diário da corrupção e da miséria moral, não pode deixar que a alma envelheça. Convém renovar a rebeldia sonhadora do começo da carreira. O coração do repórter deve pulsar em cada matéria.

A precipitação é outro vírus que ameaça a qualidade informativa. Repórteres carentes de informação especializada e de documentação apropriada ficam reféns da fonte. O poder público tem notável capacidade de pautar os jornais. Há excesso de declarações oficiais. A sociedade, frequentemente, não é ouvida. Falta informação completa: a informação oficial e a não oficial, não necessariamente de oposição, mas a de interesse da sociedade civil. Fonte de governo é importante, mas não é a única.

Sobra declaração, mas falta apuração rigorosa. A incompetência foge dos bancos de dados. Troca milhão por bilhão. E, surpreendentemente, nada acontece. O jornalismo é o único negócio em que a satisfação do cliente parece interessar muito pouco. O jornalismo não fundamentado em documentação é o resultado acabado de uma perversa patologia: o despreparo de repórteres e a obsessão de editores com o fechamento. A chave de uma boa edição é o planejamento. Quando editores não formam os seus repórteres, quando a qualidade é expulsa pela ditadura do deadline, quando as entrevistas são feitas pelo telefone e já não se olha nos olhos do entrevistado, está na hora de repensar todo o processo de edição.

O culto à frivolidade e a submissão à ditadura dos modismos estão na outra ponta do problema. Vivemos sob o domínio do politicamente correto. E o dogma do politicamente correto não deixa saída: de um lado, só há vilões; de outro, só se captam perfis de mocinhos. E sabemos que não é assim. O verdadeiro jornalismo não busca apenas argumentos que reforcem a bola da vez, mas, também, com a mesma vontade, os argumentos opostos. Estamos carentes de informação e faltos da boa dialética. Sente-se o leitor conduzido pela força de nossas idiossincrasias.

Por outro lado, ao tentar disputar espaço com o mundo do entretenimento, a chamada imprensa séria está entrando num perigoso processo de autofagia. A frivolidade não é a melhor companheira para a viagem da qualidade. Pode até atrair num primeiro momento, mas depois, não duvidemos, termina sofrendo arranhões irreparáveis no seu prestígio.

Registremos, ademais, os perigos do jornalismo de dossiê. Os riscos de instrumentalização da imprensa são evidentes. Por isso é preciso revalorizar, e muito, as clássicas perguntas que devem ser feitas a qualquer repórter que cumpre pauta investigativa: checou? Tem provas? A quem interessa essa informação? Trata-se de eficiente terapia no combate ao vírus da leviandade.

O esforço de isenção, no entanto, não se confunde com a omissão. O leitor espera uma imprensa combativa, disposta a exercer o seu intransferível dever de denúncia. Menos registro e mais apuração. Menos fofoca e mais seriedade. Menos espetáculo de marketing político e mais consistência.

Finalmente, precisamos ter transparência no reconhecimento de nossos eventuais equívocos. Uma imprensa ética sabe reconhecer os seus erros. As palavras podem informar corretamente, denunciar situações injustas, cobrar soluções. Mas podem também esquartejar reputações, destruir patrimônios, desinformar. Confessar um erro de português ou uma troca de legendas é fácil. Mas admitir a prática de atitudes de prejulgamento, de manipulação informativa ou de leviandade noticiosa exige coragem moral. Reconhecer o erro, limpa e abertamente, é o pré-requisito da qualidade e, por isso, um dos alicerces da credibilidade.

O leitor, cada vez mais crítico e exigente, quer notícia. Quer informação substantiva. E só há uma receita duradoura: ética, profissionalismo e talento.

*Carlos Alberto Di Franco é doutor em comunicação pela Universidade de Navarra e diretor do departamento de comunicação do Instituto Internacional de Ciências Sociais. E-mail: difranco@iics.org.br

sexta-feira, 8 de novembro de 2013

QUE PAÍS É ESTE?





JORNAL DO COMÉRCIO, 31/10/2013

RENATO RUSSO TINHA RAZÃO

Antonio Dionisio Lopes



Boa parte de nossa população deve lembrar-se da banda Legião Urbana, nascida em Brasília, comandada por Renato Russo que, entre tantas canções, compôs uma imortal por ser verdadeira denominada “Que país é este?”. Seu conteúdo já dava uma conotação de uma realidade inconteste. Tanto que “nas favelas e no Senado, sujeira para todo lado. Nenhum respeito à Constituição, mas todos acreditavam no futuro da nação. Terceiro mundo se for o caso, piada no exterior, mas o Brasil vai ficar rico. Quando vendemos todas as almas dos nossos índios e o petróleo em leilão”. Ora, as manifestações feitas por pessoas idôneas traziam as mazelas do poder com tal ênfase que incomodavam tanto que a popularidade da presidente caiu vertiginosamente nas pesquisas. Isso porque esses movimentos se transformavam na ação de um coletivo de pessoas em face de uma causa justa, diferente de protestos (vandalismo) que são apenas contra uma causa. E aí surgiram os mascarados, e por quê? Os atos de violência foram praticados em quase todos os estados, já que não havia interesse político em que as manifestações pacíficas prosseguissem. Na prática, as hordas de encapuzados partem à guerra vermelha para a ação direta, e portando gazuas e coquetéis, paralisam o trânsito, destroem agências bancárias, incendeiam ônibus, saqueiam supermercados, shoppings-centers, invadem delegacias e vandalizam prédios públicos.

Seria muito fácil descobrir quem são os vândalos encapuzados. Bastaria colocar junto a essas manifestações desordeiras policiais infiltrados e, em 24 horas, todos seriam identificados, e, por certo, denunciariam a mando de quem estão agindo dessa forma. O lamentável episódio envolvendo um coronel da PM de São Paulo dá a dimensão do abuso e arrogância dessas hordas. Aqui em Porto Alegre, componentes dessas gangues fizeram uma parada na frente da moradia do prefeito e ali danificaram parte do prédio e a nossa PM, presente, nada fez para contê-los como era obrigação fazer, conforme o art. 144, parágrafos 5º e 6º da Constituição Federal. Assim não poderíamos terminar esse artigo sem a expressão ditada por Russo: “Que país é este?”.

Professor e advogado


Coluna publicada em 08/11/2013


ROBERTO BRENOL ANDRADE - Palavra do Leitor


Que país é este?


O artigo de Antonio Dionisio Lopes, com o título Renato Russo tinha razão, publicado dia 31/10/2013, na página 4/Opinião do Jornal do Comércio, suscintamente, disse tudo implicitamente. Dionisio, como é chamado por quem o conhece, foi o mais jovem delegado de polícia, com apenas 21 anos. Cursou a faculdade de Direito da Universidade de Caxias do Sul, e na época não era necessário ser bacharel em Direito para ser delegado de polícia. Fez concurso no Ministério Público e foi nomeado promotor público. Aposentou-se, mas não largou o mundo jurídico. No que tange ao seu artigo, vale lembrar que as hordas dos quebra-quebras estão a mando dos comunistas que estão batendo nas nossas portas com a baioneta em riste camuflada de flores. Dá uma receita de como terminar com essas hordas identificando-as em 24 horas. É verdade, pois a presidente do Brasil assegurou o ‘leilão’ do pré-sal com a presença das Forças Armadas. Que ironia, logo ela que lutou contra elas agora delas se socorre. (Edgar Granata, advogado, Porto Alegre)

quinta-feira, 7 de novembro de 2013

O OUTRO E A SOCIEDADE FRUSTRADA



JORNAL DO COMERCIO 06/11/2013


Miguel Tedesco Wedy


As manifestações em todo País desvelam a explosão de insatisfação contra uma ordem incapaz de atender às demandas sociais. Uma ordem que é incapaz de prestar serviços públicos com qualidade. Vejamos a realidade como ela é. Quem possui condições paga uma escola para o seu filho e um plano de saúde para sua família. Recebe uma contraprestação estatal pelos tributos que paga? Quando muito uma segurança pública deficiente, um poder Judiciário assoberbado de demandas, em decorrência da ineficiência estatal, bem como estradas e ruas em má situação de conservação e inseguras. E os cidadãos que não podem pagar por uma escola ou um plano de saúde? E o outro, que passa pelo nosso lado e anda de ônibus de péssima qualidade, que não possui creche para o filho, que estuda em escola pública decadente, em que o professor sequer recebe o piso salarial do magistério, que espera na fila do SUS e vê o pai, o filho ou a mulher morrerem sem atendimento?

Esse outro, e não só ele, olha para a política e vê políticos sustentados pelo dinheiro de empresas que depois da eleição vão cobrar a fatura. Esse outro, e não só ele, vê o saque do Estado por determinados grupos e pessoas, que se locupletam pelo tráfico de influência, vê o enriquecimento meteórico e ilícito de determinadas figuras públicas, vê a inércia dos gestores, reféns desses interesses, coalizões e acordos, vê privilégios inadmissíveis no século XXI, como se houvesse cidadãos de categorias diferentes. Porém, esse outro, e não só ele, vê a força da democracia que permite tais manifestações. Que os detentores do poder tenham a sensibilidade para encontrar dentro da democracia novos espaços de diálogo e de verdade. E que coloquem a preocupação com o outro no centro dos seus problemas. No fundo, bem lá no fundo, o que nos falta é isso, para todos nós, a valentia de nos sacrificarmos pelo outro.

Advogado criminalista e professor da Unisinos

segunda-feira, 4 de novembro de 2013

O BRASIL DE CONSTRASTES

REVISTA ISTO É N° Edição: 2294
| 01.Nov.13 - 20:50
| Atualizado em 04.Nov.13 - 15:55


EDITORIAL

Carlos José Marques, diretor editorial


A sistemática desigualdade social e de renda, que por décadas castigou a população, foi uma das maiores chagas brasileiras, a colocar o País na rabeira das nações em desenvolvimento. O fosso só aumentou, dado o descaso de governantes omissos. Mas no decorrer de lentas transformações, a duras penas, eis que as estatísticas começam a mostrar uma nova e promissora realidade. Menos contrastante, talvez mais justa. Um levantamento do Instituto de Estudos do Trabalho e Sociedade (Iets) apontou que, pela primeira vez em duas décadas, o número de brasileiros na camada mais alta de renda superou o da faixa mais pobre. 

A pesquisa toma por base o ano de 2012 e registra que mais de dez milhões de pessoas (o equivalente a 5,2% da população) já se encontram na chamada classe alta, com renda per capita mensal superior a R$ 2.555,50. Enquanto isso, os menos favorecidos, com renda de até R$ 83,20 por mês, somam perto de oito milhões de pessoas (4% da população total). O panorama é referendado por técnicos do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea). 

Segundo eles, a desigualdade vem caindo aceleradamente e, a manter essa velocidade, poderemos chegar a uma taxa semelhante à dos EUA em pouco mais de oito anos. Seria por assim dizer a consagração do Brasil como país de Primeiro Mundo. O programa Bolsa Família, que na semana passada comemorou dez anos de existência, foi indiscutivelmente uma alavanca vital nesse processo de inclusão e valorização da cidadania. Com ele, estima-se que os 10% mais pobres da população tiveram, no período, ganho real de renda superior a 120%. É bem verdade que ainda há muitos desafios a superar. 

O jornal “Folha de S.Paulo” mostrou na semana passada que, com base em dados do IBGE, é possível verificar que boa parte dos 595 novos municípios brasileiros, criados a partir de 1997, continua a manter os mesmos padrões de baixa qualidade de vida, segundo critérios do Índice de Desenvolvimento Humano (IDH). Em outras palavras, o Estado provedor continua a falhar na sua missão essencial de bem-estar da população. Eis uma agenda concreta, apartidária e altamente relevante a ser abraçada pelos futuros presidenciáveis: as reformas necessárias para mudar de uma vez por todas esse quadro de carências.

ESPIONAR NÃO É PECADO, RUIM É SER DESCOBERTO




FOLHA.COM 04/11/2013 - 12h05

Análise: Brasil espionar não é pecado, ruim é ser descoberto


RICARDO BONALUME NETO
DE SÃO PAULO




Países não têm amigos, apenas interesses. Essa clássica definição foi usada por muitos líderes políticos ao longo da história em frases de efeito.

Dois nomes que logo surgem à mente são o presidente francês Charles de Gaulle (1890-1970) e o estadista britânico Lord Palmerston (1784-1865), que produziram versões muito citadas dessa ideia. Ou seja: vale tudo quando se trata de proteger o interesse nacional, inclusive espionar países no momento "amigos" ou mesmo os que sempre o foram.

Basta lembra que Israel montou redes de espionagem para obter segredos nos Estados Unidos, incluindo dados militares confidenciais. E sem os EUA Israel teria tido grandes dificuldades para sobreviver ao confronto com um mundo árabe imensamente maior desde a criação do Estado judaico em 1948. Os Estados Unidos são o maior "amigo" de Israel. Mas os dois lados sempre se espionaram. Informação útil e relevante nunca é demais.

Um incidente rendeu até mortos e feridos. Um navio de guerra americano, USS Liberty, estava nas costas de Israel aparentemente "espionando", isto é, captando sinais de rádio e radar, quando foi atacado por forças israelenses durante a Guerra dos Seis Dias em 1967. Morreram 34 americanos, 171 ficaram feridos.

Israel alegou que foi um erro. Muitos sobreviventes do navio alegaram que o ataque foi deliberado, pois ele estava claramente identificado como americano e navegando em águas internacionais.

Que o Brasil tenha espionado diplomatas estrangeiros não é pecado; pecado é ser flagrado fazendo a coisa. Pega mal. Se confirmado sem dúvidas, pode fazer com que os espionados peçam uma satisfação diplomática, um pedido de desculpas. Embora esteja claro que esses países "vítimas" também espionam o resto do mundo. Rússia, Irã e EUA estão longe de ser inocentes no tema!

Eu pessoalmente me lembro de um "diplomata" de país da Europa oriental que me contatou algumas vezes em busca de informações sobre o programa brasileiro de compra de um novo caça (F-X, hoje F-X2) e sobre as colaborações do Brasil na área espacial. Não comentei com ele nada que não fosse conhecido, não quebrei a lei passando informações confidenciais. Não tenho talento para ser espião. Nem quero saber se paga bem...

Existem vários tipos de atividades que podem ser considerados "espionagem", algumas legítimas. Buscar informações na imprensa, na internet, ajuda a criar um banco de dados sobre países e pessoas, e é legal.

Vasculhar as ondas de rádio e as transmissões do "inimigo" ou do "amigo" era algo tradicional antes mesmo da Segunda Guerra Mundial (1939-1945). Checar e-mails confidenciais, fazer escutas, é outra história. Mas faz parte do jogo. Só não vale ser pego com a mão na massa.



Agência brasileira espionou funcionários estrangeiros

LUCAS FERRAZ
ENVIADO ESPECIAL A BRASÍLIA


O principal braço de espionagem do governo brasileiro monitorou diplomatas de três países estrangeiros em embaixadas e nas suas residências, de acordo com um relatório produzido pela Abin (Agência Brasileira de Inteligência) e obtido pela Folha.

O documento oferece detalhes sobre dez operações secretas em andamento entre 2003 e 2004 e mostra que até países dos quais o Brasil procurou se aproximar nos últimos anos, como a Rússia e o Irã, viraram alvos da Abin.

Segundo o relatório, que foi elaborado pelo Departamento de Operações de Inteligência da Abin, diplomatas russos envolvidos com negociações de equipamentos militares foram fotografados e seguidos em suas viagens.

O mesmo foi feito com funcionários da embaixada do Irã, vigiados para que a Abin identificasse seus contatos no Brasil. Os agentes seguiram diplomatas iraquianos a pé e de carro para fotografá-los e registrar suas atividades na embaixada e em suas residências, conforme o relatório.

A Folha entrevistou militares da área de inteligência, agentes, ex-funcionários e ex-dirigentes da Abin nas últimas duas semanas para confirmar a veracidade do conteúdo do documento que obteve. Alguns deles participaram diretamente das ações.

O Gabinete de Segurança Institucional da Presidência da República, ao qual a Abin está subordinada, reconheceu que as operações foram executadas e afirmou que todas foram feitas de acordo com a legislação brasileira.

Segundo o governo, foram operações de contrainteligência, ou seja, com o objetivo de proteger segredos de interesse do Estado brasileiro.

Nos últimos meses, o vazamento de documentos obtidos pelo analista americano Edward Snowden permitiu que o mundo conhecesse detalhes sobre atividades de espionagem dos EUA em vários países, inclusive no Brasil.

Diante da revelação de que até suas comunicações com assessores foram monitoradas, a presidente Dilma Rousseff cancelou uma visita aos EUA e classificou as atividades americanas como uma violação à soberania do país.

As operações descritas no relatório da Abin têm características modestas, e nem de longe podem ser comparadas com a sofisticação da estrutura montada pela Agência de Segurança Nacional americana, a NSA, para monitorar comunicações na internet.

Ainda assim, o documento mostra que, apesar do que a retórica da presidente poderia sugerir, o governo brasileiro também não hesita em mobilizar seu braço de espionagem contra outros países quando identifica ameaças aos interesses brasileiros.


Editoria de Arte/Folhapress



DESCONFIANÇAS

As operações descritas no relatório ocorreram no início do governo do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que tomou posse em 2003 e entregou o cargo a Dilma em 2011.

Na operação "Miucha", de 2003, a Abin acompanhou a rotina de três diplomatas russos, incluindo o ex-cônsul-geral no Rio Anatoly Kashuba, que deixou o país no mesmo ano, e representantes da Rosoboronexport, a agência russa de exportação de armas.

A Abin desconfiava que os funcionários russos estivessem envolvidos com atividades de espionagem no Brasil.

O brasileiro Fernando Gianuca Sampaio, cônsul honorário da Rússia em Porto Alegre, também foi monitorado pelo mesmo motivo. "Sou sim um agente russo, mas um agente oficial", disse Sampaio à Folha, em tom irônico.

Na operação "Xá", que monitorou a rotina e os contatos de diplomatas iranianos, a Abin seguiu os passos do então embaixador do Irã em Cuba, Seyed Davood Mohseni Salehi Monfared, durante uma visita ao Brasil, entre os dias 9 e 14 de abril de 2004.

Um agente da Abin que examinou o relatório a pedido da Folha afirmou que provavelmente os iranianos foram vigiados a pedido do serviço secreto de outro país, um tipo de cooperação usual entre órgãos de inteligência.

O relatório mostra ainda que o governo brasileiro espionou a embaixada do Iraque após a invasão do país pelos EUA, em 2003. Na época, muitos diplomatas buscavam refúgio no Brasil por causa da guerra, e por isso a Abin foi mobilizada para segui-los.

O então encarregado de negócios da embaixada, um dos que foram espionados, largou a diplomacia para se fixar no Brasil. Ele ganhou residência permanente e vive no Guará, nos arredores de Brasília.

E POR QUE NÃO, DOUTORA?

ZERO HORA 04 de novembro de 2013 | N° 17604

ARTIGOS

E por que não, doutora?, por Ulisses A. Nenê*



Com o rebuscamento de uma doutora de ciência política, a professora Celi Pinto trouxe a esta página o que é, na verdade, um clichê, um lugar comum, que costumam assacar contra ambientalistas e protetores dos animais, de uma suposta indiferença para com os problemas sociais, como as crianças pobres. A doutora apenas amplia um pouco a questão, indagando se essas pessoas se emocionariam com os campos de refugiados pelo mundo e outras situações de calamidade humanitária.

É a minha vez, a nossa vez, de perguntar: e por que não, doutora? Tanto quanto em outros grupos, protetores e ambientalistas têm sentimentos, têm ideologias, são muito humanos, e não há nada que justifique suspeitar-lhes, de forma genérica, tamanha insensibilidade. Pelo contrário, salvo exceções, cultivam um enorme respeito e senso de responsabilidade pela vida em todas as suas formas, especialmente as mais frágeis e mais indefesas.

Muitos talvez não se deem conta do quanto são injustos quando criticam cidadãos e cidadãs que desempenham um papel social tão relevante. Basta pensarmos nas zoonoses e nas campanhas que as ONGs de protetores realizam de adoção, castração, vacinação, desverminação de animais, sem nenhum centavo de dinheiro público, para percebermos a sua importância para a saúde pública. O que há de fútil nisso?

Mesmo assim, infelizmente, temos visto manifestações preocupantes de má vontade, preconceito e intolerância em relação a quem abraça causas até pouco tempo consideradas fora da ordem e que hoje alcançam uma importância que ainda não coube nos esquemas de valores de quem continua preso ao século 20, um século muito trágico para a humanidade, aliás.

Anos atrás, defender o meio ambiente, causa a qual estou mais ligado, era considerado “frescura” até nos meios de esquerda, e ainda hoje essa bandeira encontra resistências. Defender os animais, silvestres ou domésticos, então, está longe de ser socialmente assimilado. Mas é bom que todos se acostumem, isto veio para ficar, não faltam razões, que não cabem aqui, para justificar este movimento.

O importante é que vivemos numa democracia, em que cada um pode escolher a sua causa para defender, a causa pela qual se acha capaz de fazer alguma coisa, porque isso também é uma vocação. Pode-se inclusive apoiar ou participar de mais de uma causa ao mesmo tempo, por que não? Há muitas causas justas pelas quais lutar, pelas crianças, idosos, índios, pessoas com deficiência, florestas, rios, animais e outras, sem que se excluam, necessariamente.

No caso específico que gerou este debate, a ação de protetores contra um laboratório de pesquisas acusado de maus tratos a animais, lembremos que a escravidão já foi considerada normal, assim como a submissão das mulheres ao homem, o racismo e o trabalho infantil. Falar, agir contra isso também era considerado exótico, absurdo, intolerável. E toda intolerância é perigosa, não é preciso ser doutor em ciência política para saber disso.

*JORNALISTA, MEMBRO DO NÚCLEO DE ECOJORNALISTAS DO RS

domingo, 3 de novembro de 2013

ATO PATRIÓTICO


ZERO HORA 3 de novembro de 2013 | N° 17603

LÉO GERCHMANN

Dois métodos distintos para atingir o mesmo propósito

Marco legal da guerra contra o terror, criado por George W. Bush, ganha versão de Barack Obama



O Ato Patriótico, marco legal que dá verniz de legitimidade a ações dos Estados Unidos na guerra contra o terrorismo, tornou-se exemplo citado por quem afirma que as diferenças entre democratas e republicanos são tão pronunciadas quanto as existentes entre Coca e Pepsi-Cola. Ou seja, as distinções se dão na forma. Pouco no conteúdo.

A criação do Ato Patriótico ocorreu pela pena do presidente republicano George W. Bush, como decorrência direta dos atentados terroristas de 11 de setembro de 2001. Foi nele que a chamada “doutrina Bush” encontrou amparo, com a aprovação por maioria absoluta do Congresso em 26 de outubro daquele ano. Desde então, houve ações unilaterais, tomadas à revelia das Nações Unidas; invasões a países suspeitos de abrigar terroristas; prisões controversas na Base de Guantánamo; e métodos não menos polêmicos de interrogatório – muitos deles remetendo à ideia de tortura.

Em maio de 2011, o presidente democrata Barack Obama prorrogou a vigência do Ato Patriótico até junho de 2015. Alegação: sem tal legislação, os americanos estariam inseguros. O perfil democrata de manuseio do Ato Patriótico, porém, apresenta diferenças de forma. Adotou-se o método das escutas telefônicas e da bisbilhotice na internet de milhões de pessoas, incluindo líderes de outros países. Na área militar, os drones, aeronaves não tripuladas, tornaram-se conhecidos pelo uso sistemático. O Escritório de Investigação Jornalística (BIJ), com sede em Londres, estima que os drones mataram entre 2.525 e 3.613 pessoas desde 2004. As vítimas civis são entre 407 e 926 pessoas, de 16 a 25%.

Analistas veem diferenças na forma, mas semelhanças no mérito das ações democratas e republicanas. Alguns identificam continuidade entre elas.

– As revelações de espionagem americana até de aliados, não só no caso de Angela Merkel, mas também as revelações anteriores sobre a espionagem de que foi alvo a presidente Dilma Rousseff e a Petrobras são igualmente chocantes e sem justificativa. É extensão da paranoia do governo Bush e indicação de que há espionagem do Estado fora de controle – comenta o historiador britânico Kenneth Maxwell, especialista em questões envolvendo Brasil e Américas em geral.

A análise de Maxwell é corroborada pela reação forte de líderes mundiais, como a citada Merkel, a primeira-ministra alemã que questionou Obama: amigos espionam amigos? E foi mais longe ao sugerir que amigos poderiam não ser tão amigos assim caso haja desconfiança. Algo muito grave, enfim.

A imprensa internacional brincou com a coincidência: a placa do Audi preto que levou Merkel à cúpula da União Europeia (UE) em Bruxelas, no final de outubro, tinha o número 007, o mesmo do célebre espião britânico James Bond. Merkel desembarcou do carro com expressão fechada e desferiu críticas ao colega americano e a seus métodos de segurança, que incluiriam escutas no seu próprio celular pela Agência de Segurança Nacional (NSA, na sigla em inglês) americana.

Merkel e outros líderes não chegaram à hipocrisia de dizer que espionagens entre países é novidade. Ponderaram, porém, que o domínio de técnicas investigativas não podem justificar bisbilhotagens indiscriminadas. Mais, segundo a própria alemã: os fins não devem justificar os meios – crítica que, de certa forma, atinge em cheio todo o conceito do Ato Patriótico.

Obama, constrangido, justifica sempre com o mesmo argumento. Sustenta que a inteligência americana sabe de pelo menos 50 ameaças de atentados, nos EUA e em países aliados, como a Alemanha, que teriam sido evitados em razão da bisbilhotagem. Não chegou a conter as críticas, que retrucavam: mas por que investigar líderes de países amigos?


Legislação seria ato de exceção


André Luís Woloszyn, analista de assuntos estratégicos e consultor de agências e organizações internacionais em conflitos de média e baixa intensidade, classifica o Ato Patriótico em suas diversas modalidades como “medida de exceção, pelo conceito ocidental”.

Ou seja, trata-se de uma legislação que arranha o conceito do estado de direito.

– Basicamente, ele prevê ataques preventivos e uso de meios para interrogatório, o que pode incluir tortura. É uma legislação de ação preventiva – classifica.

Woloszyn diz que o uso de drones já ocorria durante o governo Bush, mas se tornou notório a partir do governo Obama. E os interrogatórios em Guantánamo foram uma marca da era Bush.

– Em termos de impacto público, os drones são para Obama o que Guantánamo foi para Bush. Há um uso quase indiscriminado do uso de drones – diz ele – Mas, na verdade, tudo vem da “Era Bush”. Também em termos de impacto, as escutas de Obama se equivalem às invasões de Bush. Todas essas ações são intensificações das operações de inteligência e militares.

Métodos diferentes, sim, mas que não eliminam o fato de serem continuidade uns dos outros.

– A violência da “Era Bush” no Afeganistão e no Iraque certamente levaram ao uso mais generalizado de drones e escutas. O monitoramento de informações é uma estratégia e, como toda estratégia, tem danos colaterais.

“Sofisticação” no governo democrata

Professor de Ciência Política e especialista em EUA na Universidade de São Paulo (USP), o venezuelano Rafael Duarte Villa, marca as diferenças entre democratas e republicanos:

– Em essência, algumas políticas de segurança se mantêm. Sob Obama, há uma ênfase na sofisticação dos métodos. A administração Bush tinha uma forma tosca de implementar o Ato Patriótico. Com Obama, o desgaste é menor e creio que a eficácia é maior. A forma truculenta de Bush agir, além de tudo, era unilateral. Obama pode manter o Ato Patriótico, mas dialoga. Não tem mais aquela história de “aquele que não está conosco é contra nós”. Outra diferença é que a ação de Obama é mais discreta e inodora.

Villa cita o exemplo da caça a Osama bin Laden para mostrar as diferenças entre Bush e Obama, que, segundo ele, não teria muitas escolhas que não fossem a de continuar o combate ao terror.

– Não houve canhões nem bombas. Esse exemplo retrata a diferença entre as duas presidências.

ISOLAR O ÓDIO

ZERO HORA 03 de novembro de 2013 | N° 17603

ARTIGOS

Marcos Rolim*



A experiência democrática no Brasil é frágil. Grande parte de nossas instituições carregam uma herança de exclusão que se firmou na Casa Grande. Somos uma República de palácios onde se ignora o sentido da coisa pública e da igualdade perante a lei. Séculos de obscena desigualdade, marginalização política, racismo e violência formataram um aparato de Estado pouco transparente, incapaz como regra, corrupto quase sempre e naturalmente abusivo. Estes limites não se afirmam em abstrato, nem estão localizados no espaço metafísico definido por um eles. São, antes, marcas sociais e culturais que modelam a brasilidade. O Brasil, claro, é maior e mais complexo que seus limites. Ele é também suas histórias de resistência e solidariedade e a soma de seus sonhos por liberdade e justiça. A dificuldade, em cada momento, é saber o quanto a ação política realiza possibilidades virtuosas e o quanto reforça nossos piores pesadelos. Não há respostas evidentes para inquietações desta ordem e o próprio desafio ético na política só é equacionado como aposta, porque nunca podemos antecipar todas as consequências da ação. A ação política não se resolve pela afirmação dos princípios. Para além da disposição moral (rarefeita na cidadania e nos seus representantes), é preciso construir a intervenção no mundo considerando opiniões e interesses conflitantes e reduzindo as possibilidades de dano. O sujeito responsável pela ação política se obriga a reconhecer o outro e a legitimidade de seus pleitos, segundo a regra da democracia, o que se materializa no debate público em torno de alternativas políticas.

Ocorre que o debate público entre nós é esquálido e as ofensas, sempre mais prováveis que os argumentos. Também por isso, cresce a indisposição com o outro. A falência da instituição política e a falta de aptidão para as reformas construíram um vazio na experiência democrática. Neste espaço, a liberdade vaga sem rumo. Desprovida de uma plataforma onde ancorar seus desejos por mudança, a cidadania se dissolve. O que resta é a impotência e o desespero. O problema é que a impotência e o desespero possuem uma forma ativa e esta forma é o ódio. É preciso identificar as manifestações do ódio como ameaças reais. Não importa se este ódio é oferecido pelo imbecil engravatado ao seu lado para quem a polícia deve “cagar a pau” os suspeitos; se este ódio é o instrumento de trabalho dos covardes que torturaram e mataram Amarildo; se este ódio é o recurso manipulatório do espertinho que apresenta um programa mundo cão na TV; se é o culto homofóbico da esquina ou a intolerância no estádio de futebol ou se este ódio é destilado por um mal digerido anarquismo black bloc que vibra com o espancamento de um oficial da PM de São Paulo e com agressões a jornalistas.

A vertente anti-humanista da brasilidade não brota apenas do Estado, mas de toda a sociedade e, inclusive, do ideário daqueles que se imaginam “lutadores sociais” e que podem ser tão ou mais autoritários que seus inimigos. Por tudo isto, o Brasil precisa isolar o ódio. E rápido, antes que ele encontre sua alternativa política.


*JORNALISTA


COMENTÁRIO DO BENGOCHEA - Entendi. O griffo é meu.

sábado, 2 de novembro de 2013

ASPECTOS TOTALITÁRIOS DO DIREITO CIVIL BRASILEIRO

JUS NAVEGANDO em 05/2006. Elaborado em 12/2005


Rafael Vitola Brodbeck


Sumário: Conceito de totalitarismo; Princípio da supremacia do interesse público e princípio da subsidiariedade; Noção totalitária no instituto do bem de família; Noção totalitária na usucapião; Noção totalitária nas normas do Estatuto da Cidade; Noção totalitária em outros dispositivos do Código Civil


CONCEITO DE TOTALITARISMO

Chamamos totalitarismo a doutrina filosófica que pretende seja o Estado provido de poder total, desrespeitando, outrossim, as justas liberdades de seus súditos. Ao invés do Estado servir ao homem, é este quem existe em função daquele.

Por vezes o totalitarismo não se apresenta dessa maneira. A explícita pregação da onipotência estatal gera reações contrárias da população a esse regime. De tal forma, mais produtivo aos próceres totalitaristas é inserir, no discurso e nos textos legais, as idéias de seu sistema de modo velado.

Assim, diz-se, v.g., que determinada ação do Estado é feita em prol do bem comum. Ora, sendo o bem comum juridicamente indeterminado, cabe o questionamento sobre quem o define. E a pronta resposta: o próprio Estado. Nesse sentido, para fazer valer uma idéia totalitária, baste que se lhe dê destinação de laborar pelo bem comum, o qual, por ser definido pelo Estado mesmo, pode servir como instrumento de aumento do poder estatal. Noutros termos, basta que o Estado declare determinada matéria bem comum para que, sobre ela, execute bárbaras medidas, mascaradas por um conceito simpático, mas, como afirmamos, indeterminado. É a falta de uma verdade objetiva e absoluta – e a negação da existência dessa verdade é princípio liberal, como atestam os pensadores iluministas e os líderes da sangrenta Revolução Francesa de 1789 –, a falta dessa verdade que gera o totalitarismo. Este, pois, é filho espiritual do liberalismo, ainda que a maioria das pessoas os entenda como antagônicos.

PRINCÍPIO DA SUPREMACIA DO INTERESSE PÚBLICO E PRINCÍPIO DA SUBSIDIARIEDADE

Maneira peculiar de utilização dessa manobra é a invocação da supremacia do interesse público, princípio este basilar no Direito Administrativo, e que lhe informa substancialmente. Certo é, e não o negamos, o tal princípio serve para frear, na maioria das vezes, o ímpeto totalitário do Estado. Visa a garantir a sociedade, pela indisponibilidade sobre o interesse público confiado à guarda da Administração, e pela realização concreta da finalidade estatal, contra os eventuais abusos dos governantes. Por outro lado, disciplina o exagerado individualismo liberal, tão inconsciente dos deveres de solidariedade para com os demais.

Não obstante, mesmo que as atividades assumidas pelo Estado a fim de atender às necessidades coletivas tenham sido ampliadas [01], razoável é o pensamento de que, em nome do que o Estado entenda ser bem comum ou interesse público, haja a invocação ilegítima do princípio de sua supremacia para a concreção das mais variadas distorções de matriz totalitária. Na base de sofismas, pode o Estado, por essa brecha, auferir vantagens indevidas em prejuízo dos cidadãos e da própria coletividade, em função da qual diz tomar as aludidas diretrizes. O princípio, em si neutro, converte-se em pretexto, e nem mesmo o controle popular – direto ou representativo – dispõe sempre dos mecanismos necessários para impedir o Estado de totalizar-se, eis que este adota ações dissimuladas, estratégicas, programas e sutis. Aos poucos, sem alarde, em tática apregoada pelo filósofo comunista italiano Antonio Gramsci, consegue o Estado até mesmo o apoio dos particulares para seus projetos – totalitários em essência, porém disfarçados sob o véu de um romântico bem comum.

Importa, para limitar aquela supremacia, que em face de nosso Direito Constitucional positivo não é absoluta, entendermos o papel do Estado à luz do princípio da subsidiariedade, originado da Doutrina Social da Igreja. [02] Define-o o Santo Padre, o Papa João Paulo II, recolhendo ensino de seu predecessor, o Papa Pio XI [03]: uma "sociedade de ordem superior não deve interferir na vida interna de uma sociedade inferior, privando-a de suas competências, mas deve, antes, apoiá-la, em caso de necessidade e ajudá-la a coordenar sua ação com as dos outros elementos que compõe a sociedade." [04] O Catecismo da Igreja Católica, cuja edição típica latina foi pelo mesmo Sumo Pontífice aprovada em 1997, dispõe: "O princípio de subsidiariedade opõe-se a todas as formas de coletivismo; traça os limites da intervenção do Estado; tem em vista harmonizar as relações entre os indivíduos e as sociedades; tende a instaurar uma verdadeira ordem internacional." [05]

NOÇÃO TOTALITÁRIA NO INSTITUTO DO BEM DE FAMÍLIA

Bem de família é instituto jurídico com raízes que remontam ao Direito Romano, mas cuja configuração moderna inspira-se no Homestead Exemption Act, do Estado do Texas, promulgado em 26 de janeiro de 1839. [06] Visa a proteger prédio destinado pelos cônjuges ou entidade familiar (cf. art. 1711, CC) ao seu exclusivo domicílio, mediante escritura pública ou testamento, resguardando-o de eventual penhora ou alienação. À instituição do bem de família disciplinada pelo Código Civil dá-se a denominação de voluntária, em contraposição ao bem de família legalmente constituído por força da Lei 8.009/90.

A impenhorabilidade do bem de família voluntário, instituído, conforme visto, por escritura pública ou testamento, é limitada, uma vez que, no teor do art. 1715, CC, fica o mesmo "isento de execução por dívidas posteriores à sua instituição, salvo as que provierem de tributos relativos ao prédio, ou de despesas de condomínio."

Em que pese a última exceção – execução por dívida que se origine de despesas de condomínio, em nítida tentativa (frustrada, como adiante veremos) de equilibrar o disposto no art. 1336, § 1º, CC –, mantém ainda o Código a norma do revogado diploma de 1916, qual seja a penhorabilidade do bem de família voluntário por dívidas advindas de tributos a ele relativos.

Ora, qual diferença ontológica entre o crédito do particular e o crédito fazendário estatal? Não são ambos originados de uma obrigação jurídica? Aos olhos do legislador pátrio não. Se uma pessoa contrai dívida com outra e cai em inadimplência, não se lhe pode penhorar o bem de família voluntariamente instituído. Ocorre que se o credor for o Estado, constituído o crédito pelo lançamento, a execução e a penhora são autorizados quando o sujeito passivo da relação tributária não pagar o tributo relativo ao mesmo bem. Notória discriminação, e, ao passo em que sustentamos que algumas sejam justas, esta é cristalinamente iníqua.

Invoca-se o princípio do interesse público, superior ao individual, para a permissão da penhora por parte da administração tributária. Aparentemente, a tese mostra-se acertada: um tributo não pago prejudicaria toda a coletividade, mormente os que honram seus compromissos tributários e aqueles mais necessitados, atendidos pela ação do Estado com os recursos gerados pela arrecadação pecuniária.

Cremos, sem embargo, tal argumento falacioso por dois capitais motivos.

O primeiro é que, se constitui uma verdade que seja, à primeira luz, do interesse geral da população – bem comum – ver os tributos pagos, para que, dessa arrecadação, haja reversão em benefício dos súditos, e também ao senso mediano de justiça repugna a inadimplência, a priori, especialmente a lesiva ao patrimônio público, i.e., de toda a coletividade, é inegável, entretanto, que haja outros direitos subjetivos igualmente cobertos pelo manto do interesse público. E o é o direito de moradia, objeto do instituto do bem de família, e protegido pela Constituição Federal em seu art. 6º. Se, em nome do interesse público de garantir ao cidadão o direito de moradia, inclusive por norma constitucional, exclui-se da possibilidade de penhora por dívidas contraídas perante particulares o bem de família voluntariamente constituído, por qual razão se há de invocar o mesmo interesse público, consubstanciado agora na pretensão do Estado de ver satisfeito crédito tributário, para entender lícita a execução quando o exeqüente é a Fazenda Pública? No conflito entre dois interesses públicos, deve-se, pelo princípio da concordância prática, fundamental na interpretação de comandos constitucionais [07], dar prioridade ao entendimento que, sem sacrificar norma alguma, estabeleça a primazia das linhas inspiradoras do texto e do sentido da Carta Magna. Assim é, que, debatendo-se o direito do Estado em penhorar o bem de família por dívidas tributárias, em um pólo, e o direito à moradia, tido por norma cogente e de ordem pública, de outro, parece-nos este quem deva ser priorizado.

Mais razão nos assiste pela vedação de que o particular, regra geral, penhore bem de família voluntário – e a satisfação dos créditos particulares também é um interesse público, pois a sociedade não aprovaria a proliferação da inadimplência. Impossível a penhora pelo particular – que seria um interesse público –, em função de proteção ao bem de família – também interesse público –, racional seria a impenhorabilidade pelo Estado até em dívidas tributárias – igualmente interesse público. Sacrifica-se um interesse – privado e também público pela repugnância social à proliferação da inadimplência e quebra da segurança jurídica –, qual seja o crédito particular, em nome de outro interesse – público –, o do direito constitucional à moradia, razão de ser do bem de família. Por que não, em nome do mesmo interesse público ao qual é sacrificado outro, sacrificar-se um terceiro, o do Estado reaver a dívida tributária pela penhora do bem? Na mente do Estado, parece que seus próprios direitos são absolutos, e nisso está a fumaça do totalitarismo...

Segundo argumento a desmontar a tese estatólatra é a permissão para a instituição do bem de família voluntário somente a quem tenha patrimônio para garantir débitos anteriores. Nisso, há uma possibilidade de satisfazer os posteriores, medida única, aliás, que alimenta a esperança dos credores particulares que não são condomínios. Dê-se tal válvula de escape à pretensão do Estado. Não conseguindo – eis que a dívida tributária de que falamos é posterior –, veja-se o Estado insatisfeito, como se vêem, outrossim, os particulares.

Estabelecendo diversamente ao que pensamos, o dispositivo do Código é francamente totalitário, pois diferencia injustamente as pretensões do Estado e dos particulares, e, no conflito entre o direito à moradia e o mero resgate de dúvidas tributárias, prefere o legislador estatólatra este último, rasgando a Constituição para garantir a sanha arrecadatória, da qual todos estamos já tão fartos!

NOÇÃO TOTALITÁRIA NA USUCAPIÃO

Consagra a Constituição Federal tradicional diretriz que proíbe a usucapião de imóveis públicos (cf. arts. 183, § 3º; 191, parágrafo único). O Código Civil, em atenção ao comando da Carta Política, faz o mesmo:


"Art. 102. Os bens públicos não estão sujeitos a usucapião."

Já acenamos que nem todas as discriminações são injustas. A escolha de uma pessoa preparada intelectualmente – aferindo-se a capacidade por concurso público de provas e títulos, por exemplo –, em detrimento de outra, é uma discriminação justa. Também as idades mínimas para determinados cargos, constitucionalmente previstas, são legítimas (não por constarem da Constituição, eis que a lei positiva não tem o condão de legitimar erros e iniqüidades, mas por, em si, serem lícitas, serem proporcionais, razoáveis). Ricos e pobres, igualmente, sempre teremos – em que pese o compromisso de evitar uma distância entre eles que se revele iníqua –; patrões e empregados; professores e alunos; diferenças psicológicas e mesmo fisiológicas entre homens e mulheres etc. São o que os Papas denominaram desigualdade harmônica. [08]

Entendemos, contudo, que a desigualdade entre Estado e particular, no campo da usucapião, não é harmônica. Evidentemente, pela natureza e o fim a que se destinam os bens públicos – servir, teoricamente, à coletividade –, devem estes receber proteção especial, evitando-se, inclusive, a personalização da coisa pública e o ilegal favorecimento tipificado como ato de corrupção.

Entretanto, tal proteção especial não se deve crer absoluta, sob pena de termos os bens do Estado como intocáveis.

Torna-se a proibição da usucapião de bens públicos escandalosa quando assistimos, de outra sorte, a relativização crescente da propriedade privada: exigência de uma indeterminada e subjetiva função social a ser cumprida; índices de produtividade rural inalcançáveis, o que gera, em tese, a desapropriação para fins de reforma agrária – de índole socialista e confiscatória –; a substituição do verbete "ilimitado", que qualificava o domínio no Código de 1916, pelo "plena", na propriedade regulada pelo de 2002, em manobra fruto do desagrado do termo anteriormente utilizado aos ouvidos de quem combate a propriedade privada (sabotando o crescimento da Nação); a fragilização, na lei e nas decisões de alguns magistrados, da proteção ao direito do proprietário; as injustas aspirações do Estatuto da Cidade contra a propriedade urbana etc.

Levando-se em conta as várias espécies de usucapião hoje admitidas, não há porque, ainda que com restrições e regras especiais diferenciadoras, que protejam o bem público, não se admitir a aquisição deste pelo citado instituto. Ainda mais quando, para a proteção do domínio público, há as modernas ação civil pública e ação popular. Dormindo o Estado em não remover os que estão prestes a usucapir seus bens, inclusive ao deixar de, pelo Ministério Público ou demais entidades previstas na Lei 7.347/85, promover a ação civil pública; dormindo a sociedade, principal interessada no resguardo dos bens públicos, os quais devem ser aproveitados em seu benefício: o Direito não lhes socorra! Pode-se, outrossim, falar em renúncia tácita do Estado – protetor dos bens públicos – e da sociedade – titular dos mesmos – à propriedade, quando não manejasse os instrumentos judiciais postos à sua disposição.

Ao invés disso, cria a lei entraves desnecessários, revelando novamente o perfil totalitário de algumas normas em nosso Direito Civil (e, neste caso específico, também no Constitucional).

E a função social da propriedade? Só vale para o particular? Não contra o Estado? Desenvolvamos mais a resposta a tais indagações, exemplificando com a antiga usucapião de terras devolutas.


"Embora não mais previsto na Constituição, havia até recentemente o usucapião especial disciplinado pela Lei nº 6.969, de 10-12-81, que incidia sobre terras devolutas situadas na área rural, após o período de cinco anos de posse ininterrupta e sem oposição, além de outros requisitos anteriormente estabelecidos para o usucapião pro labore: morada e cultivo da terra com o próprio trabalho, inexistência de outro imóvel de que seja proprietário o interessado, área não superior a 25 ha.

A Constituição de 1988, lamentavelmente, proibiu qualquer tipo de usucapião, quer na zona urbana (art. 183, § 3º), quer na área rural (art. 191, parágrafo único), como o que revogou a Lei nº 6.969/81, na parte relativa aos bens públicos. Essa proibição constitui um retrocesso por retirar que cultiva a terra um dos instrumentos de acesso à propriedade pública, precisamente no momento em que se prestigia a função social da propriedade." [09]

Noutros termos, a função social da propriedade só vale se invocada contra o particular. O Estado, intocável, mesmo com terras improdutivas, não sofre sanção alguma por não observar a função social de seus bens. E se é imoral a proibição de usucapir bens públicos quaisquer, é ainda mais absurda a vedação de acesso, pela usucapião, de terras devolutas!

Se o particular é proprietário de terras sem destinação útil, contrariando assim o mandamento constitucional e ético de dar função social a elas, perde seu domínio para fins de reforma agrária (e os novos beneficiados, muitas vezes, produzem ainda menos do que os antigos donos expropriados). Às terras sem destinação definida, quando sejam do Estado, não se manda, em nossa totalitária legislação, o cumprimento da função social: mesmo improdutivas, não podem ser usucapidas.

Mais fácil para o Estado total, ao pretender assentar sem-terras, é desapropriar os bens imóveis dos particulares – com a produtividade medida por índices mais do que duvidosos do INCRA –, ao invés de abrir mão de seus próprios domínios sem utilidade – como as terras devolutas. Muito maior razão nos assiste se somarmos a esse fato o dado de que, nas desapropriações para reforma agrária (ou seria confisco?) os títulos de propriedade não passam aos assentados, permanecendo com o Estado, que a eles juntam os de seus outros domínios. Em contrapartida ao particular – cujos bens podem sofrer desapropriação e usucapião (até pelo Estado) –, os bens públicos só fazem aumentar, inflando o Estado – que não foi criado para ser proprietário.

NOÇÃO TOTALITÁRIA NAS NORMAS DO ESTATUTO DA CIDADE

Pela Lei 10.257/01, a propriedade privada urbana sofreu duro golpe de caráter confiscatório e socialista, portanto totalitário. Por seu art. 5º, v.g., o Estado pode determinar "o parcelamento, a edificação ou a utilização compulsórios" do solo urbano considerado especulativo.

Não condenamos o justo combate que se deve travar, sem tréguas, à especulação imobiliária, que tão graves problemas causa a todos. Sendo, entretanto, conceito indeterminado – ou determinado de modo amplíssimo, ensejando interpretações que coloquem várias situações diferentes entre si no bojo do instituto –, há o sério risco de ser atingido, a pretexto de combate à especulação, o indivíduo que é senhor de um terreno e espera sua valorização para pagar uma dívida, ou que aguarda seu filho casar para presenteá-lo com o mesmo: será obrigado a parcelar, edificar ou utilizar o dito terreno, mesmo que para isso não tenha recursos financeiros, sob pena de crescente aumento do IPTU. Além de caracterizar indevida intromissão do Estado nos negócios particulares, desrespeitando o princípio da subsidiariedade – o que é, notadamente, totalitarismo –, não se afasta o descontrole do Estado em arrecadar (e não dar uma contraprestação geral decente, aliás – mesmo que à espécie tributária "imposto" não esteja associado um labor estatal específico) – o que também caracteriza o totalitarismo.

Princípio norteador da lei referida é o de que o proprietário urbano é mau administrador, incapaz de gerir seus próprios negócios. Para "salvá-lo", surge o Estado, que, com sua "sabedoria", irá guiá-lo para a concretização do "bem comum". Não nos esquecemos que Hitler promoveu sua política de solução final da questão judaica em nome do que considerava bem comum. Também os ditadores comunistas e fascistas partiam da idéia de que o particular é incapaz e, por isso, o Estado deve assumir a gestão de seus atos, transformando o homem em autômato estatal. É a filosofia de Gramsci, com seu "Intelectual Coletivo", e, conforme apresentamos no proêmio deste ensaio, afigura-se medida tipicamente totalitária.

As punições no Estatuto previstas podem chegar à perda da propriedade para o Estado, sem justa e prévia indenização. Além do conceito totalitário de que o Estado é perfeito e excelente administrador dos negócios privados – quando na verdade até nos públicos muitas vezes se mostra incompetente –, há o de que é preciso, como pena ao cidadão que não se conforma aos arbitrários comandos estatais, retirar-lhe o domínio – o qual passa, "surpreendentemente" para o Estado, e não para outro cidadão honesto, probo, quiçá sem moradia. E assim, avolumando-se e agigantando-se o Leviatã, assenhora-se da propriedade, restringindo-a mais e mais. O papel do Estado não é ser proprietário. Pensam assim os comunistas!

Outras absurdas normas da Lei 10.257/01 são, por exemplo, a disciplina da indenização em caso de desapropriação (em seu art. 8º, § 2º, I, vemos que o valor da indenização é o da base de cálculo do IPTU, descontada a valorização decorrente de obras públicas, i.e., para o pagamento do tributo a ser pago pelo proprietário é maior do que o que receberia do Estado como indenização, se sofresse desapropriação), o direito de preempção (novamente a idéia de que o Estado está acima dos cidadãos de um modo absoluto, a pregação de que o Estado é tudo: o vendedor é obrigado a notificar a prefeitura de sua intenção de alienar o imóvel, que terá preferência de adquiri-lo; o vendedor, aliás, não poderá desistir do negócio, se já apresentada proposta de compra por terceiro diante da prefeitura, a qual terá, enfim, um prazo para se manifestar, o que gera não poucos problemas aos particulares), o dirigismo estatal contrário à valorização natural dos imóveis etc.


NOÇÃO TOTALITÁRIA EM OUTROS DISPOSITIVOS DO CÓDIGO CIVIL


O art. 1.230, CC, exclui da propriedade do solo "as jazidas, minas e demais recursos minerais, os potenciais de energia hidráulica, os monumentos arqueológicos e outros bens referidos em leis especiais." Além de violento ataque à propriedade particular, por seu conteúdo ideológico, reafirma o princípio totalitário de que o Estado é o grande sábio, onipotente, providenciar maior, gerenciador do que ele mesmo considera que deve gerenciar – o que é o erro lógico definido por Aristóteles [10] como petição de princípio.

Por sua vez, o art. 1.631, parágrafo único, do mesmo diploma, disciplina que quando, no exercício do poder familiar, houver divergência entre os pais, a solução será dada pelo juiz. O Estado-jurisdição imiscui-se no seio da família, em nefasta inobservância do princípio da subsidiariedade, e dita o que deve ser feito no sagrado ambiente doméstico. Assume, então, o Estado, a função de verdadeiro chefe de família, em medida antinatural, e absolutamente totalitária.

Enfim, como último exemplo de ingerência estatal onde não deveria, e cumprindo notar que nosso estudo fornece rol não exaustivo da capacidade de assimilação e legalização de idéias totalitárias, ainda que veladas e mascaradas, por parte do legislador brasileiro – reproduzindo técnica internacional, é bom que se diga –, cabe rápida leitura sobre o art. 1.565, § 2º, novamente do estatuto privatístico:


"Art. 1564. (...)

§ 2º O planejamento familiar é de livre decisão do casal, competindo ao Estado propiciar recursos educacionais e financeiros para o exercício desse direito (...)."

Foge ao nosso escopo a análise sobre a moralidade ou juridicidade do planejamento familiar. Concedemos, para fins de debate, que seja admissível pela lei positiva. O que nos causa estranheza é a ausência de qualquer comando que institua o dever do Estado de auxiliar financeiramente as famílias com muitos filhos, e sem recursos suficientes para sustentá-los, o que é próprio do Estado, por sua natureza mesma (além de manter a média demográfica, melhorar os males do sistema previdenciário, e assegurar trabalhadores ativos para a Nação). Ao lado disso, o Estado recebe da lei a tarefa de contribuir para o planejamento, que não é próprio do Estado, não pertence ao grupo de suas finalidades institucionais. Recursos financeiros gerados pelos tributos de todos – até de quem nada tem a ver com o problema – serão utilizados para a implantação de programa caracterizador da introdução do Estado em sociedade inferior, forçando de modo sutil – mesmo que o final do artigo proíba isso – a limitação da natalidade. Melhor seria o Estado, ao invés de meter-se onde não deve, fazer a sua função de auxiliar as famílias numerosas, tarefa que lhe é natural. Recursos para tal não seriam desvirtuamento de produto tributário, mas fruto da solidariedade entre os indivíduos – sentimento que é perigoso para o Estado total.
Notas

01 DI PIETRO, Maria Sylvia Zannella. Direito Administrativo, 15ª ed., São Paulo: Atlas, 2003, p. 69

02 cf. Catecismo da Igreja Católica, 1883

03 "Permanece, contudo, imutável aquele solene princípio da filosofia social: assim como é injusto subtrair aos indivíduos o que eles podem fazer com a própria iniciativa e esforço, para o confiar à coletividade, do mesmo modo passar para uma sociedade maior e mais elevada o que sociedades menores e inferiores, podiam conseguir, é uma injustiça, um grave dano e perturbação da boa ordem social. O fim natural da sociedade e da sua ação é coadjuvar os seus membros, e não destruí-los nem absorvê-los." (Sua Santidade, o Papa Pio XI. Encíclica Quadragesimo Anno, de 1º de maio de 1931, nº 79)

04 Sua Santidade, o Papa João Paulo II. Encíclica Centesimus Annus, de 1º de maio de 1991, nº 48

05Catecismo da Igreja Católica, 1885

06 cf. GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo Curso de Direito Civil, vol. 1 – Parte Geral, São Paulo: Saraiva, 2003, p. 283; AZEVEDO, Álvaro Villaça. Bem de Família, 4ª ed., São Paulo: RT, 1999, cap. 2

07 MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional, 13ª ed., São Paulo: Atlas, 2003, p. 44

08 "Segundo a ordem estabelecida por Deus, deve haver na sociedade príncipes e vassalos, patrões e proletários, ricos e pobres, sábios e ignorantes, nobres e plebeus, os quais todos, unidos por um laço comum de amor, se ajudam mutuamente para alcançarem o seu fim último no céu e o seu bem-estar moral e material na terra." (Sua Santidade, o Papa São Pio X. Motu Próprio Fin dalla Prima, de 18 de dezembro de 1903) "A igualdade entre os homens diz respeito essencialmente à sua dignidade pessoal e aos direitos que daí decorrer. (...) Quando nasce, o homem não dispõe de tudo aquilo que é necessário ao desenvolvimento de sua vida corporal e espiritual. Precisa dos outros. Aparecem diferenças ligadas à idade, às capacidades físicas, às aptidões intelectuais ou morais, aos intercâmbios de que cada um pôde ser beneficiar, à distribuição das riquezas. Os ‘talentos’ não são distribuídos de maneira igual. Essas diferenças pertencem ao plano de Deus; Ele quer que cada um receba do outro aquilo que precisa e que os que dispõem de ‘talentos’ específicos comuniquem seus benefícios aos que dele precisam. As diferenças estimulam e muitas vezes obrigam as pessoas à magnanimidade, à benevolência e à partilha (...)." (Catecismo da Igreja Católica, 1935-1937) "Segundo os ensinamentos do Evangelho, a igualdade dos homens consiste em que, cabendo a todos a sorte da mesma natureza, todos são chamados à dignidade altíssima de filhos de Deus, e também em que, havendo-se assinalado a todos um só e mesmo fim, todos hão de ser julgados pela mesma lei, para conseguir, segundo seus merecimentos, o castigo ou a recompensa. Entretanto, a desigualdade de direito e poder dimana do autor mesmo da natureza ‘de quem toda paternidade recebe seu nome no céu e na terra’ (Ef 3,15). Agora bem, de tal maneira se enlaçam entre si por mútuos deveres e direitos, segundo a doutrina e os preceitos católicos, as mentes dos príncipes e dos súditos que por uma parte se modera a ambição de mando, e por outra se faz fácil, firme e nobilíssima a razão da obediência." (Sua Santidade, o Papa Leão XIII. Encíclica Quod Apostolici Muneris, de 28 de dezembro de 1878)

09 DI PIETRO, Maria Sylvia Zannella. op. cit., p. 550

10 Ah!, se em vez de Marx conhecêssemos Santo Tomás...

FONTES:

http://jus.com.br/artigos/8389/aspectos-totalitarios-do-direito-civil-brasileiro/2#ixzz2jWSWTg9P

http://jus.com.br/artigos/8389/aspectos-totalitarios-do-direito-civil-brasileiro#ixzz2jWSK1Sun