Revelamos aqui as causas e efeitos da insegurança pública e jurídica no Brasil, propondo uma ampla mobilização na defesa da liberdade, democracia, federalismo, moralidade, probidade, civismo, cidadania e supremacia do interesse público, exigindo uma Constituição enxuta; Leis rigorosas; Segurança jurídica e judiciária; Justiça coativa; Reforma política, Zelo do erário; Execução penal digna; Poderes harmônicos e comprometidos; e Sistema de Justiça Criminal eficiente na preservação da Ordem Pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio.

quinta-feira, 30 de outubro de 2014

É PRECISA ENTENDER GRAMSCI PARA COMPREENDER O PT

REVISTA VEJA 29/10/2014 às 10:08


RODRIGO CONSTANTINO



Gramsci

Lenin queria uma revolução comunista pelas armas, para impor a “ditadura do proletário” (na verdade, da elite em nome do proletário). Mas Gramsci, o fundador do Partido Comunista Italiano, acreditava que essa tática belicosa não daria certo no Ocidente. Era preciso comer pelas beiradas, dominar a cultura, destruir a democracia de dentro dela.

Muitos repetem hoje a frase do marqueteiro de Bill Clinton, alegando que “é a economia, estúpido”. Mas será que é mesmo? A economia esse ano simplesmente não cresceu nada, e a inflação seguiu em alta. Mesmo assim Dilma venceu. Podemos considerar uma possível fraude e o voto de cabresto, mas mesmo assim ela teve milhões de votos Brasil afora. Por quê?

De forma bem resumida: Gramsci. O empresário Gastão Reis Rodrigues Pereira publicou um excelente artigo hoje no Estadão resumindo o que pregava o ideólogo comunista. Dá uma boa ideia de como chegamos até aqui. Isso foi abordado em meu livro Esquerda Caviar também, tamanha a importância que dou ao assunto. Segue um trecho:

Onde as ditaduras socialistas não vingaram, restou a opção da tomada de baixo para cima desses veículos. A revolução de Gramsci, o comunista italiano que arquitetou a estratégia de poder por meio da própria democracia, poderia dispensar as armas se fosse bem-sucedida na infiltração em escolas, universidades, redações, igreja e televisão. Sua revolução cultural seria mais silenciosa e, portanto, mais perigosa, pois menos perceptível.

Vale a pena dedicar alguns parágrafos a esta figura sombria, uma vez que as estratégias traçadas em seus Cadernos do cárcere têm tudo a ver com a postura da esquerda caviar atualmente, e com esse viés da imprensa.

Nascido na Itália em 1891, Antônio Gramsci foi um marxista intelectual membro do Partido Socialista Italiano. Gramsci era um simpatizante da revolução bolchevique de 1917, e foi um dos fundadores do Partido Comunista Italiano. Preso pelo regime fascista de Mussolini, começou a escrever notas na prisão.

O tema central de seus escritos consistiria na formulação de uma estratégia de tomada do poder, distinta do modelo leninista. Para Gramsci, o “assalto ao poder” de Lênin não seria o método adequado nos países ocidentais. A estratégia gramscista de transição para o socialismo contaria com aspectos mais graduais, infiltrando-se e influindo na cultura, e alterando-a para permitir a conquista final do poder pelas classes subalternas. Esta tem sido a receita praticada na América Latina nas últimas décadas, com resultados claramente positivos do ponto de vista dos marxistas.

O general Sérgio Augusto de Avellar Coutinho, já falecido, escreveu o livro A revolução gramscista no ocidente, que faz um didático resumo da concepção revolucionária de Gramsci. Nela, o grupo dirigente seria justamente aquele que tem a hegemonia, ou seja, “que tem capacidade de influir e de orientar a ação política, sem uso da coerção”. O que torna a estratégia gramscista tão perigosa é exatamente o fato de trabalhar por apodrecer os pilares democráticos de dentro da própria democracia, subvertendo seus valores e corroendo esses fundamentos.

Os gramscistas falam em “democracia radical” ou “radicalismo democrático” para se referir a tal modelo. Essa deturpação da ideia de democracia é útil para a causa socialista, pois permite que se fale em “socialismo democrático”, distanciando-se, no imaginário popular, do regime ditatorial adotado na União Soviética. Isso garante o respaldo de legalidade, evitando assim eventuais resistências e reações da sociedade.

Na estratégia gramscista, o papel dos intelectuais orgânicos é crucial. O novo intelectual não é apenas um orador eloquente, mas um dirigente que orienta, influencia e conscientiza as massas. O grupo de luta deve também batalhar pela assimilação e conquista ideológica dos intelectuais tradicionais. Estes terão participação consciente ou inconsciente, podendo assumir o papel de intelectual orgânico por convencimento e adesão, ou por ingenuidade, acomodação ou até capitulação.

Para Gramsci, todos os membros do partido, em todos os níveis, são intelectuais. Devem realizar na sociedade civil uma profunda transformação política e cultural, “amestrando” as classes burguesas também, levando-as a aceitar as mudanças intelectuais e morais como parte de uma natural e moderna evolução. Para tanto, contam com o apoio dos organismos privados, como sindicatos e organizações não-governamentais. E da imprensa, claro.

Portanto, caros leitores, se desejamos nos livrar de vez do PT e do bolivarianismo – e toda gente decente deseja isso – será preciso lutar no campo cultural. Sem mudar a mentalidade das pessoas e sem impedir o avanço dos “intelectuais orgânicos”, essa cambada de doutrinadores que desde a escola já manipula as frágeis cabeças das crianças, não será possível superar e enterrar essa seita esquerdista, colocando-a em seu devido lugar, que é o lixo da história.

Rodrigo Constantino

quarta-feira, 29 de outubro de 2014

HOSTILIDADES PÓS ELEIÇÃO GERA ONDA DE ORGULHO NORDESTINO

G1 - 28/10/2014 11h22

Hostilidade após eleição gera onda de orgulho nordestino nas redes . Com fotos, hashtags e páginas criadas na internet, brasileiros de diferentes Estados pregam admiração pelas tradições e pela população da região Nordeste


Da BBC




Internautas vinculam suas contas no Facebook ao site "Nordestino, sim" para demonstrar orgulho da região. (Foto: Reprodução/BBC)

O recado era direto: "Diga ao mundo: sou nordestino, sim". A resposta foi rápida: na base do boca a boca, mais de 1,7 mil moradores de Estados como Sergipe, Pernambuco, Bahia, Rio Grande do Norte, São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais aceitaram o chamado.

Eles associaram suas fotografias ao site "Nordestinos Sim", criado há menos de três semanas para celebrar, por meio de um mosaico de diferentes cores, idades e gêneros, o orgulho de quem nasce na região.




Lançado em 8 de outubro, o site ganhou fôlego durante a onda de mensagens discriminatórias publicadas nas redes sociais na reta final das eleições. E não foi só ele.
Em resposta a mensagens como "só foram feitos para comer farinha, fazer filho e ganhar Bolsa Família", outras manifestações de defesa à cultura e aos cidadãos nordestinos se espalharam pelas redes.

Caso da hashtag #SouDoNordesteMesmoEComOrgulho, que em menos de uma semana foi compartilhada mais de 100 mil vezes e ganhou adeptos como o escritor Paulo Coelho e o rapper MV Bill. Logo após a divulgação do resultado das eleições, no domingo, a frase chegou ao topo da lista de assuntos mais discutidos no Twitter em todo o mundo.

'Unir rostos'


"O ódio a determinadas regiões, origens, classes sociais não leva a lugar nenhum. Nossa ideia então foi unir nossos rostos para promover união", explica o publicitário sergipano Ricardo Cardoso, criador do projeto "Nordestinos sim".

Ele diz que o site não visa estimular rivalidades, mas convidar brasileiros de todos os Estados a "mostrarem a cara e registrar que somos todos iguais, com os mesmos defeitos e qualidades". Mais do que conquistar adeptos no Sul, Sudeste e Centro-Oeste do país, o "Nordestinos sim" também reúne imagens de brasileiros que vivem nos Estados Unidos, Espanha, Itália, Argentina, Alemanha, Austrália, Angola, Luxemburgo e França.

A modelo Danielle Magalhães, que nasceu em Aracaju e mora no interior de Minas Gerais, é uma delas. Ao #SalaSocial, ela afirmou ter feito questão de mostrar suas origens depois de ler em sua timeline comentários pejorativos sobre o voto de seus conterrâneos.

Danielle Magalhães diz que, após ler frases de preconceito, "mais do que nunca se orgulha por ser a nordestina que é". (Foto: Divulgação/BBC)

"Não costumo discutir política, e não discuti em momento algum, mas a verdade é que fiz questão de deixar claro minha indignação com a forma arrogante que algumas pessoas se referiam aos nordestinos", diz. "Algumas pessoas não sabiam de onde eu venho", afirma Magalhães, que não se abateu pelos comentários. "Sim, hoje mais do que nunca eu me orgulho por ser a nordestina que sou".

Direitos humanos

Para Camila Lippi, professora da Universidade Federal do Amapá e coordenadora o Observatório Amazônico de Direitos Humanos, o direito à liberdade de expressão - argumento de muitos para manifestações preconceituosas - tem limites.

"Qualquer sociedade democrática precisa respeitar e defender os direitos de grupos políticos, étnicos, sexuais, quais forem", diz. "Isso está nos tratados internacionais de direitos humanos: eles proíbem apologia ao ódio, como proíbem propaganda a favor de guerras." A professora, que diz ter ficado surpresa com o nível das campanhas no Rio de Janeiro, onde esteve no fim de semana eleitoral, afirma que as manifestações na internet reproduzem discursos cotidianos de ódio.

"Eles são proferidos diariamente por muitos nas ruas, sem que o autor se dê conta que está falando de seus vizinhos, seus colegas de trabalho, seus amigos", afirma. Na opinião da especialista em redes sociais Anna Haddad, a discussão tem aspectos "superpositivos para uma sociedade pouco politizada como a brasileira".

"Esse fenômeno traz um movimento importante. As pessoas acompanham os comentários, ouvem opiniões distintas e isso estimula a busca por educação política. Essa interação enorme ajuda a construir novas reflexões, destruir velhos paradigmas, e traz efeitos vão desde um like ou comentário novos, até uma crítica inesperada, a criação novos movimentos políticos, a criação de um novo partido", diz.

'Nordestinos simbólicos'
A onda trouxe à tona "nordestinos de coração" - gente nascida longe dali, mas que declara amor a suas tradições - e promoveu encontros inesperados, como entre o escritor Paulo Coelho e o rapper MV Bill.

"Nasci no Rio, e mesmo assim #SouDoNordesteMesmoEComOrgulho (por sinal, mal acabou eleição e começou divisão/preconceito?)", tuitou Coelho, compartilhado por mais de 700 pessoas. Bill mostrou pensar parecido: "Nasci no Sudeste,mas tenho parentes e amigos no Norte e Nordeste, me sinto privilegiado por isso", escreveu.

O professor de inglês carioca Alexandre Marques trocou sua foto no Facebook por uma imagem em que aparece com um chapéu parecido com os usados pelo cangaceiro Lampião.
"Não tem muito a ver com orgulho o que fiz", diz. "Acho que o único orgulho que realmente vale é o orgulho de compartilhamos uma sociedade que não dê voz a esse tipo de discurso discriminatório", afirma.

terça-feira, 28 de outubro de 2014

CARTILHAS DO PODER POPULAR CHAVISTA

O ESTADO DE S.PAULO 26 outubro 2014 | 17:33


Jeanette Anza foi presa em flagrante na madrugada de sexta feira, 24, em Cumbica, com revólver 38 na maleta do ministro Elias Jauá


Fausto Macedo

A Polícia Federal apreendeu com Jeanette Del Carmen Anza – babá do filho do ministro chavista Elias Jauá Milano (Relações Exteriores da Venezuela) uma extensa agenda política que fala da “derrota permanente do inimigo” e cartilhas intituladas “Ley Organica das Comunas” e “Ley Organica del Poder Popular”. Um folheto encontrado com Jeanette Anza ensina como “marcar e neutralizar o inimigo” e “como enfrentar crises e conflitos reais”.

A babá foi presa em flagrante na madrugada de sexta feira, 24, no Aeroporto Internacional de São Paulo, em Guarulhos/Cumbica. Na maleta preta que Jeanette Anza carregava havia um revólver calibre 38, Smith & wesson, com cinco munições. Ela disse que a maleta e a arma pertencem a Jauá.

Jeanette Anza afirmou à PF que o ministro, que já estava em São Paulo, pediu a ela que trouxesse a maleta. Segundo ela, Jauá orientou-a a tirar o revólver da maleta. A babá declarou à PF que “não encontrou a arma”.

Jeanette Anza chegou em São Paulo acompanhada da sogra de Jauá. A mulher do ministro está internada no Hospital Sírio Libanês.

Na maleta, além do revólver, a PF apreendeu documentos de orientação política como um caderno intitulado “Plano de Agenda política do governo revolucionário, o que fazer, quando, onde e como”.

Em outro panfleto, exaltação ao “pensamento Bolívar-Chavez, modelo histórico”, e um capítulo denominado “tarefa pontual: base de missões, novo modelo”.

Em outro documento, dois capítulos dedicados ao “socialismo e capitalismo, a batalha dos modelos” e “objetivos históricos do plano da Pátria”.

Um documento prega “cinco revoluções: econômica, conhecimento, missões socialistas, soberania política e socialismo territorial”.

Com a babá havia também um caderno com citação ao chefe do Comitê Central do Partido Comunista Chinês (1982/1987), Deng Xiaoping – morto em 1997. “Revolução e política de quadros, Deng Xiaoping.”

Um outro caderno trata das eleições legislativas de 2015 na Venezuela, “documento estratégico, estratégia ganhadora”.













MENSAGENS DE ÓDIO CRESCERAM ASSUSTADORAMENTE

ZERO HORA 27/10/2014 | 17h04
Mensagens de ódio cresceram 342% no segundo turno, turbinadas por grupos de extrema direita, Na comparação com 26 de outubro de 2013, aumento nas denúncias chegou a 662,5%

por André Mags



Perfil associado a uma célula neonazista foi denunciado à ONG SaferNet Foto: Reprodução / Twitter

Grupos de extrema direita, entre eles células neonazistas, turbinaram as insatisfações dos partidários de Aécio Neves na derrota na eleição presidencial para Dilma Rousseff com mensagens de ódio, em especial contra nordestinos. Segundo a ONG SaferNet Brasil, houve um aumento de 342,03% nas denúncias de racismo e crimes semelhantes na internet no último domingo, na comparação com o primeiro turno. Neste domingo, as denúncias contra essa onda de ataques envolveram 305 novas páginas (sites, blogs, Twitter ou Facebook), enquanto no dia 5 de outubro, foram 69 ocorrências denunciadas.

A partir do resultado da votação, irrompeu uma onda de acusações contra o Nordeste por Dilma ter vencido em todos os Estados daquela região. Em comparação com o mesmo 26 de outubro, em 2013 — um dia normal, sem eleição —, o crescimento das denúncias é ainda maior: 662,5%.

A SaferNet Brasil foi fundada em 2005 por um grupo de cientistas da computação, professores, pesquisadores e bacharéis em Direito para combater a pornografia infantil na internet brasileira, mas que se propagou para outros campos. Em pouco tempo, se tornou referência nacional de defesa dos direitos humanos na rede. O presidente da entidade, o advogado e professor de direito da informática Thiago Tavares Nunes de Oliveira, diz que os rastros das mansagens de racismo foram seguidos e se chegou nas suas origens. Boa parte partiu de perfis falsos ou robôs a serviço de grupos de ultradireita, 95% deles no Facebook e no Twitter.

— Foi um reflexo imediato do resultado das eleições presidenciais. Alguns eleitores do Aécio, inconformados, passaram a atuar como correio de transmissão de mensagens de ódio e discriminação contra nordestinos. Nossa preocupação é que esses eleitores propaguem e legitimem pautas e demandas que são defendidas por grupos aos quais esses eleitores certamente não pertencem — afirma Tavares.











Um perfil falso do Twitter que o advogado citou foi o @KarineMelS2, que foi muito ativo durante os últimos dias. O perfil é ligado a uma célula neonazista, já teve integrantes presos (inclusive por planejar um ataque à Universidade Federal de Brasília) e manteve ligação com o atirador de Realengo, aponta Tavares. Coletivos separatistas também têm participado dessa onda de ataques nas redes, utilizando o hashtag #movimentoseparatista, lembra o professor. Essencialmente, tratam-se de grupos do Sudeste e Sul do país, acrescenta.

Nomes conhecidos se envolveram em ataques

O deputado estadual paulista Coronel Telhada (PSDB) ganhou repercussão fora do seu Estado ao sugerir a divisão do país. Um texto publicado após a vitória de Dilma chegou a ter quase 5 mil compartilhamentos.

— Já que o Brasil fez sua escolha pelo PT, entendo que o Sul e Sudeste (exceto Minas Gerais e Rio de Janeiro, que optaram pelo PT) iniciem o processo de independência de um país que prefere esmola do que o trabalho, preferem a desordem ao invés da ordem, preferem o voto de cabresto do que a liberdade — afirmou o hoje vereador em sua página no Facebook.

O Norte também foi atacado. Por estar a três horas a menos que Estados que adotaram horário de verão, o Acre foi acusado de ter atrasado a definição da eleição. Houve postagens do tipo "Acre atrasando o Brasil". A apresentadora Luciana Gimenez publicou "Ninguém merece esperar o Acre" em seu perfil.

Punição pelos xingamentos é difícil

O SaferNet tem um banco de dados com todas as denúncias e indícios (URL, print de páginas, endereços IP) que pode ser acessado em tempo real pela Polícia Federal (PF) e pelo Ministério Público Federal. Punições são possíveis. Em 2012, por exemplo, a estudante Mayara Petruso foi condenada a um ano, cinco meses e 15 dias de reclusão pela Justiça de São Paulo por ter postado mensagens contra nordestinos em seu perfil no Twitter, em 2010.

A lei prevê os crimes de discriminação e preconceito, mas o advogado criminalista Leonardo Pantaleão considera a punição mais difícil no caso de uma reação momentânea a um resultado eleitoral. A lei exige uma intenção mais duradoura de ofensa, segundo ele:

— Isoladamente, por si só essas manifestações não se moldam ao tipo penal. Poderia ser, se não estivessem ligadas a uma reação ao resultado da eleição.

O caso é diferente daquele da gremista que usou termos racistas contra o goleiro Aranha, do Santos. Naquela oportunidade, houve crime de injúria racial, pois a intenção dela foi ofender somente o goleiro, e conseguiu, conforme Pantaleão.

Tavares acredita que a PF deverá investigar os ataques propagados pela internet contra os nordestinos. Mas os policiais deverão focar nos grupos de extrema direita, salienta.



Do preconceito ao Nordeste para as compras de Natal


Doutor em ciência política e professor da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Rodrigo González analisa o fenômeno antinordestino como um efeito do acirramento do processo eleitoral. Ao longo dos últimos anos, a oposição ao governo Dilma já estava mais radicalizada, e, ainda que sem generalizar, se adonou de um preconceito impregnado contra imigrantes.

— Já há o uso do preconceito por meio de piadas no Rio e em São Paulo, os Estados mais atingidos pela imigração nordestina. Isso está muito incorporado. Se percebe que dão o apelido de "Paraíba" para quem vem do Nordeste. É uma forma de diminuir a pessoa pelo habitante local, que se sente superior — diz González.

Com um sentimento da época do Império, quando só votavam os ricos, os agressores se identificam com a elite e culpam os "inferiores" pela derrota eleitoral, explica González. Uma solução, então, é limar os "inferiores" do processo eleitoral ou separá-los do país.

— O sentimento encontrou um novo canal, as redes sociais, que permitem uma onde de crescimento rápido que atinge milhões de pessoas em algumas horas — ressalta.

Tratam-se de grupos despolitizados e pouco organizados que "transferem a sua derrota para alguns culpados, botam para fora sua raiva", acrescenta o professor. González concorda que é muito difícil identificar essas pessoas:

— Quando se chegar a identificar, já se passaram dois anos. Fica a sensação: por que punir agora? Quando o tempo passou, ele já está falando em outro assunto. Mesmo daqui a algumas semanas, algumas dessas pessoas já estarão preocupadas com outra coisa. Como as compras de Natal.

INTOLERÂNCIA COM OS NORDESTINOS

ZERO HORA 27/10/2014 | 23h17


A origem do ódio contra os nordestinos

Após a vitória de Dilma Rousseff sobre Aécio Neves, milhares de mensagens preconceituosas contra os moradores das regiões Norte e Nordeste se multiplicaram nas redes sociais. Conteúdo pode ser considerado crime de injúria racial

por Nilson Mariano



No Twitter, internautas usaram frases agressivas Foto: Reprodução / Reprodução


A onda de manifestações preconceituosas contra as regiões Norte e Nordeste, que eclodiu tão logo foi anunciada a vitória de Dilma Rousseff (PT) nas eleições de domingo, vai além de uma atitude por si só condenável. Pode significar a reação adversa de quem não aceita uma mudança em curso no país: o surgimento de uma sociedade mais igualitária.

A constatação é do cientista político Alberto Carlos Almeida, autor do livro A Cabeça do Brasileiro. Analisando o resultado das urnas, ele diz que os nordestinos não votaram apenas em agradecimento ao Bolsa Família — a região concentra 51% dos beneficiados. Reelegeram o PT de acordo com os seus interesses e reconheceram o avanço econômico dos últimos anos. Para Almeida, há uma definição para o preconceito vindo de setores do Sul-Sudeste:

— É a dor do parto.


Diretor do Instituto Análise, de São Paulo, Almeida avalia que parte dos sulistas recusa as transformações sociais. Foi assim quando as universidades federais abriram os seus cursos mais concorridos, como a Medicina, para alunos de escolas públicas. Continuou com a lei que protege as empregadas domésticas, antes à mercê dos humores das patroas.

— A sociedade vem se abrindo, se democratizando — diz Almeida.

Mensagens preconceituosas devem ser combatidas (podem configurar injúria racial, crime previsto no Código Penal), mas também entendidas. Nascido no Recife (PE) e morando em São Paulo há 40 anos, o sociólogo Francisco de Oliveira afirma que estão nas origens do Brasil. O acirramento das eleições, em que a população se dividiu entre PT e PSDB, apenas expõe um sentimento adormecido.

— É o velho preconceito contra o nordestino, o qual já ouvi muito. Não é novidade, mas é uma prova muito ruim de que as relações não melhoraram — observa o sociólogo, mais conhecido como Chico Oliveira.

Mensagens de ódio cresceram 342% no segundo turno, turbinadas por grupos de extrema direita

Professor aposentado pela Universidade de São Paulo (USP), Oliveira lembra que o antagonismo não é exclusividade daqui. Exemplifica que, nos Estados Unidos, o Norte desenvolvido ainda deprecia o Sul, de passado escravocrata. São os ecos distantes da guerra civil americana, finalizada há um século e meio.

No Brasil, prepondera o que o filósofo Roberto Romano qualifica de cultura do ressentimento, entranhada desde os primórdios. Lembra que o país foi unificado graças ao Exército de Duque de Caxias, que abafou revoltas separatistas de Sul a Norte no início do século 19. As duas longevas ditaduras do século 20 (o Estado Novo, de Getúlio Vargas, e o regime militar) consolidaram o centralismo e isolaram as regiões com suas diferenças de povo e cultura.

— O Estado brasileiro não cumpre a função de ser um mediador nas relações. As questões regionais são abandonadas — avalia Romano.



Na Wikipédia, o texto sobre o Nordeste foi alterado (Foto: reprodução)

Radicais aproveitam aparente anonimato

Professor na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), o filósofo destaca ser enganoso pensar que somente o Sul e o Sudeste cultivam o ressentimento contra o Norte-Nordeste. Afirma que os nordestinos também se mostram ofendidos com os sulistas. E que os nortistas se magoam com todos os outros.

— Só dizer que o Sul é preconceituoso é complicado — ressalva.

Há outro componente a considerar. Romano avalia que aumentou a presença de grupos neonazistas, no Rio Grande do Sul, em São Paulo e até na nordestina Bahia. Com as facilidades da internet e recorrendo ao anonimato, eles podem espalhar suas ideias racistas e xenófobas, que são amplificadas pelos ressentidos que só aguardam o momento de se expressar.

— A eleição foi o clima preparado para a ação desses radicais — adverte o professor da Unicamp.

domingo, 26 de outubro de 2014

ASSÉDIO MORAL NO TRABALHO BATE RECORDE

FOLHA.COM 26/10/2014 02h15


Investigação por assédio moral avança e bate recorde


JOANA CUNHA
DE SÃO PAULO




As investigações de casos de assédio moral em empresas do Estado de São Paulo vão bater recorde em 2014.

Dados do Ministério Público do Trabalho apontam que o volume de casos denunciados, que foi de 438 em 2009, chegou a 962 nos primeiros nove meses deste ano.

O número já supera o recorde anterior, que foi de 960 em todo o ano de 2012.

São situações em que chefes debocham de subordinados com apelidos, repreendem ou expõem desempenho em público, entre outros atos constrangedores.

Hábitos mais sutis, como ignorar determinado funcionário, passar tarefas muito abaixo de sua qualificação, ou, por outro lado, passar tarefas impossíveis de serem cumpridas, com ordens confusas ou prazo curto demais, também são exemplos.

Editoria de arte/Folhapress




A procuradora Renata Coelho atribui o aumento ao avanço da divulgação do assunto, que se intensificou na última década, elevando a conscientização e encorajando as denúncias.

Para ela, há também um fator geracional: há 30 anos, a profissão ocupava menos tempo da vida das pessoas, mas as evoluções tecnológicas levaram o trabalho para casa e o colocaram ao lado de questões mais íntimas, potencializando os impactos psicológicos.

"O mundo mudou, está mais acelerado. E a pressão sobre as pessoas está maior. Se o ambiente de trabalho é nocivo, a pessoa adoece. Hoje, um trabalhador é capaz de se suicidar por causa de uma meta", diz Coelho.

Mais comuns no início da década passada, os casos de assédio moral provocados pela própria cultura de algumas empresas, com práticas de gestão baseadas em terror e imposição de metas abusivas, são hoje menos frequentes, segundo a procuradora.

"Acontecia mais em multinacionais, mas nas empresas estabelecidas no Brasil há algum tempo isso é raro", diz.

Hoje são mais clássicos os casos de condutas abusivas interpessoais.

Para ser entendido como assédio moral, é necessário que o abuso seja constante.

"É preciso que o alvo do assédio seja perseguido repetidamente e que exista a intenção de deixá-lo em situação de inferioridade", diz a advogada trabalhista Cassia Pizzotti, do escritório Demarest.

Brincadeiras no dia a dia ou cobranças sensatas, quando não têm objetivo de causar dano, não se enquadram.

Ao contrário do assédio sexual, que é uma prática criminosa e pressupõe hierarquia, o assédio moral não está restrito apenas às relações hierárquicas.

Pode acontecer entre colegas e também, mais raramente, por parte de subordinados contra superiores.

Em mudanças de chefia, há casos de equipes que rejeitam a nova liderança descumprindo prazos e fingindo não ter entendido ordens para prejudicar o desempenho do profissional.

SOLUÇÃO


Desde 2011, foram celebrados cerca de 300 TACs (Termos de Ajuste de Conduta) entre o Ministério Público do Trabalho e empresas que praticaram o assédio moral. Cada TAC pode estar ligado a vários casos de assédio em uma mesma empresa que tem unidades em vários Estados.

Pelos acordos, elas se comprometem a solucionar as questões, sob pena de multa por descumprimento.

São casos como a situação registrada na Nextel, que neste mês foi alvo de liminar determinando o afastamento de um gerente de suas funções de chefia, após investigação do Ministério Público do Trabalho que reuniu relatos de tratamento humilhante, cobranças excessivas e públicas de resultados, discriminação por idade, cor e aparência.

Procurada, a empresa diz que não foi notificada, mas que o gerente citado já "foi desligado do quadro de funcionários em janeiro".

quarta-feira, 22 de outubro de 2014

SÉCULO 21 CHOCA OVOS DO AUTORITARISMO

FOLHA.COM 21/10/2014 - 15h41


Século 21 'choca ovos' do autoritarismo, diz cientista político


da Livraria da Folha



O cientista político Bolívar Lamounier defende que a democracia liberal, ou representativa, existe apenas no liberalismo. O antiliberalismo, segundo ele, designa ideologias, formas de organização e de ação política que são características do marxismo, do fascismo e das suas respectivas derivações. Quando se fala em esgotamento do regime representativo, o Ocidente "choca ovos de serpente".

"Exceção feita a algumas vertentes do anarquismo", escreve Lamounier em "Tribunos, Profetas e Sacerdotes", "todas as ideologias antiliberais são epistemologicamente e moralmente holistas (o todo é mais real e legitimo que as partes –indivíduos e grupos– que o compõem); politicamente autoritárias (divinizam o Estado, o líder e o partido); historicistas (julgam-se detentoras de um conhecimento válido do futuro); anti-institucionalistas (as instituições e normas políticas da democracia têm uma relevância apenas tática); e radicalmente anti-individualistas".

Apesar de haver diferenças, Lamounier iguala marxismo e fascismo no que se refere à contraposição da concepção de liberdade e democracia dentro do liberalismo. "Um pensamento antiliberal articulado aparece nas últimas décadas do século 19, com o positivismo, e se diversifica após a Primeira Guerra, quando se esboça a grande bifurcação entre direita e esquerda", diz.

No Brasil, o antiliberalismo encontra suas raízes no catolicismo e no absolutismo ibérico, que deixou marcas no modo como exploramos a terra, nas estruturas patrimonialistas deixadas pelos portugueses e na influência do pensamento de Augusto Comte nas escolas militares e no movimento republicano, elementos daquilo que o autor chama de protofascismo.


Livro apresenta a dicotomia liberalismo x antiliberalismo


"Não só no Brasil, mas em toda a América Latina, o antiliberalismo parece ter se robustecido primeiro à direita, com os aportes intelectuais do protofascismo, e depois à esquerda, com o aumento do prestigio do marxismo e a fundação de partidos comunistas após a Revolução Russa de 1917".

"De preocupações autoritárias nem os Estados Unidos estão livres, como evidenciam certos efeitos colaterais potencialmente sérios do aumento da vigilância interna desde o 11 de Setembro no que toca às liberdades civis e à privacidade dos cidadãos".

Para analisar os eventos do século passado, o autor propõe a investigação de três funções que os pensadores costumam ocupar na esfera pública –o tribuno, o profeta e o sacerdote que dão título ao livro– e, no coletivo, os pensadores individuais, as intelligentsias e as comunidades academicamente centradas.

Primeiro diretor-presidente do Instituto de Estudos Econômicos, Sociais e Políticos de São Paulo (Idesp) e membro da Academia Paulista de Letras, Lamounier também assina, entre outros títulos, "Depois da Transição" e "A Classe Média Brasileira".

*

TRIBUNOS, PROFETAS E SACERDOTES
AUTOR Bolívar Lamounier
EDITORA Companhia das Letras

sábado, 18 de outubro de 2014

INTOLERÁVEIS DIREITOS

FOLHA.COM 18/10/2014 03h00


Oscar Vilhena Vieira



Não é apenas no Brasil que a eleição de políticos abertamente contrários aos direitos humanos tem despertado muita apreensão. Há hoje um certo mal estar difuso com relação a esse discurso, forjado há quase 60 anos como uma reação à barbárie do totalitarismo. Mas por que há tanta hostilidade contra os direitos humanos nos dias de hoje?

Não foi sempre assim. O fim da Guerra Fria, a transição para a democracia na América Latina, a derrubada do Muro de Berlim e a supressão do regime de segregação racial na África do Sul abriram espaço, no início dos anos 1990, para um clima de otimismo em relação aos direitos humanos. A apropriação desse discurso por novos grupos vulneráveis, assim como por aqueles preocupados com a pobreza e a desigualdade, deram aos direitos humanos um papel politicamente mais amplo. Esse ambiente positivo, no entanto, parece ter mudado nos últimos anos.

As potências do ocidente, especialmente depois do 11 de Setembro, substituíram o discurso dos direitos humanos pelo da "guerra ao terror", seja no plano doméstico, seja no internacional. Restringem-se as liberdades internas e ampliam-se as hostilidades externas, em especial no mundo Árabe.

Entre os emergentes, China e Rússia não apenas reprimem de maneira cada vez mais dura todos aqueles que desafiam seus respectivos regimes, como tratam com absoluto desprezo as organizações internacionais que buscam a proteção dos direitos humanos.

Brasil, África do Sul e Índia, embora mais abertos à gramática dos direitos que seus companheiros de Brics, têm sido internamente tolerantes com muitas práticas violadoras, fragilizando a capacidade de empreender um tom mais contundente no plano internacional.

No mesmo sentido desastrosos foram os reveses decorrentes da Primavera Árabe, e mais que preocupante o destino que aguarda os jovens manifestantes em Hong Kong.

O grande desconforto gerado pelos direitos humanos não deve, porém, ser tomado apenas como negativo. É sinal de sua força. Ao exigir mais liberdade e igualdade, assim como a expansão da autonomia e do pluralismo, os direitos humanos causam uma profunda irritação em alguns tipos específicos de indivíduos, governos, religiões e corporações.

O pressuposto fundamental de que todas as pessoas devem ser objeto de igual respeito e consideração provoca especial irritação em três grupos. Em primeiro lugar, entre aqueles que exercem o poder de forma arbitrária, por óbvio. Depois, entre os que creem haver apenas uma única concepção de virtude e bem viver. Por fim, entre os que têm o seu modo de vida pautado na submissão, exploração ou exclusão dos demais. Para todos esses, os direitos humanos são simplesmente intoleráveis.

*

Nesse contexto, vale muito a pena ler o 20º número da revista "Sur", editada pela Conectas Direitos Humanos, que está sendo lançado em diversas cidades do mundo nesta semana. Com mais de 40 artigos e entrevistas dos principais atores nacionais e internacionais no campo dos direitos humanos, faz um extraordinário mapeamento dos principais desafios para o avanço desses direitos no século 21. Os editores fazem justa homenagem a Pedro Paulo Poppovic, primeiro editor da revista, e quem lhe imprimiu inteligência, rigor e natureza cosmopolita. Publicada em três línguas, tem assinantes em mais de 100 países.

segunda-feira, 13 de outubro de 2014

DENÚNCIAS DE ABUSOS NO TELEMARKETING

TV GLOBO FANTÁSTICO Edição do dia 12/10/2014

Fantástico recebe novas denúncias de abusos no Telemarketing. Você viu no Fantástico, que operadores de telemarketing têm que cumprir metas abusivas. São humilhados e desenvolvem doenças físicas e emocionais.





Você viu no Fantástico: operadores de telemarketing têm que cumprir metas abusivas. São humilhados quando não conseguem e desenvolvem doenças físicas e emocionais.

“Eu tinha pavor mesmo de ir trabalhar”, diz uma mulher.

“É uma pressão tão forte que você não consegue administrar”, conta outra.

“Lixo. Eu fui apelidada de lixo”, relata outra vítima.

Depois da reportagem, a Federação Nacional dos Trabalhadores do setor foi convidada pela Câmara de Deputados, em Brasília, para discutir o projeto de lei que regulamenta a profissão e estava parado desde 2007. “O primeiro resultado quando você respeita uma profissão é que essa profissão seja menos danosa, clinicamente falando”, afirma o presidente da Federação Nacional de Trabalhadores de Telecomunicações, Almir Munhoz.

Também nesta semana, o Fantástico recebeu centenas de emails com novas denúncias no site do programa. E o advogado Alexandre Campos, que já defendeu mais de 400 operadores, revelou como as empresas forçam um pedido de demissão: elas tiram o ‘login’ do funcionário, o acesso dele ao computador.

“Fica o dia inteiro sem fazer nada, é o ócio humilhante. Isso fere a dignidade do trabalhador, vai minando a resistência dele, e ele por fim acaba pedindo demissão”, explica o advogado.

O Fantástico procurou a Associação Brasileira de Telesserviços, que reúne as empresas do setor. “Você tem, trabalhando no setor de call center, um ambiente de trabalho excepcional, com ar-condicionado, moderníssimo. Você tem todo o apoio, plano de saúde, você tem certamente condição de progredir dentro da sua carreira. Agora, toda profissão tem um risco inerente”, afirma o conselheiro da Associação Brasileira de Telesserviços, Hélio Costa.

O jornalista é do Conselho de Ética da associação. “Os desvios vão acontecer? Lamentavelmente vão. Mas toda vez que ele acontece, isso é norma da ABT, da Associação Brasileira de Telesserviços, você condena e vai apurar quem são os responsáveis. E certamente vai punir aqueles que são responsabilizados”, afirma.

“Não são fatos isolados, excepcionais, de uma ou duas empresas. É um problema nacional e indiscriminado, generalizado nesse setor”, afirma a procuradora de Justiça Renata Coelho.

O Ministério Público do Trabalho elege, todo ano, uma categoria profissional para ser investigada. O critério é o número de denúncias recebidas. “O Ministério Público então passa de uma posição passiva, de receptor de denúncias de casos que já aconteceram, para uma postura ativa. Nós conseguimos fazer diligencias, ir até os ambientes da empresa, ouvir o trabalhador”, explica a procuradora.

Para os procuradores, 2015 será a vez do telemarketing. “Isso é muito importante para que esse trabalhador tenha a concretização dos seus direitos, tenha acesso à Justiça, sem comprometer a sua chance de um futuro emprego, uma nova convocação sem ser discriminado em uma empresa do setor”, completa a procuradora.

sexta-feira, 10 de outubro de 2014

A MOÇA DA REPÚBLICA DOMINICANA

 

ZERO HORA 10 de outubro de 2014 | N° 17948


DAVID COIMBRA




Aula de gramática inglesa. Sábado de manhã. Bem cedo. Meu cérebro não estava preparado para tamanha aventura matinal em língua estrangeira. A professora, uma professora nova, da Boston University, começou a falar de tempos verbais e a falar bem rápido e a escrever naquele quadro. Eu entendia mais ou menos 44% do que ela falava. Olhei com angústia para meus colegas. Não conhecia quase ninguém. Eles pareciam despertos e alertas como escoteiros, pareciam compreender tudo, estavam à vontade com o present perfect progressive. De repente, riam, e eu ria junto, para não passar vergonha. Esse é o truque, quando você perdeu o fio da meada da conversa numa língua estranha e hostil: se eles rirem, ria também. Se não rirem, balance a cabeça com a gravidade de quem está ponderando sobre a questão. Você parecerá inteligente.

Bem na minha frente tinha um relógio de parede desses redondos, de cozinha de mãe. Fiquei olhando para aquele relógio, torcendo para que o tempo passasse logo. Não passava. Os ponteiros não se mexiam. Eu estava preso numa janela da eternidade, dentro de uma aula de gramática inglesa! Jesus! Deu-me uma angústia, uma vontade de sair correndo. Mas meu cérebro foi se acostumando aos poucos, o mundo começou a clarear e aquelas palavras cheias de ípsilons e dáblius foram se agrupando em frases coerentes. Aí a professora decidiu pedir que os novos colegas se apresentassem e dissessem por que queriam aperfeiçoar seu domínio do inglês. Eles foram breves. Falaram seus nomes, suas profissões, deram algum pequeno dado curricular, nada que chamasse a atenção. Até chegar a vez daquela moça da República Dominicana.

Ela era morena, usava o cabelo puxado para trás e tinha um rosto expressivo de quem é cheia de opinião. Seu inglês era um pouco claudicante, mas totalmente compreensível. Começou contando sobre sua vida na República Dominicana. Falava num tom nostálgico, olhando nos nossos olhos, como se estivesse revivendo os momentos que passou. Na República Dominicana, “um lindo país”, ela morava com a avó, ela amava a avó. Repetiu isso: amava a avó. Então, teve uma filha, a quem também amava muito. Mas não conseguia sustentá-la, a vida estava difícil na República Dominicana. Por isso, resolveu ir para os Estados Unidos. Deixou a avó que (disse outra vez) tanto amava, e viajou com a filha. Nos Estados Unidos, foi bem acolhida e conseguiu emprego de secretária num consultório odontológico. Sorriu ao referir-se ao emprego, empertigou-se na cadeira: aquele emprego, observou, era uma vitória. Ela era bem tratada e ganhava um salário que garantia vida digna para ela e a menina. Mas... e nesse momento seu rosto moreno se ensombreceu... mas faltava algo: ela não conseguia relacionar-se com as pessoas como se relacionava na sua terra.

– Acho que é a língua – deduziu. – Acho que não consigo dizer o que sinto. A verdade...

Nesse ponto, em meio às reticências, fez uma pausa. Ficamos olhando para ela em silêncio, e em silêncio ela ficou. Olhava para o vazio, com a boca entreaberta, com alguma frase querendo lhe sair do peito. Estava quase falando... Esperamos alguns segundos. Ela hesitou ainda mais um instante, e aí respirou fundo e abriu a boca. Olhou para baixo, fitou as próprias mãos, agora juntas, e concluiu:

– A verdade é que me sinto muito, muito sozinha.

Pensei em dizer algo. Acho que todos ali pensamos. Mas ninguém disse, ninguém sabia o que dizer.

quinta-feira, 9 de outubro de 2014

REVOLTA E REVOLUÇÃO,



ZERO HORA 09 de outubro de 2014 | N° 17947


FRANKLIN CUNHA*


“Isto é uma revolta?”

“Não, Majestade, é uma revolução.”

Na véspera da queda da Bastilha, o Duque de Laucourt informando o rei Luís XVI sobre os últimos acontecimentos

Nos diversos dicionários as definições pouco diferem.

Assim, “revolta” é manifestação (armada ou não) contra a autoridade estabelecida; levante, insurreição, rebelião.

“Revolução” é uma transformação radical, de uma estrutura política, econômica e social, por via de regra, violenta.

Para que uma revolta deixe de ser apenas rebelião e se insira na História, deve transformar-se em revolução. As revoltas, por mais ousadas que sejam, são atos estéreis se não se apoiam em uma doutrina revolucionária. Todas as grandes revoluções que entraram na História foram pensadas e até executadas por intelectuais. Detalhe: quase todos da classe média.

Desde o século 18, a palavra revolução é filosofia em ação, crítica transformada em ato, violência executada com lucidez. A razão se torna um princípio político subversivo. Um revolucionário é um intelectual, homem de ideias que busca a justiça social definida como igualdade, liberdade e fraternidade. Assim fica difícil enquadrar os acontecimentos de 64 em nosso país sob a denominação de “revolução” como ainda se lê e se ouve vinda das penas e das bocas de alguns políticos e até de magistrados. E também, se tivermos bem conscientes as definições propostas neste texto, deve ser abandonada a pretensão de que se possa fazer uma autêntica revolução pelo voto, nos recintos acarpetados e climatizados dos parlamentos. Várias autênticas revoluções aí acabaram derrotadas e os revolucionários nas prisões ou nos cemitérios.

Vinda dos países anglo-saxões, no século 20 apareceu a palavra “reformista”. Palavra decente que não significa nem revolta, nem revolução, ambas sangrentas. O revolucionário está ligado a uma filosofia, o reformista às ciências, à indústria, ao comércio. Ortega y Gasset elaborou uma precisa distinção: o revolucionário deseja modificar os usos, o reformista, os abusos.

O reformista é um revolucionário que escolheu o caminho da evolução, não o da violência. E esta é trajetória usual de muitos revolucionários que, ao ascender social e economicamente, reformam sua vida, seus conceitos políticos e limitam sua atividade política aos almoços das quintas-feiras.


*Médico. FRANKLIN CUNHA

quarta-feira, 8 de outubro de 2014

O GAROTO QUE DESAFIOU A CHINA



O Estado de S.Paulo 07 Outubro 2014 | 02h 05

OPINIÃO


Ao longo dos últimos dias, dezenas de milhares de cidadãos de Hong Kong saíram às ruas para defender eleições livres, pois havia sido essa a promessa da China quando o país recuperou a soberania sobre a ex-colônia britânica, em 1997. As manifestações foram deflagradas pelo anúncio chinês segundo o qual, na primeira eleição direta para o principal cargo executivo no território, prevista para 2017, os candidatos só poderiam ser aqueles selecionados por um comitê cujo objetivo é defender os interesses de Pequim. Com isso, a fórmula "um país, dois sistemas", fruto do compromisso da China de preservar as liberdades democráticas em Hong Kong, parece ter se tornado um slogan vazio.

Diante do crescimento da insatisfação em Hong Kong, com o aumento dos bloqueios nas ruas e em prédios públicos e discursos cada vez mais inflamados, houve o temor de que uma eventual repressão chinesa pudesse repetir o trágico desfecho da Praça da Paz Celestial - um impressionante massacre de civis que, 25 anos depois, continua a ser o símbolo da disposição das autoridades comunistas chinesas para defender o regime contra as tentações democráticas. Esse risco parece afastado, mais em razão do temor dos manifestantes, que aparentemente começaram a desmobilizar-se, do que de Pequim, que advertiu seguidas vezes sobre as consequências da desobediência.

A "revolução do guarda-chuva" - como ficaram conhecidos os protestos, em razão do uso de guarda-chuvas por parte dos manifestantes - parecia ser uma batalha perdida desde o princípio, dado o desequilíbrio de forças e o histórico de violência da China contra qualquer forma de dissidência. Mesmo assim, a simples menção à possibilidade de algum diálogo, conforme acenaram tanto o atual governo de Hong Kong quanto o de Pequim, está sendo considerada uma vitória pelo movimento, embora muitos vejam esse gesto apenas como uma forma de ganhar tempo para que, sem o mesmo ímpeto, o protesto perca força - como, efetivamente, aconteceu.

Na prática, não parece haver nenhuma possibilidade, num futuro previsível, de a China recuar de sua determinação de impedir que Hong Kong possa ir além das liberdades de que já dispõe, como a de imprensa e a de reunião. Não deve passar pela cabeça de nenhum dirigente chinês aceitar que Hong Kong seja governado por alguém que não esteja perfeitamente alinhado com o regime. Pode-se falar em discussão sobre alguma forma de reforma política, como Pequim deu a entender, mas, salvo alguma improvável reviravolta, será uma reforma cosmética, apenas para aplacar os ânimos dos defensores da democracia em Hong Kong - cujos moradores, nesta segunda-feira, já retomavam sua rotina no território, um dos centros financeiros globais.

Os porta-vozes da "revolução do guarda-chuva", a maioria estudantes, insistem em que o fim do atual movimento não significa o fim de suas aspirações. Nas entrevistas à imprensa estrangeira, procuram transmitir a confiança de que algo ainda pode mudar em Hong Kong. O fato, no entanto, é que os líderes dos protestos, adotando uma estratégia um pouco mais realista, já começam a pensar em maneiras de influenciar a composição do comitê que escolherá os candidatos para disputar as eleições no território.

O esvaziamento da "revolução do guarda-chuva", no entanto, não é capaz de diminuir a importância do movimento, em especial ao se revelar que sua principal liderança é um adolescente de 17 anos. Joshua Wong, que por sua idade nem votar pode, foi um dos responsáveis por levar 100 mil moradores às ruas para protestar contra o autoritarismo chinês.

"Meus professores sempre me disseram que minha única força está no que eu tenho a falar. E eu falo muito rápido", disse Wong, que recusa o rótulo de modelo ou de herói, obtido depois de ter sido preso por 40 horas: "O herói do movimento é cada cidadão de Hong Kong".

É o tipo do dissidente que, por seu vigor juvenil e apelo midiático, é o pesadelo de todo regime ditatorial, até mesmo para aqueles que não hesitam em esmagar seus mais frágeis opositores.

terça-feira, 7 de outubro de 2014

O GAROTO QUE DESAFIOU A CHINA



O Estado de S.Paulo 07 Outubro 2014 | 02h 05

EDITORIAL


Ao longo dos últimos dias, dezenas de milhares de cidadãos de Hong Kong saíram às ruas para defender eleições livres, pois havia sido essa a promessa da China quando o país recuperou a soberania sobre a ex-colônia britânica, em 1997. As manifestações foram deflagradas pelo anúncio chinês segundo o qual, na primeira eleição direta para o principal cargo executivo no território, prevista para 2017, os candidatos só poderiam ser aqueles selecionados por um comitê cujo objetivo é defender os interesses de Pequim. Com isso, a fórmula "um país, dois sistemas", fruto do compromisso da China de preservar as liberdades democráticas em Hong Kong, parece ter se tornado um slogan vazio.

Diante do crescimento da insatisfação em Hong Kong, com o aumento dos bloqueios nas ruas e em prédios públicos e discursos cada vez mais inflamados, houve o temor de que uma eventual repressão chinesa pudesse repetir o trágico desfecho da Praça da Paz Celestial - um impressionante massacre de civis que, 25 anos depois, continua a ser o símbolo da disposição das autoridades comunistas chinesas para defender o regime contra as tentações democráticas. Esse risco parece afastado, mais em razão do temor dos manifestantes, que aparentemente começaram a desmobilizar-se, do que de Pequim, que advertiu seguidas vezes sobre as consequências da desobediência.

A "revolução do guarda-chuva" - como ficaram conhecidos os protestos, em razão do uso de guarda-chuvas por parte dos manifestantes - parecia ser uma batalha perdida desde o princípio, dado o desequilíbrio de forças e o histórico de violência da China contra qualquer forma de dissidência. Mesmo assim, a simples menção à possibilidade de algum diálogo, conforme acenaram tanto o atual governo de Hong Kong quanto o de Pequim, está sendo considerada uma vitória pelo movimento, embora muitos vejam esse gesto apenas como uma forma de ganhar tempo para que, sem o mesmo ímpeto, o protesto perca força - como, efetivamente, aconteceu.

Na prática, não parece haver nenhuma possibilidade, num futuro previsível, de a China recuar de sua determinação de impedir que Hong Kong possa ir além das liberdades de que já dispõe, como a de imprensa e a de reunião. Não deve passar pela cabeça de nenhum dirigente chinês aceitar que Hong Kong seja governado por alguém que não esteja perfeitamente alinhado com o regime. Pode-se falar em discussão sobre alguma forma de reforma política, como Pequim deu a entender, mas, salvo alguma improvável reviravolta, será uma reforma cosmética, apenas para aplacar os ânimos dos defensores da democracia em Hong Kong - cujos moradores, nesta segunda-feira, já retomavam sua rotina no território, um dos centros financeiros globais.

Os porta-vozes da "revolução do guarda-chuva", a maioria estudantes, insistem em que o fim do atual movimento não significa o fim de suas aspirações. Nas entrevistas à imprensa estrangeira, procuram transmitir a confiança de que algo ainda pode mudar em Hong Kong. O fato, no entanto, é que os líderes dos protestos, adotando uma estratégia um pouco mais realista, já começam a pensar em maneiras de influenciar a composição do comitê que escolherá os candidatos para disputar as eleições no território.

O esvaziamento da "revolução do guarda-chuva", no entanto, não é capaz de diminuir a importância do movimento, em especial ao se revelar que sua principal liderança é um adolescente de 17 anos. Joshua Wong, que por sua idade nem votar pode, foi um dos responsáveis por levar 100 mil moradores às ruas para protestar contra o autoritarismo chinês.

"Meus professores sempre me disseram que minha única força está no que eu tenho a falar. E eu falo muito rápido", disse Wong, que recusa o rótulo de modelo ou de herói, obtido depois de ter sido preso por 40 horas: "O herói do movimento é cada cidadão de Hong Kong".

É o tipo do dissidente que, por seu vigor juvenil e apelo midiático, é o pesadelo de todo regime ditatorial, até mesmo para aqueles que não hesitam em esmagar seus mais frágeis opositores.

DEMOCRACIA E LIBERDADE



ZH 07 de outubro de 2014 | N° 17945


ROBERTO RACHEWSKY*



Paralelamente às eleições que ocorrem no Brasil, vemos uma inédita movimentação estudantil clamando por democracia em Hong Kong, a sociedade mais livre, mais próspera e mais rica do mundo. O que esses eventos demonstram e alertam é que democratas nem sempre prezam a liberdade, apenas ambicionam o poder.

Poder para controlarem o aparato coercitivo do governo, para tolherem a liberdade dos outros, para apropriarem-se do resultado do esforço criativo e laboral dos demais, para ditarem o modo de vida de todos, acenando com a falsa promessa da felicidade geral, através da suposta promoção do bem-estar social. Em todos os lugares onde foi implantada como panaceia, sem que houvesse exatamente o que existe em Hong Kong, um governo limitado institucionalmente, contido pelo Estado de direito e pelo respeito incondicional aos direitos individuais, a democracia transformou-se em oligarquia, legando à sociedade aquilo que ela deveria combater, autoritarismo, quando não totalitarismo.

Já no seu berço, a Grécia, a democracia resultou em tirania. Nos Estados Unidos da América, que não é uma democracia, mas sim uma República constitucional, o sistema democrático vem corroendo as instituições que transformaram aquela sociedade na mais próspera e pujante organização social que a história da humanidade já viu. Democracia não é sinônimo de liberdade, de valorização da vida, de respeito à privacidade, de proteção à propriedade, de tolerância ao inalienável direito que as pessoas possuem de buscarem a sua felicidade como bem entenderem.

Democracia pode, simplesmente, ser a ditadura da maioria, qualquer maioria que, valendo-se do poder coercitivo do governo, queira subjugar a minoria, qualquer minoria, inclusive a menor minoria que existe, o indivíduo. Um indivíduo, submetido à vontade irrefreável da maioria, estará vivendo em uma democracia, mas jamais estará vivendo em uma sociedade minimamente livre. Talvez os estudantes de Hong Kong não saibam, efetivamente, o que significa uma democracia. Nós, aqui, com a experiência democrática que temos, talvez nunca venhamos a saber o que é uma sociedade verdadeiramente livre.

*CONSELHEIRO DO INSTITUTO DE ESTUDOS EMPRESARIAIS

segunda-feira, 6 de outubro de 2014

HONG KONG DESOBEDECE



ZERO HORA 06 de outubro de 2014 | N° 17944


Manifestantes ignoram ultimato

GOVERNO HAVIA ORDENADO retirada até a 0h de hoje, mas milhares permaneceram nas ruas



Horas depois do fim do prazo estabelecido pelo governo regional de Hong Kong para a retirada dos manifestantes das ruas e o fim dos protestos, à 0h de hoje no horário local (13h de ontem em Brasília), milhares de pessoas continuavam nas ruas na madrugada de hoje e não faziam menção de se retirar, apesar da orientação dos líderes.

Segundo a agência Reuters, cerca de 4 mil pessoas ainda se agrupavam no bairro Central, onde fica a sede do governo. O número é menor do que as dezenas de milhares de pessoas que tomaram o local nos últimos dias em protesto por democracia.

O chefe do governo regional, Leung Chun-ying, disse que o governo e a polícia tomarão “todas as ações necessárias” para restabelecer a ordem na cidade hoje, a fim de permitir que os 7 milhões de habitantes da ex-colônia britânica reintegrada à China em 1997 pudessem ir trabalhar e estudar.

– Tememos que possa haver repressão policial. Por isso, viemos aqui para apoiar. Quanto mais pessoas houver, mais difícil para a polícia agir – disse Lester Leung, 25 anos, que se preparou para ficar nas ruas durante toda a noite.

MOVIMENTO EXIGE REGRAS ELEITORAIS DEMOCRÁTICAS

“Queremos que todos saiam das ruas porque não queremos ver mais nenhum confronto sangrento. Voltaremos de novo se o governo não atender às reivindicações”, afirmou uma das organizações à frente dos protestos.

Dezenas de milhares de manifestantes pró-democracia exigem desde 28 de setembro que a China não interfira nas eleições regionais de 2017 na ilha. As ações estão sendo chamadas de Revolução dos Guarda-Chuvas. O governo de Pequim disse que irá aprovar previamente os candidatos que participarão da disputa. Embora esteja sob jurisdição da China há 17 anos, Hong Kong tem um regime distinto do resto do país.

Hong Kong

domingo, 5 de outubro de 2014

GUARDA-CHUVA DA PRIMAVERA EM HONG KONG



ZH 5 de outubro de 2014 | N° 17943

LÉO GERCHMANN


APELO NO EXTREMO ORIENTE

PEDIDO POR DEMOCRACIA faz com que estudantes liderem protestos contra governo chinês, que mantém um sistema liberal na economia do território que até 1997 era britânico. A região é considerada ponto de encontro entre Oriente e Ocidente. Representa o futuro em contraposição à tradição chinesa. Analistas veem impasse



A primavera apareceu de forma metafórica três anos atrás em países árabes cujos habitantes pediam liberdade. Agora, aporta também metaforicamente no centro financeiro do Extremo Oriente, quando a estação é o outono e sob o peculiar símbolo do guarda- chuva. Mais precisamente, a onda rebelde chega à região onde Oriente e Ocidente se encontram, onde o passado mira o futuro, local que recebeu o epiteto de “tigre asiático”, tal a pujança do crescimento meteórico. Historicamente subjugada, Hong Kong experimenta liberdades inexistentes para outros chineses, mas tenta pôr no passado o domínio britânico que se estendeu até 1997 e a subserviência atual, à China. Manifestantes locais desafiam o governo chinês por liberdades políticas. O uso de spray pimenta e gás lacrimogêneo provocou indignação. E o emprego de guarda-chuvas, como defesa e proteção ao sol, levou a rebelião a ganhar o inspirado nome de “revolução dos guarda-chuvas”.

A China anunciou a eleição do governante de Hong Kong para 2017. Ponderou, porém, que o sufrágio resultará em lista tríplice a ser apreciada por Pequim. Para os ativistas pró-democracia, a restrição é inaceitável. Quando Hong Kong se reintegrou à China, após séculos como colônia britânica, o Comitê Permanente do Partido Comunista Chinês se comprometera a realizar eleições – sem citar limitações.

– Regiões administrativas como Hong Kong e Macau não têm noção de unidade com os países aos quais estão submetidos. Em Hong Kong, que não se sente parte da China, os costumes são ocidentalizados. Ali, encontram-se o Oriente e o Ocidente – analisa Paulo Watanabe, especialista do programa de pós-graduação San Tiago Dantas.

A vanguarda dos protestos é estudantil, mas a organização Occupy Central os ampliou. Preocupado com a dimensão do movimento, o governo chinês censurou redes sociais. Teme uma das maiores ameaças ao Partido Comunista desde a sangrenta repressão contra estudantes na Praça da Paz Celestial, em 1989. E um dilema se impõe: reprimir pode abalar a confiança em Hong Kong, cidade orientada para o mercado financeiro. Mas não reagir pode atiçar estudantes da China a imitar os hongcongueses.

No domingo passado e na madrugada de segunda, a revolta chegou ao ápice. A polícia usou gás lacrimogêneo e spray de pimenta, provocando cenas estranhas às ruas de Hong Kong. Dezenas de milhares de pessoas se concentraram no bairro Admiralty, núcleo econômico e financeiro próximo da sede do governo. Mais de 200 linhas de ônibus foram suspensas ou desviadas, e estações de metrô permaneceram fechadas, assim como algumas escolas.

O professor Gilmar Masiero, do Programa de Estudos Asiáticos da Universidade de São Paulo (USP), compara as manifestações hongconguesas com as ocorridas mundo afora, incluindo as do Brasil.

– As democracias representativas vêm sendo desafiadas por anseios e demandas de democracia direta. Não me parece que a herança britânica tenha muito a ver com as manifestações em curso como não tiveram quando das manifestações em Tianamen (Praça da Paz Celestial, onde foram mortas centenas de pessoas) há 25 anos – diz Masiero, para completar.

– Nestas duas décadas e meia, a China modernizou e materialmente melhorou muito as condições de vida de sua população, que cada vez mais aumenta suas demandas sociais e políticas de forma não muito diferente do que os chineses de Honk Kong fazem agora. A maior ou menor riqueza das pessoas ou de aglomerados urbanos não diminui, mas aumenta as demandas de sua autonomia e não ingerência.

EPISÓDIO PROVOCOU REAÇÃO BRITÂNICA

Angelo Segrillo, coordenador do Laboratório de Estudos da Ásia da USP, identifica uma ambiguidade:

– Hong-Kong ter sido território britânico significa que não tinha democracia, já que era colônia britânica. Como colônia, os honcongueses não podiam eleger seus governantes livremente, sendo governados por um representante apontado pela Inglaterra. Por isso, a herança britânica é ambígua. Ironicamente, foi com a volta à China que os hongcongueses adquiram o direito de eleger seus governantes.

A situação, de qualquer forma, provocou reações. A Grã-Bretanha solicitou que seu embaixador na China lhe explicasse o que ocorre. Os Estados Unidos pediram que as autoridades de Hong Kong tenham “moderação” diante das manifestações. Taiwan se pôs ao lado dos manifestantes.

O historiador Paulo Visentini, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), vê pontos de contato com a revolta ucraniana, que nasceu da rejeição à Rússia e do apelo a aderir à União Europeia.

– Os manifestantes são de classe média (estudantes universitários), ocidentalizados e, algumas, com cidadania britânica. Parece algo semelhante ao caso ucraniano, durante o aniversário da fundação da República Popular da China (para ter visibilidade). Nunca aceitaram deixar de ser parte do império – diz.


O peso da economia nas manifestações

A “revolução dos guarda-chuvas” começa a pesar na economia de Hong Kong e ameaça o status de praça financeira internacional caso haja crescimento da violência. Interrupção do transporte público, fechamento de agências bancárias e suspensão de viagens de negócios são efeitos das manifestações.

Se os protestos se prolongarem, “o turismo e o comércio, que em conjunto representam 10% do Produto Interno Bruto do país, serão muito afetados”, disse Gareth Leather, da consultoria Capital Economics, para quem Hong Kong pode sofrer uma recessão.

O historiador Paulo Visentini acredita que a economia acabará preponderando sobre a política. Isso faria os ânimos amainarem.

– No final, os ganhos econômicos falarão mais alto do que a política. A China necessita de Hong Kong como um caminho de acesso ao capitalismo global (bolsa de valores, serviços, logística) e interfere apenas na política externa. Não deseja mudar Hong Kong. Pelo contrário. Quer manter o sistema que sempre existiu – diz. – Os trabalhadores das indústrias e comércio querem manter o emprego e a prosperidade que possuem e pouco se importam com política.


ONDE O ORIENTE ENCONTRA O OCIDENTE
-Os manifestantes exigem que Pequim suspenda as restrições ao sufrágio universal em Hong Kong, um território que goza de mais liberdades políticas que o restante do país, como a de expressão e a de manifestação.
- A China governa Hong Kong sob a fórmula “um país, dois sistemas”. Londres cedeu Hong Kong à China, em 1997, sob essa condição. A China, comunista, preservaria o capitalismo e os costumes da antiga colônia.
- Em 1982, China e Grã-Bretanha iniciaram conversações. Acordo assinado em 1984, em Pequim, determinou: a China tomaria conta do território a partir de 1º de Julho de 1997.
- Hong Kong é uma das duas regiões administrativas especiais (RAE) da República Popular da China. A outra é Macau. Situa- se na costa sul do país, delimitada pelo Rio das Pérolas e pelo Mar da China Meridional.
- Os cartões postais da metrópole remetem invariavelmente à imagem de um horizonte repleto de arranha-céus e por seu profundo e concorridíssimo porto natural. É considerado o centro financeiro do extremo oriente.
- Pequeno território e falta de espaço causaram forte demanda por construções altas, o que desenvolveu a cidade como um centro para a arquitetura moderna e a tornou uma das mais verticais do planeta.
- Hong Kong tem área de 1.104 km² e população de 7 milhões de pessoas. É uma das áreas mais densamente povoadas do mundo. A população é composta por 95% de pessoas de etnia chinesa (de maioria han).
- A região se tornou colônia do Império Britânico após a Primeira Guerra do Ópio (1839-1842). Originalmente confinadas à Ilha de Hong Kong, as fronteiras da colônia foram estendidas com o passar do tempo.
- Foi ocupada pelo Império do Japão durante a Guerra do Pacífico, na primeira metade da década de 1940, depois da qual o controle britânico foi retomado até 1997.
-Hoje, o chefe do Executivo de Hong Kong é escolhido em comitê formado por pessoas leais a Pequim. O atual dirigente, Leung Chun-ying, foi eleito em 2012 com 689 votos de apenas 1,2 mil eleitores. Os habitantes da região, acostumados a uma vida ocidentalizada, querem muito mais que isso.
- Durante a era colonial, a influência britânica foi intensa. Por isso, Hong Kong se tornou o lugar onde “o Oriente encontra o Ocidente”, como se diz. O sistema econômico era liberal, e a educação marcadamente britânica.
- Com um dos principais centros financeiros internacionais, Hong Kong tem economia marcadamente capitalista, com baixos impostos e livre comércio. A moeda é o dólar de Hong Kong, a oitava mais negociada no mundo.
- Um dos mais altos PIBs per capita do mundo, Hong Kong se situa bem nas classificações internacionais, como liberdade econômica para os investidores, alta qualidade de vida, percepção de corrupção baixa e Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) alto. Padrão desenvolvido, portanto.

sábado, 4 de outubro de 2014

SURTO AUTORITÁRIO NA OAB-DF

REVISTA ISTO É N° Edição: 2341 | 03.Out.14 - 19:10


Ao negar registro de advogado a Joaquim Barbosa, a ordem faz um ataque aos princípios democráticos e revela inaceitável revanchismo político

Josie Jeronimo




Desgastado pelos frequentes embates com colegas ministros e advogados, Joaquim Barbosa se afastou do Supremo Tribunal Federal (STF) e trocou a toga pelo traje de cidadão comum no final de julho. O magistrado que relatou o processo do mensalão e presidiu parte do mais rumoroso julgamento da história brasileira antecipou a aposentadoria em 11 anos porque queria um pouco de paz. Mas, logo na largada de sua nova vida, o ex-ministro descobriu que nem tudo seria como planejara. Interessado em se habilitar a escrever pareceres jurídicos, atividade muito bem remunerada para ex-integrantes da Suprema Corte, Barbosa entrou com um pedido de inscrição na Ordem dos Advogados do Brasil do Distrito Federal. Para surpresa do ex-ministro, a solicitação foi impugnada pelo presidente da OAB-DF, Ibaneis Rocha.


Relação com o PT
O presidente da OAB-DF, Ibaneis Rocha (à esq.), é advogado
trabalhista e atua em causas de entidades ligadas à CUT

As justificativas apresentadas pelo dirigente de classe – num surto de autoritarismo sem precedentes na entidade – guardam estreita relação com o julgamento do mensalão. Ibaneis Rocha alega que falta ao ministro aposentado “idoneidade moral” para atuar como advogado. Para embasar sua tese, ele apresentou um detalhado histórico de indelicadezas que Joaquim Barbosa teria cometido durante o julgamento. Rocha citou a expulsão do advogado de José Genoino, Luiz Fernando Pacheco, da tribuna e uma crítica feita ao experiente José Gerardo Grossi, também defensor de réus no processo. Grossi foi criticado por Barbosa em razão de ter oferecido emprego a José Dirceu, um dos condenados, para o cumprimento de pena fora da cadeia.

Lamentavelmente, militantes do PT, partido mais atingido pelo processo do mensalão, comemoraram nas redes sociais o pedido de impugnação. Por puro revanchismo partidário eles acabam aceitando arroubos de autoridade que não combinam com o regime democrático. A reação da militância e a trajetória profissional e pessoal de Ibaneis Rocha permitem a interpretação de que sua aversão a Barbosa tem mesmo forte componente político. O presidente da OAB-DF é advogado trabalhista e atua em causas de interesse de entidades profissionais ligadas à Central Única dos Trabalhadores, instituição com forte influência do PT, partido mais afetado pelo processo do mensalão. Nas eleições de 2006 e 2010, Rocha fez doações de R$ 1,8 mil para a campanha de Wellington Dias (PT-PI), senador e hoje candidato ao governo do Piauí, e de R$ 4,5 mil para o deputado Policarpo (PT-DF).



O Conselho Federal da OAB ainda aguarda o resultado de uma reunião marcada pela seccional do DF para a quarta-feira 8 para se pronunciar sobre o assunto. Mas um ex-presidente nacional da entidade, Reginaldo de Castro, tem uma opinião sólida a respeito do episódio. “Não se pode negar a lei com base em antipatias. Isso não vai prosperar. Se ele insistir será ainda mais vergonhoso”, afirma Castro.

sexta-feira, 3 de outubro de 2014

O ÔNUS E O BÔNUS OU DO MEU CUIDO EU



 

ZERO HORA 03 de outubro de 2014 | N° 17941


ARTIGO


FERNANDO DE OLIVEIRA SOUZA



Não é exatamente a mesma grafia do “entre aspas” como está na reportagem de ZH sobre os protestos contra a homofobia em São Paulo provocadas pelas declarações do candidato à Presidência de República Levy Fidelix. Também omiti os refrões dos manifestantes no mesmo ato, tudo devido ao meu DNA (data de nascimento antiga).

Explico: na minha fase de adolescente, a palavra “menstruação”, por exemplo, era proibida e, para comprarmos preservativos na farmácia, sorteávamos e o perdedor ia “para o sacrifício”.

Hoje, as coisas estão diferentes e as pessoas, via de regra, podem se manifestar e dizer o que pensam, sem restrições. Os que se sentirem ofendidos, usem as vias apropriadas para sua reparação.

Isto é democracia, graças a Deus. Só quem passou pelos anos de chumbo pode avaliar a diferença. Quem não passou, ouça a música O Bêbado e a Equilibrista, do genial João Bosco, para sentir o clima existente na época.

Então fica assim: estamos num país livre, o candidato fala o que pensa, os atingidos protestam também falando o que querem e fica tudo certo. Neste sentido, deu uma demonstração meritória o Tribunal de Justiça Desportiva no julgamento do atleta Emerson Sheik, que, numa partida do campeonato brasileiro de futebol, tinha feito críticas à confederação. Foi absolvido, levando em conta que as pessoas têm o livre direito de se manifestar.

Isto é democracia, graças a Deus. Os candidatos representam o povo e, se há corruptos, eles vêm do povo, se há “analfabetos” como o ex-palhaço e deputado, é porque temos também muita gente assim. Agora, a democracia é a única e eficaz vacina contra a tirania, porque ninguém faz o que quer, existem argumentos e contra-argumentos e negociações para todos os lados. Também a única e eficaz maneira de melhorar o nível dos nossos representantes no Congresso é melhorar o nível da população, em todos os seus aspectos.

Para concluir, uso a frase do referido deputado, “melhor escrever errado a coisa certa do que escrever certo a coisa errada”, para dizer melhor mesmo é escrever certo a coisa certa.

Boa votação a todos.

Médico e professor universitário

ÓDIO EM REDE NACIONAL

ZERO HORA 03 de outubro de 2014 | N° 17941. ARTIGO

GABRIEL GALLI



No debate à Presidência da República realizado no domingo (28), o candidato Levy Fidelix (PRTB) se destacou negativamente por destilar um discurso carregado de ódio contra a população de lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transexuais (LGBT). Entre outros absurdos, afirmou que faz parte de uma “maioria” que deve ir contra as “minorias” e que o aparelho excretor não tem função de reproduzir (reduzindo a homossexualidade a isso e a sexualidade humana a uma máquina de gerar novas pessoas).

O mais simbólico, entretanto, foi quando disse que os LGBTs devem receber atendimento por ter um distúrbio, mas que isso deveria ser feito “longe da gente”.

Como homossexual, é impossível não lembrar das vezes em que eu e meu companheiro já fomos hostilizados na rua por estar de mãos dadas ou por um discreto beijo. Em uma das vezes, uma mulher gritava, no meio da Rua dos Andradas, que era um absurdo dois homens estarem juntos, sem perceber como o absurdo era desrespeitar alguém em via pública.

De quando uma travesti levou pauladas na cabeça ouvindo que “merecia para aprender a ser homem” e o delegado responsável pela região disse que “não existe crime de homofobia” e que “muitos se aproveitam disso para aparecer”.

De quando fui doar sangue pela primeira vez e a atendente me fez assinar um papel em que declarava não ter tido relações sexuais com ninguém do mesmo sexo que o meu.

De quando fiquei chocado ao saber que estudantes de Medicina de uma universidade pública de Porto Alegre disseram que os médicos tinham obrigação de tratar gays erroneamente.

De quando um “amigo” da família disse que eu era assim por não ter apanhado o suficiente quando criança.

Ou de tantas outras formas de tornar pessoas invisíveis, de negar que a vida é mais complexa do que o seu próprio umbigo e que o que você acredita não significa de forma alguma que isso é verdade, mas apenas o que você acredita.

Quem está longe é você, Levy. Longe de entender que o ódio só produz mais ódio e que é por causa de pessoas como você que as mãos sujas de sangue dos agressores são lavadas sem culpa.

Jornalista e militante LGBT