Revelamos aqui as causas e efeitos da insegurança pública e jurídica no Brasil, propondo uma ampla mobilização na defesa da liberdade, democracia, federalismo, moralidade, probidade, civismo, cidadania e supremacia do interesse público, exigindo uma Constituição enxuta; Leis rigorosas; Segurança jurídica e judiciária; Justiça coativa; Reforma política, Zelo do erário; Execução penal digna; Poderes harmônicos e comprometidos; e Sistema de Justiça Criminal eficiente na preservação da Ordem Pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio.

segunda-feira, 29 de abril de 2013

A CENSURA DE BIOGRAFIAS

ZERO HORA 29 de abril de 2013 | N° 17417

EDITORIAIS


A recente notificação extrajudicial feita pelo cantor Roberto Carlos à autora de um livro sobre a Jovem Guarda recoloca na ordem do dia o projeto de lei que prevê o fim da censura prévia para biografias de personalidades públicas, em tramitação na Câmara Federal. A obra referida nem trata da vida do artista, mas ele alega que teve seu direito de imagem violado pelo desenho que ilustra a capa, no qual aparece juntamente com seus companheiros de movimento musical, Wanderléa e Erasmo Carlos. A lei está do seu lado. O Código Civil de 2002 diz expressamente que biografias só podem ser publicadas com autorização do biografado ou de seus familiares, quando ele já estiver morto. Mas, do ponto de vista da liberdade de expressão, esta legislação resulta num verdadeiro absurdo, pois só libera para o conhecimento do público textos que agradem aos biografados.

Para corrigir esta evidente distorção, o deputado federal Newton Lima (PT-SP) está propondo a seguinte redação para o artigo 20 do Código Civil: “A ausência de autorização não impede a divulgação de imagens, escritos e informações com finalidade biográfica de pessoa cuja trajetória pessoal, artística ou profissional tenha dimensão pública ou esteja inserida em acontecimentos de interesse da coletividade”. Esse é o caminho correto numa democracia. Se o autor da biografia cometer abusos ou inverdades, o biografado poderá processá-lo por calúnia ou difamação e pedir indenização compatível com a ofensa. É muito mais coerente com o que prevê a Constituição.

Livros e outros impressos, entre os quais os jornais, não podem ser impedidos previamente de circular porque alguém se julga ofendido. O artigo 5º da Carta não deixa dúvidas em seu inciso IX: “É livre a expressão de atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independente de censura ou licença”. Com sabedoria, o inciso seguinte, o X, prevê a correção de eventuais abusos: “São invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação”. Não está escrito em nenhum lugar que a Justiça ou quem quer que seja pode impedir antecipadamente a divulgação de uma obra. Na prática, porém, tem sido diferente. Sob o pretexto de dano irreparável, políticos, governantes, artistas e outras pessoas públicas tentam sempre bloquear a publicação de informações contrárias aos seus interesses. E, em alguns casos, conseguem, por conta de julgadores pouco comprometidos com a primeira das liberdades numa democracia, como ensinou o ex-ministro Ayres Britto ao afirmar que “a liberdade de expressão é a máxima expressão da liberdade”.

No caso das biografias, é de se esperar que o Congresso tenha a lucidez de decidir pela revogação da censura antes que o Supremo o faça, pois já tramita na corte superior uma Ação Direta de Inconstitucionalidade pedindo a revisão do artigo 20 do Código Penal.

quinta-feira, 25 de abril de 2013

A CULTURA DA DESOBEDIÊNCIA



ZERO HORA 25 de abril de 2013 | N° 17413


EDITORIAIS


Pesquisa divulgada nesta semana pela Escola de Direito da Fundação Getulio Vargas evidencia, com percentuais, o que já se sabia pela prática: a maioria dos brasileiros considera fácil desobedecer às leis e vê com naturalidade o chamado “jeitinho”, que permite burlar normas, enganar autoridades e levar vantagem individual mesmo quando isso causa prejuízos à coletividade. A percepção das pessoas em relação a esses temas é preo-cupante: dos 3,3 mil entrevistados em oito Estados, 82% reconhecem facilidade em descumprir as leis no Brasil, 79% acreditam que todos usam algum tipo de subterfúgio para desobedecer a regras legais e 54% veem poucas razões para esta obediência.

Uma das curiosidades do levantamento relaciona-se à impunidade. É elevado o percentual de brasileiros que temem ser punidos por delitos como pequenos roubos e infrações de trânsito, mas estas mesmas pessoas consideram tolerável fazer barulho capaz de incomodar os vizinhos, fumar em local não permitido, jogar lixo na rua ou comprar produtos piratas. O ideal é que todos esses comportamentos fossem repudiados pela maioria da população, pois grandes crimes e tragédias invariavelmente têm na sua origem descasos e omissões com coisas que aparentam ter pouca importância.

Vale lembrar, por exemplo, que o incêndio da boate Kiss, em Santa Maria, foi o resultado de um conjunto de inépcias e descuidos com recomendações técnicas que existem exatamente para prevenir dissabores, somados à ganância e à irresponsabilidade de quem colocou seus interesses acima do bem público. Existe no país uma cultura da irresponsabilidade, pela qual as pessoas, das autoridades aos cidadãos, costumam adiar decisões, transferir atribuições, fingir que não é com elas.

Precisamos, decididamente, de uma revolução cultural, para que cada cidadão assuma a sua parcela de obrigações. Nossa Constituição e nossos códigos preveem muitos direitos e poucos deveres. E a população habituou-se a tolerar o desleixo, a conformar-se com pequenos desvios, a considerar normal o descumprimento de normas e convenções. Essa tolerância, além de se transformar em salvo-conduto para a impunidade, acaba também estimulando comportamentos pouco civilizados e até mesmo delituosos. É este o ambiente retratado pela pesquisa recém-divulgada: os brasileiros se reconhecem como protagonistas das pequenas infrações, mas acreditam que a corrupção é praticada apenas pelos ocupantes do poder. Aí está o grande equívoco: o padrão ético de um país é sempre resultado do comportamento de cada indivíduo. E, quando a maioria dos cidadãos convive pacificamente com a irresponsabilidade, não há jeitinho que resolva.

COMENTÁRIO DO BENGOCHEA - Não esqueço de alertar: onde não há justiça, aparecem os rebeldes, bandidos e justiceiros. Onde não há lei nem ordem, os oportunistas se aproveitam acobertados pela impunidade. A justiça brasileira não é coativa, as leis são brandas e o sistema não funciona, o que garante a disseminação da "cultura da desobediência" e do "jogo de empurra".

segunda-feira, 22 de abril de 2013

NAZISMO NO RS


ZERO HORA. 22 de abril de 2013 | N° 17410

INTOLERÂNCIA NA WEB

RS é o segundo que mais baixa material neonazista. 
Estudo de antropóloga revela que o Estado só perde para SC em acesso a conteúdos discriminatórios


Um estudo estima que o sul do Brasil abrigue mais de 100 mil simpatizantes na internet de uma ideologia que condenou à morte milhões de pessoas, precipitou uma guerra mundial e virou sinônimo de intolerância em todo o planeta. Apenas no Rio Grande do Sul, onde estaria concentrado o segundo maior polo de neonazistas do Brasil, haveria 42 mil seguidores das ideias de Adolf Hitler, conforme a pesquisa que monitorou o crescimento dessas facções de extrema-direita na web.

Um trabalho de monitoramento da internet realizado pela pesquisadora da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e antropóloga Adriana Dias detectou um crescimento de quase 170% no número de páginas virtuais com conteúdo neonazista em português, espanhol ou inglês entre 2002 e 2009 – de 7,6 mil para 20,5 mil. Além disso, fez uma análise sobre a origem de internautas que baixavam um número expressivo (superior a cem) de materiais de cunho discriminatório.

O cruzamento de informações permitiu à especialista estimar o número de simpatizantes do ideário extremista no Brasil. Os Estados do Sul lideram o ranking da intolerância, cujo topo é ocupado por Santa Catarina e seguido por Rio Grande do Sul e Paraná.

Características culturais e históricas podem ter relação com a a maior prevalência dos grupos de ódio nessa região, de forte imigração europeia. Os seguidores da cartilha neonazista costumam defender uma suposta “superioridade” da raça branca sobre as demais e perseguição a negros, judeus e homossexuais.

Os dados compilados pela pesquisadora indicam ainda que há comunidades de orientação neonazistas em 91% das 250 redes sociais monitoradas pela antropóloga, e que o número de blogs sobre o assunto cresceu mais de 550% no período.

Além de refletirem o crescimento da própria internet nos últimos anos, esses números sugerem que a facilidade para troca de informações de maneira relativamente anônima atrai fanáticos – e fornecem uma pista sobre o perfil de quem propaga a violência no mundo virtual.

– Geralmente, eles atendem ao proselitismo na juventude. O jovem em busca de uma causa acaba recebido pelo grupo, que o convence de que o negro ou o judeu tomou seu espaço no mercado de trabalho, na universidade, etc. – explica Adriana Dias, em entrevista à Agência Brasil.

Jovens predominam na busca por sites

O presidente do Movimento de Justiça e Direitos Humanos, Jair Krischke, confirma que o perfil dos neonazistas no Estado hoje é formado principalmente por jovens, muitas vezes com nível socioeconômico razoável ou elevado:

– Um problema sério é que a grande maioria dessas pessoas que entram nos sites são jovens. Isso é uma falha nossa como sociedade. Não estamos dando aos jovens motivações, valores superiores. É uma falha da escola, da igreja, das famílias, dos partidos políticos que não estão dando perspectivas a eles.

MARCELO GONZATTO



Grupo extremista deverá ir a júri popular em junho



As ações neonazistas dentro e fora da internet vêm enfrentando uma coalisão de forças formada pelas polícias militar e civil, Ministério Público e ativistas de direitos humanos no Rio Grande do Sul.

Em junho, o Estado deverá testemunhar um dos mais importantes resultados da frente antiviolência: o julgamento de quatro réus neonazistas em júri popular por formação de quadrilha, discriminação racial e tentativa de homicídio.

Três homens e uma mulher acusados de participar do ataque a três estudantes judeus na Capital, em 2005, deverão ir à corte no dia 13 de junho – mas a data ainda pode sofrer alteração. Segundo o delegado da 1ª Delegacia da Polícia Civil, Paulo César Jardim, o caso é emblemático porque seria o primeiro em que um grupo neonazista iria a júri popular no Estado – e talvez no Brasil. Segundo ele, há procura de jornalistas europeus para saber detalhes do inquérito. O Tribunal de Justiça do Estado não tem registro de caso semelhante.

Ao todo, 14 pessoas chegaram a ser pronunciadas como rés pela Justiça, mas uma dezena delas recorreu e por isso não deverá ir a julgamento agora. Todos foram vinculados ao movimento neonazista e suspeitos de participar das agressões a soco e facadas contra os estudantes judeus.

Jair Krischke acredita que o julgamento pode servir de exemplo para desestimular novas adesões à filosofia nazista, mas lamenta a demora para o desfecho do caso:

– O crime ocorreu em 2005, e só agora vai a júri.


PAULO CÉSAR JARDIM, Delegado da Polícia Civil - ‘‘Tenho recebido ligações da imprensa da Bélgica, da França, da Alemanha, da Inglaterra, do mundo inteiro. Estão muito interessados nesse julgamento, querem saber como foi o inquérito."

Casos recentes envolvendo ataques neonazistas:

2003 - Em julho, um estudante punk então com 24 anos relata ter sofrido agressões de neonazistas armados com bastões e soqueiras quando estava em um bar localizado nas imediações da esquina das vias Barros Cassal e Independência, na Capital.

2005 - Em Caxias do Sul, neonazistas são apontados como suspeitos em pelo menos dois atos violentos – o assassinato de um homossexual em um parque, em agosto, e agressões contra um jovem punk, em outubro. Três estudantes judeus são agredidos a socos e facadas por membros de facções de inspiração nazista no bairro Cidade Baixa, em Porto Alegre.

2010 - Livros, CDs, facas e uma soqueira estão entre os materiais apreendidos em Porto Alegre. Chamou a atenção dos policiais um vídeo em que um grupo neonazista faz ameaças ao senador Paulo Paim (PT), que é negro.

2011 - Pichação com um símbolo nazista – a suástica – é encontrada nos ladrilhos de uma das escadarias do Viaduto Otávio Rocha, na Capital, em junho. Um grupo que se autodefine como “anarcopunk” (punks e anarquistas) e outro de skinheads (neonazistas) se enfrenta em uma briga na Capital em outubro. Duas pessoas são feridas a faca.

2012 - Com soqueiras, bastão e facas em punho, um suposto grupo de neonazistas é detido pela BM quando estaria prestes a atacar jovens em uma parada de ônibus de Caxias do Sul, em janeiro. Os alvos seriam negros e punks.

2013 - Em março, um negro é esfaqueado no abdômen, quando voltava de uma festa, na Capital. A suspeita é de que o ato tenha sido provocado por neonazistas.

domingo, 21 de abril de 2013

PLANO PERFEITO

ZERO HORA 21 de abril de 2013 | N° 17409
ARTIGOS

Percival Puggina*



A Coreia do Norte, onde só existe o Partido dos Trabalhadores da Coreia, é governada há mais de meio século por uma espécie de monarquia comunista que já está na terceira geração. Segundo Human Rights Watch, os norte-coreanos são as pessoas mais brutalizadas no mundo. A sociedade é organizada em castas segundo a lealdade ao regime. Comparada a ela, até Cuba se transforma em paraíso de luxuriantes e extravagantes liberdades. Pois bem, quando, em dezembro de 2011, morreu Kim Jong-il (ditador cujos campos de concentração fariam inveja a Stalin), o PC do B, em meio a soluços, pranteou mensagem de condolências aos camaradas pela irreparável perda. Agora, nestes dias, o tiranete que herdou do pai a propriedade do país como se fosse fazendola, ou relógio de estimação, rufa tambores de guerra. Guerra nuclear. E novamente o PC do B, anunciando endosso do PT e do PSB (que juram não haverem endossado coisa alguma), mais a UNE, o MST e diversas organizações de calibre semelhante, manifestam-se em “irrestrito e absoluto apoio” a Kim Jong-un, qualificando sua atitude belicosa como ato de soberania e dignidade.

Ruim, não? O sujeito viu o Muro de Berlim ser erguido e tinha certeza de que o lado de lá era melhor do que o de cá. Torceu pela União Soviética, pela China maoista, pelos vietcongues, pelo Khmer Vermelho, pelas Brigate Rosse. Vestiu camiseta do Che. Colou no guarda-roupa fotos do Danny le Rouge. Sacudiu bandeirinha de Cuba. Atendendo apelo de Fidel, passou uma temporada lá, em 1969, cultivando cana. Vociferou contra a Primavera de Praga. Aplaudiu as ações dos tanques chineses na Praça da Paz Celestial. Bebeu champanhe no September 11. Fez tudo direitinho. Votou no partidão e no partidinho. Imaginou? Agora, veja bem o que aconteceu com ele. Seus atuais porta-vozes e líderes são tipos como Lula, José Dirceu, Hugo Chávez, Daniel Ortega, Evo Morales, Ahmadinejad, Kim Jong-un. Pensa numa democracia construída sobre aquelas ideias. Não há. Busca livro que junte os cacos e reorganize consistentemente uma visão de mundo sobre tais bases. Nada. Procura um estadista de boa estirpe para seguir. Ninguém. Dureza! O comunismo nunca foi melhor.

Pois bem, 100 milhões de mortos depois, contado um século inteiro de fracassos, o Brasil deve ser dos raros países onde dizer-se que alguém é anticomunista soa como desqualificação. Coloca a vítima do adjetivo no rol dos retardados intelectuais. Vale por um tiro na nuca. Perceba, leitor, a engenhosa malícia capaz de produzir uma coisa dessas. Malícia lograda mediante persistente trabalho desenvolvido na imprensa, nas salas de aula, nos comentários políticos, nas conversas de botequim e no ambiente cultural. Comunista come criancinha? Quá, quá, quá! Graças a essa conjugação de ironias e sofismas, a carga esmagadora das monstruosidades praticadas em nome do comunismo foi jogada na vala comum com seus fracassos. Pelo avesso dos fatos e da História, a maligna doutrina foi sendo reapresentada como coisa de gente moderna, cuca fresca. Chega-se, por fim, a duas realidades contraditórias: numa, o comunismo, seus símbolos, organizações políticas e ilusórias mensagens trafegam com desenvoltura, leves de qualquer carga histórica, no ambiente social e político do país; noutra, convivem, esplendidamente, com a ideia de que ele mesmo acabou e não tem mais qualquer plano, projeto, estratégia ou significado entre nós. Pode haver significado, estratégia, projeto ou plano mais perfeito?

*ESCRITOR

sábado, 20 de abril de 2013

NÃO HÁ IGUALDADE SEM LIBERDADE

ZERO HORA 13 de abril de 2013 | N° 17401

ARTIGOS

Roberto Rachewsky*



Nos últimos dias, por ocasião dos eventos que ocorreram em Porto Alegre, o Fórum da Liberdade e o Fórum da Igualdade, discute-se qual dos dois princípios, liberdade ou igualdade, deve ser apontado como predominante e superior.

Essa discussão ganhou relevância ao ter sido dirigida para o âmbito da liberdade de expressão na comunicação social, consequentemente na exposição de ideias e de vontades em geral.

Muito se tem dito, mas pouco se tem refletido a respeito.

Essa discussão é totalmente falaciosa, uma vez que ao analisarmos a realidade presente, com a racionalidade e a lógica necessária, bem como a ética requerida, veremos que liberdade e igualdade são absolutamente indissociáveis nesse caso.

Por isso, posso afirmar que o desejado controle da mídia e da exposição de ideias e vontades não fere apenas o princípio da liberdade de expressão. Fere também o princípio da igualdade, tão caro aos governantes atuais.

Controlar é um ato arbitrário explícito, cuja motivação se baseia num determinado pensamento e sua formulação e implementação caracterizam-se como um ato claro de manifestação de ideias ou o exercício inconteste da livre expressão de uma determinada vontade.

Ao expressar essa vontade e, mais, ao efetivamente inibir com esse ato que alguém se manifeste como deseja, se estará impedindo que outros possam exercer esse mesmo direito, o de se expressar livremente.

Assim, está criada a desigualdade, pois quem interfere se expressa e quem sofre a interferência não.

Portanto, a igualdade somente estará absolutamente garantida quando ambos, o que desejaria censurar e o que desejaria se expressar e não pode, puderem se expressar livremente sem que haja a imposição de qualquer tipo de restrição.

Se os governos desejarem realmente defender a igualdade como um valor superior, devem defender a liberdade como forma de garantir que isso possa ocorrer.

Fica claro, com isso, que defender a igualdade sem preservar a liberdade é um sofisma, pois onde não há liberdade de expressão não há igualdade de direitos garantidos para ninguém.

*CONSELHEIRO DO INSTITUTO DE ESTUDOS EMPRESARIAIS E DO INSTITUTO LIBERDADE



PROTAGONISMO DEMOCRÁTICO


ZERO HORA 20 de abril de 2013 | N° 17408 ARTIGOS


Pedro Westphalen*



A história do Rio Grande contém páginas definitivas sobre o clamor popular de vozes alçadas da tribuna, e de mãos que teceram leis, em nome da liberdade.

Já na primeira sessão da Assembleia Legislativa, em abril de 1835, o deputado Bento Gonçalves e seus colegas de bancada clamavam contra a espoliação e a ganância do império, e o tema principal, então, era a eclosão da Revolução Farroupilha.

Aos pioneiros, muitos outros se somaram, dignificando nossa história. Os períodos do Estado Novo, da Redemocratização de 47, Movimento pela Legalidade, Regime Militar, Anistia Política e Diretas Já, contaram com o protagonismo da Assembleia Legislativa do Rio Grande do Sul, na luta pela democracia.

Contudo, não fomos nós que inventados a liberdade e a democracia. Seus conceitos não nasceram aqui, tampouco no Brasil. Nem com o Iluminismo ou a independência dos Estados Unidos. Ou na Inglaterra, através da Magna Carta de 1215. Tampouco na República romana, onde o Senado controlava a justiça, as finanças e a política externa. A democracia nasceu no berço da civilização ocidental.

Ao trazer esses fragmentos importantes do passado, é importante dizer que nos países ibéricos as ações e movimentos libertários aconteceriam somente a partir do final do século 18. Quer dizer, nossa experiência democrática – mais de uma vez interrompida – tem menos de 200 anos. Por isso cabe afirmar que avançamos a passos largos no processo civilizatório, uma vez que hoje, o Poder Legislativo, juntamente com o Executivo e o Judiciário, buscam equilibrar a correlação de forças de nossa infante democracia, ainda em construção.

Por isso, como presidente da AL, reverencio esta instituição. A liberdade individual – que proporciona aos cidadãos o direito e a responsabilidade de determinar o que lhes é próprio – o sufrágio universal, a educação e a igualdade perante a lei, são conquistas garantidas pelo parlamento.

Aqui, hoje, com corações e mentes voltados para o futuro, perseveramos nas discussões de temas que inquietam a sociedade. Isso se dá com a participação direta dela mesma, que circula mobilizada e permanentemente pelos corredores, comissões temáticas e gabinetes. Aqui, possuem voz e vez prefeitos, vice-prefeitos e vereadores, assim como, de forma igualitária e respeitosa, os segmentos econômicos, sociais e comunitários. E quero frisar – por mérito e por justiça – que a complexidade das atividades que desenvolvemos conta com um corpo funcional que orgulha nosso parlamento.

Estamos avançando, com a convicção de que o caminho se constrói ao caminhar. A par da incorporação de novos instrumentos tecnológicos, recursos humanos e laços com a comunidade, é preciso divulgar que esta Casa é pioneira quando se trata de informação.

O Legislativo gaúcho também antecipa-se às novas diretrizes em fiscalização e monitoramento cidadão, e trabalha para que se cumpra a Lei Federal de Acesso a Informações Públicas.

Além disso, a participação das despesas da Assembleia Legislativa, no total de despesas orçamentárias do Estado, vem diminuindo há vários anos, a ponto de hoje representar apenas 1,42%, equivalente a sete dias de recolhimento do ICMS, no período de um ano.

No momento em que comemoramos os 178 anos da AL, renovamos nosso compromisso de trabalharmos pelo fortalecimento da democracia. Com o ânimo da juventude e a sabedoria da experiência vivida; com a fibra de nossos antepassados e a tenacidade de quem confia que a razão e a verdade não têm donos, mas emergem da prática coletiva.

Esta é a grande convergência que, com o apoio dos integrantes da atual Mesa Diretora e dos nossos ilustres pares com assento nesta Casa, estamos empreendendo. Vida longa ao parlamento gaúcho!

*Presidente da Assembleia Legislativa do RS

COMENTÁRIO DO BENGOCHEA - Gostaria de realçar alguns pontos. Sim, a liberdade individual é importante, mas a democracia exige que esta esteja submetida à supremacia do interesse público, algo que no Brasil não vem acontecendo já que os Poderes esquecem das áreas vitais de interesse público para focar nos direitos particulares e corporativos. Assim, saúde, educação, segurança, mobilidade urbana e direitos humanos  se tornam escravos dos privilégios, da corrupção, da violência, do descaso e dos direitos dos bandidos. Quanto à Lei do Acesso, o parlamento que representa o povo não pode ficar alheio apadrinhando os artifícios usados para esconder e mascarar dados que são públicos. E por último, é preciso que os Deputados consolidem a independência do Poder Legislativo se livrando das amarras dos outros poderes, passando a desempenhar um papel ativista em defesa de seus representados, como fiscal dos atos Executivo e como poder cuja função precípua é a elaboração das leis que vão conduzir o Estado à uma conjuntura de paz, harmonia, justiça e igualdade. 

terça-feira, 9 de abril de 2013

DUAS VISÕES DE SOCIEDADE

ZERO HORA 09 de abril de 2013 | N° 17397


EDITORIAIS


O melhor da democracia é que ela permite o conflito de ideias em um ambiente civilizado. Num regime de liberdades, pessoas que pensam de maneira diferente podem conviver em paz, sem o risco de sofrer ameaças e constrangimentos. Em regimes que deixam a liberdade em segundo plano, independentemente do pretexto utilizado, os “mais iguais” da fábula de George Orwell invariavelmente tentam impor seus valores sobre os das outras pessoas. Os dois fóruns iniciados nesta segunda-feira em Porto Alegre confrontam esses princípios e oferecem ao público uma oportunidade para reflexão sobre o modelo mais adequado para a realidade brasileira.

No Fórum da Liberdade, sob o slogan “O que se vê e o que não se vê”, discute-se o empreendedorismo, a liberdade de expressão e o liberalismo econômico como caminho para o desenvolvimento. No Fórum da Igualdade, sob o slogan “Não há liberdade sem igualdade – só não vê quem não quer”, a tônica é a defesa de uma sociedade controlada pelo Estado como alternativa para a busca de igualitarismo e justiça social. Ambos, portanto, ambicionam um mundo melhor, apenas os caminhos são diversos – e isso, como a história da humanidade tem demonstrado, pode fazer toda a diferença.

É perfeitamente compreensível que grupos discordantes das ideias defendidas no tradicional Fórum da Liberdade, que chega à sua 26ª edição neste ano, façam o contraponto do que lá se discute. O ideal seria a troca de plateia nos dois eventos, para que houvesse efetivo questionamento para as propostas apresentadas. Infelizmente, ambos mantêm um viés excludente, como se pode perceber pela presença predominante de palestrantes e convidados que comungam das mesmas visões dos organizadores.

Neste contexto, é difícil de entender a opção do governador do Estado por prestigiar um dos eventos e desconsiderar o outro, em vez de adotar um posicionamento de magistrado, como seria adequado para um chefe de Executivo e para a própria mensagem de igualdade do fórum escolhido. Ao que tudo indica, entre um evento que defende a liberdade de expressão – e, por isso, valoriza a crítica, a cobrança da sociedade sobre os governantes, o questionamento sobre a eficiência do Estado – e outro que advoga o controle da informação disfarçado de regulamentação da mídia – com o claro propósito de constranger os críticos e premiar os adesistas –, o primeiro mandatário rio-grandense está optando pelo que mais lhe convém.

Governantes, em geral, têm pouca tolerância a críticas. Alegam que elas estão sempre a serviço de seus oponentes políticos, e não é incomum que ressuscitem fatos passados para justificar suas teses estapafúrdias e para mascarar a realidade. Mas a verdade sempre vem à tona, ainda que se tente encobri-la com o véu fantasioso da igualdade construída para beneficiar os “mais iguais”, que só pensam em se perpetuar no poder.

segunda-feira, 8 de abril de 2013

LUTA POLÍTICA PELA REGULAMENTAÇÃO DA MÍDIA


CARTA MAIOR 08/04/2013

Tarso defende luta política pela regulamentação da mídia

Em entrevista à Carta Maior, o governador do Rio Grande do Sul, Tarso Genro, defende a necessidade de intensificar a luta política em defesa da regulamentação da mídia e do setor de comunicação como um todo.

Definindo essa agenda como uma promessa não cumprida da Constituição de 1988, Tarso critica a ausência de diversidade de opinião no atual sistema midiático brasileiro e cita a postura editorial do jornal Zero Hora como exemplo de um processo de ideologização das notícias, recorrente no Brasil.

Marco Aurélio Weissheimer

Porto Alegre - O governador do Rio Grande do Sul, Tarso Genro (PT), defende que é hora de intensificar, por meio da luta política e do debate junto à opinião pública, a agenda da chamada regulamentação da mídia. Para Tarso, esse é uma questão chave para o avanço da democracia no Brasil e uma promessa ainda não cumprida da Constituição de 88. Em entrevista à Carta Maior, o governador gaúcho critica a ausência de diversidade de opinião no atual sistema midiático brasileiro e o processo de ideologização das notícias. Ele cita como exemplo o comportamento editorial do jornal Zero Hora, no Rio Grande do Sul: 

“As matérias de Zero Hora criticam as decisões que estamos tomando, baseadas no nosso programa de Governo, a partir da ótica do Governo Britto e Yeda, sem dizer que estão defendendo um programa de governo oposto ao nosso, já que foram e são grandes entusiastas das privatizações e das demissões de servidores públicos de forma irresponsável, as chamadas “demissões voluntárias”. 

O debate sobre o tema da regulamentação da mídia e do setor da comunicação como um todo enfrenta pesada resistência e oposição no Brasil. Na sua opinião, qual o lugar que essa agenda ocupa – se é que ocupa – hoje no debate político nacional?

Tarso Genro: A questão da chamada “regulamentação da mídia” - que na verdade não trata nem do direito de propriedade das empresas de comunicação e muito menos da interferência do Estado nas redações ou editorias - é uma questão-chave do avanço democrático do país, das promessas do iluminismo democrático inscritas na Constituição de 88 e mesmo da continuidade da presença dos pobres, índios, negros, excluídos em geral, discriminados de gênero e condição sexual, trabalhadores assalariados e setores médios que adotam ideologias libertárias, na cena pública de natureza política.

Mas essa promessa permanece não cumprida. O que é preciso fazer, na sua avaliação, para que ela se torne realidade?

Tarso Genro: É preciso “forçar a barra”, através da luta política, para que ela reflita no Congresso a exigência de uma sistema legal, regulatório e indutivo, para a formação de empresas de comunicação, cooperativadas ou não, estatais e privadas, que possam sobreviver e ter qualidade, independentemente do financiamento dos grandes grupos de poder financeiro e econômico, que tentam controlar a formação da opinião de forma totalitária.
Como fazem isso? Ideologizando as notícias e selecionando os fatos que informam o público consumidor de notícias, a partir da sua visão de Estado, da sua visão de desenvolvimento, da sua visão das funções públicas do Estado, gerando uma espécie de “naturalização” do neoliberalismo e mascarando as premissas dos seus argumentos. 

Cito alguns exemplos: reforma do Estado significa reduzir o serviço público e demonizar empresas estatais, como estão fazendo atualmente com a Petrobras; redução dos gastos públicos significa diminuir as despesas de proteção social; o “custo Brasil”, para eles, é originário, não da supremacia da política rentista, característica do projeto neoliberal, mas principalmente das despesas com direitos trabalhistas e impostos; parcerias público-privadas são vistas apenas como “oportunidades de negócios”, para empresas privadas e não como uma relação contratual, que combine o interesse público com o interesse privado; a corrupção é sempre culpa do Estado e dos seus servidores, omitindo que ela tem outro polo, o polo mais ativo, o privado, que disputa obras e serviços, corrompe funcionários e manipula licitações, nas suas concorrências predatórias. 

Essa relação entre a política e a mídia costuma ser carregada de tensões e conflitos. Como político e gestor público, como procura lidar com esse tipo de situação?

Tarso Genro: Tive algumas experiências diretas interessantes com este tipo de manipulação: quando iniciei a implementação das cotas para negros e afrodescendentes no país, através do Prouni - ali eu era ministro da Educação - a grande mídia atacava a proposta, apoiada por acadêmicos de direita e da chamada extrema-esquerda, porque as cotas iriam baixar a qualidade da Universidade, já que os negros e afrodescendentes eram originários da escola pública e não tinham uma formação compatível para cursar as Universidades da elite, que são as universidades privadas. Puro preconceito, como se vê, tornado notícia isenta. Hipnose fascista, como argumentava Thomas Mann, na época do nazismo. 

Outra experiência bem significativa foi quando, como Ministro da Justiça, deferi –baseado em jurisprudência do Supremo, nas leis e na Constituição, o refúgio para Cesare Battisti. Battisti não era, para a grande mídia, um cidadão italiano buscando refúgio, mas um “terrorista. O pedido de refúgio era divulgado, então, como pedido do “terrorista Césare Battisti”, para induzir o consumidor da notícia a ser contra o refúgio, pois ninguém de sã consciência quer abrigar terroristas em seu território. A grande mídia repassava sem nenhum pudor, para os leitores e espectadores, portanto, a tese do corrupto Berlusconi e dos fascistas italianos, de que Battisti era um simples bandido. Pura manipulação da informação para obter resultados favoráveis às suas opiniões e posições políticas pré-concebidas. Quase conseguiram.

Os exemplos aqui no Rio Grande do Sul também são fartos. Atualmente temos “fronts” onde esta disputa se desdobra. Temos o direito de dizer que é um jornalismo comprometido com uma visão do passado, este, da Zero Hora, que desqualifica constantemente o nosso governo, com distorções em notícias, cujos fatos são selecionados para dar uma impressão de neutralidade.

Com qual visão de passado, exatamente? 

Tarso Genro: Ora, a situação financeira estrutural do Estado é ruim há muito tempo e nós nos elegemos com o compromisso de investir, melhorar o salário do servidores - que estavam arrochados duramente- e recuperar as funções pública do Estado. As matérias de Zero Hora criticam as decisões que estamos tomando, baseadas no nosso programa de Governo, a partir da ótica do Governo Britto e Yeda, sem dizer que estão defendendo um programa de governo oposto ao nosso, já que foram e são grandes entusiastas das privatizações e das demissões de servidores públicos de forma irresponsável, as chamadas “demissões voluntárias”. 

O governo Britto fracionou e vendeu a CEEE por preços irrisórios, deixando as dívidas trabalhistas e das aposentadorias dos servidores com o Estado. Negociou as dívidas com a União, comprometendo-se a pagar juros exorbitantes e promoveu, assim, um estoque de dívida impagável. A governadora Yeda vendeu ações do Banrisul para pagar despesas correntes, não para - por exemplo - pagar contrapartidas para drenar mais recursos para investimentos, e fez o chamado (falso) “déficit zero”, arrochando salários e promovendo uma redução brutal nas políticas sociais e nos investimentos públicos, além de não captar recursos da União Federal, já que seu governo estava permanentemente atravessado por disputas internas. Ou seja, este jornal - e alguns editoriais de rádio e TV da mesma cadeia - estão já fazendo campanha eleitoral, para tentar restaurar, no Estado, as políticas destes dois governos, pois à medida que escondem as responsabilidades pela situação do Estado e exigem de nós, soluções imediatas, que sabem ser impossíveis e que não foram propostas no nosso Programa de Governo, estão saudosos destas políticas de privatização do Estado, que não deram em nada em lugar nenhum, a não ser atraso e crises sociais.

Um exemplo que chega ser hilário desta paixão saudosista é a forma com que eles tratam a questão dos pedágios no Estado e a parceria público-privada, para a construção da RS 10. Quanto ao primeiro assunto (pedágios), jamais avaliam os superlucros e os preços cobrados pelos pedágios, nem avaliam os investimentos feitos pelas concessionárias, para medi-los com estes preços e lucros. Quanto ao segundo assunto (parceria para a construção da RS 10) nos pressionam (ou pensam que nos pressionam), através de editoriais e notícias mal disfarçadas - mas são recados neoliberais - que devemos ser rápidos, acolhendo a proposta que vinha sendo negociada pela Governadora Yeda, sem pensar um minuto nos custos para o Estado e, inclusive, nas garantias que o Estado deve oferecer, nas suas precárias condições financeiras, herdadas dos governos Britto e Yeda, cujas promessas eles tinham grande simpatia. 

Este tipo de crítica dirigida diretamente a uma empresa de comunicação costuma ser associado a um tipo de censura ou ameaça à liberdade de expressão. Como vê esse tipo de objeção?

Tarso Genro: Tem o direito de fazer tudo isso, é óbvio, mas se tivéssemos fortes órgãos de imprensa, TVs e rádios, que fizessem circular de forma equivalente as informações do governo e a opinião dos usuários, obviamente toda a sociedade ficaria bem mais esclarecida e livre, para formar a sua opinião. Para informar, como se sabe, os governos que não adotam o receituário neoliberal, precisam pagar e pagar bem, com as suas peças publicitárias, pois as matérias em regra não são nem isentas nem equilibradas e passam, naturalmente, a ideologia dominante na empresa jornalística, às vezes até editando o trabalho feito pelo repórter, ou encaminhando para ele as “conclusões” isentas que a matéria deve conter.

Considerando a natureza conflitiva dessa relação, é possível, na sua opinião, manter essa postura crítica e, ao mesmo tempo, não fechar os canais de diálogo?

Tarso Genro: Temos diálogo com eles e vamos continuar tendo, até porque não confundimos a nossa função pública com as disputas político-partidárias, que estão na base destes conflitos. Frequentemente temos que usar, porém, os meios alternativos à grande mídia, as redes, os “blogs”, as rádios independentes para divulgar as nossas posições, principalmente em épocas pré-eleitorais, quando a isenção se torna ainda menor e eles passam a preparar os seus candidatos para as próximas eleições. É o que está ocorrendo agora de forma acentuada, em temas de alta relevância para o Estado, como as finanças públicas, as parcerias e as políticas sociais do nosso governo.

Fotos: Imprensa/Palácio Piratini 

domingo, 7 de abril de 2013

UMA NAÇÃO DE LEIS ARCAICAS
























ZERO HORA 07 de abril de 2013 | N° 17395

MUSEU DE LEIS

Produtor de leis em escala industrial, o Brasil convive com normas seculares e sem sentido e com a lentidão do Congresso em atualizar a legislação, fatores que resultam em um cipoal jurídico que prejudica os cidadãos e a economia


Você sabia que o comércio marítimo do Brasil é regulado por uma legislação dos tempos do Império? Que o Código Penal foi redigido durante o autoritarismo do Estado Novo, e o Código Eleitoral, no período nada democrático do regime militar? E que, após 25 anos, a Constituição tem mais de cem dispositivos pendentes?

São peculiaridades de um país acostumado a produzir normas em ritmo fabril, mas faltoso ao priorizar as leis que, de fato, influenciam a vida do cidadão. Atrás de equilíbrio, o Congresso criou no final de março uma comissão que tentará enxugar nosso cartapácio jurídico.

– É um paradoxo, mas o excesso de leis convive com a ausência de leis. E as leis que faltam são aquelas que a população mais necessita, como o direito à saúde, à educação e à moradia – aponta o constitucionalista Rogerio Dultra dos Santos.

Professor da Universidade Federal Fluminense (UFF), Rogerio alerta que normas antigas não são necessariamente ruins nem uma singularidade nacional. Contudo, no Brasil, há textos que precisam de atualização, principalmente por causa do seu grau de detalhamento ou atraso em relação a fenômenos modernos. Se o Código Comercial fala em “súditos do Império”, o comércio eletrônico tem status quase marciano.

O Código Brasileiro de Telecomunicações, de 1962, proíbe rádios e TVs de “ultrajar a honra nacional”, enquanto o Código Penal Militar, de 1969, prevê a pena de morte por fuzilamento, também presente na Constituição em casos de guerra.

Senado prepara reforma de códigos

Na tentativa de afinar as normas com a sociedade, o Brasil tenta modernizar seu aparato legal, um esforço patrocinado pelo senador José Sarney (PMDB-AP). Seis dos 17 códigos passam por reformas arrastadas no Congresso. Definições de crimes, a tramitação dos processos, o funcionamento do sistema eleitoral e os direitos do consumidor estão na revisão, sem data para ser concluída.

Dentro do paradoxo citado pelo professor Rogerio, quem mais sofre é a Constituição e seus pontos não regulamentados, que deixam direitos em aberto. Criticada por ser extensa, a Carta de 1988 é reflexo do período em que nasceu. Recém saído de duas décadas de ditadura, o Brasil optou por um texto detalhista, forma de garantir a transição política.

Para cobrir as lacunas, o Congresso aposta na nova comissão mista, composta por deputados e senadores, que em seis meses terá de solucionar os 142 dispositivos pendentes na Constituição e enxugar mais de 180 mil diplomas normativos. Integrante do grupo, o senador Pedro Taques (PDT-MT) defende a “lipoaspiração” nas leis:

– Esse cipoal causa insegurança jurídica, burocracia e impede o crescimento do país.

Para o constitucionalista Cristiano Paixão, professor da Universidade de Brasília (UnB), a comissão precisa ter prioridades. As regulamentações pendentes têm níveis de urgência. A função do vice-presidente da República, prevista na Constituição e ainda carente de lei complementar, pode esperar. Já a regulamentação do direito de greve ou da aposentadoria especial dos servidores públicos merece maior atenção.

– A não edição da lei sobre o vice-presidente importa muito pouco, mas há outros casos em que a omissão gera um prejuízo para o exercício dos direitos do cidadão – destaca Paixão.

Também integrante da comissão parlamentar, o deputado Miro Teixeira (PDT-RJ) confia em um trabalho rápido e propõe outro avanço: facilitar o acesso à legislação com a criação de um site de busca das leis por assuntos.

– Retirar o que caiu em desuso é importante, mas fazer o conhecimento da lei chegar ao cidadão é mais. Precisamos pensar nas leis e no acesso a elas para um mundo digital – argumenta ele.

GUILHERME MAZUI | BRASÍLIA


ENTREVISTA - “Queremos legislar tudo no Brasil”

Marco Antonio Villa - Historiador e autor de A História das Constituições Brasileiras



Autor do livro A História das Constituições Brasileiras, Marco Antonio Villa mergulhou na confecção das leis para comprovar que o excesso de normas é uma tradição nacional.

– Esse detalhismo faz mal ao país – destaca o pesquisador, professor da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), em conversa com Zero Hora.

Zero Hora – O Congresso criou uma comissão para regulamentar dispositivos da Constituição de 1988. Por que, 25 anos depois, ainda há o que regulamentar?

Marco Villa – Você coloca no artigo uma vírgula indicando a regulamentação em outra lei, e acaba ficando em aberto aquele direito. A Constituição é extensa e inchada, o que, somado à morosidade do Congresso, não regulamenta muitos direitos. É uma prática bem brasileira.

ZH – Regulamentações pendentes não são exclusividade da atual Constituição?

Villa – A Constituição de 1946 tinha o direito de greve, que nunca foi regulamentado. Chegou 1964, e a Constituição de 1967 suprimiu esse direito, que nunca foi exercido.

ZH – Que problemas um texto tão longo apresenta?

Villa – Quando a Constituição é extensa e detalhista, ela fica conjuntural, se transforma num programa político partidário marcado pelo tempo. O mundo mudou depois da queda do Muro de Berlim, o que deixou uma série de disposições da Constituição sem serventia. O ideal é um texto mais enxuto e genérico, como o norte-americano.

ZH – E qual é o impacto desta tradição detalhista que marca o país?

Villa – Queremos legislar tudo no Brasil. Achamos que a forma de resolver o problema não é resolvê-lo, mas criar uma lei. Se o Congresso mal consegue legislar sobre o hoje, dificilmente vai conseguir regulamentar os dispositivos constitucionais que aguardam na fila. O Congresso vive de correr atrás das medidas provisórias.

ZH – É visível a demora na reforma dos códigos. O Código Civil, de 2002, tramitou por 27 anos no Congresso. Quando aprovados, estes códigos já não estão defasados?

Villa – É outra tradição brasileira. O Código Civil anterior, de 1916, era para ter sido aprovado em 1902, conforme os planos do presidente Campos Sales. Tudo é muito lento, estamos sempre em ritmo de tartaruga, não há seriedade no trato das questões legais.

ZH – O PSD defende a convocação de uma nova constituinte. O senhor concorda?

Villa – Não é prioridade e pode piorar a Constituição, inclusive sobre os direitos individuais e a liberdade de imprensa. Iria retirar direitos e dificilmente enxugaria o texto.

ZH – Qual seria a solução?

Villa – Fazer funcionar o texto de 1988. A autonomia do Ministério Público é fundamental, o pleno funcionamento dos poderes também. A Constituição tem defeitos, mas na parte das liberdades, em um país de tradição autoritária, é muito importante. Falar em revisão é fazer um serviço para os setores mais autoritários. É um perigo.


A onda de reformas legais

Seis dos principais códigos do país passam por reformas, projetadas para terminar nos próximos anos. Confira:

CÓDIGO COMERCIAL (1850) -  Teve sua primeira parte revogada em 2002 pelo Código Civil, porém ainda regula o comércio marítimo Brasileiro. Com a proposta de reforma, que está atualmente na Câmara, a ideia é unificar outra vez o direito comercial. A modernização passa pela regulamentação do comércio via internet.

CÓDIGO PENAL (1940) - Entregue ao Senado no ano passado, a reforma é analisada em uma comissão especial. Propõe a flexibilização do aborto e da eutanásia, permite o consumo controlado de drogas e criminaliza a homofobia, além de endurecer contra crimes financeiros.

CÓDIGO DE PROCESSO PENAL (1941) - Passou por uma minirreforma em 2011, porém há uma modernização mais ampla no Congresso. O novo texto tenta agilizar a tramitação dos processos, diminuindo o número de recursos. O fim da prisão especial para pessoas com curso superior é outro ponto discutido.

CÓDIGO ELEITORAL (1965) - Uma comissão de juristas espera concluir o anteprojeto no primeiro semestre, para que o texto comece a tramitar no Congresso. O grupo tenta unificar os questionamentos judiciais das candidaturas e estuda propostas para limitar gastos de campanha.

CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (1973) - Responsável por organizar a tramitação das questões civis, o código já passou pelo Senado e está na Câmara. A modernização procura limitar a quantidade de recursos. O texto estimula a conciliação e propõe a penhora parcial e não integral do salário em caso de dívidas.

CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR (1990) - O texto é analisado em uma comissão no Senado. A reforma está calcada em três pontos: prevenção e criação de regras de conciliação, organização de ações coletivas e regulamentação sobre comércio eletrônico.

sábado, 6 de abril de 2013

APÓS 20 ANOS DE CONFLITO, XAVANTES RECEBEM TERRAS DE VOLTA


Após 20 anos de conflito, terras no norte do MT são devolvidas a índios Xavantes. Área de 165 mil hectares havia sido desocupada em janeiro com uso de força policial

Fátima Lessa, de O Estado de S. Paulo, 05/04/2013



CUIABÁ - O governo federal fez nesta sexta-feira, 5, a entrega oficial da Terra Indígena (TI) Marãiwatsédé, no norte de Mato Grosso, aos índios Xavantes. O ato ocorreu em Alto Boa Vista, a 1.064 quilômetros de Cuiabá.

A terra havia sido desocupada integralmente em janeiro deste ano, após uso da força policial por determinação da Justiça Federal, que reconheceu o direito de posse aos índios, e não aos cerca de seis mil posseiros que ocupavam a área irregularmente. A região foi palco de conflitos por mais vinte anos.

Segundo o Censo 2010, cerca de 1,8 mil índios vivem no local. A TI mede 165 mil hectares - cada hectare corresponde a 10 mil metros quadrados, o equivalente a um campo de futebol oficial. A área total compreende parte dos territórios das cidades de Alto Boa Vista, Bom Jesus do Araguaia e São Félix do Araguaia.

Para garantir a segurança dos indígenas no momento da ocupação e evitar o retorno dos produtores rurais, o Ministério da Justiça autorizou a permanência da Força Nacional de Segurança no local por 120 dias.

De acordo com a Funai, o povo xavante ocupa a área Marãiwatsédé desde a década de 1960. Nesta época, a Agropecuária Suiá Missu instalou-se na região. Em 1967, os índios foram transferidos para a Terra Indígena São Marcos, na região sul de Mato Grosso, e lá permaneceram por cerca de 40 anos.

terça-feira, 2 de abril de 2013

CAOS FUNDIÁRIO

O ESTADO DE SÃO PAULO, 02 de abril de 2013 | 2h 10


Xico Graziano *


Excelente reportagem de Roldão Arruda, publicada no Estado tempos atrás, indica algo impossível no cadastro de terras do País: o somatório de área dos imóveis rurais ultrapassa em 600 mil quilômetros quadrados a própria superfície do território nacional. A falha é escandalosa e o assunto, antigo.

Dele tratei ao apresentar, em 1989, minha tese, intitulada A Verdade da Terra, de doutorado em Administração na FGV-SP. Nela mostrei, modestamente, haver um resíduo sujo nas estatísticas agrárias do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra).

Em outubro de 1985, o governo liderado por José Sarney acabara de lançar o Plano Nacional de Reforma Agrária, estabelecendo uma meta de beneficiar, em 15 anos, um contingente de 7,1 milhões de famílias, das quais 1,4 milhão receberia seu pedaço de terra até 1989. A empreitada exigia ousadia total. Reconquistada a democracia, porém, tudo parecia ser possível.

O ponto de partida para o assentamento rural prometido residia no fabuloso estoque de terras dominado pelos latifúndios. Estimava-se no Incra que metade do território nacional, cerca de 410 milhões de hectares, estava ociosa. Terra de exploração que se transformaria em terra de trabalho, assim dizia o mais famoso slogan agrarista. Espetáculo da ilusão agrarista.

Deu, óbvio, tudo errado. Ao final do governo Sarney, desapropriados mesmo haviam sido apenas cerca de 8 milhões de hectares, distribuídos entre pouco mais de 50 mil famílias. Centenas de processos dependiam de trâmites burocráticos ou judiciais. Porém, ainda que todas as pendências fossem de pronto resolvidas, menos de 1% da meta de assentamentos teria sido atingida. Fracassara redondamente a reforma agrária da Nova República.

O fiasco foi creditado às forças conservadoras, comandadas pelos latifundiários. Participante ativo desse processo, como membro da equipe dirigente do Incra, em Brasília, não me convenci facilmente de tal argumento. Julguei que as objeções políticas haviam sido superestimadas na explicação do ocorrido. O buraco estava mais embaixo.

Minha tese, que virou livro (A Tragédia da Terra, 1991), mostrou serem equivocadas as estatísticas cadastrais do Incra. Inexistia, na verdade, aquele fantástico volume de terras a serem desapropriadas. Tratavam-se, isso sim, de enormes áreas que, embora oficialmente declaradas ao órgão oficial, raramente eram localizadas na realidade. Denominei tais imóveis de "latifúndios fantasmas": amedrontavam a sociedade, mas só valiam no papel.

Tudo indicava ser a grilagem de terras responsável pelos enganos. Áreas extensas eram registradas com documentação precária, para depois facilitar a sua venda. Noutros casos, antigas possessões haviam sido regularizadas, divididas, capitalizadas, mas permaneciam cadastradas como originalmente estavam. Não se limpava o cadastro original. Em meu trabalho acadêmico destaquei várias dessas áreas, com sua localização e seu tamanho. Somente no Estado de São Paulo identifiquei 11 "latifúndios fantasmas", jamais encontrados nas vistorias in loco. O caos fundiário era certamente mais grave nas demais regiões do País, menos estabelecidas burocraticamente.

Essa é a razão por que ainda hoje, conforme descobriu o jornalista Roldão Arruda, em 1.354 municípios brasileiros as terras cadastradas no Incra superam sua área territorial. Ladário, em Mato Grosso do Sul, puxa a lista da incongruência fundiária: a soma de seus imóveis rurais ultrapassa dez vezes a superfície municipal. Nem mágica explica.

Minha conclusão, formulada há 25 anos, foi chocante: as estatísticas enganadoras do Incra permitiram fabricar uma ilusão - ainda persistente na sociedade - de que seria fácil fazer a reforma agrária, bastando "vontade política" para executá-la.

Quando publiquei minha tese de doutorado, que repercutiu em entrevista nas páginas amarelas da revista Veja, a esquerda dogmática expulsou-me de sua turma. Tecnicamente, os entendidos pouco discordavam de mim. Mas achavam que, inoportunamente, eu dera munição à famigerada "direita". Alguns me acusaram de capitular ante o latifúndio. Bobagem.

Eu simplesmente defendia, como até hoje o faço, a ideia de que a modernização capitalista da agricultura exigia uma reorientação nas ideias agrárias herdadas do passado colonialista, que cultivavam a utopia socialista. Nada de permanecer, como Dom Quixote, lutando contra quimeras. Cazuza cantava: "A tua piscina está cheia de ratos/ tuas ideias não correspondem aos fatos" (em O Tempo não Para).

Muito se fez, desde então, para aprimorar o sistema cadastral do Incra. Durante o governo de Fernando Henrique Cardoso, medidas saneadoras - legislativas, jurídicas e administrativas - conseguiram deletar cerca de 90 milhões de hectares, comprovadamente grilados, especialmente no Norte. Mas nunca, verdadeiramente, o Incra enfrentou esse problema pra valer. Por motivos, lamentavelmente, ideológicos.

Trazer credibilidade ao cadastro fundiário do País pressupõe modernizar o Incra. Carcomido pela velha ideologia, aparelhado por grupelhos políticos, tornou-se palco de disputas entre grupelhos, afugentando o profissionalismo que o projetou. Tornou-se burocratizado, lento. Os agricultores que o digam: um simples registro dos limites geográficos da fazenda, referenciados por satélite, demora anos para ser concedido. Fora as notícias sobre propinas, que todos conhecem, mas receiam denunciar, temendo ser retaliados pelas mãos dos invasores de terras.

Chegou a hora da verdade para o Incra. A histórica instituição não se pode contentar com essa inoperância, caindo em descrédito por nem saber sequer quanto de terra o Brasil possui. Ou redescobre sua função, empurrando a modernidade no campo, ou fecha as portas.


* Xico Graziano é agrônomo, foi secretário de Agricultura e secretário do Meio Ambiente do Estado de São Paulo. E-mail:xicograziano@terra.com.br.