Revelamos aqui as causas e efeitos da insegurança pública e jurídica no Brasil, propondo uma ampla mobilização na defesa da liberdade, democracia, federalismo, moralidade, probidade, civismo, cidadania e supremacia do interesse público, exigindo uma Constituição enxuta; Leis rigorosas; Segurança jurídica e judiciária; Justiça coativa; Reforma política, Zelo do erário; Execução penal digna; Poderes harmônicos e comprometidos; e Sistema de Justiça Criminal eficiente na preservação da Ordem Pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio.

terça-feira, 28 de abril de 2015

CONFLITO RACIAL E TOQUE DE RECOLHER

 

ZERO HORA 28 de abril de 2015 | N° 18146


CONFLITO RACIAL. Baltimore decreta toque de recolher


CHOQUES COM POLÍCIA põem cidade americana sob emergência depois da morte de um negroO velório de um jovem negro morto após ser ferido durante sua prisão em Baltimore, no Estado de Maryland (EUA), acabou em confronto entre policiais e manifestantes ontem.


O governador de Maryland, Larry Hogan, declarou estado de emergência e convocou a Guarda Nacional para conter os distúrbios. Em seguida, a prefeita de Baltimore, Stephanie Rawlings- Blake, declarou toque de recolher na cidade a partir de hoje.

– Muitas gerações já ajudaram a construir esta cidade e não permitiremos que seja destruída por vândalos – disse a prefeita.

Grupos de jovens atearam fogo a pelo menos uma viatura, destruíram outras, e arremessaram pedras, tijolos e pedaços de cano contra os policiais, que usavam capacetes e portavam escudos. Diversas lojas foram saqueadas. Conforme o capitão da polícia Eric Kowalczyk, ao menos sete agentes ficaram feridos, alguns sofreram fraturas – um estava inconsciente.

Freddie Gray foi preso em 12 de abril, acusado de portar um canivete. Vídeos gravados por pedestres mostram que ele foi jogado no chão na hora da detenção e gritava de dor ao ser posto na parte traseira de um furgão da polícia. Ele morreu no hospital sete dias depois, em decorrência de grave ferimento na coluna vertebral.

– Sabemos que ele estava bem quando entrou no veículo da polícia, mas já não reagia na saída – afirmou a prefeita.

A polícia reconheceu que Gray não recebeu atendimento adequado e os seis agentes responsáveis pela prisão foram suspensos até o fim das investigações sobre o caso. O Departamento de Justiça também analisa a morte.

Com 622 mil habitantes, Baltimore foge do perfil racial de Maryland e tem maioria negra. A cidade fica a apenas 40 minutos de trem de Washington.

Nos últimos meses, casos de homens negros mortos por policiais nos Estados Unidos geraram protestos em todo o país. Entre os casos emblemáticos, estão os de Michael Brown, em Ferguson (Missouri), e de Eric Garner, em Nova York.

Manifestações quase diárias têm sido realizadas em Baltimore desde a morte de Gray. A mais violenta delas havia sido no sábado, quando 34 pessoas foram presas e seis ficaram feridas. Ontem, cerca de 3 mil compareceram ao velório do jovem. O pastor Jamal Bryant disse que Gray “fez o que é proibido a negros: olhar nos olhos de um policial”.

OS RICOS MALVADOS



ZERO HORA 28 de abril de 2015 | N° 18146



DAVID COIMBRA




Bresser-Pereira disse em entrevista a Zero Hora que os ricos nunca gostaram da democracia e a temem. Preocupante. Porque, afinal, quem são os ricos?

Respondo: os ricos são pobres, só que com dinheiro. Pegue um pobre, abra uma conta bancária para ele e encha-a de reais. Pronto, ele virou rico.

Por exemplo, o Lulinha, filho do Lula, até o pai chegar à Presidência, era monitor de zoológico e ganhava R$ 600 por mês. Agora ele é empresário bem-sucedido e mora num apartamento que vale R$ 6 milhões. Ou seja: Lulinha era pobre e se tornou rico.

A premissa contrária também é verdadeira, e há vários casos que o demonstram. O mais recente e mais notório é o de Eike Batista, que chegou a ser o oitavo nababo do mundo e hoje se repoltreia no pântano infecto da classe média.

Então, está claro que ninguém nasce com o gene da riqueza, que seria uma espécie de inimigo do gene da democracia. Em tese, qualquer um pode ser rico, até o Bresser-Pereira. E aí pulsa e freme a questão: por que uma pessoa, uma vez enricada, começa a odiar e temer a democracia?

Sei qual é o raciocínio do Bresser-Pereira. É o raciocínio do brasileiro em geral: a democracia dá direitos iguais a todos. Logo, o regime democrático diminuiria os privilégios dos ricos. Mas os ricos, obviamente, não querem perder esses privilégios, sobretudo porque sua riqueza é baseada neles. Em resumo, os ricos são ricos porque exploram os pobres. Os ricos são opressores; os pobres, vítimas da opressão. Assim, ricos e pobres são inimigos, são classes em luta eterna, irreconciliáveis por natureza.

Por isso, ganhar dinheiro, no Brasil, é uma vergonha. Se alguém tem dinheiro, provavelmente o roubou. Fazer sucesso é suspeito. Se alguém faz sucesso é porque se vendeu aos ricos.

Já ser pobre pode ser ruim, mas é lindo. Pena que os pobres brasileiros, não lhes bastando a pobreza material, sejam também pobres de espírito. Eles não gostam da Rede Globo porque a qualidade dos programas é ótima, nem do McDonald’s porque o Big Mac é um bom sanduíche, nem da Coca-Cola porque o refrigerante é saboroso, nem do Roberto Carlos porque ele canta bem. Não. Todos esses casos vitoriosos na verdade enganam os pobres. Eles usam de fórmulas malignas que iludem facilmente os coitadinhos, que passam a apreciar coisas horríveis e detestar coisas maravilhosas, como as músicas da Mercedes Sosa, os filmes do Godard e os livros da Virginia Woolf. Que fórmulas são essas? Aí está algo que só os ricos sabem. Há apenas uma maneira de você descobrir: pergunte ao Lulinha.

NOBEL DA PAZ

Não assisti ao Gre-Nal. Pelo menos não a todo. Estava em Nova York, vendo os ricos gastando em dólar. Mas tenho algo a dizer a respeito: essa torcida mista é uma das iniciativas mais inteligentes, sensatas e nobres da história do futebol mundial. Não é exagero. Os dirigentes que a tornaram possível merecem loas e aplausos. Os nomes! Quero os nomes desses gremistas e colorados da paz.

sábado, 11 de abril de 2015

PROSPERIDADE E IGUALDADE, MAS COM LIBERDADE



ZERO HORA 11 de abril de 2015 | N° 18129


EDITORIAIS



A 7ª Cúpula das Américas, em andamento no Panamá, está sendo considerada uma oportunidade histórica para a reaproximação dos povos americanos e para a cooperação no continente. Nesse contexto, o novo momento diplomático entre Estados Unidos e Cuba aparece como destaque, mas não se pode esquecer que o governo dos irmãos Castro na ilha caribenha, assim como o de Nicolás Maduro, na Venezuela, e de Rafael Corrêa, no Equador, continuam restringindo liberdades individuais que são pré- requisito para a prosperidade e para a justiça social, entre as quais a liberdade de expressão e de imprensa.

Venezuela e Equador têm a seu favor o fato de que, apesar dos desmandos de seus governos, ainda preservam a estrutura básica de uma democracia. Podem, portanto, pela posição crítica de seus cidadãos, manter intactas as instituições e as leis, para que a vocação totalitária de quem está no poder não se transforme em autocracia, como ocorre em Cuba, onde o controle absoluto da política e da economia foi transferido, em família, de um governante para o irmão. A cooperação buscada pelos participantes da cúpula será parcial se não estender seu alcance às questões políticas.

Essa será a primeira cúpula com a participação de um presidente cubano, o que demonstra a boa vontade com a evolução dos gestos dos Estados Unidos, no sentido de levantar o embargo comercial à ilha. Espera-se do governo castrista um gesto concreto no sentido de suspender os controles sobre as vidas dos habitantes de Cuba, o encarceramento de políticos e a censura aos que se expressam contra a ditadura.


COMENTÁRIO DO BENGOCHEA - Sem liberdade, não haverá prosperidade nem igualdade, mas discriminação do capital, pobreza no povo escravo, e riqueza na nomenklatura governante.

sábado, 4 de abril de 2015

QUEM SÃO OS BRASILEIROS EM GUERRA

REVISTA ISTO É N° Edição: 2366 | 02.Abr.15 - 18:00



Atraídos por questões ideológicas ou pela excitação de estar em uma zona de conflito, PMs, motoboys, estudantes e ativistas políticos se transformam em combatentes na distante Ucrânia

Yan Boechat, texto e fotos




Rafael Miranda não sabe ao certo se foram dois, quatro ou seis metros. Só tem certeza de que voou. O deslocamento de ar provocado pelo morteiro que explodiu a poucos metros de onde ele estava arremessou seu corpo com violência. Rafael caiu batendo com a cabeça sobre o cabo do rifle AK-74. “Não desmaiei, não senti dor, não ouvi nada”, conta ele. “Só percebi que algo estava errado quando tentei correr para me jogar na trincheira”. Apesar do esforço, ele não conseguia se movimentar. Não sentia qualquer coisa da cintura para baixo. “Achei que os estilhaços do morteiro tinham me partido ao meio, que eu estava sem as pernas”. Rafael já havia visto cenas semelhantes: pessoas com ferimentos graves, estraçalhadas, mas sem dor por conta da brutal descarga de adrenalina. “Fiquei com medo de olhar para minhas pernas”, diz. “Coloquei a cabeça sobre o rifle, fechei os olhos e esperei que uma bomba me acertasse. Tinha certeza que ia morrer ali”.


AÇÃO
O ex-segurança privado Rodolfo Magaiver realiza treinamento a poucos
quilômetros do front de batalha em Pervomias'k, Leste da Ucrânia

Tudo aconteceu muito rápido. Fazia frio na manhã de 18 de janeiro e as ruas da pequena cidade litorânea de Shirokino, no Sudeste da Ucrânia, estavam cobertas pela neve da noite anterior. Rafael e dezenas de outros soldados estrangeiros da Unité Continentale, um batalhão formado por voluntários de diferentes países, avançavam sobre o centro de Shirokino. O ataque era uma etapa da nova tentativa de se aproximar de Mariupol, uma cidade de 500 mil habitantes fortemente defendida pelas forças armadas ucranianas, distante apenas 20 quilômetros dali. Se conquistassem Mariupol, os rebeldes pró-Rússia ampliariam ainda mais a faixa de domínio que haviam assegurado no Leste da Ucrânia e teriam acesso a um dos mais importantes parques siderúrgico do país. “Estava fácil, entramos na vila sem resistência”, relembra Rafael. “Mas aí, uma sirene começou a tocar. Até rimos. Duvidávamos que abririam fogo contra a cidade, contra os civis que estavam nos porões das casas”. A sirene ainda ecoava quando a tempestade de mísseis e morteiros despencou.

Resignado, Rafael seguia deitado sobre o rifle, esperando pela morte. Foi quando sentiu um tranco no pescoço e ao abrir os olhos já se viu dentro da trincheira. Tinha sido salvo por um soldado russo. Só então, Rafael tomou coragem de olhar para as pernas. Estavam lá, intactas, sem ferimentos ou qualquer marca de sangue. À sua volta, soldados feridos gritavam, outros pareciam mortos. “Pela primeira vez senti pavor”, conta Rafael. “Percebi que havia sido ferido nas costas e tive medo de ter ficado paraplégico. Só pensava em como ia contar para minha mãe o que tinha acontecido comigo tão longe de casa”.



Rafael foi atingido por dois estilhaços de morteiro. Um deles perfurou seu pulmão esquerdo. O outro, pelo que ele conseguiu entender dos médicos russos que o atenderam, alojou-se a poucos milímetros de sua espinha dorsal. “Fui operado duas vezes, fiquei internado por quase dois meses e já consigo andar, ainda que mancando”, diz ele, sentado na cama de um quarto de hospital em Donetsk , no dia em que se preparava para receber alta. “Foi difícil, faltou comida e o tratamento não é o melhor, mas me sinto feliz. Estou aqui para lutar contra o imperialismo americano”, diz ele. Um dos colegas de quarto, notando a animação, saúda Rafael com o jargão antifascista da Guerra Civil Espanhola: “No passarán!”.

Até seis meses atrás, Rafael jamais havia participado de um treinamento militar. Nem tiro com fuzil tinha dado em seus 26 anos de vida. Fez cursos de segurança privado e, quando mais novo, sonhava em se tornar boxeador profissional. Disputou apenas uma luta, e perdeu. Natural de Mauá, na região do ABC paulista, decidiu ir para a Ucrânia se aliar aos rebeldes no final do ano passado, logo após perder o emprego de segurança em uma empresa de São Paulo. Para sobreviver, passou parte da segunda metade de 2014 trabalhando como motoboy. “Sabe quando chega aquele momento em que nada dá mais certo, que você só quer sumir, desaparecer? Pois é, eu cheguei nesse momento”. Rafael acredita que há um complô formado por banqueiros, grandes empresas e magnatas judeus para impor ao mundo uma ordem marcada pela desigualdade e pela exploração dos mais fortes sobre os mais fracos.



Rafael Miranda é parte de um crescente grupo de brasileiros que optaram por abandonar suas vidas para se juntar aos rebeldes apoiados pela Rússia que lutam pela independência desta região do Leste da Ucrânia conhecida como Donbass. Em março havia sete brasileiros de diferentes regiões do País – com diferentes objetivos e ainda mais diferentes motivações – lutando lado a lado com os separatistas.

O grupo é heterogêneo. Em março juntava perfis tão distintos quanto o de um soldado da Polícia Militar do Amazonas em licença não remunerada e o de um estudante de comunicação de uma universidade pública de Minas Gerais. Contava ainda com um ex-militante de esquerda do Sul do País, de pouco mais de 50 anos de idade, e seu filho, um estudante universitário de cerca de 20 anos. O pelotão de brasileiros é integrado também por um ex-cabo do exército que atuava como segurança privado em Presidente Prudente (SP) e que ficou desempregado após ser baleado na perna em um tiroteio. Em meados do mês passado, todos eram comandados por Rafael Lusvargui, um ex-soldado da Polícia Militar de São Paulo que foi preso durante as manifestações contra a Copa do Mundo na capital paulista em 2014.

Lusvargui foi o primeiro deles a ir para a Ucrânia se unir aos rebeldes. Chegou lá em setembro, logo após a perícia da polícia paulista comprovar que a caixinha de achocolatado líquido com a qual foi preso nas passeatas continha apenas uma mistura de leite, açúcar e chocolate em pó – e não material explosivo, como alegavam os policiais que o prenderam. “Comecei a postar as fotos das ações que eu participava aqui na Ucrânia e rapidamente um monte de gente entrou em contato, querendo ajudar os rebeldes. Nem eu esperava por isso”, conta Lusvargui, que se considera eslavo, já havia morado na Rússia e fala russo com bastante desenvoltura.



Rodolfo, ex-cabo do exército, de 27 anos, que trabalhava como segurança em Presidente Prudente (SP), chegou dois meses depois de Lusvargui. Ele, que prefere ser chamado de Magayver (“porque resolvo tudo”), conheceu Lusvargui por meio de uma página no Facebook de apoio aos separatistas. Criada pelo advogado carioca Raphael Machado, o grupo Frente Brasileira de Solidariedade com a Ucrânia se transformou em uma espécie de ponto de encontro e troca de informações de brasileiros que desejam fazer parte da guerra. Machado já tem mais de sete mil seguidores na página e diz que, em poucos meses, cerca de 150 pessoas o procuraram atrás de informações para entrarem na guerra.

“Eu segui as recomendações e deu tudo certo”, diz Rodolfo, o Magayver. “Vim para cá para ajudar as pessoas que estavam sofrendo”. Mas ele não nega que, desde a época do quartel, sonhava participar de combates reais. Magayver gosta da guerra.

A conexão Brasil-Donbass funciona de forma simples. Os brasileiros compram passagem para Moscou e lá são recebidos por uma pessoa ligada aos separatistas que os hospedam em um apartamento na capital russa. Em poucos dias, embarcam num ônibus com outros voluntários estrangeiros e russos, diretamente para Lugansk, uma das principais cidades da região separatista. Ali o grupo é recepcionado por Rafael Lusvargui e encaminhando de imediato para Pervomais’k, uma tenebrosa cidade fantasma que já foi habitada por 60 mil pessoas. Danificada pelos bombardeios e praticamente abandonada pela população civil, Pervomais’k é a porta para os combates – fica a menos de cinco quilômetros das trincheiras das forças armadas ucranianas. Rafael Lusvargui recebeu autorização do batalhão cossaco do qual faz parte para criar um pelotão de reconhecimento e sabotagem batizado de Unidade Internacionalista Ernesto “Che” Guevara. A expectativa é de que pelo menos seis novos brasileiros cheguem a Pervomais’k nas próximas semanas.



A Guerra da Ucrânia é um conflito local com implicações mundiais e tem atraído uma miríade de combatentes de todo o mundo. A despeito dos detalhes regionais, para muitos, este é um combate entre Leste e Oeste. Uma espécie de batalha final da Guerra Fria que foi prorrogada por três décadas. “A Rússia ainda é um elemento importante no equilíbrio geopolítico mundial e os Estados Unidos e a União Europeia querem enfraquecê-la o máximo possível para serem hegemônicos”, diz o soldado da Polícia Militar do Amazonas que também luta ao lado dos rebeldes e não quer se identificar. Pede apenas para ser chamado de Al Hassan.

Ex-estudante de história, vivendo na Ucrânia há pouco mais de um mês, Hassan tem um perfil distinto do tradicional PM brasileiro. “É difícil ser policial militar, a PM é uma instituição reacionária, mas é um emprego”, diz. Ele foi para a Ucrânia em busca de experiência em combate militar. Acredita que, em algum momento, grupos armados de extrema esquerda possam ressurgir no Brasil e na América Latina em face à guinada à direita que muitos países ameaçam tomar. “Quero estar preparado para fazer parte deles”. Mas Hassan, assim como outros brasileiros do grupo na Ucrânia, está decepcionado. “Não há combate direto, é só artilharia. Você raramente vê o inimigo”, reclama.

Quando começou, a Guerra da Ucrânia parecia destinada a seguir as características dos conflitos atuais, como ocorre na Síria e no Iraque: forças assimétricas combatendo em ambiente urbano, utilizando táticas de guerrilha. No entanto, o farto equipamento militar disponível tanto para as forças armadas ucranianas quanto para os rebeldes fez com que rapidamente as batalhas ganhassem cores muito semelhantes às da 1º Guerra Mundial, com front definido e batalhas travadas basicamente por artilharia.



Félix – outro nome fictício - nunca tinha pego uma arma na vida quando chegou na Ucrânia trazido por seu pai. O primeiro tiro foi dado em um rifle AK-74, durante os cinco dias de treinamento básico que todos os brasileiros recebem antes de ir para o front. Na terceira semana de março, Félix estava em um apartamento ocupado pelos soldados rebeldes na cidade de Pervomais’k, recuperando-se de um princípio de hipotermia. Ele não suportou as temperaturas negativas que enfrentou durante os cinco dias passados nas trincheiras. “A guerra de verdade é muito diferente do que a gente pensa, não tem nada a ver com o vídeo-game”, diz ele, singelamente. No Brasil, Félix gostava de jogar Call of Duty e Medal of Honor, dois bestsellers do mundo dos vídeo-games de guerra. “Mas eu não tenho ideologia, não gosto de nenhuma ideologia política”.

Já o pai de Félix se apresenta como um ideólogo. Alberto – nome também fictício – passou a vida militando em organizações e partidos de esquerda no Brasil. Divergências internas o fizeram desistir, ao menos por enquanto, da militância. Alberto gosta de discorrer sobre qualquer assunto com explicações longas e eloqüentes. Cita nomes, dados e datas com impressionante precisão. Ele garante que não foi para a Ucrânia para se transformar em um combatente, embora tenha feito treinamento básico militar e passado vários dias nas trincheiras, participando de missões de reconhecimento das linhas inimigas. “Se você disser que eu peguei em armas, eu nego”, dizia ele, em uniforme militar, ao lado de um rifle AK-74.



Félix e seu pai são considerados “combatentes turistas” pelos mais experientes, como Rafael, Lusvargui ou Magayver. Ao contrário deles, os três não se importam em mostrar o rosto ou dizer seus nomes. De alguma forma, estão recebendo um reconhecimento que nunca tiveram na vida. A população local os considera heróis e, por meio das redes sociais, são vistos quase como celebridades em um universo restrito, porém bastante ativo, de admiradores de seus feitos. Magayver, por exemplo, saiu do Brasil com 80 amigos no Facebook. Hoje os conta aos milhares. Na última semana de março, em um raro passeio pelo centro de Donetsk, Rafael chegou a ser parado por um casal de senhores em um mercado de pulgas da cidade. Ao verem a bandeira brasileira bordada em seu uniforme, se emocionaram a ponto de derramarem lágrimas. Rafael, que considera como sua família apenas a mãe – a despeito de ter pai e irmãos – também se emociona. “Por alguma razão meus familiares no Brasil estão se orgulhando de tudo isso que estou fazendo”, diz. “Estou feliz”.