Revelamos aqui as causas e efeitos da insegurança pública e jurídica no Brasil, propondo uma ampla mobilização na defesa da liberdade, democracia, federalismo, moralidade, probidade, civismo, cidadania e supremacia do interesse público, exigindo uma Constituição enxuta; Leis rigorosas; Segurança jurídica e judiciária; Justiça coativa; Reforma política, Zelo do erário; Execução penal digna; Poderes harmônicos e comprometidos; e Sistema de Justiça Criminal eficiente na preservação da Ordem Pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio.

domingo, 23 de junho de 2013

MOVIMENTO PASSE LIVRE SE INSPIRA EM ZAPATISTAS DO MÉXICO


Jovens que iniciaram protestos no país trocam experiências com exército pacífico indígena de Chiapas
TATIANA FARAH 
O GLOBO
Atualizado:23/06/13 - 9h53

Zapatista recebe bandeira de militante o MPL de Brasília no México, em 2007 Terceiro / Divulgação


SÃO PAULO — “Abajo y a la izquierda está el corazón”. A frase do subcomandante Marcos, do Exército Zapatista de Libertação Nacional, do México, embala o discurso do Movimento do Passe Livre (MPL), que deu início às manifestações pelo país, forçando a queda no preço das tarifas de transporte público. “Abaixo” estão os grupos marginalizados e as minorias, que o MPL chama de “os de baixo”. E “à esquerda”, o discurso anticapitalista. Formado por universitários da USP e trabalhadores da periferia, o movimento se intitula anticapitalista, apartidário, pacífico, autônomo e horizontal.

Alguns dos militantes do MPL, como Luiza Calagian, paulista de 19 anos, já atravessaram o continente para conhecer as comunidades zapatistas de Chiapas, que ganharam atenção mundial em 1994, quando os zapatistas baixaram as armas e passaram a negociar direitos indígenas com o governo mexicano pacificamente. Viraram exemplo para os novos movimentos sociais que se organizavam contra os efeitos da globalização.

Como os zapatistas, o MPL se difere dos partidos na forma horizontal de se organizar, em que tudo é decidido coletivamente. Não existem cargos nem líderes. Todos falam em nome do movimento. Nas ruas, não têm carro de som nem comício, para não ditarem o discurso dos “de baixo”.

“Podemos ser qualquer um de vocês”, diz estudante

“Marcos é um gay em São Francisco, um negro na África do Sul, um asiático na Europa, um chicano em San Isidro, um anarquista na Espanha...”. Nos anos 90, o subcomandante Marcos, o intelectual da Universidade Autônoma do México que se embrenhou pela selva de Chiapas para lutar com os indígenas, tornou-se quase uma lenda. Questionados sobre quem seria o subcomandante — “sub” porque o comandante são os índios, os zapatistas, que cobrem o rosto com máscaras —, respondem: “Todos somos Marcos”. No Brasil, o MPL tenta seguir por uma linha semelhante:

— Podemos ser qualquer um de vocês — diz Mayara Vivian, 23 anos, representante do movimento

Os militantes evitam falar de suas vidas e mal contam onde trabalham e estudam. Entre os que mais apareceram durante duas semanas de protestos, a maioria é estudante de Ciências Humanas da USP, com idades entre 19 e 23 anos. Marcelo Hotimsky, de 19 anos, que faz Filosofia, explica:

— Existe influência zapatista sobre os movimentos antiglobalização. Os zapatistas fazem parte de um processo histórico do qual a gente é fruto.

Apesar de terem sido praticamente expulsos da manifestação que eles mesmo convocaram, na quinta-feira, na Avenida Paulista, por apoiar a presença de partidos de esquerda e as bandeiras de movimentos sociais, os militantes do MPL dizem ser apartidários. Em reunião antes do protesto, vetaram a proposta dos partidos de usar um carro de som.

— Usamos a bateria nos atos, não o carro de som. Não queremos ditar discurso. São aspectos que nos diferem dos partidos políticos — diz Hotimsky.

Os partidos e movimentos sociais tradicionais são parceiros do Passe Livre em causas específicas, mas os militantes não fazem concessões quando esbarram em conflitos. Petista, o prefeito Fernando Haddad foi duramente criticado pelos jovens mesmo depois de baixar o preço da tarifa. Eles também não se responsabilizam pelas mobilizações na rua:

— A população tem capacidade de se organizar — defende Mayara.

O Exército Zapatista de Libertação Nacional nasceu em 1983 e atuou na clandestinidade, na Selva Lacandona, no México, até 1994. Depois de uma guerra sangrenta contra o Exército do governo, que durou 12 dias, o grupo guardou as armas. Seu discurso, com reverberação pela internet, despertou a atenção mundial — que vivia os primeiros momentos dos grupos contra a globalização — e continua atuando em Chiapas (T.F.)

DEMOCRACIA EM BUSCA DE UMA NOVA FÓRMULA

ZERO HORA 23 de junho de 2013 | N° 17470

LIÇÕES DO EXTERIOR

LÉO GERCHMANN

Manifestantes que tomaram as ruas de seus países antes de o mesmo ocorrer no Brasil veem tais episódios como uma oportunidade de aprimoramento democrático.

– As manifestações no Brasil são uma inspiração para todos os que lutam nas várias partes do mundo. Nós, do outro lado do oceano, não podemos deixar de ver com grande esperança o que se passa. É significativo ver que esta gente se junte para exigir um futuro melhor e, mais do que isso, um presente decente – diz o ativista português João Curvêlo.

Com a rejeição aos partidos políticos em geral, ao proselitismo e às coalizões feitas a partir da troca de interesses, mesmo que legítimos, o futuro da democracia está em discussão. As eleições que ocorreram após os protestos nos países europeus, por exemplo, tiraram do poder os governantes de turno, tanto à esquerda quanto à direita. Na Espanha, o socialista José Luiz Zapatero foi sucedido pelo conservador Mariano Rajoy. Na Grã-Bretanha o trabalhista Gordon Brown deu lugar ao também conservador David Cameron. Na França, Nicolas Sarkozy foi sucedido pelo socialista François Hollande.

Se o significado literal de democracia é “poder (kratos) do povo (demos)”, a interpretação do conceito varia. O ponto comum entre os analistas é que a democracia formal tem pilares básicos: eleições universais, liberdade de expressão e três poderes autônomos que atuam como pesos e contrapesos.

O cientista político argentino Gabriel Vitullo, entusiasta das manifestações, vê nelas, porém, a demonstração de que a “democracia liberal” (representativa) está no ocaso. E vê a abertura de “um novo tempo no Brasil, revelando um caldeirão fervente de poderosas insatisfações acumuladas”.

– Não há uma definição única de democracia. É um conceito em disputa. Mas questiono severamente a democracia liberal. A insatisfação já se mostrou na Espanha, em Portugal, na Turquia, agora no Brasil. Isso está vindo à tona agora. As pessoas não se sentem representadas. A democracia não pode se limitar ao voto. As liberdades são formais, e os movimentos sociais são criminalizados – afirma Vitullo.

Invenção de formas para participar mais

A democracia representativa (em que são votados representantes para um parlamento) surgiu como solução quando as populações cresceram. Na origem grega, era direta (as pessoas votam sobre temas na ágora). Representantes (parlamentares) começaram a ser eleitos para dar vazão às reivindicações. A questão é: a democracia pode ir além dos aspectos formais? O embaixador brasileiro Jorio Dauster vê no conceito de “democracia ideal” ou “democracia real” quase uma utopia.

– Isso pode existir em países com 3 milhões de habitantes e acesso universal à cultura e à informação. Talvez nos países escandinavos – cogita Dauster, embaixador do Brasil junto à União Europeia nos anos 1990 (durante o governo de Fernando Henrique Cardoso).

O espanhol Manuel Rodríguez vai direto ao ponto. Fala em “democratizar a democracia” e que é necessária a “invenção de fórmulas de participação política distantes dos mecanismos tradicionais”:

– Essa tensão atravessa os diferentes movimentos de indignados do planeta e molda suas demandas específicas em razão dos diversos contextos sociais e históricos, Tunísia, Egito, Espanha, Brasil, Turquia.

O português João Curvêlo, ao projetar um futuro para o Brasil pós-manifestações, prevê que os temas que estiveram na origem serão diversificados:

– Em Portugal, cerca de 1 milhão saíram às ruas. Foi histórico. Mas as reivindicações não se esgotaram. As pessoas perceberam que a austeridade só piorou a situação do país.



ESPANHA - A reação a cortes uniu correntes e criou pressão por constituinte

A QUEM INTERESSA O SILÊNCIO DOS JORNALISTAS?


ZERO HORA 23 de junho de 2013 | N° 17470


CARTA DA EDITORA | MARTA GLEICH


“Alguém deste jornal poderia me explicar por que o povo pode se manifestar em todas as ruas, só na Ipiranga que não?”, perguntou a leitora Solange Giacomini ao colunista Tulio Milman na sexta-feira.

Trechos da resposta do Tulio: “Não tenho nada contra qualquer manifestação aqui na frente. Ao contrário. Várias já aconteceram. Sei que a maioria iria se manifestar pacificamente. O problema é a minoria. A gente sabe, pelas redes sociais e pelas conversas, que tem alguns poucos querendo entrar, quebrar e machucar. Aqui no prédio de onde te escrevo tem centenas de trabalhadores. À noite, a Redação está cheia. E não tem como garantir que essa minoria não vai se aproveitar da maioria para quebrar e machucar. Te garanto que é por isso. A gente aqui sabe o que está acontecendo. A gente sabe dos protestos e de tudo o que eles representam. Muitos de nossos amigos, filhos e conhecidos estão também nas ruas. Mas com vida humana não se brinca. Tu, por exemplo, estás protestando com palavras. É um gesto inteligente e civilizado. Pena que uma minoria barulhenta e criminosa não pense como tu, como a maioria”.

Durante as últimas semanas, o país viveu uma onda crescente de manifestações nas ruas. Os motivos dos protestos foram das tarifas de ônibus ao dinheiro gasto para a realização da Copa do Mundo, da cura gay à PEC 37, da corrupção à falta de investimentos na saúde e na educação.

O que no início se configurou como uma vasta massa de manifestantes com causas legítimas e protestos pacíficos, virou. Nesta semana, a coisa mudou totalmente de figura, não só no Rio Grande do Sul, mas em todo o Brasil. Aproveitando-se da falta de líderes, grupos ultrarradicais de direita e de esquerda, incluindo-se aí anarquistas, punks, neonazistas, skinheads e outros, além de marginais interessados em saquear estabelecimentos comerciais, se infiltraram nas manifestações.

Conforme informações da segurança pública, esses grupos tinham como um dos alvos – entre outros tantos, que incluíam o Palácio Piratini, a Federasul, o Palácio da Justiça, a Ponte do Guaíba, a BR-116, o Paço Municipal – o prédio da Zero Hora. Não para um protesto pacífico e democrático como a grande massa estava promovendo nas ruas. Tanto é que, na quinta-feira, um coquetel molotov explodiu junto à polícia quase em frente ao prédio do jornal. E foi por isso que, segundo o governador Tarso Genro e o comandante da Brigada Militar, as vidas dos jornalistas que aqui trabalham foram protegidas.

Em momentos como o que se vive no Brasil, cria-se um caldo de cultura em que crescem tentativas de intimidação e coação à imprensa, uma das instituições que asseguram a democracia. Zero Hora, como maior jornal do Estado, virou alvo desses grupos ultrarradicais, que só enxergam a liberdade de expressão e de imprensa como obstáculos a suas causas.

A quem interessa calar a imprensa? A quem interessa inviabilizar um jornal e silenciar seus jornalistas? Zero Hora não é contra protestos ou críticas. Pelo contrário. Incentivamos o diálogo, a pluralidade de opiniões e os questionamentos a nosso trabalho.

Solange, obrigada pelo questionamento, que me deu a deixa para escrever esta carta. A ela e a todos os demais leitores, reitero o compromisso dos mais de 200 jornalistas desta Redação com a liberdade de expressão e o jornalismo de qualidade. É nosso papel, especialmente neste momento de turbulência e indignação dos brasileiros com tudo o que está errado, para que o saldo seja um país melhor.


COMENTÁRIO DO BENGOCHEA
- Jamais vou criticar a mídia, mesmo que por vezes seja maliciosa e cruel no trato das notícias, porque sei que também lá, como em qualquer organização, existem pessoas oportunistas e sem noção. O Grupo RBS tem dado mostra na maioria das vezes em suas reportagens investigativas, onde seus repórteres enfrentam o risco de morrer, que dão publicidade a atos corruptos, fraudes, desvios de dinheiro público, imoralidades e outras ilicitudes dentro dos poderes. E o mesmo ocorre nos grupos grupos de mídia. Por conta da coragem em dar publicidade às denuncias, quantos morreram, perderam o emprego ou foram calados por indenizações milionárias e injustas?

É por este motivo que sou leitor de Zero Hora, ouço a Radio Gaúcha e assisto notícias e debates nas emissoras de tv do grupo. Faço o mesmo com os demais veículos de comunicação de outros grupos, conforme a conveniência e o interesse. A alienação se combate com leituras de outros jornais e direitos com a justiça, mesmo que a nossa é lerda, condescendente e fraca no enfrentamento em ambientes que envolvem os altos cargos do Poder e grupos poderosos. Quem ataca a imprensa quer calar uma voz à disposição do povo, quem ataca a internet quer calar a classe média.

sexta-feira, 21 de junho de 2013

FIM DA LETARGIA

FOLHA.COM 20/06/2013 - 03h30

Ricardo Antunes


Nosso país esteve à frente das lutas políticas e sociais na década de 1980, conseguindo retardar a implantação do neoliberalismo no Brasil fazendo com que a chamada "década perdida" fosse, para os movimentos sociais e políticos populares, o seu exato inverso.

Nesses anos, floresceu um forte sindicalismo de oposição. As greves caminharam em sentido inverso às tendências regressivas presentes no mundo ocidental. Nasceram incontáveis movimentos sociais. Ampliou-se a oposição à ditadura militar. Desenhou-se uma Assembleia Nacional Constituinte e vivenciamos, em 1989, um processo eleitoral que dividiu o Brasil em dois projetos distintos.

A década seguinte foi avassaladora: neoliberalismo, reestruturação produtiva, financeirização, desregulamentação, privatização e desmonte. Quando ocorreu a vitória política de 2002, com a eleição de Lula, o cenário era profundamente diverso dos anos 1980. Como a história é cheia de surpresas, caminhos e descaminhos, a eleição de 2012 acabou por se converter na vitória da derrota.

Oscilando entre muita continuidade com o governo de FHC e pouca mudança, mas nenhuma com substância, o primeiro mandato de Lula terminou de modo desolador, o que o obrigou a fazer mudanças de rota, sempre com muita moderação e nenhuma confrontação. Bolsa Família e altíssimos lucros bancários; aumento do salário mínimo e enriquecimento crescente no topo; nada de reforma agrária e muito incentivo ao agronegócio.

O nosso homem duplicado renasceu das cinzas em seu segundo mandato. Terminou o governo em alta: ao mesmo tempo em que fez seu sucessor, desorganizou a quase totalidade do movimento opositor. Era difícil opor-se ao ex-líder metalúrgico, cuja densidade fora solidamente construída nos anos 1970 e 80.

Quem se lembra de sua situação em 2005, atolado no mensalão, e dele se recorda no fim do seu mandato, em 2010, sabia que estava à frente de uma variante de político dos mais salientes. Se Dilma, sua criatura política --uma espécie de gestora de ferro-- soube vencer as eleições, pudemos aqui, neste mesmo espaço, lembrar que algo maior lhe faltava: a densidade social, que sobrava em Lula.

Com paciência, espírito crítico e muita persistência, os movimentos populares haveriam de superar esse difícil ciclo. Acabariam por perceber que, para além do crescimento econômico, do mito falacioso da "nova classe média", há uma realidade profundamente crítica em todas as esferas da vida cotidiana dos assalariados. Na saúde pública vilipendiada, no ensino público depauperado, na vida absurda das cidades, entulhadas de automóveis pelos incentivos antiecológicos do governo do PT. Na violência que não para de crescer e nos transportes públicos relativamente mais caros (e precários) do mundo.

Na Copa "branqueada" sem negros e pobres nos estádios que enriquecem construtoras e que, no caso do Engenhão, está desmoronando; nos assalariados que se endividam no consumo e veem seus salários se evaporar; no fosso colossal existente entre as representações políticas tradicionais e o clamor das ruas. Na brutalidade da violência da Polícia Militar de Alckmin e Haddad. Isso ajuda a compreender por que o movimento pelo passe livre encontra tanta acolhida na população. Estamos só começando.



RICARDO ANTUNES, 60, é professor titular de sociologia na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e autor de "Riqueza e Miséria do Trabalho no Brasil, Vol. II" e "Os Sentidos do Trabalho"

domingo, 16 de junho de 2013

MUITO ALÉM DAS PASSAGENS DE ÔNIBUS

ZERO HORA 16 de junho de 2013 | N° 17463

PÁGINA 10 | ROSANE DE OLIVEIRA


No começo, era o aumento da passagem de ônibus, que nos anos anteriores era reajustada durante as férias, mas, em 2013, foi elevada apenas em março em Porto Alegre. Combinados pelas redes sociais, os protestos pareciam fadados a dar em nada, já que a prefeitura e as empresas de ônibus alegavam que era impossível cobrar menos do que R$ 3,05. Mas eis que um juiz concedeu liminar em ação movida pelos vereadores Pedro Ruas e Fernanda Melchionna (PSOL) e a tarifa voltou paraR$ 2,85. Os protestos continuaram, se espalharam pelo Brasil e já não se restringem ao transporte coletivo.

Fica mais complexo interpretar esse movimento pelo fato de não ter um comando único e porque os jovens defendem outras causas além da passagem mais barata. Essa é a principal diferença entre as manifestações de agora e as do tempo da ditadura: não existe um inimigo comum, que possa ser sintetizado em slogans como “Abaixo a ditadura” ou, como nos anos 1980, “Fora FMI”. Tampouco se assemelha ao “Fora Collor”, que mobilizou multidões de caras-pintadas em 1992. No Brasil, ninguém está tentando derrubar um governo, como era o objetivo das manifestações na Primavera Árabe.

O transporte coletivo é, ao mesmo tempo, o foco e o pretexto para protestar contra outros incômodos – da homofobia à má qualidade dos serviços públicos, passando pelos gastos com a Copa do Mundo e tudo o que se faz em nome do mundial, incluindo o corte de árvores para o alargamento de vias.

Os governantes, que em sua maioria lutaram contra a ditadura, mostram-se incapazes de dialogar com essa massa de rebeldes sem líderes aparentes. A mídia e a polícia têm dificuldade para separar os bem-intencionados dos arruaceiros que se infiltram nas passeatas e praticam atos de vandalismo por achar que é legítimo incendiar, pichar, quebrar vidros e chutar carros.

O prefeito de São Paulo, Fernando Haddad, é um exemplo dessa dificuldade. Depois de dizer que não negociaria, teve de voltar atrás e chamou os manifestantes para conversar. José Fortunati sentiu a pressão das ruas e não recorreu da decisão judicial. De certa forma, lavou as mãos.

RESPEITEM A HISTÓRIA

ZERO HORA 16 de junho de 2013 | N° 17463

Percival Puggina*


Durante a maior parte do século 20, as organizações comunistas sequer cogitavam tomar o poder por outro modo que não a luta armada. A dúvida era sobre onde começá-la. No campo ou na cidade? Marx, com aquela segurança de quem julga conhecer tanto o futuro, que o descreve como déjà vu, previra o protagonismo do operariado. Os fatos, também nisso, o desmentiram. Era no campo que as coisas aconteciam numa época em que aqueles movimentos não apostavam no carteado do jogo democrático. Aliás, abominavam-no. A ditadura do proletariado exigia virar a mesa e sair no braço. Por isso, desde os anos 20, planejavam e ensaiavam levantes armados. A sirene de alarme disparou mais intensamente, no Brasil, nos anos 60, quando Fidel passou a exportar revolução. Desde então, a Guerra Fria ferveu em todos os países da região. Respirava-se revolução. Março de 1964 teve tudo a ver com isso.

Na Europa e nos Estados Unidos, a Guerra Fria se travava entre dois lados. EUA versus URSS. Pacto de Varsóvia versus Otan. Na América Latina, era pior. Era ebulição interna, fervente, no âmbito de cada país. Dê uma pesquisada na rede, leitor, e encontrará o que vários historiadores comunistas escreveram sobre aquele ânimo revolucionário. Afirmar que a esquerda foi às armas como reação à repressão inverte as relações de causa e efeito.

Os crimes cometidos pelas partes – violência, tortura, “justiçamentos”, terrorismo, sequestros, abusos de poder e o empenho em preservá-lo por duas décadas, constrangem e revoltam. É história triste. Passado que não se pode mudar. Cabe aos pesquisadores, historiadores, jornalistas, com irrestrito acesso aos documentos, escrever essa história conforme cada um a sentir, compreender e interpretar. Mas é certo: tivessem os comunistas vencido, as 356 mortes de militantes e as 120 por eles causadas seriam multiplicadas por milhares.

A ideia de instituir uma Comissão da Verdade para “efetivar o direito à memória e à verdade histórica e promover a reconciliação nacional” é disparate. Primeiro: porque a verdade não é coisa que se prometa entregar pronta e encadernada. É algo que se busca. A garantia de encontrar, portanto, é charlatanice. Segundo: porque conceder a uma só pessoa, a presidente Dilma, o poder de escolher, a ponta de dedo e caneta, seus sete auditores da História, empregando-os a soldo na Casa Civil, é – isto sim! – medo da verdade. Terceiro: porque aceitar tão unilateral encargo, assumindo-se como caminho, verdade e vida para os anais da História, vale por confissão de falta de princípios. É emprestar o nome para uma farsa, em troca de dois vinténs de fama e contracheque. Quarto: por fim, o que menos interessa à Comissão é reconciliação. Reconciliação quem fez foi a festejada Anistia. Ampla, geral e irrestrita.

Nossos governantes não incluem a verdade na lista de seus amores. A evidência dispensa prova. Preferem encomendar versões. Nada sabem sequer do que fazem. Ignoram a verdade sobre o tempo presente e tratam de transfigurá-la no próprio passado. Com História não se brinca! Menos ainda se põe sob o braço e se sai andando com ela por aí, como se fosse coisa da gente. Não é. É História. Ponto. A nenhum partido político, a nenhum comissariado ou comissão é dado oficializá-la ao gosto ou usá-la como serventia. Ela não se presta, saibam, para transformar bandidos em heróis nem doutrinas totalitárias em faróis da democracia e do humanismo.


*ESCRITOR

sábado, 15 de junho de 2013

JUNTOS.ORG.BR

REVISTA VEJA Blog Reinaldo Azevedo, 15/06/2013

Descoberta a origem de mais um grupo que ajuda a tocar o terror em São Paulo. Vejam! Ou: Eles trocaram Marx por uma mistura de Lafargue com Bakunin!

Ai, ai… As coisas vão ficando cada vez mais divertidas. Nos distúrbios de rua, especialmente em São Paulo, a gente nota a presença ostensiva de bandeiras amarelas. Vejam.





Há ali a assinatura de um “movimento”, que tem página na Internet: chama-se “Juntos”. O endereço é juntos.org.br. Mais uma vez, fui fazer a divertida brincadeira de saber quem e o dono do registro. Tchan, tcha, tcham!



Sim, trata-se de Luciana Genro, militante do PSOL, filha do governador do Rio Grande do Sul, Tarso Genro (PT). Ela anda um tanto afastada da política por razões de saúde, mas o vereador Pedro Ruas, de Porto Alegre, dá toda força à turma e a substitui com sobras. O “Juntos” é uma espécie de movimento social do PSOL. No “Quem somos”, eles se revelam (em vermelho):

“Juntos! é um movimento nacional de juventude. Surgiu no início de 2011 em São Paulo e vem conquistando a simpatia de jovens de todo o Brasil. Surgimos em um novo momento no mundo. O mar da história está agitado, já diria Maiakovski. Representamos uma nova geração de lutadores dispostos a construir um mundo radicalmente novo. Juntos! é a juventude em movimento pela educação de qualidade, em defesa do meio ambiente, contra o preconceito e por uma sociedade com igualdade e liberdade para todos.

Juntos! construímos o nosso I Encontro Nacional que deu o ponta-pé inicial pra nossa empreitada de organizar as lutas onde quer que estejam.

Juntos! é a juventude dos indignados: dos tunisianos, egípcios, espanhóis, chilenos. Somos aqueles que estão sem emprego, sem educação, sem cultura, sem casa, mas também sem medo de lutar! Somos aqueles que estão em defesa da Amazônia nos atos contra a construção de Belo Monte e contra o novo código (anti-)florestal! Somos aqueles que estão nas lutas contra toda forma de preconceito, seja de genêro, etnia, idade, credo. Somos aqueles que estavam nas Marchas da Liberdade, das Vadias, no #ForaRicardoTeixeira, contra a corrupção, nas paradas LGBT. Somos aqueles que #TomamosAsRuas e lutamos por uma #DemocraciaRealJá!

Voltei

Como se vê, para que alguém pertença ao “Juntos”, basta que tenha uma causa, qualquer uma, e que se indigne com alguma coisa. Boa parte dos “revolucionários” modernos, estes que promovem a baderna em várias cidades brasileiras, com destaque para São Paulo e Rio, não têm mais, a exemplo de seus congêneres do passado, Karl Marx como referência. O marxismo, já afirmei aqui algumas vezes, é difícil. A leitura da teoria propriamente dita é chata. É diferente do Marx divertido de “O 18 Brumário” ou de “A Ideologia Alemã” — ainda assim, também esses livros são ignorados.

A “moçada” que está nas ruas tem pressa demais para se ater a textos de referência. Bastam-lhes as opiniões dos amigos no Facebook e algumas irresponsabilidades daquele professor “bacana” de história que os incita ao ativismo. Teoria pra quê? Mesmo os vermelhos que tentam organizar a turma (PSOL, PCO e congêneres), lembrou um amigo ao telefone nesta sexta, estão menos para Marx do que para uma mistura, assim, de Paul Lafargue, que escreveu um panfletozinho chamado “O Direito à Preguiça”, com Bakunin, o anarquista. Ao mesmo tempo em que parecem rejeitar o estado, exigem que ele se comporte como o grande provedor. Tempos de obstipação ideológica!

Tenho combatido, desde o primeiro dia, como evidenciam os textos que estão em arquivo, certo esforço que anda por aí de emprestar aos violentos distúrbios de rua — promovidos principalmente por jovens de classe média alta (as roupas o denunciam) — um alcance mais profundo, como se fossem eventos da superfície a denunciar um movimento de placas tectônicas da sociedade brasileira. Será mesmo?

São Paulo tem 11,5 milhões de habitantes; o Rio, 5,5 milhões. O movimento contra o reajuste da passagem de ônibus deve ter reunido pouco mais de 5 mil pessoas na primeira cidade — 0,05% da população — e de 2 mil na segunda: 0,04%. É mais do que o suficiente para provocar o caos. Aliás, a depender da leniência da polícia ou da violência dos que protestam, dá para provocar um desastre na cidade com muito menos gente do que isso. Basta que dois ou três malucos resolvam se deitar no meio da avenida, sem que ninguém os tire de lá, e pronto!

Mas por que o transporte virou uma espécie de fetiche? Por que essa luta “pegou” — ainda que nesse universo restrito de uns poucos milhares numa cidade de muitos milhões — e conta, segundo pesquisas, com o apoio de boa parte da população. Porque, se formos pensar, de todos os serviços públicos, é aquele cujo pagamento é mais visível. É diário — ainda que não forma de cartão. E também é o que rende menos satisfação. A educação pública até o ensino médio é uma lástima, mas é gratuita. A saúde, idem, idem. Boa ou má, não se paga de modo perceptível por segurança pública. Há outros serviços oferecidos por concessionárias que causam satisfação imediata: é o caso da energia elétrica ou da telefonia. Mesmo havendo reclamações às pencas, o fato é que o serviço está disponível na esmagadora maioria das vezes.

Com o transporte público, a coisa é diferente. O serviço nas grandes cidades é mesmo precário, ainda que tenha melhorado muito (falo de São Paulo, que conheço) nos últimos 20 anos. Tanto é um ponto nevrálgico que Fernando Haddad transformou a questão numa bandeira de campanha. E foi eleitoralmente bem-sucedido. Que o seu “bilhete mensal” fosse só uma tramoia de marketing, isso era evidente. Bastava refletir um pouco. Mas a tese seduziu muita gente, especialmente jornalistas. Assim, é fácil entender que um movimento que se oponha à elevação do preço da passagem — e que prega, na verdade, tarifa zero — conte com a simpatia de muita gente.

Nada de bom

Não há nada de bom, reitero o que escrevi na manhã de ontem, nesse movimento. Ao contrário. Assistimos ao casamento do estado-babá com o estado prevaricador. Os “lafarguistas” brasileiros estão tentando transformar num valor, numa cláusula pétrea do caráter nacional, o “direito à preguiça”, ao “almoço grátis”. Querem que o estado forneça de camisinha a aborto, tudo graciosamente — tratar-se-ia, asseguram, de “direitos”. E tem sido esse o mais permanente sinal das ditas políticas de inclusão social, que tendem a criar, dada a forma como se exercem, clientelas políticas. E qual a causa da violência? Ora, a experiência indica que os “oprimidos” — ou aqueles que falam em seu nome — têm assegurado o direito à transgressão. Não tem sido assim com o MST e com os índios, por exemplo?

Mas vai mudar

A partir de segunda, no entanto, a pauta deve sofrer uma torção. O PT decidiu aderir às manifestações de rua, mudando a sua agenda, que é ruim para Fernando Haddad. Em vez de protesto contra a elevação da tarifa, os alvos serão a Polícia Militar e o governo de São Paulo.

Ontem, a vastíssima rede do PT na Internet, incluindo os blogs e sites sujos financiados pelo governo federal, por gestões petistas e por estatais, entraram firme no apoio ao protesto de segunda. O PT tem experiência nisso. Sua ala sindical deve ir à rua, inclusive para tentar impedir que a coisa degenere para a violência.

Ingênuo ou espontâneo, esse movimento nunca foi, como este post prova mais uma vez. Ele só se dava um tanto à margem do petismo. Mas, agora, o partido decidiu deglutir o processo.

Por Reinaldo Azevedo

USO DA FORÇA EM PROTESTOS NÃO É ILEGÍTIMO NEM, AUTORITÁRIO

REVISTA VEJA - 15/06/2013 - 08:34

É provável que investigação da PM traga à tona erros cometidos na operação montada para conter protestos em São Paulo. Mas exageros e erros não devem colocar em xeque o direito e o dever policial de zelar pela ordem


Polícia tenta impedir que os manifestantes ocupem a Avenida Paulista - Eduardo Biermann

Na manhã desta sexta-feira, o secretário de Segurança Pública de São Paulo, Fernando Grella Vieira, autorizou o início de uma investigação para averiguar se houve excessos da PM durante a última passeata do Movimento Passe Livre na capital do estado. É provável que a investigação da Corregedoria da PM traga à tona erros cometidos na operação para conter e dispersar os manifestantes. Na internet espalham-se imagens de pessoas que alegam ter sido agredidas de maneira arbitrária. Notoriamente, há déficits no treinamento dos policiais brasileiros. Uma análise não muito profunda dos confrontos de quinta-feira mostra que não foram seguidas à risca diversas recomendações do Código de Conduta para Agentes de Segurança Pública das Nações Unidas, uma espécie de código internacional para ações policiais durante manifestações públicas. Isso não significa, no entanto, que tenha sido ilegítima a ação da PM na marcha de São Paulo. É uma questão de princípios. “No Estado de Direito, a Polícia tem autorização para usar a força a fim de garantir a ordem e a segurança”, diz Maria Stela Grossi Porto, socióloga e membro do Núcleo de Estudos sobre Violência e Segurança da Universidade de Brasília. "Mais ainda, o uso da força é monopólio dela."

A tentativa de fazer da ação da PM um exemplo de autoritarismo comparável à repressão dos tempos de regime militar no Brasil, ou à ação das polícias de regimes ditatoriais, é um evidente absurdo, uma vez que o país não vive um regime de exceção. Mais razoáveis seriam comparações com embates ocorridos nos Estados Unidos e na Europa - ou seja, em nações democráticas - em anos recentes. Londres, Madri, Nova York, Toronto são apenas algumas das metrópoles que foram palco de choques entre a polícia e ativistas inspirados por ideais não muito diferentes daqueles abraçados por quem protesta em São Paulo - a rejeição ao "sistema", em algum de seus aspectos particulares ou de maneira genérica.

Em novembro de 2011, por exemplo, durante a desmonte dos acampamentos de manifestantes do Ocupe Wall Street, em Nova York, ao menos 300 pessoas foram presas. Houve uma larga discussão sobre "uso abusivo da força" e dois oficiais se tornaram emblemas desse hipotético excesso, pelo uso indiscriminado de spray de pimenta. Eles foram submetidos a sindicâncias e punições, mas nenhum deles sofrera uma ação criminal, como foi decidido em meados de abril deste ano. Em reportagem sobre o caso, o jornal The New York Times ouviu um especialista em direito penal que ressaltou a dificuldade em se processar policiais envolvidos em situações "caóticas" como a de uma manifestação de rua. "Seria preciso provar, para além de qualquer dúvida razoável, que o polícial usou a força em total desacordo com as suas atribuições", disse o ex-promotor Thomas J. Curran. "Ocorre que o uso da força é parte das suas atribuições." Quando posta em movimento, nenhuma polícia é angelical.


Uso da força — “É muito tênue o limite do que é legítimo e do que não é em situações de multidão", diz Maria Stela Grossi Porto. "Os casos precisam ser sempre analisados individualmente.” Os possíveis exageros e erros da quinta-feira não devem, portanto, colocar em xeque o direito e o dever policial de zelar pela ordem durante uma passeata. A sua presença é a única maneira de garantir a segurança dos transeuntes, do patrimônio público e, em certas circunstâncias, até mesmo dos manifestantes — uma vez que as marchas costumam reunir um público heterogêneo, como sem dúvida foi o caso nos últimos dias em São Paulo. Isso não está em contradição com a necessidade - também ela permanente - de aprimorar e "civilizar" as forças policiais.

Num ato de rua, ditam os protocolos, a polícia deve seguir três passos: esclarecimento, contenção e repressão. Num primeiro momento, há que se coletar informações sobre o movimento e negociar locais e itinerários com os manifestantes. Isso foi feito na quinta-feira em São Paulo, e um dos motivos da situação ter fugido ao controle foi a tentativa de alguns líderes da passeata de mudar o trajeto combinado e furar ou contornar o bloqueio policial. A fase de contenção é preparada para quando a manifestação pode evoluir a um tumulto. Nessa situação, a tropa de choque se posiciona de maneira ostensiva para tentar dissuadir os manifestantes. Entre esse momento e os primeiros atos de repressão, uma série de medidas dissuasórias deve ser empregada.

Segundo José Inácio Cano, do Laboratório de Análise de Violência da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), reclamações sobre o uso abusivo da força policial durante manifestações são comuns no mundo todo. “É importante que fique claro apenas uma questão: a primeira abordagem policial tem de ser sempre pacífica, a tentativa de ganhar os manifestantes pela conversa, pela negociação.” Um histórico de manifestações anteriores não deve justificar ações açodadas. “A polícia não pode dar início a uma ação repressiva com base em algo anterior. Assim como tem o direito de usar a força, o policial é profissional e deve ser treinado para não agir no impulso.”

(des)preparo — “O policial precisa ser mais bem treinado, precisa de educação continuada e de socialização. Infelizmente, isso ainda não atinge aquele policial que está na linha de frente”, diz Maria Stela. Uma medida relativamente simples de aprimoramento, testada em outros países e ainda de maneira incipiente no Brasil, é a criação de relatórios diários. Em linhas gerais, isso significa que o policial, após um dia de trabalho, deve relatar por escrito o que aconteceu e como atuou em cada ocorrência. “Esse é um caminho eficiente, usado em países estrangeiros, para que o policial reflita sobre seus atos e tenha um retorno sobre se agiu, ou não, corretamente.”

Recomendações da Anistia Internacional

Facilite manifestações públicas pacíficas

É direito legítimo das pessoas se manifestarem publicamente. A função da polícia é facilitar e não coibir a marcha. Em casos de manifestações não violentas, mesmo aquelas que não respeitem às leis, a polícia deve evitar o uso da força. Se inevitável para assegurar a segurança, deve-se usar o mínimo de força necessária.

Proteja manifestações pacíficas

Violações menores da lei, como pequenos danos à propriedade, devem ser investigadas e, eventualmente, responsabilizadas. Elas não devem, entretanto, levar à dispersão da manifestação. A decisão de se dispersar a marcha deve ser tomada com base em princípios de necessidade e proporcionalidade — apenas quando não há outra maneira de se proteger o público de uma onda de violência eminente. Em locais onde minorias tentam transformar uma manifestação pacífica em violenta, os policiais devem proteger os manifestantes pacíficos.

Reduza situações de tensão e violência

A comunicação com a organização do movimento deve criar um vínculo de compreensão mútua e prevenir a violência. Em locais nos quais casos de violência são muito prováveis, a comunicação se torna ainda mais importante. Quando a decisão de dispersar a multidão é tomada, essa ordem deve ser claramente comunicada e deve-se dar tempo suficiente para as pessoas se dispersarem.

Use a força policial apenas para manter a lei

A força não deve ser usada para punir participantes que não cumpriram ordens ou contra aqueles que simplesmente participam da manifestação. Prisões devem ser feitas de acordo com os procedimentos previstos em lei, e não devem ser usadas como mecanismo para evitar a participação na marcha ou como punição.

Minimize os danos, preserve e respeite a vida e proteja aqueles não envolvidos

Armas de fogo não devem ser usadas para dispersar uma multidão. Cassetetes e armas de baixo impacto não devem ser usadas contra pessoas que não são agressivas ou que não apresentam ameaça. Quando o uso dessas armas for necessário, os policiais não devem causar sérios ferimentos e evitar lesionar partes vitais do corpo. Produtos químicos irritantes, como gás lacrimogênio, não devem ser usados em ambientes fechados ou de uma maneira que possa causar danos permanentes.

Seja responsável com a população e o judiciário

Qualquer uso de força durante uma manifestação deve ser motivo de análise e, quando apropriado, de sanções disciplinares e criminais. Reclamações contra a polícia devem ser investigadas de maneira imparcial.

ESPIONAGEM NO PORTO

REVISTA VEJA, 15/06/2013 - 14:39


Disfarçados de portuários, quatro agentes da Abin - o serviço secreto do governo - foram presos sob suspeita de bisbilhotar a vida do governador Eduardo Campos, pré-candidato à Presidência da República

Hugo Marques e Rodrigo Rangel


Dilma Rousseff e Eduardo Campos: Abin em ação para coletar informações que pudessem ser utilizadas contra a campanha presidencial do governador de Pernambuco (ABR/Hans Von Mante Uffel)

Ecolossal o esforço do governo para impedir que decolem as candidaturas presidenciais do governador de Pernambuco, Eduardo Campos (PSB), e da ex-senadora Marina Silva (sem partido). Nos últimos meses, a presidente Dilma Rousseff reacomodou no ministério caciques partidários que ela havia demitido após denúncias de corrupção, loteou cargos de peso entre legendas desgarradas da base aliada e pressionou governadores do próprio PSB a minar os planos de Campos. Sob a orientação do ex-presidente Lula, Dilma trabalha para montar a maior coligação eleitoral da história e, assim, impedir que eventuais rivais tenham com quem se aliar. A maior parte dessa estratégia é posta em prática à luz do dia, como a volta dos “faxinados” PR e PDT à Esplanada, mas há também uma face clandestina na ofensiva governista, com direito a espionagem perpetrada por agentes do estado. Um dos alvos dessa ação foi justamente Eduardo Campos, considerado pelo PT um estorvo à reeleição de Dilma pela capacidade de dividir com ela os votos dos eleitores do Nordeste, região que foi fundamental para assegurar a vitória da presidente em 2010.

O Porto de Suape, no Recife, carro-chefe do processo de industrialização de Pernambuco, serviu de arena para o até agora mais arrojado movimento envolvendo essa disputa pré-eleitoral. No dia 11 de abril, a Polícia Militar deteve quatro espiões da Agência Brasileira de Inteligência (Abin) que fingiam trabalhar no local, mas há semanas se dedicavam a colher informações que pudessem ser usadas contra Campos. A Secretaria de Segurança Pública estadual já monitorava os agentes travestidos de portuários fazia algum tempo. Disfarçados, eles estavam no estacionamento do porto quando foram abordados por seguranças. Apresentaram documentos de identidade falsos e se disseram operários. Acionada logo depois, a PM entrou em cena. Diante dos policiais, os espiões admitiram que eram agentes da Abin, que estavam cumprindo uma missão sigilosa e pediram que não fossem feitos registros oficiais da detenção.

O AUTORITARISMO NÃO PODE PREVALECER

REVISTA ISTO É N° Edição: 2274 14.Jun.13 - 20:45




Carlos José Marques, diretor editorial


Após décadas de apatia e ausência de protestos da sociedade diante dos mais variados atentados à cidadania – da violência urbana à imoralidade política –, eis que o País assiste a uma retomada, com força e de maneira disseminada em vários Estados, dos movimentos sociais. 

Talvez pela pouca prática dos últimos anos e pela falta de tarimba de seus participantes – muitos deles estudantes, meros trabalhadores que reclamam inclusive do aumento do preço da passagem de ônibus, do custo de vida, da crise na saúde, etc. –, eles extrapolaram, acabaram levados por pequenos grupelhos de agitadores e muitas vezes descambaram para o vandalismo condenável e fora de controle. 

Os gritos das ruas de agora trazem, de qualquer maneira, o mesmo e irrefreável ímpeto libertário que embalou gerações e gerações de inconformados lá atrás, no Brasil e no mundo, e que deram margem para que, em alguns casos, autoridades despreparadas e sedentas de poder aproveitassem para adotar a repressão extrema e a supressão até das liberdades individuais. 

Nos protestos da semana passada, mais uma vez a resposta oficial aos manifestantes foi desmedida e fora de propósito. Policiais de cassetete na mão, montados em cavalaria e armados com balas de borracha, atacaram e avançaram sem dó contra a turba, deixando centenas de feridos, física e moralmente. 

Não devemos ser tolerantes e coniventes com a repressão em nenhum estágio possível, por menor que ela esteja, como também não podemos ser indulgentes com a violência sem propósito, seja de que lado for. A sociedade brasileira já viveu, da pior maneira, os reflexos negativos e danos provocados pelos anos de chumbo de uma ditadura militar que limitou todos os direitos – inclusive o mais elementar que é o do protesto. 

Aceitar o retorno desse estado de coisas é inaceitável. A democracia é naturalmente movida por ações reivindicatórias do povo. Tolher esse espírito é um ato tirânico cujas consequências ninguém quer assistir de novo.

DO SONHO AO VANDALISMO E À BRUTALIDADE

REVISTA ISTO É N° Edição: 2274 | 15.Jun.13 - 17:42

Manifestantes de movimentos sociais voltam às ruas das grandes capitais e são reprimidos com uma truculência injustificável e desproporcional, que não é vista desde os tempos da ditadura

por Paulo Moreira Leite



PRAÇA DE GUERRA
Na quinta-feira 13, PM cerca manifestantes na rua da Consolação, em São Paulo,
que protestavam pacificamente e usa balas de borracha e bombas de gás lacrimogêneo

Num país onde é frequente ouvir-se a queixa de que a sociedade sofre de profunda apatia, mostrando-se incapaz de mobilizar-se para defender seus interesses e encarar seus problemas de frente, a mobilização social de uma massa de estudantes e jovens trabalhadores de São Paulo deveria ser saudada como um exemplo de cidadania. Após quatro dias de protestos, contudo, surgiu em São Paulo uma situação hostil, assustadora e perigosa. Incapaz de atuar de forma preventiva, controlando as manifestações com métodos civilizados e fazendo uso consciente e responsável da força quando necessário, na última quinta-feira 13 a Polícia Militar de São Paulo retornou aos piores momentos de seu passado, quanto reprimia a população sob o regime militar para acuar e atacar militantes. Em meio à pancadaria, ocorreram 325 prisões e 105 pessoas ficaram feridas. Manifestantes foram alvejados com balas de borracha, bombas de gás e perseguidos pelas ruas da região central até tarde da noite. Atacados seletivamente, vários jornalistas acabaram feridos. Um deles, atingido no olho por um projétil emborrachado, corre o risco de perder a vista.

O retorno da Polícia Militar a sua face mais violenta ocorreu num dia que até prometia uma jornada de calmaria. Num esforço para evitar a confusão da quarta-feira 12, quando 97 ônibus foram depredados, dezenas de vitrines foram quebradas e até um policial correu o risco de ser linchado, numa sucessão de atos condenáveis promovidos por baderneiros mascarados, infiltrados entre os manifestantes, autoridades e ativistas fizeram um acordo para realizar uma passeata em percurso autorizado. Já no início da tarde, no entanto, se viu que nem todas as partes pretendiam cumprir o combinado.


PARIS, 1968 Havia confrontos e o desejo de mudar o mundo


SÃO PAULO, 11/06/2013, baderneiros se aproveitam
de movimento para depredar patrimônio público e privado


SEM COMANDO
Policial lança gás de pimenta contra cinegrafista no centro de SP

Numa concentração marcada para o Teatro Municipal, que pretendia arregimentar quem estava interessado em participar do protesto autorizado, a polícia dava uma demonstração de desenvoltura excessiva ao realizar 40 prisões “para averiguações”, eufemismo clássico para atos abusivos .“Quando fui perguntar por que dois conhecidos estavam sendo detidos, me advertiram: ‘Não faz muitas perguntas se não levamos você também,” conta o professor Lucas Oliveira, 28 anos, um dos porta-vozes do Movimento Passe Livre, entidade que cumpre, na luta por melhorias no transporte público, um papel semelhante ao que o MST assumiu na luta pela reforma agrária. Horas mais tarde, perseguido pela tropa de choque quando liderava uma passeata em outro ponto da cidade, Lucas Oliveira teve a canela ferida por uma bomba, sendo levado a um pronto-socorro.

Falta ação da polícia para reprimir o crime, mas sobra
força para repreender a população de forma arbitrária


Apesar destes percalços, o acordo parecia de pé. Tanto que a passeata autorizada realizou-se sem maiores atropelos, na área demarcada. Mais tarde, quando a caminhada atingia a rua da Consolação, ocorreu um episódio que faz parte do figurino de todo ato de protesto que se preze. Depois de cumprir o combinado, tentou-se ir mais além. Não é uma demonstração de cavalheirismo, nem de amor a palavra empenhada, mas faz parte do jogo tanto por parte de quem organiza protestos como de quem presta serviços policiais. A faísca acendeu ali. A PM poderia ter assumido duas atitudes razoáveis. Manter a avenida bloqueada, impedindo que a marcha seguisse em frente, nem que fosse preciso pedir reforços. Ou poderia, num ato de insólita cortesia, abrir passagem para os manifestantes. Não se fez uma coisa nem outra. Quando lideranças do movimento tentavam negociar uma nova autorização, soldados da Tropa de Choque começaram os disparar tiros com balas de borracha. Bombas e até granadas foram atiradas sobre os manifestantes, que se dispersaram em correria pela rua mais célebre da boemia de São Paulo, a Augusta, onde foram atacados mais uma vez. Num esforço repetido de concentração e dispersão, sempre com policiais em seu encalço, a passeata seguiu em grupos menores, até tarde da noite. Ainda em atividade, a polícia importunou casais de namorados em bares da avenida Paulista. Passageiros de um ônibus foram atingidos por uma bomba de gás. Motoristas abandonaram os carros nas ruas, assustados. Num reflexo típico de tempos autoritários, a PM investiu com dureza seletiva sobre jornalistas presentes. A fotógrafa Giuliana Vallone, da Folha de S. Paulo, tomou um tiro de bala de borracha no olho. Outro fotógrafo também foi alvejado com maior periculosidade e na sexta-feira 14 corria o risco de perder uma vista.

...Enquanto isso, em Paris


Em meio à crise nas ruas, o prefeito paulistano Fernando Haddad, o vice-presidente
Michel Temer e o governador de São Paulo, Geraldo Alckmin,
encontravam-se em Paris na terça-feira 11 em solenidade

Com tamanha brutalidade, a atuação da Polícia Militar ameaça dar um novo caráter à luta contra o reajuste da passagem. Mobilização realizada em nome de uma reivindicação social legitima, que deve ser discutida de forma civilizada e a partir de argumentos racionais, a repressão coloca em pauta o direito de cada cidadão pela liberdade de defender seus interesses. Conflitos políticos que fogem dos padrões da boa educação confundem o raciocínio e costumam ser avaliados mais pela coreografia do que pela substância. A passagem de ônibus teve um reajuste de 6,7% contra uma inflação de 15% desde o último aumento, de janeiro de 2011. O reajuste pode parecer razoável no visor de uma calculadora, mas está longe de ser uma questão simples.

Num cálculo do DIEESE, realizado em Porto Alegre, mas que tem semelhança com o que aconteceu no país inteiro, as passagens subiram 670% de 1994 para cá – contra uma inflação de 281%. Nesse ritmo, um cidadão paulistano que anda de ônibus duas vezes por dia e paga a passagem com dinheiro do próprio bolso deixa, na catraca, o equivalente a três meses de salário mínimo por ano. É uma boa quantia, mesmo quando se recorda benefícios recentes como o bilhete único e o vale transporte, que transfere grande parte do custo das passagens de funcionários de baixos salários, com registro em carteira, para a empresa. O encarecimento dos transportes tem levado um número cada vez maior de pessoas a andar a pé pelas grandes cidades. Falta-lhes dinheiro até para embarcar numa sardinha em lata nas horas de pico.


CAVALARIA INCONSEQUENTE
Na rua da Consolação, em São Paulo, polícia montada parte pra cima de manifestantes na quinta 13.
Desta vez, não havia os tumultos provocados por minorias no dia anterior (abaixo)



Embora os aumentos de passagem sejam alvo de descontentamento desde que os primeiros ônibus passaram a circular no país, ainda no século passado, não é uma surpresa que há pelo menos uma década os movimentos contra os reajustes tenham-se tornado um costume nacional, com altos e baixos em cada lugar. Em 2003, Salvador ficou paralisada por dez dias até que a prefeitura cedesse 9 das 10 reivindicações apresentadas pelos líderes do movimento. Em Florianópolis, os protestos conseguiram revogar dois aumentos, em 2004 e 2005. Em Vitória, isso já aconteceu uma vez. Mirando-se no exemplo paulistano, que preferem ver longe de seus domínios, outros prefeitos resolveram agir antes que fosse tarde. Em Curitiba, o preço da passagem foi reduzido em dez centavos. Em Goiânia, depois de subir para R$ 3,00 ela retornou para R$ 2,70. Em Manaus, houve um aumento de R$ 2,75 para R$ 3,00, mas o preço agora é R$ 2,90. Em Cabo Frio(RJ), a população vale-se do subsídio da prefeitura e paga apenas R$ 0,50 pela passagem dentro do perímetro do município.

O cidadão que anda de ônibus duas vezes ao dia deixa na
catraca três salários mínimos por ano. há razões para protestar


Nos últimos anos, a sucessão de protestos levou ao surgimento, em vários pontos do país, do Movimento Passe Livre, uma federação de estudantes – muitos já se formaram desde então – com ideias esquerdistas de várias famílias, e uma prática de quem rejeita toda submissão a partidos políticos. Em São Paulo, o MPL tem raízes entre universitários da USP e estudantes de estabelecimentos frequentados por uma elite cultural de esquerda, como Escola da Vila, Vera Cruz, Oswald e o Colégio Equipe, mas é o centro nervoso de uma articulação maior e mais popular, com conexão com sindicatos e entidades da periferia. Seus encontros reúnem militantes selecionados, funcionando de acordo com princípios de horizontalidade. Não há hierarquia formalizada. Todos têm direito a usar a palavra pelo tempo desejado por cada um – e por essa razão alguns debates podem prolongar-se por até 12 horas. As deliberações não são obtidas pelo voto, mas por um esforço permanente para se obter consenso. Praticantes de uma escola política que tem suas origens em movimentos radicais do século XIX, eles cultivam uma utopia urbana radical. Condenam o que chamam de “ mercantilização” do transporte público e defendem a cobrança de tarifa zero – isto é, o transporte gratuito. Este sistema que costuma funcionar em cidades menores, em especial na Europa e em alguns estados norte-americanos, também foi implantado em três cidades brasileiras. São localidades pequenas, como Agudos, em São Paulo, Porto Real, no Rio, e Ivaiporã, no Paraná. A população de todas elas, somadas, não chega a 100 000 habitantes. Quando era prefeita de São Paulo, Luiza Erudina chegou a elaborar uma proposta de tarifa zero, mas não levou o projeto adiante. Em público ou em conversas reservadas, os militantes do MPL condenam atos de vandalismo como uma espécie de contra senso, pois prejudicam aquilo que gostariam de preservar – que são estações de metrô, pontos de ônibus e o espaço público em geral. “A gente não apoia nenhum tipo de depredação, seja de ônibus ou de estação de metrô”, diz o universitário Caio Martins Ferreira. “Tentamos conter, mas é difícil. A gente não é dono de ninguém para dizer quem deve fazer o que,” diz.



Os episódios de vandalismo que acompanham os protestos envolvem pessoas de outra origem, que trafegam um universo no qual a violência é um culto permanente, embora possa ser empregada de formas variadas. Ora pode ser um caminho para um acerto de contas entre turmas rivais, ora pode até apresentar um conteúdo político. São os chamados anarco-punks, um tipo de ativismo nascido nos bairros operários que enfrentavam as medidas de austeridade de Margareth Tatcher nos anos 1980, e que se tornou moda no Brasil uma década depois. Em dias normais, o esporte predileto dos anarco-punks é trocar pauladas com os skin-heads, inimigos irredutíveis e violentos. Em dias de mobilização política, como aconteceu em São Paulo por esses dias, comandam o quebra-quebra.

Com outros nomes e rostos, mas um ideário parecido, eles já apareceram em outros lugares. Na quinta-feira, eles surgiram entre as mobilizações em Porto Alegre. Picharam 21 lojas, depredaram seis agências bancárias, reviraram 40 containers de lixo. Em situação semelhante, 2 mil pessoas organizaram um protesto no Rio, no mesmo dia. O início foi pacífico, mas, no final, ocorreram cenas de baderna e confronto. Há dois anos, anarco-punks fizeram sua aparição à frente de uma sequência de atos selvagens em Teresina, no Piauí. Escondiam o rosto com capuz e se apresentavam como militantes de um certo “Movimento Anti-Capitalista”. A exemplo do que ocorreu em São Paulo, não surgiram nos primeiros dias das mobilizações, mas naquela etapa em que o movimento já tinha força própria. Já chegaram quebrando bancos e vitrines de loja, incendiando ônibus. “Consegui marcar uma conversa a sós com um deles,” conta o senador Wellington Dias, ex-governador e principal liderança política do Estado “Queria entender o que pretendiam. É outro mundo. Eles eram contra o sistema. Queriam quebrar tudo. São adversários de toda autoridade, desprezam as leis. O simples fato de encontrar-se com um político, como eu, já era perigoso e condenável.”


RIO DE JANEIRO
Na capital carioca, ato na Candelária que começou pacífico, terminou
com violência e depredação de prédios e monumentos históricos.
Protestos no centro da cidade foram liderados por militantes do PSTU


PORTO ALEGRE
Na capital gaúcha, dezenas de manifestantes se concentraram em frente
do prédio da prefeitura, que tinha a entrada isolada por cordas e vigiada
pela Guarda Municipal, durante reivindicação contra o aumento da tarifa

A brecha que abriu espaço para os protestos contra um aumento de 20 centavos nasceu de uma presunção política – a ideia de que o reajuste poderia ser visto como uma questão administrativa. Fernando Haddad, o prefeito de São Paulo do PT, e Geraldo Alckmin, o governador tucano, pretendiam anunciar o aumento em janeiro, mas, em função de um pedido da presidente Dilma Rousseff, receosa de que a medida pudesse alimentar a inflação, decidiram adiar o reajuste por seis meses. O tempo permitiu uma negociação que parecia favorável a todos. O governo federal desonerou o PIS e o COFINS das empresas de ônibus. Com isso, foi possível elevar a passagem para R$ 3,20 em vez de para R$ 3,40.

Tudo parecia acertado, mas faltou combinar com o principal interessado – o passageiro, que teria de colocar a mão no bolso e entrar com sua cota de sacrifício. Embora o reajuste das passagens seja um pesadelo histórico na rotina dos prefeitos de grandes cidades, que nem sempre enfrentam protestos portentosos, mas nunca são capazes de evitar quedas abruptas em seus índices de aprovação popular depois que o cidadão comum sente o golpe, o reajuste foi encaminhado como se fosse a coisa mais natural do mundo. “Eles esqueceram que por trás de uma decisão técnica sempre há uma questão política,” afirma Lucas Oliveira.

Manifestações chegam a vários pontos do país
e ganham causas diversas, da saúde à educação


No início dos protestos, Geraldo Alckmin e Fernando Haddad se encontravam em viagem em Paris, ao lado do vice-presidente Michel Temer. De lá mesmo informaram que não pretendiam modificar o reajuste. Numa argumentação que repetiu ao voltar ao Brasil, Alckmin explicou que o caixa do governo não tinha recursos para subsidiar o preço baixo. Haddad lembrou que, na campanha eleitoral, assumira o compromisso de fazer reajustes abaixo da inflação – o que fez, efetivamente. Tanto o prefeito como governador tem argumentos. Mas as manifestações expressaram outra realidade, mais exigente e inconformada – e são elas que aguardam respostas. Mas não as que a PM, com força violenta e desproporcional, deu.



Fotos: Ian Boechat; Rodrigo Paiva/RPCI; MASTRANGELO REINO/A2 FOTOGRAFIA; Ig Aronovich/Lost Art; Renato Luiz Ferreira/Folhapress; FABI0 TEIXEIRA / UOL/FOLHAPRESS; Tarlis schneider/ acuracia fotojornalismo; FABI0 TEIXEIRA; Felipe Paiva/Frame; ALICE VERGUEIRO/FUTURA PRESS; Cris Faga / Fox Press Photo

UMA CIDADE SEM CIDADÃO


ZERO HORA 15 de junho de 2013 | N° 17463


Jorge Barcellos*


Jornalistas atingidos por balas de borracha, jovens recebendo bordoadas de policiais e violência praticada contra cidadãos que sequer participavam dos movimentos foram cenas vistas recentemente de um cruel cenário de luta contra o capitalismo em busca de um sistema mais justo. O que foi vivido em São Paulo, Rio de Janeiro e Porto Alegre nos últimos dias mostrou a intimidade do Estado com a violência em diversos graus.

De fato, uma das funções do Estado é estabelecer uma legislação e prescrever os castigos contra sua transgressão. Mas a violência contra manifestantes inocentes ultrapassa todo o direito do Estado ao uso da violência, como previa Max Weber, e confirma a tese de Walter Benjamin de que a violência está presente no próprio direito. As ações repressivas do Estado mostram que ele tem um núcleo violento, mostram a relação da violência com a política, mas é preciso lembrar que a política não pode deixar de ter uma dimensão ética.

Pensávamos que vivíamos numa democracia pacífica, o que imaginariamente fazia desaparecer o direito do cidadão à rebelião. Os movimentos de norte a sul do país indicam que a sociedade atingiu o seu limite, não aguenta mais e faz a pergunta por justiça e questiona a legitimidade dos governos que escolheu. A violência empregada pela população quer perguntar ao Estado sobre a noção de justiça que defende: é justa a passagem a R$ 3,05? É justa a derrubada de árvores na Capital? A violência é uma forma desesperada de resistência da sociedade, mas a ação violenta dos órgãos policiais nega o direito de resistência. Os movimentos são violentos porque a sociedade se sente abandonada pelo sistema político e econômico: o problema não é o valor das passagens em si, mas do sistema excludente que obriga a população a não encontrar outra alternativa, que não seja a violência, para ser ouvida. Em Porto Alegre, os manifestantes queriam baixar a passagem e o conseguiram, mas isto não foi suficiente, porque descobriram que é o próprio capitalismo que desejam combater. E, como não há projeto, atendem ao impulso à violência em estado puro. É aí que cometem um erro.

É claro que não queremos a violência, mas o problema justamente é saber aquilo que queremos. O espírito destes movimentos é de revolta e não de revolução, são movimentos de fúria autêntica sem um programa de mudança sociopolítica. A maioria de seus participantes rejeita a violência, mas há ali em seu interior aqueles que seguem praticando-a, produto da descrença na classe política à direita e à esquerda. Movimentos sem programa se tornam histéricos e o que vemos no dia seguinte é a repetição do dia anterior, o que leva a um estado de emergência permanente e o risco da suspensão da democracia política. Como dizia Gandhi, os manifestantes só foram violentos porque “querem dar um basta ao modo como as coisas funcionam” (Zizek), mas o que significa sua violência quando comparada à exercida pelo Estado que afirma existir liberdade mas não tolera a “liberdade de rebelião”?

*DOUTOR EM EDUCAÇÃO PELA UFRGS

DEMOCRACIA, ORDEM E ESPAÇO PÚBLICO


ZERO HORA 15 de junho de 2013 | N° 17463


Sebastião Ventura Pereira da Paixão Jr*

A rua é o ambiente natural da vida democrática e, assim o é, porque o abrir das flores da liberdade precisa do terreno fértil de um espaço público saudável. No entanto, o que estamos vendo em Porto Alegre, Rio de Janeiro e São Paulo contra o aumento da tarifa de ônibus nada tem a ver com democracia e liberdade. O fenômeno é outro: é desordem, é violência, é balbúrdia, é anarquia. Destaco um detalhe: muitos manifestantes estão encapuzados. O que isso significa? Significa que precisam esconder seus rostos porque sabem que estão fazendo algo errado, ilícito ou reprovável. E é sabido e ressabido que a justa reivindicação não precisa de disfarces ou anonimatos.

Poderíamos, então, pensar que o disfarce (capuzes) é usado porque estamos a viver um período de exceção e arbítrio. Não. Vivemos um tempo de liberdade democrática protegida por uma Constituição viva, real e pulsante. E o que o diz a regra constitucional? Que “todos podem reunir-se pacificamente, sem armas, em locais abertos ao público, independentemente de autorização, desde que não frustrem outra reunião anteriormente convocada para o mesmo local, sendo apenas exigido prévio aviso à autoridade competente” (art. 5º, XVI, CF/88). Como se vê, o direito de reunião é constitucionalmente assegurado, condicionando-se: deve ser obrigatoriamente pacífico, sob pena de legitimar o uso da força pública para o restabelecimento da ordem e da lei.

Pergunto, por oportuno: se uma manifestação pública interromper o trânsito, impedindo que uma ambulância com um paciente grave chegue ao hospital e ocasione o óbito do doente, serão os manifestantes responsabilizados pela morte? Poderão ser acusados de homicídio? Como negar que não tiveram intenção da morte se até um frade de pedra sabe que bloquear o trânsito pode impedir que uma ambulância alcance em tempo a UTI de um hospital? Haveria como recusar essa evidência incontestável? E que os manifestantes teriam a dizer para a família da vítima? Será que um simples pedido de desculpa bastaria?

Ora, se a própria insegurança pública não fosse o bastante, temos, agora, que conviver com movimentos sociais que, ao invés de lutarem pela pacificação do ambiente público, exacerbam, ainda mais, o estado de tensão da sociedade brasileira. Tais sintomas indicam que algo está mal e que precisa ser urgentemente medicado. A questão é que talvez os veículos tradicionais de participação política (partidos políticos) estejam superados pelas novas formas de direta manifestação democrática (internet e redes sociais). Na rota do progresso, o caminho passará por uma reconquista civilizada e sem violência do espaço público que imponha uma agenda de novas práticas e cobre melhores hábitos na vida pública. Definitivamente, a forma de ação política mudou. E quanto a nós: será que continuaremos os mesmos?

*ADVOGADO

BOICOTE À DEMOCRACIA

ZERO HORA 15 de junho de 2013 | N° 17463

EDITORIAIS

O Brasil dormiu assustado na última quinta-feira devido às manifestações violentas em pelo menos cinco capitais, que resultaram em prédios depredados, veículos e equipamentos públicos incendiados, confrontos entre policiais e manifestantes, prisões e ferimentos. O pretexto para a maioria dos protestos é o preço das tarifas de transporte público, uma causa simpática à população, mas desvirtuada pelo vandalismo, pela presença de delinquentes infiltrados nos movimentos sociais e também, em alguns casos, pela reação desproporcional das forças policiais.

Mais do que assustado, o Brasil passa a dormir preocupado com a explosão de protestos de rua que não apenas defendem direitos legítimos de alguns setores da sociedade mas também ferem as prerrogativas constitucionais de todos – entre as quais a da segurança pública, a da propriedade privada e a de ir e vir. Como explicar a legitimidade democrática dos protestos para pessoas presas em estradas bloquea-das, sitiadas e ameaçadas pelas batalhas entre manifestantes e policiais, vendo seus veículos e estabelecimentos comerciais depredados por grupos mascarados ou desprotegidas porque as forças de segurança deixam de policiar a cidade para se concentrar nos locais do protesto?

Evidentemente, como em qualquer conflito, todos os lados devem ser ouvidos. E um olhar mais distanciado do fenômeno indica que os manifestantes não estão isolados na sua ação. Recente pesquisa do Instituto Datafolha, feita em São Paulo, demonstra que 55% dos entrevistados apoiam os protestos contra o preço das tarifas de transporte, mas 78% condenam o emprego de violência nas manifestações. Repudiam a violência de parte à parte, pois a polícia paulista, como mostram fartamente os registros jornalísticos dos fatos, também exagerou na repressão, atingindo culpados e inocentes com cassetetes, bombas de gás e balas de borracha.

Ninguém pode desejar uma situação dessas. Assim como merecem repúdio o vandalismo e as depredações, também não se pode aceitar que tropas armadas e sustentadas pelos contribuintes se voltem contra eles, sem discriminar delinquentes e cidadãos responsáveis. Talvez já esteja passando da hora de um diálogo aberto e desprendido, em que todas as partes interessadas coloquem seus argumentos e busquem soluções coletivas.

Há, porém, um fato desconcertante nessas manifestações. Elas parecem refletir muito mais um modismo orquestrado pelas redes sociais do que propriamente interesses específicos de setores realmente desassistidos da sociedade. Basta observar o perfil dos manifestantes: entre eles é muito mais fácil encontrar jovens universitários do que operários e pessoas de pouca instrução, que dependem muito mais do transporte coletivo para se deslocar de casa aos locais de trabalho. Isso não chega a ser uma deformação, pois é natural que as pessoas melhor informadas representem as minorias sem voz. O que causa perplexidade é a presença nos eventos de radicais que encobrem o rosto para depredar e mesmo de marginais com antecedentes criminais. Também é incompreensível e inaceitável o protesto imotivado, como ocorreu na última quinta-feira em Porto Alegre, onde o preço das passagens de ônibus está contido por medida judicial.

Esses delinquentes comprometem as boas intenções da maioria e boicotam a democracia. O povo brasileiro lutou pela liberdade democrática para poder protestar livremente, para poder questionar seus governantes e representantes políticos sem sofrer represálias, para contar com uma imprensa livre que possa retratar fatos e opinar sobre eles, para ter a oportunidade de equacionar seus conflitos sem se submeter a pressões econômicas, políticas ou de qualquer natureza – mas também para não viver sob a ameaça da violência, venha de onde vier.

Manifestantes que ultrapassam os limites da lei e da civilidade, assim como autoridades que chancelam a violência do Estado, são sabotadores da democracia.

quinta-feira, 13 de junho de 2013

NADA DE NOVO SOB O SOL

O GLOBO - 13/06/2013

Cora Rónai


Quando existe tecnologia que permite ao governo vigiar os cidadãos, é ingenuidade supor que ele não vai usá-la

Encontramos ao longo da vida muitas cópias, mas poucos originais. Um dos raríssimos exemplares da espécie que tive o prazer de conhecer foi Carlos Alberto Teixeira, o CAT, hoje repórter de tecnologia aqui do jornal. Ficamos amigos há muitas e muitas luas, ainda nos tempos da internet a vapor, e sempre admirei a forma inteiramente singular que ele tinha (e tem) de ver os fatos mais triviais da vida. CAT já pensava fora da caixa na época em que essa expressão nem existia; em consequência, sempre esteve vários passos à frente de todo mundo. No começo dos anos 90, por exemplo, já tinha chegado à conclusão de que a privacidade era algo relativo, e postava abertamente nos BBSs os seus dados completos, com endereço e telefone.

Uma vez perguntei se não ficava preocupado com isso. A resposta foi não — e é claro que tinha uma explicação lógica. Se alguma pessoa chata ou de má índole estivesse a fim de encontrá-lo, raciocinava o CAT, ela não teria qualquer dificuldade em fazê-lo. O mesmo não se podia dizer das criaturas de bem, muito menos versadas no rastreamento dos seus semelhantes. Por que deixar a vantagem competitiva com as pessoas nefastas? Ora, não é que fazia todo o sentido? A partir daquele momento, parei de me preocupar em relação à divulgação dos meus dados. Anos depois, cheguei a ter um stalker na porta durante alguns meses (um dia eu conto essa história) mas este, confirmando a intuição do CAT, tinha condições de descobrir até o CPF da minha avó.

Na outra ponta, tive um amigo que passou a vida sem pagar nada, nunca, com cheque ou cartão de crédito. Ele conhecia por dentro o sistema bancário, e sabia como a banda toca. Não que tivesse negócios escusos ou estivesse fugindo da polícia; apenas não se sentia confortável sabendo que cada movimento seu podia ser monitorado. Isso foi muito antes da internet virar assunto do cotidiano.

Privacidade é um luxo recente, inventado no século passado, que continua indisponível para vasta parcela da Humanidade — aquela que divide um ou dois cômodos, se é que assim podemos chamá-los, com toda a família. Visitar uma favela indiana é uma experiência esclarecedora, que muda de vez a nossa forma de pensar sobre espaço, individualidade e, em última instância, liberdade. Não é à toa que um dos conceitos mais incompreensíveis para os indianos em geral é o da privacidade — e a Índia sequer é um estado policial como a China ou a Coreia do Norte, onde vizinhos espionam vizinhos 24 horas por dia.

Isso, é claro, não diminui o valor da privacidade. Antes pelo contrário.

Em meados dos anos 1990, um americano chamado Ted Kaczynski ficou famoso por mandar cartas-bomba para professores e cientistas, e por ter escrito um manifesto cuja publicação pelo “New York Times” e pelo “Washington Post” foi a condição que impôs para dar cabo dos seus atos de terrorismo. Nesse manifesto, ele alertava a humanidade para a erosão da liberdade causada pela tecnologia. Temia o controle do indivíduo pelo estado e pelo sistema, e o afastamento do homem da natureza, mergulhado num turbilhão terminal de consumismo.

Kaczynski era louco mas não era burro. Estudou em Harvard, obteve um PhD em matemática pela Universidade de Michigan e deu cursos de cálculo e de geometria na Universidade da Califórnia. Como escritor, apresentava tendência à verborragia e à redundância, mas suas ideias não eram inteiramente destituídas de mérito, tanto que seu manifesto mexeu profundamente com a turma da tecnologia. Eu mesma passei um bom tempo cismada com o que ele escreveu. Em 1996, Kaczynski, que matou três pessoas e feriu outras 23, foi preso e condenado à prisão perpétua.

Ele se tornou conhecido sob a alcunha de Unabomber.

Em fins dos anos 1990 e começo dos anos 2000, o FBI adotou um sistema de espionagem chamado Carnivore. Esse sistema fuçava a correspondência eletrônica dos cidadãos e causou um previsível auê on-line. A Electronic Frontier Foundation (eff.org), o Electronic Privacy Information Center (EPIC) e várias entidades de direitos civis reagiram e foram à Justiça contra a descarada invasão de privacidade.

Não deu em nada. O FBI apenas mudou o nome do software para DCS-1000 e só deixou de usá-lo quando bem entendeu, porque ele acabou ultrapassado. Cerca de US$ 10 milhões do contribuinte americano foram para o ralo, gastos num sistema que nem ao menos foi capaz de fazer o que se propunha — defender os mocinhos dos bandidos. Vide 2001.

O escândalo da espionagem ampla, geral e irrestrita da NSA só é um escândalo porque confirma o que todos já sabíamos — ou, no mínimo, imaginávamos. O governo dos Estados Unidos vigia com igual empenho americanos e estrangeiros. No entanto, o sucesso do esquema brutal da NSA é, como o do falecido Carnivore, discutível. Vide Boston.

Quando existe tecnologia que permite ao governo vigiar os cidadãos, é ingenuidade supor que ele não vai usá-la.

Dito tudo isso, para mim Edward Snowden é um Herói com H maiúsculo.

quarta-feira, 12 de junho de 2013

SOPRADORES DE APITO

O GLOBO, 12/06/2013

Helena Celestino

Os ‘whistleblowers’ fazem parte da melhor tradição política americana e dependendo do olhar, são considerados criminosos ou heróis

Eles não são dedos-duros, a pior raça de gente em qualquer história política ou policial. Em geral, são movidos pelo ideal de fazer do mundo um lugar melhor. Arriscam-se a ter a vida destruída pelos serviços secretos e despertam sentimentos extremados. Dependendo do olhar, são considerados criminosos ou heróis. Os sopradores de apito, uma tradução literal de como são chamados em inglês (whistleblowers) fazem parte da melhor tradição política americana, e o mais novo membro dessa tribo acaba de desafinar o coro dos contentes com os discursos bonitos do presidente Barack Obama.

“Não quero viver num mundo em que se grava tudo o que digo e faço”, disse Edward Snowden, o jovem colaborador da Agência de Segurança Nacional que revelou o monstruoso programa americano de espionagem da vida privada. Ele recebeu as boas-vindas ao clube dos sopradores de apito de Daniel Ellsberg, que, em 1971, vazou os Papéis do Pentágono, tirando xerox (a impressora da época) de sete mil documentos ultrassecretos , uma bomba que acabou com o apoio dos americanos à Guerra do Vietnã.

“Para mim, não houve na História um vazamento mais importante do que o material passado por Snowden sobre a Agência de Segurança Nacional e isto inclui a divulgação dos papéis do Pentágono, que eu promovi”, escreveu ele num artigo também do “Guardian”.

Os dois são uma espécie de irmãos espirituais e representam duas gerações de whistleblowers. Mais de 40 anos separam a decisão de um e outro de denunciar malfeitos do governo, optando por não compactuar com segredos guardados em nome da segurança nacional. Apoiaram presidentes com ideais que compartilhavam e sentiram-se traídos ao descobrirem os segredos guardados pelos mesmos líderes ao virarem governo. Isso foi verdade com Nixon, Bush e agora com Obama. Todos tiveram de lidar com vazamentos e nenhum deles foi compreensivo com os whistleblowers.

Foi um aposentado da mesma Agência de Segurança Nacional o primeiro a revelar a existência do programa de intromissão na vida privada dos cidadãos sem permissão judicial. Era ainda o governo Bush, e William Binney, inconformado com mais esta quebra das regras democráticas, passou a informação ao “New York Times”. Manteve-se na sombra, mas dois anos depois, quando estava debaixo do chuveiro, foi cercado por uma dúzia de agentes armados. Não chegou a ser processado por falta de provas, mas perdeu a licença de trabalho, e a sua empresa de segurança faliu logo depois.

Foi também a frustração com os caminhos escolhidos pelos EUA que levou o jovem militar Bradley Manning a entregar centenas de milhares de documentos diplomáticos secretos para o WikiLeaks de Julian Assange. Ele estava no Iraque e tentou avisar ao chefe sobre a prisão de um cidadão inocente, levado para a cadeia só por criticar o primeiro-ministro da época. Ao contrário das suas expectativas, o superior de Manning estava preocupado em botar atrás das grades mais iraquianos, independentemente dos motivos. “Estava envolvido em algo que eu era completamente contra”, contou ele.

Vazou os documentos, com a certeza de que provocaria debates sobre os descaminhos das relações internacionais e, consequentemente, mudanças no mundo... Por conta disso pode ser condenado à prisão perpétua no julgamento que começou na semana passada e comeu o pão que o diabo amassou na prisão - encarcerado desde 2010, esteve numa solitária durante cinco meses e era acordado três vezes por noite para dar depoimentos. Enquanto enfrentava maus-tratos, os soldados acusados por ele de matar inocentes estão em liberdade - uma das mais chocantes informações vazadas por Manning foi um vídeo em que militares, a bordo de um helicóptero, mataram e feriram “por engano” dois funcionários da Reuters e outros civis.

Assange, esquecido há quase um ano na Embaixada do Equador em Londres, voltou às páginas de jornais com artigos na linha “eu não disse? “

“A chamada comunidade de Inteligência virou os Estados Stasi Unidos”, escreve Ellsberg, o decano dos sopradores de apito, comparando o programa da Agência de Segurança Nacional com a polícia secreta da Alemanha Oriental, que espionava a todos em busca de dissidentes do regime comunista.

Nixon e Obama são muito diferentes e viveram em tempos históricos impossíveis de serem comparados. Mas uma coisa os une: a obsessão com vazamentos. O presidente derrubado por Watergate no início de tudo estava à procura da ficha psiquiátrica de Ellsberg, e Obama abriu mais processos contra whistleblowers que qualquer outro presidente. O soft power de Obama não parece resistir a um segundo mandato e, muito menos, a imagem dos EUA como país das liberdades. Angela Merkel já disse que vai cobrar do presidente respeito à privacidade dos cidadãos na visita que fará a Alemanha na próxima semana.

segunda-feira, 10 de junho de 2013

O CIDADÃO VIGIADO

ZERO HORA 08 de junho de 20130

Sob o pretexto da defesa de seus cidadãos, o governo americano acaba afrontando, também fora do país, valores caros à democracia que ajuda a difundir.

EDITORIAL


Vem de uma das democracias mais evoluídas do mundo, os Estados Unidos, um novo e desafiador debate sobre o direito do governo de monitorar a vida de cidadãos em nome da segurança nacional. As recentes denúncias da imprensa sobre o esquema de espionagem mantido pelo governo norte-americano, desde os ataques de 11 de setembro de 2001, põem em risco os compromissos e a credibilidade do presidente Barack Obama. Para além das fronteiras americanas, a violação de informações sobre telefonemas e conteúdos das redes sociais provoca insegurança também em outras nações, muitas das quais com democracias inspiradas em condutas americanas. A grande interrogação que a controvérsia provoca é perturbadora: se os Estados Unidos tudo podem, em nome da defesa interna, como condenar práticas semelhantes de regimes ditatoriais e mesmo de democracias?

O que está em debate é a zona de sombra que ainda confunde quem procura os limites da intervenção estatal na privacidade de pessoas comuns. Desde 2001, essa confusão vem sendo ampliada, com as ações autorizadas pelo chamado Código Patriótico, acionado logo após os traumas do 11 de setembro em Nova York. Ontem, o presidente Obama assegurou que a vigilância exercida pelos órgãos de inteligência, condenada inclusive por aliados, tem sido decisiva para o monitoramento do terrorismo. O que inquieta a todos é o conflito, admitido pelo governo, entre o respeito à Constituição e, ao mesmo tempo, a adoção de iniciativas que podem ser duvidosas, sob o ponto de vista legal e moral, de proteção aos cidadãos.

O governo optou pela proteção, com o pretexto, citado por Obama, de que não há como ter 100% de segurança com 100% de privacidade, sem nenhum inconveniente. Seria ingenuidade demais imaginar-se que a maior potência mundial, sob constante ameaça externa, poderia abrir mão de mecanismos de defesa que incluem o monitoramento da circulação de informações. O dilema diante do presidente é bem mais complexo, porque diz respeito ao alcance de uma espionagem que não se limita a vigiar suspeitos e acaba por atingir indiscriminadamente todos os americanos.

O presidente assumiu, desde o primeiro mandato, o compromisso com uma transparência que, sabe-se agora, a Casa Branca defende apenas como retórica. A preservação dos interesses internos, que sustenta as espionagens, acaba por afetar bem mais do que a vida dos cidadãos dos EUA. O mundo, sob vigilância na internet, também se sente violado por atitudes que afrontam valores tão caros à democracia que os EUA defendem e ajudam a difundir.

COMENTÁRIO DO BENGOCHEA - É claro que tudo tem que ter limites e assim são as leis, é a justiça, a polícia e é tudo mais o que o homem inventou para garantir a convivência social e as relações entre direitos particulares e coletivos. O mesmo ocorre quando é preciso criar leis mais duras e medidas de controle para prevenir as ameaças à supremacia do interesse público, principalmente em questões que envolvem a vida, a saúde e o patrimônio das pessoas. Há de ter limites, principalmente num país onde a lei dita o comportamento visando principalmente a confiança no Estado, a coatividade da justiça e a segurança do povo americano contra o terrorismo e contra o crime, do mais comum ao hediondo. Cada povo tem sua história e deve saber onde estes limites estão.

PROTESTOS SEM VANDALISMO


ZERO HORA 10 de junho de 2013 | N° 17458

EDITORIAIS


Pichações, danos a prédios e equipamentos públicos, carros e ônibus depredados, além de confrontos entre manifestantes e policiais, vêm marcando os protestos públicos contra a elevação de tarifas urbanas em algumas cidades brasileiras. Numa democracia, as forças de segurança têm que ser tolerantes com as manifestações coletivas, mas dentro do limite da manutenção da ordem pública. Protestar é um exercício de cidadania, mas a destruição do patrimônio alheio, seja ele privado ou público, é puro vandalismo e isso não pode ser aceito como normal.

O que ocorreu recentemente em Porto Alegre repete-se agora em São Paulo, com um grau ainda maior de conflito. Na semana passada, manifestantes e policiais ficaram feridos depois de confrontos de rua que também resultaram em prédios e veículos danificados, bloqueio de trânsito e até a destruição de uma banca de revistas. A polícia reagiu com bombas de gás lacrimogêneo, balas de borracha e efetuou pelo menos 15 prisões. O pano de fundo do enfrentamento é o mesmo: inconformismo de setores da sociedade, especialmente de estudantes e militantes políticos, com a elevação das tarifas do transporte urbano.

No rastro dessa insatisfação, que é legítima, vêm se formando no país movimentos que se dizem apolíticos, mas que abrigam os integrantes mais radicais das organizações partidárias. Sob denominações criadas ao sabor do momento, esses grupos congregam ao mesmo tempo cidadãos bem-intencionados e profissionais da desordem, que muitas vezes se aproveitam da ocasião para levar à prática seus maus instintos. É uma pena, pois o vandalismo desmerece até mesmo causas nobres, que poderiam contar com a simpatia da população.

A questão das tarifas públicas merece mesmo ser acompanhada de perto pela sociedade, seja através da representação parlamentar ou mesmo de forma direta, por indivíduos e movimentos sociais. Mas precisa ser analisada com mais tecnicismo e menos emocionalismos. Se temos inflação, se os insumos necessários à execução do serviço de transporte sobem com frequência, é justo que os preços das tarifas sejam periodicamente revisados, porém dentro de critérios transparentes e acessíveis aos usuários. Protestar, cobrar dos governantes e chamar a atenção da população para injustiças são ações democráticas. Porém, sujar prédios públicos, quebrar vidraças e depredar equipamentos são atos de irracionalidade que só depõem contra aqueles que os praticam.

Fica evidente, portanto, que os protagonistas da baderna precisam ser contidos, até mesmo para que os cidadãos conscientes, que querem usar o direito constitucional de questionar seus governantes, possam ser ouvidos melhor e transformar seus pleitos em causas coletivas.

OS FINS NÃO JUSTIFICAM OS MEIOS

ZERO HORA 10 de junho de 2013 | N° 17458

ARTIGOS

 Luiz Paulo Rosek Germano*

Reproduzimos no estudo da ciência política, porém não apenas nesta, a repetida frase de que os fins não justificam os meios, justamente para que possamos valorizar e salvaguardar o Estado de direito, como garantia constitucional inabalável, embora, muitas vezes, agredida por agentes descompromissados com a ordem jurídica, que a tudo se submetem em favor de um objetivo, não raras vezes ilegítimo, abusivo e imoral. Tal pensamento subversivo remonta à época de Nicolau Maquiavel, que disseminou os seus ideais políticos através da obra O Príncipe, publicada em 1513. Para Maquiavel os fins justificariam os meios, pois não poderiam existir quaisquer valores dispostos a restringir ou limitar o poder.

Após décadas de luta, experimentando e convivendo com lamentáveis episódios próprios dos Estados de exceção, onde os mínimos direitos fundamentais e humanos eram tragicamente sacrificados em favor da imposição de vontades e de interesses obscuros, a civilização foi conquistando direitos, o que repercutiu definitivamente na sociedade brasileira a partir da Carta Política de 1988. A consagração das garantias constitucionais, verdadeiras cláusulas pétreas, inatingíveis e irrenunciáveis, dentre as quais se destacam a observância ao Estado de direito e o respeito ao devido processo legal, são valiosos alicerces da democracia, não devendo nenhum cidadão, em hipótese qualquer, deles abdicar.

A violação dos direitos e das garantias fundamentais, normas didaticamente insculpidas no texto constitucional, especialmente quando tal transgressão é patrocinada por autoridades que teriam o dever de protegê-los, é convergir em favor do inaceitável maquiavelismo, cujo artifício tudo aceita em nome de um objetivo. Pior ainda é a relativização casuística, que admite a violação cirúrgica de alguns direitos, partindo de premissas temerárias, como se o direito que a todos se alcança, não possa especificamente a alguém ser garantido.

Por tudo, não abra mão de seus direitos! Lute sempre pelo respeito ao Estado democrático! Os fins jamais justificarão os meios, porque, se estes forem inconstitucionais e imorais, também aqueles assim o serão.


*MESTRE E DOUTOR EM DIREITO PÚBLICO, PROFESSOR DE DIREITO CONSTITUCIONAL



sexta-feira, 7 de junho de 2013

ORIXÁS, ÁGUAS E GENERAIS

ZERO HORA 07 de junho de 2013 | N° 17455

ARTIGOS


Alexandre Bach*



Meu avô é um fichado. Um agitador na mira do Dops. Meu avô, Waldemar Manoel Espíndola. Nascido em setembro de 1925 e criado em Tramandaí, onde sustentou a família como pescador. Morto há 36 anos. Está lá, registrado numa cartolina amarelada pelo tempo, com o nome perpetuado por uma clássica máquina de escrever.

Nada como um sábado de chuva, um computador e o fantástico trabalho de colegas de Zero Hora para descobrir esse passado da família. Vai clicando e, de repente, a realidade: o teu avô, pai da tua mãe, um senhor alto, forte e calvo, era um quase terrorista na visão do governo gaúcho que respaldou a ditadura brasileira.

Confesso que senti orgulho. Lembro bem do vô Waldemar, apesar dos poucos anos de convivência que tivemos. Ensinou os netos a nadar, para que sempre soubessem enfrentar as águas. Nadar, hábito que mantenho até hoje e que me salvou de um infarto. Não era de aceitar as coisas ruins assim na maior e lutava pelo que considerava justo, enfrentando fosse quem fosse para que o certo restasse restituído. Mas daí a ser eleito como “um perigo para a sociedade”, como imbecilmente justificava o Dops para bisbilhotar e, em muitos tristes casos, acabar com a vida de pessoas, faltou muito. Fico imaginando quantos crimes seus agentes não cometeram por conta dessa visão oficial assassina.

Tentei relembrar a vida do Waldemar para encontrar algum fato que pudesse justificar o interesse do Dops. Por que tamanha preocupação? Lembrei de uma notória história de família contada até hoje por minha mãe. Ocorrida num terreiro de umbanda. Católico fervoroso, o velho foi arrastado a contragosto para o local por uns parentes que o visitavam. A sessão começou e, a todo momento, alguém caía, possuí-do por uma entidade. Waldemar se levantou do seu canto e desafiou: queria que todos aquelas entidades o atacassem naquele momento. Silêncio no terreiro. Cada um saiu para um lado, a sessão acabou, e o velho ficou lá em pé, sozinho.

Se não for por esse fato, a ficha deve ser por outro motivo, também outra história familiar. Com um grupo de colegas pescadores, meu avô usou as mãos para cavar o que é hoje o Rio Tramandaí que nós conhecemos, ligando o mar à Lagoa de Tramandaí, marcando o limite com Imbé. Na época, meados do século 20, a abertura da barra do rio variava ao sabor das ondas do Atlântico, dificultando a saída para a pesca em alto-mar. Munido de pás, um grupo de pescadores enfrentou a natureza e cavou o canal, ligando as duas águas e fixando a barra. Essa história me foi contada por uma testemunha: minha avó, que, com as demais esposas, assistiu à epopeia das margens, levando água e comida aos maridos.

A resposta para minhas dúvidas está em branco. Na ficha do velho, nada está escrito, além dos dados básicos de identificação. Qualquer observação feita pelo Dops nunca chegou ao papel acartonado. Mas imagino o que amedrontou essa gente da Polícia Civil gaúcha: se ali estava um homem que desafiava os orixás e enfrentava a fúria da natureza, encarar generais de plantão era barbada para o velho Waldemar.


*JORNALISTA

A CONQUISTA DA LIBERDADE

ZERO HORA 07 de junho de 2013 | N° 17455

ARTIGOS

Abrão Slavutzy*



A maior odisseia do ser humano é a conquista da liberdade. Viver a liberdade interior é assumir os próprios desejos, é ser o capitão de sua alma. O desafio é difícil, pois envolve atravessar a longa ponte do desamparo. Uma ponte que começa no distante mundo infantil e vai até a independência afetiva dos amparos familiares. Quem atravessa a ponte se sente solitário, assustado, mas respira um novo ar, um ar livre. Outros se mantêm sofredores, masoquistas, como proteção ao desamparo. Para aliviar as angústias do vazio, muitos encontram amparos em depressões e vícios. São pessoas em busca de tempos passados, de paixões perdidas, com vivências mortificantes.

O ser humano, segundo La Boétie, tem uma tendência a abrir mão de sua liberdade. Muitos buscam um líder autoritário para se sentirem seguros. Há mais de quatro séculos, ele cunhou a expressão servidão voluntária. O enigma dos porquês da servidão começou a ser esclarecido pelo velho Freud em 1924. Os sofrimentos, se por um lado doem muito, por outro amparam. As tristezas, as queixas crônicas e vícios sem limites são torturas erotizadas. O ser humano é viciado em dores, remédios, jogos, alimentos que fazem mal, bem como vícios em drogas de todo tipo. Somos uma sociedade viciada, sempre estimulada por propagandas sedutoras.

Os dependentes se escravizam num pacto masoquista e assim evitam o vazio. O vazio do desamparo é uma ameaça assustadora, pode gerar pânico, sentimento de cair no abismo, de loucura e morte. As dores e excitações do perigo amenizam as angústias, diminuem a solidão. A pessoa se escraviza, mas tem uma segurança ilusória na servidão voluntária. Os vazios são preenchidos pelas paixões de toda ordem, tanto privadas quanto coletivas, como o fanatismo. Um dos antídotos desses sofrimentos são os grupos anônimos que semanalmente se reúnem. Esses grupos amparam e auxiliam na busca da liberdade de cada dependente.

Buscar a liberdade é construir um novo sentido de viver, envolve coragem e criatividade. Superar o passado, a luta pela autonomia, é algo lento, gera feridas narcisistas, logo se precisa de amparos afetivos. Amparos que estimulem caminhos originais, como as relações amorosas e a capacidade de trabalhar. E, para se libertar das tendências destrutivas, é preciso ter humildade em aceitar ajuda. Toda palavra boa é uma semente que pode germinar.

Ser livre exige atravessar a longa ponte do desamparo. Uma travessia auxiliada hoje pelas redes da internet; redes que estimulam a fraternidade. Também há os escritores, amigos auxiliares, como Montaigne e Italo Calvino. Aqui temos muitos, a começar pelo Millôr Fernandes. O sábio humorista expôs sua meta: “Não tenho procurado outra coisa na vida senão ser livre”. Aliás, liberdade é a primeira das três palavras da Revolução Francesa, as outras são igualdade e fraternidade. Escrevo para não esquecer.


*PSICANALISTA