Revelamos aqui as causas e efeitos da insegurança pública e jurídica no Brasil, propondo uma ampla mobilização na defesa da liberdade, democracia, federalismo, moralidade, probidade, civismo, cidadania e supremacia do interesse público, exigindo uma Constituição enxuta; Leis rigorosas; Segurança jurídica e judiciária; Justiça coativa; Reforma política, Zelo do erário; Execução penal digna; Poderes harmônicos e comprometidos; e Sistema de Justiça Criminal eficiente na preservação da Ordem Pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio.

quinta-feira, 29 de novembro de 2012

SITE ANTICENSURA


'Repórteres sem Fronteiras' lança site anticensura. ONG ligada à ONU permitirá publicação de conteúdos censurados, proibidos ou cujos autores foram vítimas de represálias

O Estado de S. Paulo, 27 de novembro de 2012 | 10h 22


SÃO PAULO - A ONG "Repórteres sem Fronteiras" inaugurou no dia 27 de setembro um site de publicação de conteúdos censurados, proibidos ou cujos autores foram vítimas de represálias. Batizado como WeFightCensorship ("Nós combatemos a censura", em inglês), abreviado pelas iniciais WeFC, o portal tem por objetivo tornar a censura obsoleta. Esta iniciativa inédita permite a "Repórteres sem Fronteiras" complementar sua missão de observação, defesa, pressão e assistência em nome da liberdade de informação.



Reprodução
Conteúdo do site está disponível em inglês e francês, mas com possibilidade de tradução


O site oferecerá conteúdos editoriais (artigos, vídeos, gravações áudio, fotografias, etc.) enviados por jornalistas ou net-cidadãos vítimas de censura. Os conteúdos selecionados pelo comitê editorial de WeFC estarão acompanhados por um texto de apresentação do contexto e do autor. Os documentos processuais ou de outra natureza necessários à apreciação integral do valor informativo dos conteúdos serão igualmente publicados.

O site estará disponível em duas línguas: inglês e francês. Serão publicados artigos ou peças jornalísticas do mundo inteiro em suas línguas originais, acompanhadas também da respectiva tradução. Concebido para ser facilmente duplicável, o site será copiado por páginas-espelho, o que impedirá qualquer tentativa de filtragem ou bloqueio. Os internautas também serão chamados a intervir, nomeadamente na difusão e visibilidade dos documentos censurados.

"'Repórteres sem Fronteiras' propõe um instrumento de dissuasão que convida os Estados e outros poderes a respeitarem a liberdade de informação, à liberdade que possibilita a existência de todas as outras", explica Christophe Deloire, diretor-geral da entidade. "O site se baseia no efeito Streisand, segundo o qual quanto maior for a vontade de censura de uma informação na internet, mais essa informação será difundida pela comunidade de internautas. Queremos assim demonstrar que prender o autor de um artigo, confiscar exemplares de um jornal ou bloquear o acesso a um site de vídeos não evitará que o conteúdo em questão dê a volta ao mundo, antes pelo contrário."

Graças a uma "caixa-forte" digital protegida, os internautas poderão enviar de forma anônima conteúdos suscetíveis de serem publicados. Um "kit de sobrevivência digital" oferecerá ferramentas como as redes privadas virtuais (VPN, em inglês), programas de encriptação (TrueCrypt) ou tecnologias de comunicação anônima online (TOR). Esses instrumentos permitirão aos produtores de informação proteger suas fontes e, nos países ditatoriais, garantir sua própria segurança.

Uma versão experimental do site já se encontra disponível em acesso privado, por inscrição, desde 13 de novembro. Por ocasião do lançamento, a agência Publicis Bruxelas desenhou gratuitamente uma campanha publicitária formada por várias imagens com personalidades como Vladimir Putin, Mahmoud Ahmadinejad ou Bashar al-Assad despidas. "Os regimes totalitários não terão mais nada a esconder", afirmou essa campanha destinada à imprensa escrita e internet.

"Repórteres sem Fronteiras" é uma entidade com o estatuto consultivo na ONU, na UNESCO e na Organização Internacional da Francofonia.

quarta-feira, 28 de novembro de 2012

ENTREGUEM SUAS ARMAS

ZERO HORA 28 de novembro de 2012 | N° 17267. ARTIGOS

Christopher Goulart*


“Para que não se esqueça, para que nunca mais aconteça!” Não há motivos para acreditar que novas agressões ocorrerão por parte do Estado contra os cidadãos brasileiros, num momento em que teoricamente vivemos numa democracia ajustada. Mas, sim, as agressões ocorrem diariamente, exemplificadas na ausência de educação e saúde. O próprio Estado é aquele que mais agride os direitos humanos, no momento em que falha em áreas onde os erros são imperdoáveis. Mas nossa missão deve ser sempre a de solucionar e não lamuriar. O progresso da civilização bem que poderia estar fundamentado no conceito da verdade. Na busca incessante da conscientização popular. Jamais esquecer o passado é importante; olhar com alma leve para o futuro é fundamental.

Houve um período de nossa história recente quando se lia como propaganda oficial de governo: “Brasil, ame-o ou deixe-o”. E, assim, milhares de brasileiros foram perseguidos, exilados, cassados e muitos deles assassinados. Sim, assassinados por parte do Estado brasileiro. Foi o caso do deputado do PTB Rubens Paiva, a quem todos nós devemos prestar nossas devidas homenagens. Hoje sabemos com certeza que Rubens Paiva não é um “desaparecido”. Conforme comprovam os documentos entregues pelo governo do Estado do RS à sua família, Rubens Paiva esteve preso no DOI-Codi do Rio, antes do seu “desaparecimento”. Vamos esclarecer. O deputado foi barbaramente torturado antes de ser assassinado. Mas qual foi seu crime?

Participar ativamente de uma CPI criada na Câmara dos Deputados durante o governo de João Goulart para examinar as atividades ilícitas do Ipes-Ibad, que tinham como função principal financiar palestrantes, escritores, deputados e todos aqueles que tinham como meta acabar com a “ameaça comunista” no Brasil. Ao menos era essa a mentirosa justificativa dos setores conservadores da sociedade para bloquear a ascensão de um povo consciente. O país estava no caminho das Reformas de Base. Rubens Paiva, devido ao fato de ter participado da CPI do Ibad-Ipes, teve seu mandato cassado no dia 10 de abril de 1964, editado no dia anterior, pela junta militar que assumiu o poder a partir da deposição de João Goulart.

E a importância da memória, verdade e justiça, no desenvolvimento salutar de nossas instituições? Entre tantas atribuições do Estado, uma delas deve ser a busca da verdade. Há que se dizer que Rubens Paiva, assim como milhares de brasileiros, não aceitavam a ditadura militar e lutavam pela democracia. Lutavam por um Brasil de muitos e não de poucos. Então, em nome de sua memória e de tantos outros bravos brasileiros que tombaram, que tal uma reflexão sobre o que queremos para o nosso país? Que tal entregar nossas armas?

*Advogado, militante de direitos humanos

FERIDAS QUE NÃO CICATRIZAM

ZERO HORA 28 de novembro de 2012 | N° 17267

PÁGINA 10 | ROSANE DE OLIVEIRA



Uma frase da psicóloga Maria Beatriz Paiva Keller, 52 anos, filha do ex-deputado Rubens Paiva, dita ontem no Palácio Piratini, sintetiza o estado de espírito dos familiares de presos políticos desaparecidos na ditadura:

– Há 40 anos eu vejo o mesmo filme. Um filme sem fim.

O comovente depoimento de Maria Beatriz foi dado depois de receber do governador Tarso Genro a cópia do documento encontrado na casa do coronel Julio Miguel Molinas Dias e que confirma a passagem de Rubens Paiva pelas instalações do DOI-Codi, em 1971. A caçula de Rubens Paiva mora na Suíça e está passando as férias no Brasil. Contou que foi poupada pela família, porque tinha só 10 anos quando o pai desapareceu. Ela estava no andar de cima da casa de dois pisos, no Leblon, e não viu a cena dos militares saindo com o pai. Durante muito tempo, conviveu, na escola, com a dificuldade de responder à pergunta dolorosa: onde está seu pai?

– Eu tinha vergonha de dizer que meu pai estava preso, porque a ideia que se tem é de que uma pessoa presa é uma pessoa criminosa. Às vezes, eu preferia dizer que meu pai tinha morrido. Se perguntavam do que morreu, dizia que foi do coração.

Cada membro da família Paiva definiu uma data para a morte de Rubens. Pela manhã, a filha Vera, que à época tinha 16 anos, disse à Rádio Gaúcha que levou 10 anos para admitir que o pai estava morto. Professora de História na USP, Vera dá seu aval ao livro Segredo de Estado, do jornalista Jason Tércio, que mistura fatos conhecidos da biografia do pai com versões de testemunhas e um tanto de ficção para preencher as lacunas deixadas pela falta de informação oficial sobre o ex-deputado.

Maria Beatriz chorou ao receber o documento e estranhou a citação de 14 livros de diversos autores na lista de objetos do pai constante do “termo de recebimento”. Porque Rubens Paiva saiu de casa dirigindo o próprio carro, imaginando que iria apenas prestar um depoimento e voltaria em seguida. Não teria motivo para levar 14 livros. A filha imagina que os livros foram apreendidos na casa da família pelos militares que buscavam provas de uma suposta ligação de Rubens Paiva com grupos de guerrilha.

No Piratini, a caçula conheceu o deputado Raul Pont (PT), que contou ter sido preso na mesma época de Rubens Paiva. Pont no DOI-Codi de São Paulo, Paiva no Rio.

domingo, 25 de novembro de 2012

NEM ESTUDAM, NEM TRABALHAM

REVISTA ISTO É N° Edição: 2246

Apesar do crescimento econômico do País, aumentou na última década o número de brasileiros entre 18 e 25 anos sem escola e sem emprego. Eles são 20% dos jovens 

Rachel Costa



EM CASA
Violão e academia são os passatempos de Thaís, 18 anos,
para as tardes desde que terminou o ensino médio

Fora do mercado formal, o trabalho da jovem Miessa Pagliato, 25 anos, é correr atrás do filho Arthur, de 3 anos. Desde que engravidou, trocou o emprego de assistente administrativa pela família. Planejava, para 2013, pôr Arthur na escola e voltar a trabalhar, mas uma nova gravidez a fez encarar mais um período em casa. O futuro que lhe espera, ela sabe, não será dos mais fáceis. “Já não sou mais tão nova, estou defasada para o mercado de trabalho e não tenho uma boa formação”, resume a jovem, que engrossa a lista dos “nem-nens”, tradução para o português do termo espanhol “nini”, uma corruptela de “ni estudian, ni trabajan”. O termo tornou-se popular em uma Espanha arrasada pela crise e onde os jovens têm encontrado muita dificuldade para conseguir trabalho. Aqui, de acordo com o último censo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), os “nem-nens” já são um a cada cinco jovens entre 18 e 25 anos, uma massa de 5,3 milhões de pessoas. Em 2000, no censo anterior, eram 4,8 milhões de “nem-nens”, que representavam 18,2% da população. O que impressiona é que nem a redução do desemprego nem a ampliação das vagas de formação técnica e superior foram capazes de reverter o número.

“Ficamos surpresos, esperávamos encontrar menos jovens nessa situação”, diz Adalberto Cardoso, coordenador do projeto Juventudes, Desigualdades e o Futuro do Rio de Janeiro, responsável pelo cruzamento dos dados do Censo. A grande questão é entender por que brasileiros têm seguido por esse caminho. Para uma parcela significativa, a resposta é a mesma de Miessa: a maternidade. Cerca de um terço dos “nem-nens” são jovens mães. “Essa era uma trajetória comum no passado, mas, como se vê, ainda tem sobrevivido”, considera Mario Rodarte, da Faculdade de Administração e Ciências Econômicas da Universidade Federal de Minas Gerais. Outro grande grupo, acredita Rodarte, seria formado por uma juventude descontente, que não se sente seduzida pela transição entre educação e trabalho, que normalmente ocorre nessa idade. Nessa ciranda, que envolve ensino de má qualidade e postos de trabalho pouco atrativos, os mais prejudicados são os mais carentes – 70% dos “nem-nens” fazem parte dos 40% mais pobres da população. “Também não podemos esquecer que uma parte pode estar envolvida com a criminalidade, muito associada a homens nessa faixa etária”, avalia André Portela, da Escola de Economia da Fundação Getúlio Vargas.


À ESPERA
Daniel, 19 anos, depois de uma tentativa frustrada
de trabalho, promete que ainda volta a estudar

Mas isso não significa que classes sociais altas também não produzam seus “nem-nens”. Em um bairro de classe média da zona oeste de São Paulo, o jovem Daniel Jachimowicz, de 19 anos, largou os estudos em um colégio particular sem nem completar o primeiro ano do ensino médio. “Tomei ‘pau’ duas vezes e desisti”, resume. Neste ano, experimentou trabalhar em um rodízio de comida japonesa, mas achou que era muito esforço para pouco salário. “Durei um mês. Não me sobrava tempo livre”, queixa-se. Decidiu então continuar em casa, acordando tarde e gastando os dias entre computador, videogame, ensaios da banda e rodas de cerveja com os amigos. Para o futuro, planeja um curso de gastronomia, mas primeiro ainda precisa de um diploma do ensino médio.

Em casos como o de Jachimowicz, a geração “nini” brasileira se aproxima mais da europeia. Lá, antes da crise, o conforto provocado pelo crescimento econômico na década passada e o bem-estar social já faziam os jovens enxergarem a casa como uma opção. “Não queria ir para a universidade ainda, porque não tinha certeza do curso a fazer”, diz Thaís Romano, 18 anos. Ela vai prestar vestibular, mas decidiu não priorizar os estudos em seu ano sabático, que dedicou à academia e ao violão. “Vou tentar na raça”, conta. “Meus irmãos mais velhos são os que mais me xingam. Eles me mandam arrumar alguma coisa para fazer.”


MÃE
Miessa, 25 anos, precisou deixar o trabalho para cuidar do filho Arthur.
Grávida novamente, sabe que não será fácil se reinserir no mercado

Nesses casos em que a família tem mais recursos é mais fácil para os “nem-nens” se reinserirem no mercado. Com menor ou maior intensidade, porém, há sempre perda. “Quanto mais o jovem retarda o início de sua vida profissional e não se qualifica, mais a concorrência se acirra, porque vai haver mais gente com mais experiência disputando vagas”, afirma Eduardo de Oliveira, do Centro de Integração Escola Empresa. É essa experiência que vive hoje Mariana Ferreira Gugê, 20 anos. Filha de pai vendedor e mãe administradora, ela resolveu sair da escola em 2010, sem completar o primeiro ano do ensino médio. Agora, resolveu buscar emprego. Descobriu, porém, que embora haja muitas vagas de trabalho, seu currículo é fraco por causa da formação acadêmica deficiente e da falta de experiência. “Hoje eu me arrependo. No começo foi tudo uma festa, mas depois eu fui ficando cansada de ficar em casa e quis trabalhar”, diz ela, que planeja fazer supletivo em 2013.





sexta-feira, 23 de novembro de 2012

CASO RUBENS PAIVA


ZERO HORA 23 de novembro de 2012 | N° 17262

Documento vira peça fundamental



JOSÉ LUÍS COSTA*

Registro que comprova entrada de Rubens Paiva nas dependências de unidade do Exército, em 1971, revelado ontem por Zero Hora, será usado por promotor do Rio de Janeiro para embasar investigação sobre o desaparecimento do ex-deputado

A revelação, feita por ZH, de um documento comprovando que o ex-deputado federal Rubens Paiva foi sequestrado por militares e levado ao Departamento de Operações e Informações - Centro de Operações de Defesa Interna (DOI-Codi) no Rio, em 1971, mexeu ontem com o cenário político-ideológico e militar do Brasil. Um dos mais entusiasmados é o promotor Otávio Bravo, do 1º Ofício da Procuradoria de Justiça Militar do Rio. Ele considera que surgiu a primeira prova documental da entrada do ex-deputado naquela repartição, um conhecido centro de torturas – algo que, até então, apenas se tinha ouvido falar. Trata-se de uma folha de ofício amarelada e preenchida em máquina de escrever, na qual o próprio Exército relata a prisão do ex-parlamentar.

Intitulado “Turma de Recebimento”, o documento contém o nome completo do político (Rubens Beyrodt Paiva), de onde ele foi trazido (o QG-3), a equipe que o trouxe (o CISAer, Centro de Inteligência da Aeronáutica), a data (20 de janeiro de 1971), seguido de uma relação de papéis, pertences pessoais e valores do ex-deputado. Consta nele, também, uma assinatura, possivelmente de Paiva.

Essa simples folha de papel muda a história oficial, já que o corpo de Paiva nunca foi localizado, e o Exército jamais admitiu responsabilidade sobre o sumiço do político cassado pela ditadura militar (1964-1985). O documento ficou quatro décadas guardado no arquivo particular do coronel da reserva do Exército Julio Miguel Molinas Dias, 78 anos. Gaúcho de São Borja, o coronel chefiou o DOI-Codi 10 anos depois do desaparecimento.

O documento só surgiu porque, em 1º de novembro deste ano, Molinas Dias foi morto ao chegar de carro a sua casa, no bairro Chácara das Pedras, na Capital. Tudo indica que se trata de uma tentativa de roubar o arsenal que o coronel colecionava (cerca de 20 armas), embora não esteja descartado homicídio por algum desafeto ligado ao passado do oficial. A investigação está com o delegado Luís Fernando Martins de Oliveira.

O promotor Bravo vai requisitar cópia do documento à Polícia Civil gaúcha. Ele considera que foram praticados pelo menos quatro crimes, no sumiço de Paiva: tortura, sequestro, homicídio e ocultação de cadáver. O assassinato e a tortura já estariam prescritos, por terem se passado mais de 20 anos, ou estariam perdoados, por terem se consumado antes da vigência da Lei da Anistia, em 1979.

Já o sequestro poderia estar em curso – fato que ele não acredita –, assim como a ocultação de cadáver. Sendo assim, os executores não estariam anistiados e o crime de ocultação do cadáver seria passível de punição. Bravo pretende encaminhar o procedimento investigatório à Comissão Nacional da Verdade e ao Ministério Público Federal, que tem competência para apresentar denúncia de crimes comuns à Justiça (sequestro e cárcere privado são crimes comuns). Por atuar junto à Justiça Militar, Bravo só pode apresentar denúncias referente a crimes militares.

Organizações de ex-presos políticos também se entusiasmaram com a descoberta do documento guardado pelo coronel. Para a coordenadora do Grupo Tortura Nunca Mais, Victória Grabois, o relato de que dois cadernos de anotações de Paiva ficaram com o major José Antônio Nogueira Belham escancara a necessidade de que o militar deponha à Comissão da Verdade:

– A gente pode não acreditar, mas temos de pressionar para que ele seja ouvido. É evidente que ele deve saber o que aconteceu. Esse cara precisa falar em um depoimento público, que não seja a portas fechadas – apela.

Por meio de sua assessoria, o presidente da comissão, ex-procurador-geral da República Cláudio Fonteles, garantiu que o documento será analisado e não descartou que o militar seja ouvido.

Conselheiro do Movimento de Justiça e Direitos Humanos (MJDH), Jair Krischke considera que a manutenção de documentos deste quilate em poder de militares “é um crime contra a história do Brasil”.

– Tinham consciência de que um dia poderiam ter de prestar contas. Então resolveram levar os documentos para serem usados em caso de necessidade. Deixam lacunas na história – conclui Krischke.

*Colaborou Humberto Trezzi





ENTREVISTA. “Bateram demais e perderam o controle”

Otávio Bravo - Promotor militar que investiga o sumiço de Rubens Paiva



Por telefone, de seu apartamento no bairro carioca do Leblon, o promotor Otávio Bravo, 44 anos, do 1º Ofício da Procuradoria de Justiça Militar do Rio, falou sobre o caso Rubens Paiva e seu trabalho para tentar desvendar o paradeiro de 39 desaparecidos em poder de repressores durante a ditadura militar. Confira trechos:

Zero Hora – Qual a importância do documento que comprova a entrada de Rubens Paiva no DOI-Codi?

Otávio Bravo – Estamos trilhando uma prova que dá credibilidade à declaração de uma das filhas do Rubens Paiva, que ouviu de um carcereiro que ele morreu lá. Ela nunca tinha sido ouvida por uma autoridade brasileira, por incrível que pareça. Foi presa aos 15 anos, ficou um dia detida no DOI-Codi e ouviu dizer: seu pai morreu.

ZH – Quantas pessoas o senhor já ouviu?

Bravo – Umas 15, mas entre outros casos, eu não investigo só isso. São 39 casos de desaparecidos de unidades militares aqui no Rio de Janeiro. O meu maior foco é a unidade clandestina que funcionava em Petrópolis (serra fluminense), a Casa da Morte.

ZH – Rubens Paiva passou por lá?

Bravo – Existe uma versão de que ele teria passado, mas nada comprovado. Não teria o porquê. Eram levados para lá pessoas que militavam, que eles (militares) queriam dar fim.

ZH – O que houve com Paiva?

Bravo – Não foi uma morte planejada. Foi torturado. Bateram demais nele e perderam o controle. Tanto é que há no inquérito, instaurado em 1986, uma declaração de um militar mencionando que a morte teria sido “acidental”. Era para ter sido preso. Não era um militante, um ativista, não pegava em armas. Pelo contrário, era empresário, cuja morte geraria mais problemas do que soluções.

ZH – Rubens Paiva foi assassinado no DOI-Codi?

Bravo – Para mim, foi assassinado lá, mas já saiu da unidade da Aeronáutica em condições ruins, onde começou a apanhar. Isso sei porque eu tenho o testemunho de duas senhoras que viram ele sendo maltratado.

ZH – É possível chegar a culpados?

Bravo – Sim. No caso do Rubens Paiva, se a gente chega aos nomes dos envolvidos, e conclui que ele morreu antes de 1980, aí os crimes de sequestro e de homicídio estariam prescritos e anistiados pela Lei de Anistia, de 1979. Poderíamos dizer quem foram os autores dos crimes, mas não teria como punir essas pessoas.

ZH – Não tem como?

Bravo – Não tem como punir pela Lei da Anistia e porque o prazo de prescrição máximo é de 20 anos. Instaurei o procedimento no ano passado para ajudar a descobrir a verdade e, se possível, encontrar corpos.

ZH – É possível levar alguém a julgamento?

Bravo – Sim. Seria ingenuidade achar que o sequestro está em curso. Mas ocultação de cadáver é crime permanente até aparecer o cadáver, e ele não apareceu. É um pouco frustrante depois de se falar em tortura, homicídio, sequestro. Mas, se conseguir identificar pessoas que ocultaram o cadáver, elas podem ser colocadas no banco dos réus por esse crime.

ZH – E a sua estrutura?

Bravo – Só eu e minha secretária. É um trabalho bastante pesado. Houve apoio da Secretaria Nacional de Direitos Humanos e da Comissão Nacional da Verdade. Mas não tem apoio de estrutura, estou sozinho. Não há pressão, mas não teve ajuda. Há uma certa resistência das Forças Armadas em fornecer informações meio absurdas de destruição de documentos que a gente sabe que não foram destruídos.


 O desabafo do general - por HUMBERTO TREZZI

E os fatos obscuros e crimes relacionados aos guerrilheiros de esquerda? Quem vai investigar?

O questionamento foi feito ontem a Zero Hora pelo general da reserva Gilberto Barbosa de Figueiredo, 74 anos, que presidiu durante quatro anos o Clube Militar, entidade sediada no Rio e reconhecida como local de posicionamento político para integrantes das Forças Armadas. É ali que se reúnem militares, especialmente os aposentados – que aí podem manifestar opiniões políticas, proibidas na caserna.

E fortes são as manifestações de Figueiredo a respeito da descoberta de documentos que comprovam a prisão clandestina do ex-deputado Rubens Paiva. Gaúcho de Porto Alegre, ex-comandante militar em Uruguaiana (onde atuava na Cavalaria), o general da reserva é uma espécie de porta-voz informal da caserna.

Ele diz que tem acompanhado o caso do assassinato do seu colega, o coronel Molinas, no Rio Grande do Sul. Sobre os documentos encontrados na casa dele, Figueiredo é cauteloso: não teve acesso ao material e, por isso, prefere não se aprofundar:

– Mas não posso negar a importância desses papéis. Devem ser autênticos. E merecem ser examinados por historiadores, por gente isenta e não engajada politicamente.

Questionado se considera a Comissão da Verdade isenta o suficiente para examinar os documentos, Figueiredo esbanja sinceridade. Ele acredita que os documentos devem ir para lá, mas gostaria que a comissão investigasse os dois lados, não um só.

– Que olhasse as bombas colocadas em filas de banco, que mataram inocentes, por exemplo. Não é verdade que procuram elucidar todos os crimes, nesta comissão. É preciso que sejam examinados também assaltos e assassinatos praticados pela esquerda. Não sei que posição o Exército vai tomar, mas essa é minha opinião.

Zero Hora procurou o atual presidente do Clube Militar, general Renato Cesar Tibau da Costa. Ele preferiu não se manifestar.


A farsa - por FLÁVIO TAVARES | Colunista


No auge da ditadura Médici, os jornais do Rio destacaram uma “audaciosa ação da guerrilha terrorista”: o resgate, por seus comparsas, de um preso levado ao Alto da Tijuca para apontar esconderijos. A foto do Fusca queimado em que transportavam o prisioneiro, fazia tudo verossímil.

Mas a imprensa, sob censura e sob controle direto ou indireto, não daria a ênfase que deu se a notícia fosse verdadeira. Só algo falso, “plantado” pelos que mandavam em tudo, teria tanto destaque, até no rádio e na TV.

Ao ler os jornais, no exílio no México, desconfiei. A saída de presos para “reconhecimento” era supersecreta e um resgate na rua seria difícil até interceptando telefones do Exército. Conhecia o horror do quartel “de onde saiu o preso”, e nada entendi.

A farsa sobre o desaparecimento de Rubens Paiva começou ali. Dias antes, a mãe de uma exilada no Chile fora detida ao desembarcar no Rio com uma carta em que outra exilada indagava se Rubens “havia entregue a encomenda”. Pouco antes, ele fora ao Chile para que sua empresa de engenharia participasse da construção do metrô de Santiago e, como era comum, trouxe cartas e presentes dos exilados brasileiros a parentes e amigos.

Em seguida, a Aeronáutica o prendeu em sua casa para “esclarecimento”. No dia seguinte, a mulher e a filha, presas depois, ouviram sua voz no quartel do DOI-Codi, onde outros presos o viram.

O médico militar Amilcar Lobo (que, com o estetoscópio, media se o preso “aguentava” o eletrochoque) conta que o examinou na tortura. Rubens nada sabia de nada e não podia sequer inventar subterfúgios para interromper a tortura. Morreu por isto. Por ser absolutamente alheio ao que lhe indagavam.

Só com outro crime a farsa se desmoronou através da própria imprensa, 41 anos depois. E, por ironia, revelada por um repórter nascido em 1964, o ano do golpe que gerou tudo isto.

*Em 1969, Flávio Tavares esteve preso no mesmo quartel de Rubens em 1971.



ENTREVISTA - por MARCELO PERRONE

“Um bem precioso rumo à verdade” - Miriam Leitão - Jornalista



“A sociedade foi Rubens Paiva, não os facínoras que o mataram”. Esta contundente frase de Ulysses Guimarães no Congresso Nacional, na cerimônia de promulgação da nova Constituição, em 1988, abre o documentário Uma História Inacabada, exibido no canal GloboNews em 1º de março deste ano. O programa, apresentado pela jornalista Miriam Leitão, tem como personagem central Rubens Paiva, deputado cassado pela ditadura militar.

Miriam, em parceria com o jornalista Cláudio Renato, conduziu sua investigação sobre o episódio exibindo imagens de arquivos – como uma entrevista da mulher do deputado, Eunice Paiva, em 1978, e depoimentos de pessoas ligadas ao caso. Veja trechos da entrevista.

Zero Hora – Qual foi o ponto de partida para realizar este documentário sobre Rubens Paiva?

Miriam Leitão – Quando a Comissão da Verdade foi instituída, eu e meu colega Cláudio Renato tivemos a ideia de falar sobre os desaparecidos não como abstrações, mas como pessoas que tinham famílias, empregos e sonhos e que tiveram suas vidas brutalmente interrompidas. Optamos por personalizar o tema no Rubens Paiva pela lembrança daquele forte e emocionado discurso do deputado Ulysses Guimarães na promulgação da Constituição de 1988, quando ele citou o caso Rubens Paiva e disse: “Eu tenho ódio e nojo à ditadura”. Quem assistiu àquele discurso nunca esqueceu.

ZH – Durante a realização do especial se aventou a possibilidade de documentos como esse revelado por Zero Hora existirem?

Miriam – Nós mostramos o único documento que se tinha, que está em poder da família há 41 anos: um comprovante de estacionamento entregue por um oficial do Exército. Quando foi capturado, Rubens Paiva dirigiu o próprio carro até a sede do 3º Comar no Rio. Ele foi torturado por militares da Aeronáutica e transferido para o DOI-Codi. Mostramos ainda as provas testemunhais de uma senhora que, por não poder falar, nos relatou por escrito que esteve presa com ele, e da filha Maria Eliana Paiva, que também esteve no DOI-Codi. Este documento revelado por Zero Hora é um passo muito além, é um bem precioso rumo à comprovação da verdade.

ZH – Como você avalia o papel da imprensa na investigação e publicação de documentos?

Miriam – Esta é uma pauta permanente não só para a imprensa, mas para o Brasil. É preciso deixar para as próximas gerações um registro histórico mais preciso do que realmente ocorreu no período da ditadura, sobre o que ocorreu com Rubens Paiva, com Vladimir Herzog e outros. Muitos documentos sigilosos foram levados para casa por militares. Zero Hora mostra neste episódio que o bom jornalista vai saber como encontrá-los.






A surpresa do filho Marcelo

Marcelo Rubens Paiva contempla distraído os dois gatos que se espreguiçam na sacada, bafejados pelo sol morno do final de tarde que penetra oblíquo pela janela do apartamento onde mora, na Vila Madalena, em São Paulo. Depois, mordisca levemente o vasto bigode, já com alguns fios grisalhos, e encara o interlocutor para se manifestar sobre o documento – revelado com exclusividade por ZH na quinta-feira – que ajuda a elucidar o assassinato de seu pai, o ex-deputado Rubens Beyrodt Paiva, nos porões de tortura da ditadura militar (1964-1985).

Um dos cinco filhos de Rubens Paiva, o escritor e dramaturgo não se exalta. A companhia dos felinos, e das centenas de livros que forram as paredes do escritório e se esparramam pelos cômodos e até no assoalho, amplifica a sensação de quietude. No entanto, ao falar, Marcelo é incisivo:

– Fomos surpreendidos. Por que ele guardava o documento? Era uma espécie de souvenir da guerra suja? Pensava torná-lo público?

Marcelo e seus familiares não entendem como o ex-chefe do DOI-Codi do Rio de Janeiro, o coronel da reserva do Exército Júlio Miguel Molinas Dias, assassinado a tiros no dia 1º supostamente por ladrões, na Capital, mantinha os arquivos da repressão política.

Com a descoberta do documento, que prova como Rubens Paiva foi trancafiado no DOI-Codi do Rio, em 20 de janeiro de 1971, Marcelo exige a investigação do papel exercido pelo coronel Molinas. Se conservava o comprovante da prisão de Rubens Paiva – que morreu sob tortura –, teria seus motivos para mantê-lo sob sigilo por quatro décadas.

– Qual é a história desse coronel em 1971? Será que ele participou, de uma forma ou de outra, da morte e do desaparecimento do meu pai? – questiona o autor de Feliz Ano Velho.

Descoberto pelo repórter José Luís Costa, o documento é uma peça valiosa de um quebra-cabeças que permanece inconcluso 40 anos depois. Marcelo recorda que a família nunca conseguiu desvendar, por completo, o que ocorreu com Rubens Paiva no DOI-Codi fluminense.

A família foi juntando informações esparsas. Uma delas foi proporcionada pelo médico Amílcar Lobo, que auxiliava os torturadores no sentido de avaliar a resistência dos prisioneiros políticos. Em 1986, Lobo garantiu ter visto Rubens Paiva no DOI-Codi, descrevendo-o como “uma equimose só” de tão machucado.

Marcelo Paiva diz que o documento divulgado por ZH é relevante, ao evidenciar a entrada de Rubens Paiva no DOI-Codi, inclusive com a descrição do recebimento de pertences.

– É mais uma prova de que chegou andando e saiu esquartejado de lá – diz o escritor.

A família Paiva está confiante de que a Comissão Nacional da Verdade, instalada este ano, possa avançar nas investigações nos crimes da ditadura militar. Ela conviveu com o desaparecimento do pai, cujos restos mortais teriam sido escondidos em vários locais, sem jamais poder velar e sepultar o corpo. Porém, Marcelo não “quer um pedaço de fêmur”, mas justiça e punição dos culpados.

– Não só para o caso do meu pai, para todas as vítimas – diz o escritor.

NILSON MARIANO | Enviado Especial/São Paulo
 
Quem é o escritor
- Marcelo Rubens Paiva tinha 11 anos quando o pai deixou a casa, no Leblon, no Rio de Janeiro, conduzido por militares das Forças Armadas para nunca mais retornar.
- O desaparecimento do pai, ex-deputado Rubens Paiva, marcaria a vida de Marcelo e dos quatro irmãos.
- Dez anos depois, um acidente durante um mergulho deixaria Marcelo tetraplégico. Era o segundo grande trauma em sua vida.
- Em 1982, o jovem, que até aquele momento era conhecido pelo pai ilustre, ganha notoriedade com o livro Feliz Ano Velho. No texto, Marcelo relata, com bom humor, a rotina de um rapaz de classe média confinado a uma cadeira de rodas e aborda o impacto em sua vida do desaparecimento de Rubens Paiva.
- Traduzido para muitos idiomas, se converteu no livro nacional mais vendido da década de 1980, superando quarenta edições. O livro inspirou peça dirigida por Paulo Betti, um filme, dirigido por Roberto Gervitz, e influenciou gerações.
- Dramaturgo, Marcelo é autor de uma dezena de peças.
- Amanhã, lança “As verdades que ela não diz”, mais um dos seus livros.

A HISTÓRIA E A VERDADE

 
ZERO HORA 23 de novembro de 2012 | N° 17262

EDITORIAIS



Ao trazer a público pela primeira vez um documento que comprova a prisão do ex-deputado Rubens Paiva pelas forças de repressão do governo militar, Zero Hora presta um serviço à memória do país. Como destacou o escritor Marcelo Rubens Paiva, filho do parlamentar desaparecido durante o regime ditatorial, “é sempre a imprensa que conta a história, jamais o Estado”. Esta observação é mais do que emblemática, pois sintetiza conceitos de democracia e de liberdade. Cabe, sim, à imprensa livre e independente aproximar a história da verdade. O Estado, os governos, os detentores do poder, estes costumam contar a história oficial, sob o enfoque que melhor contempla seus interesses e que nem sempre é o mesmo da nação.

A história do país durante o governo militar ainda precisa ser melhor esclarecida, principalmente em relação a episódios de tortura, morte e desaparecimento de pessoas que se opunham ao regime. É o caso do ex-deputado Rubens Paiva, preso em 1971 no Rio de Janeiro e jamais encontrado. A família sempre suspeitou de que ele tivesse sido morto nas dependências do Departamento de Operações e Informações – Centro de Operações de Defesa Interna (DOI-Codi), que era o órgão central da repressão na época. Agora, surge uma comprovação documental, encontrada entre os pertences do coronel Julio Miguel Molina Dias, assassinado recentemente em Porto Alegre.

A partir da revelação desse registro e de outros que já começaram a ser investigados, novas luzes poderão ser lançadas sobre um episódio de quatro décadas que faz parte da história recente do país. Ao desempenhar seu papel de buscar informações, de investigar e questionar, de ouvir e comparar, de expor visões divergentes e de opinar – como estamos fazendo agora – a imprensa contribui para a busca da verdade. Assim, também, se escreve a história de um país, com a atualização responsável de fatos que nunca foram bem contados.

domingo, 18 de novembro de 2012

A VERTENTE FASCISTA

ZERO HORA 18 de novembro de 2012 | N° 17257. ARTIGOS


Marcos Rolim *


Há um espaço crescente para o fascismo no Brasil. A afirmação parece paradoxal diante do fortalecimento de nossa experiência democrática. Equívoco. Ambos os processos são verdadeiros. A democracia se fortalece e, ao mesmo tempo, crescem as ameaças quanto ao seu futuro. No centro do enigma, há dois fenômenos impressionantes: a desmoralização da atividade política e a projeção pública do ideário de segmento preconceituoso e cínico das classes médias – incluindo parcelas dos chamados emergentes – que sonega impostos, viola as leis do trânsito, repudia o garantismo, as políticas de inclusão e os direitos humanos, despreza as minorias, aplaude a violência policial e exige “tolerância zero” (para os outros).

O Brasil vive possibilidades reais de futuro melhor. Temos taxas baixas de desemprego e a economia tem permitido a inclusão expressiva de segmentos antes à margem do mercado. O modelo de “presidencialismo de coalizão”, que pressiona os governos à paralisia – seja pela incompetência derivada do loteamento político-eleitoral da máquina do Estado, seja pela dinâmica constante de chantagem dos aliados – evita, em contrapartida, as crises políticas. A estabilidade alcançada é, cada vez mais, entretanto, o equilíbrio necessário ao vazio, vez que não se vislumbra a necessária agenda de reforma das nossas instituições. O Brasil vai fazendo, assim, ainda que não o deseje, um pacto com seu passado, nos termos de uma inva- riância básica pela qual os governos são ilhados pelas corporações, pela burocracia e por uma asfixiante ausência de conceitos.

Ocorre que crises econômicas sérias, como a da zona do Euro, poderão também atingir o Brasil, provocando desemprego e recessão. Ao mesmo tempo, situações como a inefetividade na segurança pública – tanto quanto ao crime e à violência, quanto à degradação das instituições policiais – têm dado sucessivos sinais de que crises graves se acumulam no horizonte. Um cenário de desestabilização da economia e/ou de abalo político (produzido por atentados terroristas, por exemplo) poderia – ao contrário da experiência europeia – colocar em risco nossa incipiente democracia.

Tendo presente a miséria política nacional – com o que não me refiro apenas à instituição política, mas, antes dela, à cultura que a autoriza e conforma – penso que seríamos, na hipótese aventada, rapidamente engolfados por legislação de exceção tendente a suprimir direitos e garantias individuais, com a natural projeção de lideranças fascistas. No mais, nunca faltou apoio para soluções autoritárias por estas bandas. O fascismo é, entre nós, o programa de reserva, o currículo oculto, o discurso não escrito (mas já decorado), de parte importante de nossas elites e do senso comum. É aí que mora o perigo; o “Ovo da Serpente” retratado pelo gênio de Bergman.

Mais uma razão para que cuidemos melhor de nossa democracia. Se não tivermos esta preocupação, haverá mais leitores para revistas como a “Veja-só-a-que-ponto-chegamos” que tratam os direitos civis dos homossexuais como o equivalente ao “casamento com cabras”; teremos mais jornalistas repetindo a fórmula da ditadura argentina sobre os “humanos derechos” e mais jovens sem noção se articulando para relançar um partido político chamado Arena.

Aliás, quando coisas assim ocorrem sem qualquer incômodo na opinião pública, é sinal de que algo importante no ideal democrático já foi ferido.


*Jornalista

sábado, 17 de novembro de 2012

RAIO X DA ABIN

REVISTA ISTO É N° Edição: 2245


Como funciona o Serviço Secreto Brasileiro

Raio X da atuação da Abin feito por ISTOÉ revela que o serviço de inteligência vive seu ápice desde a redemocratização. Hoje a agência monitora simultaneamente cerca de 700 alvos diferentes. De movimentos grevistas até a organização de grandes eventos.



 Claudio Dantas Sequeira






Em meados de julho, no auge da greve dos servidores públicos federais, a presidenta Dilma Rousseff recebeu das mãos do ministro-chefe do Gabinete de Segurança Institucional, general Elito Siqueira, uma pasta de papel pardo com tarja vermelha onde se lia “urgente”. Dentro dela, um relatório sintético elaborado por espiões infiltrados nos movimentos grevistas traçava uma análise da situação no País e antecipava a tendência de enfraquecimento da greve. Depois da leitura do informe, Dilma pegou o telefone e avisou aos ministros Guido Mantega (Fazenda) e Miriam Belchior (Planejamento) que o governo não cederia aos protestos. O episódio, mantido em sigilo até agora, dá pistas de como funciona hoje o serviço secreto brasileiro. O relatório que fundamentou a decisão de Dilma foi elaborado pela Agência Brasileira de Inteligência (Abin). A informação que chegou à presidenta foi precisa porque havia agentes da Abin infiltrados no movimento grevista. Entre as classes que espalharam o caos naqueles meses, curiosamente estavam entidades sindicais da própria agência de inteligência, cujos agentes se aproveitaram da circunstância para participar de assembleias e reuniões sem levantar suspeitas.

Infiltrações como essas se tornaram cada vez mais frequentes nos últimos anos. As greves e os movimentos sociais entraram definitivamente no rol de ameaças à segurança nacional. Um raio X da atuação da Abin, feito por ISTOÉ, revela que, após seguidas crises, o serviço de inteligência vive seu auge desde a redemocratização. Em apenas quatro anos, o orçamento da agência mais que dobrou, saltando de R$ 220 milhões em 2008 para R$ 527 milhões em 2012, com efeito direto no número de ações País afora. Hoje a agência monitora simultaneamente cerca de 700 cenários diferentes, do garimpo na fronteira a invasões de terra, transportes e organização de grandes eventos.


ELO COM O PLANALTO
O general Elito despacha diariamente com Dilma, que
o recebe na garagem do Planalto por volta das 8h30

Desde o ano passado, a Abin acompanha as obras da Copa de 2014 e da Olimpíada de 2016. Em agosto, um relatório de acompanhamento foi enviado pelo GSI ao ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo. O documento alertava para problemas de acessibilidade em centros esportivos e o risco de incidentes com a aglomeração de pessoas. Em outra ação preventiva, a Abin reportou ao GSI a crescente tensão entre trabalhadores e empreiteiros nos canteiros de obras da hidrelétrica de Belo Monte (PA). O informe foi produzido por um agente externo, um general reformado que atua como consultor e recebe cerca de R$ 20 mil mensais – colaboradores estrangeiros ganham essa quantia em dólares. O informante constatou que “as condições precárias de alojamento e trabalho” poderiam deflagrar um conflito com impacto no andamento da construção e repercussão negativa na mídia. O Palácio do Planalto demorou para agir e os operários atearam fogo nas instalações.

Em outro episódio recente, mas no âmbito internacional, a Abin antecipou à Presidência o risco de que o presidente do Paraguai, Fernando Lugo, perdesse o cargo. Um relatório especial de inteligência, elaborado por um agente encoberto em Assunção, apontava que o processo de impeachment contra Lugo seria aberto, porque ele já não tinha apoio no Congresso. Na semana anterior, o tema havia sido alvo de outro tipo de informe, mais sintético, apelidado no GSI de “mosaico”. Trata-se de uma página com tópicos e uma escala de cores para cada tema, indicando o nível de gravidade, do amarelo ao vermelho. É com esse papel em mãos que o general Elito despacha diariamente com Dilma, que o recebe na garagem do Planalto por volta das 8h30, e os dois sobem juntos pelo elevador. Ela faz uma leitura dinâmica e raramente comenta algo.



Apesar do bom momento da Abin, nem tudo funciona como deveria. O órgão ainda gasta quase 90% de seu orçamento com pessoal, investe pouco em tecnologia, gasta tempo em burocracia, perseguições internas e ainda protagoniza trapalhadas. A mais recente foi a prisão do técnico de informática Willlian T.N., acusado de capturar senhas de acesso de 238 funcionários. Preso pela Polícia Federal o jovem foi readmitido uma semana depois e passa o dia sob vigilância numa sala sem computador. Descobriu-se que ele estava a serviço de um dos diretores da própria Abin.

Montagem sobre foto de AFP PHOTO ECPAD

domingo, 11 de novembro de 2012

NOVOS SERVOS

 
ZERO HORA 11 de novembro de 2012 | N° 17250. ARTIGOS

Flávio Tavares*

A frase de Tristão de Athayde – “o passado não é aquilo que passa, mas o que fica do que passou” – serve de guia, agora, com o fim da circulação do Jornal da Tarde, em São Paulo. O fato extrapola a imprensa ou o jornalismo e vai além do costumeiro fechamento de empresa deficitária. Mais do que tudo, é um alerta para entender as artimanhas da sociedade do futuro, em que a velocidade da eletrônica modifica (ou deforma) a percepção do que seja a vida.

Filho dileto do tradicional O Estado de S. Paulo, o JT foi também seu filho pródigo. Sempre deficitário na contabilidade empresarial, o halo de desbravar coisas novas aumentava, porém, o prestígio do jornal-pai, que compensava as perdas financeiras. Nos tempos da ditadura direitista, as informações cortadas pelos censores eram substituídas por receitas de cozinha, página por página, em sucessivo humor, mostrando que ali deviam estar notícias e não culinária. O “Estadão”, mais austero, substituía o proibido pelos cantos de Os Lusíadas, negando-se a preencher os espaços e a fingir que não havia tirano nem censores.

Trabalhei nos dois jornais, no Exterior e no Brasil (na ditadura assinava com o cognome de Júlio Delgado), mas não quero falar da inovadora história da publicação que desapareceu e, sim, ir às profundezas do desaparecimento.

O derradeiro editorial do JT (que o “Estadão” paternalmente transcreveu) aponta para o detalhe essencial, que vai além da imprensa: “...o pensamento escrito se debate numa crise que é, essencialmente, uma crise universal de desajuste de velocidades”. Dias atrás, o jurista Paulo Brossard (que, antes de passar pelos três poderes da República, foi correspondente do “Estadão” em nosso Estado) já o citou e eu o repriso para me deter no fundamental – “a crise universal do desajuste de velocidades”.

Não se banalize a ideia pensando em corrida de Fórmula-1... A era eletrônica cria um perigoso desajuste na visão do que seja tempo, nos leva à superficialidade da rapidez e nos afasta da realidade profunda. Em viagem, ao ver algo novo, já não nos detemos no significado dos detalhes. Vamos direto à foto e (com o celular) captamos a primeira imagem à vista, para vê-la reproduzida de imediato na telinha. Nos interessamos por saber, no minuto seguinte, o que a câmera captou segundos antes, sem buscar entender o que a observação crítica podia descobrir por si.

A rapidez da eletrônica virou fetiche irresistível e a imagem suplanta o raciocínio. As crianças já não criam brincando com caixinhas, mas – passivas – seus bonecos falantes mexem olhos e pernas, movidos por pilhas com mercúrio. Os jovens, com pressa, aprendem “só o que cai no vestibular”, e só para isto. Tudo é apressado ou descartável – o amor, os conhecidos, a esferográfica e a escova dental que jogamos ao lixo.

Na informação, a imagem suplanta a descrição crítica. Com som estridente e violência direta ou encoberta, os programas de vulgaridade enchem espaços na TV, onde pseudopastores de pseudoigrejas pregam o medo medieval com a rapidez da eletrônica e, na hora, ajeitam com dinheiro todo pecado ou erro.

O derradeiro editorial do JT foi ao fundo do tema: “A submissão acrítica ao fascínio da velocidade sem rumo devolve a humanidade a uma crescente incapacidade de pensar e vai reduzindo a vida a uma sucessão de reações automatizadas de sobrevivência, onde somos nós que, em bando, servimos às máquinas e não elas que nos acrescentam à individualidade, à segurança e ao conforto material ou espiritual”.

Por fim, ao desaparecer, o JT nos convocou a “superar a barbárie e dar a cada um as rédeas do próprio destino, objetivo da democracia”, para superar a nova servidão.

*Jornalista e escritor

A VERDADE INCOMODA

ZERO HORA. 11 de novembro de 2012 | N° 17250

EDITORIAIS


Conta a lenda que o conquistador Gengis Khan, conhecido e temido por sua crueldade nos combates, mandava matar os mensageiros quando estes traziam más notícias. Guardadas as proporções, essa reação de inconformismo com a verdade ainda motiva nos dias de hoje ações de represália e violência contra quem ousa informar a verdade. Veja-se o que está ocorrendo com a estudante catarinense Isadora Faber, de 13 anos, que resolveu criar uma página no Facebook para relatar o dia a dia de sua escola. Desde então, ela já foi repreen- dida pela direção, foi processada por uma professora, teve que prestar depoimento em delegacias, teve seu trabalho indevidamente utilizado por um candidato na recente campanha eleitoral e, nesta última semana, teve sua casa apedrejada e foi ameaçada de agressão por ter denunciado uma irregularidade na prestação de um serviço para a escola. A adolescente sofre as consequências de ter se transformado numa espécie de jornalista informal.

O jornalismo independente e responsável enfrenta, historicamente, a perseguição sistemática de ditadores, políticos, autoridades e cidadãos que atuam à sombra e não gostam de ver suas malfeitorias reveladas. Com as exceções que se conhece, os incomodados já não mandam matar os mensageiros como fazia o guerreiro mongol. Mas censuram, constrangem, usam o poder político e econômico para calar as críticas e não hesitam em beneficiar aqueles que apenas os elogiam.

Por isso, luta-se tanto pela liberdade de expressão. A prerrogativa de informar sem sofrer represálias não é um privilégio dos jornalistas e das empresas de comunicação. É, antes de tudo, o direito dos cidadãos de serem informados corretamente, sem qualquer tipo de censura ou restrição. Esse é um pré-requisito indispensável para a busca da verdade.

Evidentemente, o direito de informar também impõe responsabilidades. Para merecer a atenção e o respeito de seus públicos, os meios de comunicação têm o dever de apresentar todas as versões dos fatos, de contemplar a pluralidade de opiniões e de colocar o interesse coletivo acima de seus próprios interesses. E é exatamente o público, na condição de consumidor e beneficiário da informação, que deve avaliar e julgar os veículos e profissionais. Só o cidadão, no exercício de seu direito de escolha, deve ter poderes para selecionar a informação que deseja receber. É inadmissível que governos ou órgãos por eles criados queiram controlar a informação.

A internet amplificou na sociedade moderna as competências para produzir e receber informações, transferindo para indivíduos como a pequena Isadora a possibilidade de se comunicar instantaneamente com milhões de outras pessoas. Ao escolher a sua escola como objeto de análises e comentários, a menina está exercendo um direito de cidadania, que certamente também inclui a responsabilidade de mostrar a verdade e de não fazer acusações infundadas. Em qualquer hipótese, porém, ela deve ser protegida. Matar o mensageiro, além de crime, é uma ignorância medieval. E atirar pedras também.



O editorial ao lado foi publicado antecipadamente no site e no Facebook de Zero Hora, na sexta-feira. Os comentários selecionados para a edição impressa mantêm a proporcionalidade de aprovações e discordâncias. A questão proposta aos leitores foi a seguinte: Editorial condena tentativas de controle da informação. Você concorda?

O leitor concorda

Concordo. A liberdade de informação é uma das prerrogativas fundamentais para a manutenção de uma democracia. Tentar silenciá-la é dar aval para que malfeitorias se propaguem ainda mais. Nícholas Gheno, São José do Herval (RS)

Quando um governo tenta reprimir a imprensa ou o livre pensador, na verdade está querendo esconder safadezas de toda ordem.Com as condenações do mensalão, o PT e suas adjacentes tentam passar a ideia de que são mártires da imprensa golpista, de um STF golpista, onde só dois ministros prestam, Lewandowski e Toffoli. Isso aí já está causando náuseas aos não fanáticos, aos que não usam viseiras idiotas, não é? Rolando Scoreda, Vespasiano Correa (RS)

Querem a todo custo que seja definido o marco regulatório da mídia, ora, isso é censura, esse pessoal que está no poder quer de uma maneira ou de outra transformar o Brasil numa Cuba, seja fazendo com que as pessoas fiquem temerosas, não se manifestem. Controle da mídia, cotas, mentiras, tentativas de desconsiderar as instituições. No Brasil dos brasileiros, é proibido proibir. Claudio Santos, Jaguarão (RS)

Concordo. Cada ser humano é que deve, a partir de suas convicções, definir o que deve seguir, isso tudo com coerência e com padrão ético correto. Se alguém controlar as informações em nosso lugar, teremos que aceitar um pensamento que muitas vezes não seria o nosso se tivéssemos liberdade de escolha. Ronie Ossuoski, Osório (RS)

Concordo com o editorial, pois o controle da informação nada mais é que o início de um Estado totalitário, onde o acesso de informação é restrito a poucos, de forma a deixar a população ignorante dos acontecimentos. João Batista Giacobbo, Esteio (RS)

O leitor discorda

Discordo. A informação hoje já é controlada, mas por conglomerados de comunicação privados, que têm compromissos com seus patrocinadores. Entre um controle secreto por parte da meia dúzia de famílias que controlam a mídia brasileira e o controle transparente do governo, fico com a segunda opção. Walter Souza – Porto Alegre (RS)

As atuais oligarquias da comunicação brasileira, com origens na ditadura militar, aplicam censura na informação e monopólio de opinião. A dita liberdade de expressão defendida é uma mentira, pois só informam aquilo que querem e do ponto de vista alinhado com suas linhas editoriais. O expediente utilizado é velho e preocupante. Dominam televisões, rádios, jornais, e mais recentemente estão expandindo seu poderio para a internet, e com este alcance na população aplicando uma hegemonia de opinião com claros interesses políticos e econômicos. Sim, a verdade incomoda e, quando falo em expediente velho e preocupante, remeto meu pensamento à propaganda nazista. A mídia brasileira, comandada pela Sociedade Interamericana de Imprensa, estudou e aprimorou os ensinamentos de Paul J. Goebbels para controlar o povo e vem conseguindo exercer este controle com sucesso. O controle de informação existe há muito tempo no Brasil, não é novidade, e é aplicado pela mídia brasileira. Vivemos uma ditadura no jornalismo! Luciano Schafer – Porto Alegre (RS)