Revelamos aqui as causas e efeitos da insegurança pública e jurídica no Brasil, propondo uma ampla mobilização na defesa da liberdade, democracia, federalismo, moralidade, probidade, civismo, cidadania e supremacia do interesse público, exigindo uma Constituição enxuta; Leis rigorosas; Segurança jurídica e judiciária; Justiça coativa; Reforma política, Zelo do erário; Execução penal digna; Poderes harmônicos e comprometidos; e Sistema de Justiça Criminal eficiente na preservação da Ordem Pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio.

quinta-feira, 31 de maio de 2012

VIOLÊNCIA NO RIO GRANDE DO SUL

ZERO HORA - 31 de maio de 2012

ALVORADA - VIOLÊNCIA NA RUA. Duas execuções.


Dois homens foram executados em Alvorada no intervalo de duas horas entre o final da tarde e o começo da noite de terça-feira. Por volta das 19h, Paulo Alexandre Bauer, 21 anos, foi morto com quatro tiros nas costas quando caminhava pela Rua Graça Aranha, no bairro Jardim Alvorada. Ele não teria antecedentes e, de acordo com testemunhas, os tiros partiram de dois homens em uma moto cinza. Às 17h, na Avenida Tiradentes, no bairro Jardim Porto Alegre, Ariovaldo Santos de Oliveira, 25 anos, foi atingido por cinco tiros. Os disparos teriam partido de um Golf, bordô. Socorrido por populares até o Hospital de Alvorada, ele não resistiu aos ferimentos. De acordo com a Brigada Militar, Ariovaldo respondia por três homicídios.

CAXIAS DO SUL - Ferido em assalto

Um adolescente de 17 anos foi assaltado, às 22h40min de terça-feira, quando retornava para casa, depois de ter frequentando a aula em uma escola do bairro Esplanada, em Caxias do Sul. De acordo com o relato do rapaz, ele foi abordado por dois assaltantes e agredido com um soco na face. Os ladrões fugiram levando R$ 150, documentos, uma mochila e os tênis dele.

GRAVATAÍ - Morto a tiros

A polícia trabalha com a hipótese de execução na morte de Sandrino Antônio da Silva, 28 anos, em Gravataí. Pouco depois da meia-noite, ele foi atingido por tiros que partiram de um Monza verde, na Rua Marrocos, no bairro Planaltina.

PORTO LAEGRE - Adolescente baleado

Um adolescente foi encontrado morto com quatro tiros na cabeça na Rua Índio Sepé, no bairro Mathias Velho, às 20h15min de terça-feira, em Canoas. Bruno Sávio Cunha, 17 anos, de acordo com a Brigada Militar, tinha antecedente por homicídio. O caso será investigado pela 1ª DP.

SANTIAGO - Preso com drogas em rodoviária

Um jovem de 25 anos foi preso após desembarcar de um ônibus, na rodoviária de Santiago, na madrugada de ontem. Segundo a Brigada Militar, uma viatura fazia patrulhamento quando desconfiou da atitude do jovem. Os policiais encontraram com ele três quilos de maconha e 19 gramas de cocaína na mochila dele.


quarta-feira, 30 de maio de 2012

IMPRENSA É OLHOS, OUVIDOS E VOZ DE MUITAS NAÇÕES


EDITORIAL JORNAL DO COMÉRCIO, 30/05/2012
 


Estamos, outra vez e quase monotonamente, às voltas com uma nebulosa reunião entre ministros, sendo um ex-ministro, do Supremo Tribunal Federal (STF) e um ex-presidente, Lula da Silva, que, como se comporta, ainda não deixou o cargo. Nenhum homem é tão bom como o seu partido apregoa nem tão mau como a oposição o apresenta. Mas, no Brasil, a virtude dos políticos tem sido agridoce e, o vício, amargo-doce.

Então, ciclicamente há setores de governos e empresariais que tentam, por diversos caminhos, cercear a liberdade da informação. É um erro crasso. Os três crimes da imprensa estão capitulados como calúnia, injúria e difamação. Logo, na Justiça, há proteção contra desmandos, venham de onde vierem.

No entanto, há alguns anos, o submundo dos crimes do colarinho branco, da promiscuidade entre alguns políticos e empresas tem sido vasculhado e suas entranhas fétidas mostradas ao País. Depois é que órgãos públicos, teoricamente encarregados de investigar, se movimentam, com a honrosa exceção da Polícia Federal, que tem saído a campo em busca de vigaristas contumazes com o dinheiro público.

A imprensa tem um poder tal que precisa evitar exageros do tipo penas ao vento. Tanto é assim que o ex-primeiro-ministro do Reino Unido, Tony Blair, disse que nunca desafiou a influente imprensa britânica porque, ao fazer isso, o governo iria travar uma briga longa e politicamente prejudicial.

Para Blair, “você está em uma posição na qual lida com pessoas bastante poderosas, que têm um grande impacto no sistema político. Se estas pessoas estiverem contra você, elas estarão contra você em todas as questões”. Bem parecido com o caso entre encontros de Nelson Jobim, Gilmar Mendes e Lula da Silva. O refrigerante de cortesia servido pelo anfitrião seria o chamado mensalão. Pois Tony Blair se embaralhou com a News Corp. Relatou que Rupert Murdoch, presidente e executivo-chefe do conglomerado de mídia, exercia um “poder considerável” no Reino Unido, o qual tinha de ser levado em conta na elaboração da estratégia política e da condução do governo.

Julian Assange, da Wikileaks, revelou papéis secretos de governos, especialmente dos Estados Unidos.
Atualmente faz entrevistas com personalidades, com sucesso, como o presidente do Equador, Rafael Correa.

Então, com suas “negociações”, Carlos Cachoeira adquiriu muito dinheiro e, mais importante, bastante poder junto a políticos. Essa combinação é fatal para uns e outros. Como, muitas vezes, a versão é mais interessante que o fato, dá-se crédito à versão e se esquece o fato. Em alguns países, segundo Rafael Correa, parte da imprensa se sente descompromissada e critica bastante o governo. Mas, quando se trata de bancos e grandes anunciantes, aí o assunto recebe um tom menos retumbante, segundo ele. Claro que devem existir limites à informação, como o respeito à honra e à reputação das pessoas e à segurança do estado. Para tudo o mais deve haver ampla liberdade.

No Brasil, hoje o poder da mídia é forte e faz as vezes das tarefas de órgãos públicos. Se todos trabalhassem corretamente, não haveria tanto jornalismo investigativo. É uma lacuna oficial sendo preenchida pelos órgãos de comunicação social. Simples assim.

terça-feira, 29 de maio de 2012

O DEVER DO ADVOGADO


ZERO HORA, 29 de maio de 2012

Miguel Tedesco Wedy
Advogado criminalista, coordenador executivo do Curso de Direito da Unisinos


“Venerando e preclaro chefe. Para solução dum verdadeiro caso de consciência, solicito sua palavra de ordem, que à risca cumprirei.” Com estas palavras, um dos maiores criminalistas que o Brasil já teve, Evaristo de Morais, consultou Rui Barbosa, acerca do seu dilema moral em defender um acusado impopular, acusado de um terrível homicídio. Em sua célebre resposta, Rui Barbosa escreveu: “Recuar ante a objeção de que o acusado é ‘indigno de defesa’, era o que não poderia fazer o meu douto colega, sem ignorar as leis do seu ofício, ou traí-las. Tratando-se de um acusado em matéria criminal, não há causa em absoluto indigna de defesa. Ainda quando o crime seja de todos o mais nefando, resta verificar a prova: e ainda quando a prova inicial seja decisiva, falta, não só apurá-la no cadinho dos debates judiciais, senão também vigiar pela regularidade estrita do processo, nas suas mínimas formas. Cada uma delas constitui uma garantia, maior ou menor, da liquidação da verdade”.

Na última edição dominical de ZH, o jornalista Flávio Tavares, um herói para a minha geração, nascida na fase da abertura política e crescida na democracia, teceu duras críticas ao advogado Márcio Thomaz Bastos, por defender o senhor Carlinhos Cachoeira. Essa não seria uma conduta moral aceitável para um ex-ministro da Justiça. Durante 45 anos, Márcio Thomaz Bastos foi advogado. Durante sua longa carreira, cobrou caro dos ricos e, de outra parte, defendeu muitos humildes de graça, inclusive em casos rumorosos. Só para quem atua como advogado é que o dilema se apresenta. Fácil é condenar a conduta dos outros. Difícil, porém, é enfrentar aquele momento doloroso, no qual o réu, muitas vezes injustiçado, encontra-se absolutamente só. Tem apenas o advogado ao seu lado. E mais difícil é quando a culpa do suspeito ou réu é expressiva. Ao assumir a causa, o advogado também desvia para si boa parte dos ódios e rancores. Mas é aí, justamente aí, que se eleva o papel e a relevância do criminalista.

Nessas situações, na profunda solidão desses momentos, arrostando para si a impopularidade do seu cliente, é que a figura do advogado cresce, pois ele recorda que é apenas o instrumento para a defesa daqueles direitos e garantias fundamentais. E, diga-se, direitos e garantias que homens como Flávio Tavares nos legaram com sangue, suor e lágrimas, literalmente.

segunda-feira, 28 de maio de 2012

700 MIL FAMÍLIAS EM "EXTREMA POBREZA"

Fora do radar do governo, País tem 700 mil famílias em ‘extrema pobreza’

Pente-fino promovido pelo ministério mostra que estatísticas oficiais ignoravam legião de miseráveis, que ficaram descobertas até pelos programas sociais incrementados na gestão do ex-presidente Lula


Roldão Arruda - O Estado de S.Paulo - 27/05/2012
Um ano atrás, o governo federal pôs em andamento uma operação para localizar os chamados miseráveis invisíveis do Brasil - aquelas famílias que, embora extremamente pobres, não estão sob o abrigo de programas sociais e de transferência de renda, como o Bolsa Família. Na época, baseado em dados do IBGE, o Ministério do Desenvolvimento Social estabeleceu como meta encontrar e cadastrar 800 mil famílias até 2013. Na semana passada, porém, chegou à mesa da ministra Tereza Campello, em Brasília, um número bem acima do esperado: só no primeiro ano de busca foram localizadas 700 mil famílias em situação de extrema pobreza e invisíveis.
Considerando apenas o chefe da família, isso corresponde à população de João Pessoa (PB). Se for levada em conta toda a família, com a média de quatro pessoas, é uma Salvador inteira que estava fora dos programas.

O resultado da operação, conhecida como busca ativa, também surpreende pelas características dessa população: 40% das famílias invisíveis estão em cidades com mais de 100 mil habitantes. Com o desdobramento e a análise das estatísticas, é provável que se constate que a maioria dos miseráveis invisíveis não estão nos grotões das regiões Norte e Nordeste, como quase sempre se imagina, mas na periferia dos centros urbanos.

"Estamos falando de famílias extremamente pobres que até agora não faziam parte do cadastro único do governo federal e por isso não eram vistas na sua integridade, de acordo com suas necessidades e carências", observa a ministra Tereza Campelo. "Podiam ter filhos na escola, mas não tinham acesso ao básico dos programas sociais, como o Bolsa Família, a tarifa social de energia elétrica e outras ações."

Para chegar a essas pessoas o ministério partiu do princípio de que, por algum motivo, elas não conseguiam chegar aos serviços de assistência social das prefeituras e pedir a inscrição no cadastro único. "Era preciso sair dos escritórios. Mobilizamos prefeituras, agentes de saúde, empresas de distribuição de energia elétrica", conta Tereza. "As prefeituras estão sendo remuneradas por esse trabalho."

Acidentado. Em Franco da Rocha, na região metropolitana de São Paulo, a assistente social Marisa Lima foi uma dessas agentes mobilizadas para caçar os invisíveis. Em janeiro deste ano ela estava trabalhando na Unidade Básica de Saúde Municipal do Centro, na Avenida dos Coqueiros, quando apareceu por lá Raimundo Marques Ferreira, pintor de paredes, de 52 anos.

Buscava remédios e assistência médica, rotina que segue desde 2007 quando sofreu um acidente de trabalho. Caiu num fosso de elevador e teve os movimentos motores do lado esquerdo do corpo comprometidos. Como não era registrado e a empresa fechou as portas após o acidente, ficou sem nenhum tipo de cobertura. Os laudos médicos, que guarda presos com um elástico, indicam que também sofre com depressão e problemas neurológicos.

Separado, Ferreira mora com quatro filhos num cômodo de pouco mais de 30 metros quadrados, no fundo de um quintal, na Vila Zazu, bairro pobre de Franco da Rocha. É uma casa limpa, mas úmida e escura, erguida rente a um barranco ameaçador. Na época das chuvas, Ferreira sempre é visitado pela Defesa Civil, que insiste para que abandone o lugar. "Sair para onde?", indaga. "Aqui eu não pago aluguel."

Não sabia como fazer. No centro de saúde, abordado pela assistente social, o pintor contou que "já tinha ouvido falar" do Bolsa Família, mas não sabia se tinha direito, nem como se inscrever. Hoje recebe R$ 102 por mês, que usa sobretudo para pagar as contas de água e luz e comprar alguma comida. Dois de seus filhos, com 16 e 13 anos, foram inscritos no Ação Jovem, do governo estadual, que garante R$ 80 por mês, desde que frequentem a escola.

Agora a assistência social orienta Ferreira para que obtenha uma aposentadoria por invalidez, no valor de um salário mínimo, no INSS. Se conseguir, ele quer ampliar a casa onde mora e investir em cursos de informática para os filhos menores. Ele tem o olhar triste e fala em voz baixa, com modos tão humildes que dá a impressão de assustar-se com o mundo à sua volta.

MULHERES BUSCAM RESPEITO E LIBERDADE

 
ZERO HORA, 28 de maio de 2012

MARCHA DAS VADIAS

Manifestação reuniu dezenas de pessoas ontem à tarde, em Porto Alegre - LARA ELY

 

“Minha roupa não define meu caráter.” “Meu decote não te dá direitos.” “O respeito que você me deve não é proporcional ao tamanho da minha saia.”

Portando cartazes com frases como essas, centenas de pessoas realizaram um protesto em Porto Alegre, ontem à tarde, para marcar o descontentamento com a violência contra a mulher e outras questões ligadas à liberdade, à estética, ao comportamento e à sexualidade.

Batizado de Marcha das Vadias, teve origem em Toronto, no Canadá. Foi organizado por estudantes da universidade local a partir da declaração de um policial que afirmou que o fato de as mulheres se vestirem como “vadias” poderia estimular o estupro.

Planejada por meio das redes sociais, essa é a primeira vez que a marcha ocorre de forma isolada na Capital. Além da diminuição da violência, o direito de fazer aborto com apoio do Estado e a questão salarial estão entre as bandeiras. A publicitária Maria Fernanda Geruntho Salaberry, 25 anos, explica as motivações:

– Nosso jargão é o seguinte: se ser livre é ser vadia, então somos todas vadias. A mulher já passou por vários processos de evolução, como o uso da pílula contraceptiva, a possibilidade da separação legalizada, a liberdade sexual. Mas ainda falta muito, por isso precisamos nos manifestar.

A estudante de Psicologia de 23 anos Cecília Richter afirma que, embora tenha caráter feminista, o movimento não se propõe a ser o contrário do machismo, mas uma luta por igualdade.

– Reivindico o direito de usar a roupa que eu quiser sem sofrer represálias nem abusos. Quero poder voltar para casa sozinha à noite sem correr o risco de ser violentada e escutar que fui eu que não tomou os devidos cuidados.

Estudioso de movimentos de violência e professor de Sociologia da UFRGS, José Vicente Tavares entende que esse tipo de protesto é importante para democratizar a sociedade e alertar para a repressão masculina.

Violência no lar
Reportagem deste domingo mostrou que em 91% dos casos de mulheres assassinadas com violência doméstica no Estado, nos últimos três anos, a polícia havia sido informada dos riscos.

domingo, 27 de maio de 2012

O MUDO FALANTE

 
ZERO HORA 7 de maio de 2012

Flávio Tavares, Jornalista e escritor. 


O que mais me inquieta na sucessão de falcatruas, subornos e outras obscenidades do tal Carlinhos Cachoeira não são os crimes em si, nem a avalanche com que se expandiram de Goiás pelo país afora, corrompendo governos e governadores. Nem me inquieta que, a partir da roubalheira do jogo do bicho e dos bingos, ele virasse respeitável “grão senhor”, adulado por políticos e parlamentares, ouvido pela maioria dos partidos. Ou (corolário de tudo isso) que ele e os asseclas formassem grandes empresas contempladas em milionárias obras governamentais.

Esse horror é “normal” no país. Em meio às migalhas do Bolsa-Família ou às radiosas dívidas do crediário, já nem ligamos para o grande crime. Basta a preocupação com o assalto de rua e a poluição ou a seca brutal agravada pelo desmatamento constante. Se a tristeza crescer, há o futebol e a felicidade de que a Copa será aqui, como raio de luz!

Na rapina do bando de Cachoeira, é inquietante ver o escudeiro que ele tem ao lado. O ministro da Justiça dos quatro primeiros anos do governo Lula da Silva é agora seu defensor absoluto. Não atua como advogado tratando das formalidades para evitar absurdos processuais, mas como avalista do que ele fez ou faz. Antes de ministro da Justiça, Márcio Thomaz Bastos foi presidente nacional da OAB e, como tal, conquistou o respeito geral. Agora, na CPI do Congresso, acompanhou Cachoeira em tudo. Porte altaneiro (como se defendesse Cristo ou Tiradentes), ordenou que se calasse ou cochichou ao seu ouvido as poucas frases que o mafioso repetiu como boneco de ventríloquo.

O direito à defesa é inerente à Justiça e os advogados criminais estão habituados a defender bandidos. Mas como será um ex-ministro da Justiça defendendo a quem abusou do próprio Estado? A quem subornou, corrompeu e atingiu direitos fundamentais de milhões de pessoas, ludibriadas pela máfia e afetadas, também, pelo desvio de verbas para escolas e hospitais?

No emaranhado da corrupção generalizada, pode (por ética) um ex-ministro continuar a advogar, usando na defesa do crime o que aprendeu nas entranhas do poder? Pode um ex-ministro da Justiça (que, até 2006, comandou durante quatro anos a Polícia Federal) advogar para um notório mafioso investigado pela própria Polícia Federal?

Enfronhado, como ninguém, dos labirintos policiais, conhece ele seus meandros e fragilidades. E sobre isso irá construir a defesa. Assim, defenderá o crime pelo que aprendeu, conheceu e comandou como ministro no combate ao crime? Fará a defesa do criminoso sobre as mesmas falhas e fragilidades do sistema, no qual penetrou a fundo como ministro?

Quem será o autêntico? O ministro da Justiça de ontem, na gestão Lula da Silva, que nos protegia da bandidagem e tinha poder sobre a Polícia Federal? Ou o advogado de hoje, que cochicha em público aos ouvidos do mafioso, para tentar ludibriar o que a Polícia Federal constatou?

Pode-se fingir ontem e fingir ao contrário hoje? Ou – entre o crime e a lei – há só um lado e somos autênticos apenas em um deles? Ou tudo é teatro de rua, e a empulhação está em todos os cantos do poder? E, lá, nada é nada, não há ética nem pudor, e só interessa enganar em busca de milhões?

Nisso tudo (numa ilação paradoxal), lembrei-me do cardeal dom Vicente Scherer. O que seria dele se, após deixar o Arcebispado de Porto Alegre, se dedicasse ao oposto do que pregava e, a partir do que ouviu nas confissões dos fiéis, fosse dirigir um prostíbulo?

Seria ele a figura admirada e querida que é, pela abnegação com que reergueu a Santa Casa de Misericórdia para servir ao Rio Grande inteiro? Ou seria um mudo falante?

sábado, 26 de maio de 2012

NOVOS E VELHOS ATIVISTAS

MARCO AURÉLIO NOGUEIRA, professor titular de Teoria Política e diretor do Instituto de Políticas Públicas e Relações Internacionais da Unesp - O Estado de S.Paulo, 26/05/2012
 
Quanto mais se observa o mundo, a América Latina e o Brasil, mais se percebe que a nossa é uma época com pouca "cabeça" política, pouca direção. As mudanças em curso abalam a vida cotidiana, as relações sociais e o Estado, mas não têm um autor que se possa reconhecer. Apesar de haver uma revolução em marcha, nenhuma revolução propriamente política ocorre. A revolução é passiva.

Impulsionadas por essa dinâmica, as sociedades fragmentam-se, individualizam-se e perdem instituições. Tornam-se cada vez mais parecidas entre si, mas dentro delas a diferença se reproduz incessantemente.

Sem centros claros de coordenação, as partes (grupos, indivíduos, regiões) afastam-se umas das outras e seguem lógicas próprias - ainda que, paradoxalmente, tudo fique mais conectado. Uma multidão de novos sujeitos gera novos conflitos e contradições, embora não consiga interferir de fato no jogo político e redirecioná-lo em termos emancipadores. A hiperatividade da sociedade civil ocorre mais em função da necessidade de autoexpressão que da disposição para organizar consensos. O risco de fragmentação corporativista da representação política aumenta, com efeitos deletérios sobre o processo político: partidos e governos se tornam mais "dependentes" dos interesses que vicejam em seu interior, perdem potência como representantes e ficam menos ágeis para tomar decisões.

Com isso, cai a confiança das pessoas nas instituições políticas. Os próprios políticos se enredam sempre mais nos meios específicos da política, sejam eles a disputa eleitoral ou a distribuição de verbas e favores. A relação com os negócios agiganta-se. Cresce o risco de corrupção, diminui a densidade ética da política.

Todos se tornam mais preocupados em gerir recursos de poder e maximizar interesses eleitorais, deixando de agir para organizar novos consensos e consentimentos. Desajustada pelos novos termos da vida social, a política passa a produzir mais problemas que soluções. Deixa de ser o principal fator de composição social e estabelecimento de equilíbrios e consensos. Sociedades, indivíduos, grupos, nações e Estados se tornam partes soltas de um conjunto sem muita articulação sistêmica.

Mantém-se ativa, no entanto, uma expectativa social de "proteção" e operosidade estatal, sobretudo de setores marginalizados e de uma classe média que - em parte expandida pela incorporação de contingentes populacionais beneficiados por programas governamentais e em parte empobrecida pelo desemprego e por políticas de ajuste - afirma seus direitos perante o Estado. Trata-se de uma expectativa que se liga à exigência de que os governantes "decidam e façam" (o que incentiva tendências populistas e de hipertrofia do Executivo), mas se combina com uma crescente dificuldade para que se aceitem "ordens" que não nasçam de alguma modalidade de consulta ou interação. Pouco importa que os mecanismos deliberativos adotados produzam resultados precários, desde que eles sirvam para que se manifestem indignação, carências, desejos e opiniões.

Aumenta assim a disposição social para instituir uma nova "zona de ação política", menos institucional e mais individualizada, de movimentação contínua, de pressões antissistêmicas erráticas, que se tornam viáveis pelas maiores facilidades de comunicação e contato. Desponta uma nova politicidade, cujos teor e formato institucional ainda estão por ser estabelecidos.

Novas modalidades de engajamento seduzem antes de tudo os jovens, mas não se resumem a eles, pois tendem a crescer como uma espécie de paradigma da ação política. Sua característica essencial é o questionamento do ativismo tradicional, sustentado por organizações hierarquizadas, classes sociais e causas gerais. O novo ativista luta por direitos e reconhecimento, não por poder. Não sacrifica a vida pessoal em nome de uma causa coletiva ou da glória de uma organização. Não se referencia por líderes ou ideologias.

Age festivamente e sem rotinas fixas, valendo-se muitas vezes da sátira e do deboche. É multifocal, abraça várias causas simultaneamente. Sua mobilização é intermitente. Muitos atuam de maneira pragmática, profissionalizam-se como voluntários, buscam resultados mais do que confrontação sistêmica. Seu ambiente são as redes sociais, sua maior ferramenta é a conectividade.

Não há, porém, muralhas intransponíveis separando velhas e novas formas de ativismo, que se cruzam e se podem combinar de diferentes maneiras, beneficiando-se reciprocamente. Se suas agendas contêm distintas ênfases e questões, também estão repletas de temas que somente podem ser enfrentados com sucesso se se interpenetrarem e forem articulados numa plataforma de síntese política.

O novo ativismo pode ser uma importante alavanca de construção do futuro. Será isso, no entanto, na medida em que considerar o conjunto da experiência social e convergir para a reforma democrática da sociedade, do Estado e da política. Se tentar evoluir solitariamente, fechado em suas causas específicas e na busca de autoexpressão, só produzirá ruído e efervescência, perdendo em termos de efetividade.

A necessidade dessa articulação está posta pela vida. Afinal, o social que se fragmenta não desaparece como social. A dimensão coletiva da existência não se dissolve só porque a individualização se expande. Ainda continua a ser fundamental combinar ações e promover convergências. Além disso, os conflitos de classe permanecem, mesmo que as classes não estejam podendo ser atores políticos no sentido próprio do termo. As estruturas de poder, ainda que possam ter enfraquecido alguns de seus fluxos, preservam sua capacidade de emitir ordens, pressionar e coagir.

sexta-feira, 25 de maio de 2012

O BRASIL É UM LIXÃO?

BEATRIZ FAGUNDES, O SUL, Porto Alegre, Sexta-feira, 25 de Maio de 2012.

No ano passado, 46 toneladas de lixo hospitalar vindas dos EUA foram apreendidas no porto de Suape, em Pernambuco.

O Brasil é um lixão? Vivemos no mundo do espetáculo! Pensei nisso ao percorrer o noticiário em busca de um assunto para a coluna. Um tema pronto e fácil de desenvolver seria a comédia pornô chanchada em que se transformou a tal CPI do Cachoeira, com direito a ter um relator denominado "tchutchuca", em alguns momentos, e "tigrão" em outros. Verdades? Nenhuma. Apenas lamentáveis cenas de cérebros nebulosos.

Desistindo de me ocupar com inutilidades, destaco uma carga de 20 toneladas de lixo hospitalar, vinda da Espanha, que foi barrada pela alfândega da Receita Federal no porto de Itajaí (SC). A descoberta do lixo ocorreu durante vistoria feita nesta semana. No meio da carga, que estava em um contêiner, havia lençóis sujos. Em alguns deles, há a logomarca de um hospital espanhol. Essa é a terceira carga de lixo encontrada no porto de Itajaí em menos de oito meses. As demais vieram da Espanha e do Canadá e já foram devolvidas. No ano passado, 46 toneladas de lixo hospitalar vindas dos EUA foram apreendidas no porto de Suape (Pernambuco). O material foi devolvido em janeiro. Como a fiscalização é feita por amostragem, da para imaginar o que passa livremente. São ações de máfias.

O lucro líquido obtido pelas internacionais criminosas cresce de 30% a 40% ao ano, segundo o secretário-geral da ONU (Organização das Nações Unidas), Kofi Annan. O IBGF (Instituto Brasileiro Giovanni Falcone), revela que ao contrário do imaginado, os lucrativos "negócios" mafiosos não se exaurem no tráfico de drogas, armas e pessoas. Outro filão enche os bolsos das máfias e de corporações industriais aliadas do Primeiro Mundo. Trata-se do tráfico internacional de lixo, perigoso à saúde humana e ao meio ambiente. Só em 2003, o "business" do tráfico planetário de lixo rendeu 15 bilhões de euros (fonte europeia). E entre 2000 e 2002, o ganho progrediu de 10 bilhões de dólares a 12 bilhões de dólares (fonte norte-americana). Lá se vão dez anos de lucro líquido sujo e certo.

Sem cerimônia, os países industrializados e ricos do Hemisfério Norte despejam o lixo produzido nos subdesenvolvidos e pobres do Sul. Sobre o fenômeno representado pelo tráfico sem fronteiras de lixo, a ambientalista europeia Mônica Massari, em artigo intitulado "Negócios Sujos", destacou a existência de um "colonialismo ambiental". É comum, com a intermediação mafiosa, que empresas sediadas em nações industrializadas constituam, por meio de testas-de-ferro, sociedades importadoras nos países que serão usados como latrinas. Com efeito, todos os anos, os países industrializados precisam se livrar de 300 milhões de toneladas de lixo. Estima-se que o continente africano receba anualmente 50 milhões de toneladas de resíduos. O jornalista Josias Pires recomenda a leitura do extraordinário livro "Gomorra", do jornalista-filósofo italiano Roberto Saviano, que descreve o modus operandi do capitalismo contemporâneo através da máfia, organização criminosa meticulosamente estruturada.

Cada continente, cada país tem as suas máfias, elas dividem o território mundial e transacionam de tudo: armas, drogas, lixo, roupas, tênis, hotéis, construção civil, transportes, minérios, enfim? os grandes negócios. Em dezembro de 2010, o então czar antidrogas da ONU, o italiano Antônio Maria Costa, alertou que o sistema bancário de compensações não quebrou, diante dos efeitos da crise financeira de 2008, em razão do fluxo de capitais provenientes do narcotráfico. Resumindo: enquanto nos ocupamos com CPIs, BBB's, Fazendas, Copa do Mundo, e a vida íntima das celebridades, os poderosos chefões de transnacionais do crime assumem o poder absoluto.

quinta-feira, 24 de maio de 2012

AS FÁBULAS DE ESOPO E LA FONTAINE

 
 
ALBERTO AFONSO LANDA CAMARGO
 
Esopo teria sido um fabulista grego que viveu no século VI a. C. Na realidade a sua existência é discutível e, conforme pesquisadores, tratar-se-ia de um personagem mais lendário que histórico, apesar de muitas localidades ainda hoje reivindicarem a honra do seu nascimento.

O primeiro a reunir as fábulas atribuídas a Esopo foi Demétrio de Faleiros, em 325 a. C.

La Fontaine também foi um fabulista, que, por sua vez, nasceu em 1621 e morreu em 1695, ou seja, cerca de 1.300 anos após Esopo e cerca de 1.000 anos após Demétrio de Faleiros.

Como as fábulas atribuídas a Esopo e reunidas por Demétrio de Faleiros foram reescritas ou adaptadas por La Fontaine, eufemismos para não dizer que o célebre francês era um plagiário, ele foi considerado duvidosa e condescendentemente o pai da fábula moderna, apesar de ganhar luzes com os trabalhos de outros. Reconhecidamente, no entanto, ele foi um poeta, não filósofo, e, em 1863, tornou-se membro da Academia Francesa de Letras.

Dentre as mais conhecidas fábulas estão "A Cigarra e a Formiga", "O Lobo e o Cordeiro" e "A Raposa e as Uvas", transmitidas, como as demais, também verbalmente na antiguidade e mesmo na idade média como forma de atingir as pessoas, na sua maioria com pouca cultura em tais épocas, para que entendessem melhor e de forma fácil, pela sua composição alegorística e fantástica, as mensagens morais, apesar da sua inverossimilhança.

Na atualidade, as fábulas são reproduzidas em livros infantis e fartamente ilustrados para ensinar as crianças, que, obviamente, não têm a capacidade que têm os adultos, que não precisam, teoricamente, de construções alegóricas e fantásticas para entender as mensagens morais que as fábulas procuram transmitir.
 
 
NOTA: tirado de comentário no facebook.

HOBBES LEVIATHAN

 

ALBERTO AFONSO CAMARGO

 
Eu estou lendo atualmente "Hobbes Leviathan - Uma Visão Teológica", de E. B. F Midgley. É uma leitura interessante a partir da metade do livro quando o autor aborda de forma mais objetiva o "contrato social" conforme propõe Hobbes. Este tem a visão de que o homem natural não abandona este estado de luta pela sobrevivência, onde vivem em constante guerra e, por isto, para viver em sociedade precisa de um soberano que dita a sua conduta, daí a idéia de contrato social. 
 
Como o homem não evolui deste estado, este soberano impõe-lhe regras, com as quais ele concorda e se compromete cumprir. Não perde, no entanto, o seu instinto de conservação e está sempre prestes, a qualquer momento, agir conforme seu estado de natureza. Hobbes deu o absolutismo, mas, tembém, deu o republicanismo não absolutista, que pressupõe que o homem precisa de regras impostas, o oposto ao liberalismo, para não agir conforme seu estado natural, do qual não evolui.
 
Ao analisar as virtudes conforme Hobbes, em dado momento escreve Midgley: "Com a 'justiça' e a 'magnanimidade', imagina Hobbes que a 'política e a ciência' assegurarão um crescente domínio sobre o originalmente e inclusive hostil meio ambiente humano e não humano." Ou seja, para ele a hostilidade é natural entre os homens desde a sua origem e mantêm-se mesmo quando aprende a viver em sociedade, só contendo as hostilidades em virtude das regras que lhe são impostas, portanto, sempre que necessário, abre mão delas e age conforme seu estado de natureza.

Quem se opõe a esta percepção de Hobbes é John Locke, para quem o homem evolui do estado de natureza e passa a viver em sociedade sem a necessidade de tanta fiscalização e regras, as quais ele assimila e cumpre porque compreende esta necessidade para que a convivência seja respeitosa.

Os acontecimentos em geral, conforme se comportam as pessoas no mundo, não nos permitem, pelo menos a mim, concluir se quem está com a razão a respeito do homem é Hobbes ou Locke. Alguns exemplos que temos visto, no entanto, ainda que Locke possa ter razão, nos inclinam com força para acreditar que Hobbes não está de to errado.
 
Tirado de comentário no facebook. 


quarta-feira, 23 de maio de 2012

TRABALHO ESCRAVO RESISTE NO BRASIL

Trabalhadores do corte de cana sendo libertados por fiscais, no interior do Rio - Wilton Junior/AETrabalho escravo resiste na sexta maior economia do mundo

Em dez anos, fiscais libertaram 37.780 brasileiros que trabalhavam em situações análogas à da escravidão

Roldão Arruda, de O Estado de S. Paulo - 08/05/2012


Em dez anos, entre 2002 e 2011, os fiscais da área trabalhista libertaram 37.780 brasileiros que trabalhavam na zona rural em situações análogas à da escravidão. Na média, isso significa 3.778 casos por ano.  Só em 2007 foram quase 6 mil, de acordo com estatísticas que podem ser encontradas no site do Ministério do Trabalho. O Pará é o Estado com maior quantidade de ocorrências.

Esses números fazem parte do pano de fundo do debate sobre a Proposta de Emenda Constitucional 438 que tramita há quase onze anos e pode ser votada nesta terça-feira (8) na Câmara. Mais conhecida como a PEC do Trabalho Escravo, ela prevê o confisco da propriedade rural onde trabalho escravo for encontrado.

O desrespeito aos trabalhadores não existe só na zona rural. Também já foram autuadas grandes e pequenas empresas na zona urbana. É na zona rural, porém, que a fiscalização tem sido mais intensa. O governo tem um cadastro público com os nomes de empregadores que mantinham trabalhadores em condições análogas às da escravidão. Hoje estão cadastrados 291.

Na maioria das vezes os libertados são homens, entre 18 e 55 anos. Aliciados com falsas promessas, trabalham sem registro em carteira, com excessivas jornadas de trabalho, em alojamentos precários e, muitas vezes,  sob ameaças de violência.

Maranhão lidera triste ranking

O Estado  com maior número de ocorrências  é o Pará, segundo análises contidas no relatório anualsobre violência no campo da Comissão Pastoral da Terra (CPT). No ano passado, foram encontrados trabalhadores em situação de escravidão em 48 fazendas naquele Estado. A segunda posição nesse ranking coube a Goiás, com 27 ocorrências.

Quando se trata de números absolutos de trabalhadores libertados por fiscais, porém, o incômodo título de campeão pertence ao Maranhão. Em apenas quatro ocorrências registradas no ano passado naquele Estado, foram encontrados 1293 brasileiros cujos direitos trabalhistas eram ignorados.

Para quem quiser conhecer mais sobre o debate em torno da PEC, vale consultar, no site do Ministério do Trabalho, o levantamento denominado Trabalho Escravo no Brasil em Retrospectiva: Referências para Estudos e Pesquisas. Lá se informa, entre outras coisas, que o primeiro texto público a tratar do tema e expor a realidade dos brasileiros submetidos ao trabalho escravo data de 1971.

Foi a carta pastoral Uma Igreja da Amazônia em Conflito com o Latifúndio e a Marginalização Social, assinada pelo bispo d. Pedro Casaldáliga, da Prelazia de São Félix do Xingu, no Estado do Mato Grosso.

Debate começou no governo Sarney

A primeira tentativa governamental de enfrentamento do problema ocorreu entre 1985 e 1986, no governo de José Sarney (pai da governadora do Maranhão, Roseana Sarney). Foi o antigo Ministério da Reforma e Desenvolvimento  Agrário (Mirad) que defendeu pela primeira vez a desapropriação de imóveis onde havia a prática de trabalho escravo.

A criação do Grupo Móvel de Fiscalização, que investiga denúncias de trabalho escravo na zona rural surgiu em 1995, no governo de Fernando Henrique Cardoso. Ainda sob o governo dele ocorreram aperfeiçoamentos na legislação, para coibir o trabalho escravo, e foram estreitados os laços com organizações internacionais que atuam na mesma direção.

Com a posse de Lula, em 2003, as ações do Grupo Móvel foram intensificadas. Enquanto em 2002 foram registradas 85 incursões dos fiscais na zona rural, no ano seguinte elas saltaram para 188. Em 2009 chegaram a 350.

EXPROPRIAÇÃO DE TERRA DOS ESCRAVAGISTAS

 

Deputados aprovam expropriação de terra com trabalho escravo

O acordo que permitiu a votação, porém, fará com que a proposta siga agora para o Senado e tenha que retornar à Câmara


EDUARDO BRESCIANI / BRASÍLIA - O Estado de S.Paulo - 23/05/2012
 
A Câmara dos Deputados aprovou ontem uma Proposta de Emenda Constitucional (PEC) que determina a expropriação de propriedades rurais e urbanas onde foram encontradas situações de trabalho escravo.
Foram 360 votos a favor, 29 contra e 25 abstenções. O acordo que permitiu a votação, porém, fará com que a proposta siga para o Senado e tenha de voltar novamente para a Câmara antes de virar norma legal.
Mais conhecida como PEC do Trabalho Escravo, a proposta foi aprovada em primeiro turno pela Câmara em agosto de 2004 sob forte oposição da bancada ruralista. Eles se manifestaram contrários ao proposto por temer abusos na implementação. O principal argumento é que o enquadramento da propriedade como local de trabalho escravo por um fiscal seja suficiente para a perda do bem.

Na negociação para a votação chegou-se a um consenso da necessidade de uma regulamentação para o tema, mas a proposta, aprovada em primeiro turno, não poderia mais ser alterada. Por isso, a PEC seguirá para o Senado com o compromisso de se fazer uma alteração vinculando a aplicação da regra a uma regulamentação posterior. Com essa mudança, será necessário novo trâmite na Câmara.

Enquanto a PEC do Trabalho Escravo fica neste vaivém entre as Casas um grupo de deputados e senadores vai tentar construir um texto de acordo sobre a regulamentação. Um impasse já está posto visto que os ruralistas entendem ser necessário alterar o código penal para redefinir o que é considerado trabalho escravo. O PT tem posição contrária. Apesar das diversas batalhas ainda sobre o tema, a votação foi comemorada efusivamente em plenário.

O texto aprovado pelos deputados ontem estabelece que serão expropriadas "propriedades rurais e urbanas de qualquer região do País onde forem localizadas culturas ilegais de plantas psicotrópicas ou a exploração do trabalho escravo". As terras nessa situação serão "destinadas à reforma agrária e a programas de habitação popular, sem qualquer indenização, ao proprietário e sem prejuízo de outras sanções previstas em lei."

O MAIS PODEROSO NARCÓTICO LÍCITO

WANDERLEY SOARES, O SUL. 23/05/2012
 
Todos vivem numa redoma indevassável e tomada de odores afrodisíacos


Esses equívocos do Executivo, do Legislativo, do Judiciário, do Ministério Público, das organizações policiais que, com frieza, colocam cidadãos inocentes na cadeia ou no ostracismo causando danos irreparáveis pelo menos no plano emocional, indicam, simplesmente, que o cidadão, ao sair de casa, tem no Estado o seu primeiro e mais poderoso inimigo. O Estado, a partir dos pacotes tributários e legislação absurda, tem aparelhos montados contra o cidadão. Em caso de injustiça, o Estado fica estático e o cidadão tem de recorrer exatamente através dos aparelhos inimigos, exatamente através de seus algozes, para tentar recuperar alguns frangalhos do que perdeu. Em verdade, o Estado tem entre seus membros criaturas dominadas pelo mais poderoso narcótico lícito: o poder. No poder, todos vivem numa redoma indevassável e tomada de odores afrodisíacos que conduzem a cada momento ao poder pelo poder.

Jovens

Setenta e cinco milhões de jovens de 15 a 24 anos ficarão desempregados em 2012, segundo Organização Mundial do Trabalho. Num primeiro plano, nada de espantoso, pois se trata de uma faixa etária que, nas classes média alta e alta, em geral, não é dada ao trabalho nem mesmo aos estudos, pois a vagabundagem é sustentada pelos pais. Num plano geral, dos 15 aos 18 anos, o lugar dos jovens é na escola, mas os desgovernos se encarregam de colocá-los na cadeia paralelamente ao sucateamento dos educandários.

Tráfico

A Polícia Federal deflagrou, ontem, uma operação contra um grupo envolvido com o tráfico internacional de drogas. Os alvos da operação são residentes das cidades de Pelotas, Chuí, Porto Alegre, Criciúma, em Santa Catarina, Cascavel, no Paraná, e Chuí, no Uruguai. Foram apreendidas drogas, oito veículos e duas balanças de precisão. A operação investiga a conexão de traficantes brasileiros com espanhóis que abandonaram no ano passado um veleiro com 450Kg de cocaína em Buenos Aires. Os criminosos estrangeiros ficaram em Pelotas, onde contaram com o apoio de um traficante local. O criminoso de Pelotas tinha esquema para trazer drogas do Paraguai. Durante as investigações, houve a prisão de um dos traficantes espanhóis.

Assaltante

A Polícia Civil prendeu em Canoas um homem identificado como Luiz Rinaldo Vieira de Melo, 41 anos, investigado por assaltos a banco no RS e em SC.

Vindita

Um policial civil aposentado, de 60 anos, foi torturado e morto dentro de casa, em Cachoeirinha, na madrugada de ontem. Dois homens invadiram a residência do agente, no bairro Parque Silveira Martins. O policial dormia com a esposa. A mulher foi amarrada na cozinha enquanto o marido era torturado no quarto. A vítima teve um dedo da mão amputado e morreu asfixiado com um cinto. A mulher não ficou ferida. A dupla fugiu sem nada roubar. O crime tem características de vingança.

Cristo e a deusa

Os crucifixos que nas salas de julgamento do Judiciário gaúcho eram, pretensamente, um símbolo da magnanimidade, ao que tudo indica serão reciclados ou doados para entidades cristãs. O Tribunal de Justiça negou recurso para que os ícones voltem a ser entronizados. Creio que a próxima campanha será contra a deusa Themis, que, com seus 400 quilos em bronze, assusta com sua espada luminosa a todos os que se aproximam do Palácio da Justiça, na Praça da Matriz.

segunda-feira, 21 de maio de 2012

BRASIL SE RENDE AO PROTECIONISMO ARGENTINO

 

O Brasil se rende a Moreno


O Estado de S.Paulo - 21/05/2012
 
O governo brasileiro, mais uma vez, se curvou ao protecionismo argentino, aceitou as imposições do ministro Guillermo Moreno e admitiu discutir as condições de comércio nos termos ditados pelo governo da presidente Cristina Kirchner. Moreno, ministro do Comércio Interior, mas comandante de fato da política argentina de importações, resumiu claramente a rendição das autoridades brasileiras depois de uma reunião no Itamaraty, na terça-feira: "Com a disposição do Brasil de adquirir nossos produtos, obviamente some o problema com a carne suína". Em outras palavras, os exportadores brasileiros de carne de porco serão premiados com uma oportunidade comercial em troca das bondades prometidas pelos representantes de Brasília. Seria um escárnio, talvez uma brincadeira de mau gosto, se esse não fosse o padrão normal das relações entre as autoridades dos dois países, quando se trata de regras de comércio.

O ministro Moreno esteve em Brasília em companhia do ministro de Relações Exteriores de seu país, Héctor Timerman, mas este participou das conversações obviamente como figura decorativa. A irrelevância de seu ministério nessa questão só é comparável à passividade e à mansidão do Itamaraty no trato comercial com os parceiros ditos estratégicos.

Acostumado a agir com truculência no trato com empresários de seu país, ameaçando-os e impondo sua vontade por meio de ordens formais e informais, o principal estrategista do protecionismo argentino encontrou em Brasília interlocutores ideais. Nenhum diplomata brasileiro se dispôs a desmentir os termos das conversações mencionados pelo ministro argentino. Na quinta-feira, o chanceler Antônio Patriota limitou-se a indicar um cronograma de trabalhos: representantes dos dois países deverão reunir-se de novo até a primeira quinzena de junho para uma reunião técnica. "A Argentina está muito longe de ser uma pedra no sapato. É um aliado estratégico", disse o ministro.

Esse "aliado estratégico" ampliou várias vezes, a partir de 2008, as barreiras comerciais impostas a produtos brasileiros. As medidas protecionistas incluíram a eliminação das autorizações automáticas para importação - uma atitude inaceitável numa zona de livre comércio e muito menos admissível numa união aduaneira. Em seguida, o governo argentino passou a retardar as licenças, demorando, para concedê-las, muito mais que os 60 dias permitidos pelas normas da Organização Mundial do Comércio (OMC). O passo seguinte foi exigir dos importadores argentinos a apresentação de declarações juradas a respeito de cada compra planejada - mais um passo para dificultar a entrada de bens estrangeiros.

As barreiras argentinas têm causado prejuízos a produtores brasileiros de eletrodomésticos, calçados, equipamentos agrícolas, roupas, tecidos, cosméticos e diversos tipos de alimentos, para citar só algumas categorias.

Quando já não podia disfarçar sua escandalosa passividade, autoridades brasileiras decidiram impor alguns obstáculos a produtos argentinos. Agora se comprometem a eliminá-los em troca da supressão das barreiras à carne suína. É mais uma rendição. Em vez de continuar pondo panos quentes sobre a questão, o governo brasileiro deveria, em defesa de interesses da economia nacional e também do Mercosul, exigir o fim de todas as políticas incompatíveis com as normas internacionais e, de modo especial, com uma união aduaneira.

Cada capitulação da diplomacia brasileira estimula a manutenção do protecionismo argentino e, mais que isso, a ampliação periódica das barreiras. O governo tem cedido em tudo e já aceitou várias vezes a prorrogação do acordo automotivo entre os dois países, sempre com novas cláusulas a favor dos vizinhos. Pelo acordo original, os dois países deveriam, há muitos anos, ter liberalizado o comércio de veículos e componentes.

É essencial cooperar com a Argentina e discutir, por exemplo, a organização de cadeias produtivas para integrar os sistemas industriais dos dois países. A política seguida pelo governo brasileiro vai na direção oposta, prejudicando a indústria nacional e impedindo o avanço do Mercosul.

quinta-feira, 17 de maio de 2012

O QUE É VERDADE?

BEATRIZ FAGUNDES, O SUL, 17 de Maio de 2012.


Hoje, a mesma pergunta surge continuamente em várias situações.

O conceito da "verdade" vem desafiando a humanidade por milhares de anos. Filósofos da antiga Grécia debatiam a natureza da verdade. Eles discutiam se ela era real e absoluta, ou relativa e ilusória. Suas dúvidas podem ter sido refletidas em uma questão de Pilatos: "O que é a verdade?" (João 18:38). Hoje, a mesma pergunta surge continuamente em várias situações.

Na Comissão da Verdade, sobre as "injustiças" do período da ditadura militar, a hipótese de esclarecimento sobre "verdades" de desaparecimentos, torturas e assassinatos provoca frisson histérico entre os prováveis autores e, principalmente, entre seus apoiadores ideológicos. Qual seria a desculpa de uma pessoa de bem ao justificar a prisão arbitrária, tortura e assassinato de jovens pelo simples fato de pensarem diferente dos atores do poder vigente?

Na área da religião podemos refletir de acordo com a suposta afirmação do nosso mestre Jesus, gravada em João 8:32, na qual ele teria dito: "E conhecereis a verdade e a verdade vos libertará". O que é verdadeiro? Posso conhecer a verdade?

Ontem a presidenta Dilma Rousseff afirmou que o governo não interferirá nos trabalhos da Comissão da Verdade. Os sete membros que apurarão violações de direitos humanos ocorridas entre 1964 e 1988 foram empossados em cerimônia no Palácio do Planalto: "Ao convidar os sete integrantes não fui movida por critérios pessoais, nem por avaliações subjetivas. Escolhi um grupo plural de cidadãos sensatos e ponderados, preocupados com justiça e com o equilíbrio, capazes de entender a dimensão do trabalho que executarão, faço questão de dizer, com toda liberdade, sem qualquer interferência do governo, mas com todo apoio que precisarem", garantiu a presidenta Dilma.

Segundo ela, "a comissão não será movida pelo revanchismo, o ódio ou o desejo de escrever uma história diferente do que acontece, mas escrever uma história sem ocultação deve trazer à tona graves violações de direitos humanos, no entanto, isso não será um instrumento para revanche contra agentes do Estado que praticaram esses crimes". Dilma chorou, pois ela foi presa e torturada pelo sistema.

Sem ideologia, imagine um filho do qual você jamais tivesse notícias, vivendo a realidade cotidiana de não saber se ele, ou ela, está vivo ou não? Quem merece uma condenação sem data de finalização como essa? Imagine você sem saber sobre o paradeiro de seu filho ou filha? Não se trata de ideologia. Estamos tratando de História com "H". Sem papinho, sem modismo e principalmente sem frescura. O preto no branco. Só os covardes podem desejar a ocultação da verdade. Dilma afirma esse desejo: "Não nos move o revanchismo, o ódio ou desejo de escrever uma história diferente do que acontece, mas escrever uma história sem ocultação."

Movida pela emoção de ter sido uma das presas e torturadas na história que precisa ser totalmente revelada em toda a sua abrangência e implicações humanas, nossa presidenta, emocionada, afirmou: "O Brasil merece a verdade, as novas gerações merecem a verdade e, sobretudo merecem a verdade factual.

Aqueles que perderam amigos e parentes continuam sofrendo como se eles morressem de novo e sempre a cada dia", disse. Meu pai foi um torturado político! Não respeito quem defenda uma amnésia política sobre a história brasileira a partir do dia 1 de abril de 1964! A conferir!

quarta-feira, 16 de maio de 2012

MILITARES REAGEM À DECLARAÇÃO DE QUE INVESTIGAÇÃO NÃO TEM 2 LADOS

Após entrevista de diplomata ao ‘Estadão’, generais da reserva dizem que integrantes da comissão não são parciais. Tânia Monteiro - O Estado de S.Paulo - 15/05/2012

O foco de trabalho da Comissão da Verdade e as declarações dadas nesta terça-feira, 15, ao Estadão pelo diplomata Paulo Sérgio Pinheiro, um dos sete integrantes do grupo, desencadearam reações no meio militar.

O general da reserva Marco Antônio Felício da Silva defendeu que "nenhum militar" se apresente para prestar depoimento à Comissão da Verdade, mesmo se convocado. Felício foi o autor do manifesto assinado contra a criação da comissão que foi endossado por 1.568 militares da reserva, sendo 130 generais, além de 1.382 civis.

Segundo o general Felício, a comissão "buscará de forma unilateral e sem a devida isenção, como prioridade primeira, o que chamam de verdade".

Para ele, a comissão (que será oficialmente instalada nesta quarta-feria, 16) busca comprovar uma nova história, "colocando-os como democratas e defensores da liberdade e dos direitos humanos quando, no passado, desejavam a derrubada do governo e a instalação de uma ditadura do proletariado por meio da luta armada, usando do terrorismo, assassinatos, roubos, sequestros e justiçamentos".

Marco Felício, depois de salientar que os militares não aprovam os nomes indicados pela presidente Dilma Rousseff, afirmou ainda que os representantes das Forças Armadas não devem comparecer à comissão para "evitar que o militar seja incriminado pelo que disser, seja execrado publicamente, desmoralizado, segundo ato de revanchismo explícito".

Ele criticou ainda as declarações do diplomata Paulo Sérgio Pinheiro ao Estadão, que afirmou que "nenhuma comissão da verdade teve ou tem essa bobagem de dois lados, de representantes dos perpetradores dos crimes e das vítimas".

Outras reações. Os ex-presidentes do Clube Militar, general Gilberto Figueiredo e Luiz Gonzaga Shroeder Lessa, também reagiram às declarações dos recém-nomeados integrantes da comissão da verdade.

Lessa disse ao Estadão que, "se a comissão só tem um lado, como diz Paulo Sérgio Pinheiro, é porque ele é tendencioso e a avaliação dele será parcial, o que compromete seu trabalho, que deveria ser isento". O general Lessa questionou ainda: "E os que foram assassinados por eles (militantes de esquerda), não conta?"

Já o general Figueiredo disse que "se ele (Paulo Sérgio Pinheiro) acha que não existem dois lados, mas apenas um, significa que os integrantes da comissão não vão investigar os justiçamentos feitos por suspeita de traição pela esquerda". E emendou: "Esta declaração compromete a isenção dele para a realização dos seus trabalhos, que é um pressuposto da comissão".

Ambos defendem ainda o acompanhamento dos trabalhos da Comissão da Verdade, por uma comissão paralela conjunta dos três clubes militares (Naval, Militar e Aeronáutica).

terça-feira, 15 de maio de 2012

COMISSÃO DA VERDADE: INVESTIGAÇÃO NOS DOIS LADOS

Braga defende investigação de militares e de militantes

Líder do governo no Senado afirma que 'ambos os lados' devem ser objeto de apuração - Guilherme Waltenberg - Agência Estado. O ESTADO DE SÃO PAULO, 15 de maio de 2012 | 10h 46


SÃO PAULO - O líder do governo no Senado, Eduardo Braga (PMDB-AM), disse nesta terça-feira, 15, ser favorável à investigação  tanto de militares quanto de militantes de esquerda que faziam oposição à ditadura instalada no País em 1964 pela recém-criada Comissão da Verdade.
Braga recorreu a um provérbio para explicar sua posição. "Minha avó dizia que toda verdade tem três lados: o meu, o seu e o verdadeiro. A lógica nos diz que, se é uma Comissão da Verdade, ela teria de investigar todos os lados, não só as autoridades", disse, em evento empresarial realizado na capital paulista para debater o tema da sustentabilidade.

Braga afirmou, no entanto, que a atribuição de culpa sobre atos de violência e violação dos direitos humanos é maior por parte das autoridades. "Naquela altura, era mais provável que atos de violência partissem das autoridades, pois o País estava em um regime de exceção", disse, ressaltando: "Isso não quer dizer que não se deva investigar os dois lados."

A Comissão da Verdade será empossada amanhã em cerimônia no Palácio do Planalto. A declaração do líder do governo no Senado entra em conflito com a opinião de pelo menos dois dos sete nomes escolhidos pela presidente Dilma Rousseff para a comissão.

Em entrevista publicada nesta terça-feira pelo Estado, o diplomata Paulo Sérgio Pinheiro foi enfático ao comentar a possibilidade de a comissão investigar tanto os militantes de oposição quanto os agentes públicos da ditadura. "O único lado é o das vítimas, o lado das pessoas que sofreram violações de direitos humanos. Onde houver registro de vítimas de violações praticadas por agentes de Estado a comissão irá atuar", afirmou, acrescentando: "Nenhuma comissão da verdade teve ou tem essa bobagem de dois lados, de representantes dos perpetradores dos crimes e das vítimas. Isso não existe."

A professora e advogada Rosa Cardoso, integrante da comissão, também descartou a intenção de investigar crimes praticados por organizações de esquerda que aderiram à luta armada. De acordo com declarações dela ontem no Rio, a comissão vai, fundamentalmente, rever "condutas de agentes públicos".

COMISSÃO DA VERDADE: O ÚNICO LADO É O DAS VÍTIMAS

Roldão Arruda
O ESTADO DE SÃO PAULO, 15.maio.2012

“O único lado é o das vítimas”


O diplomata e acadêmico Paulo Sérgio Pinheiro acompanha e participa dos debates em torno da Comissão Nacional da Verdade desde que a ideia começou a ser oficialmente formulada, há quase dois anos. Também já acompanhou trabalhos semelhantes em outros países. Esses foram fatores que influenciaram a decisão da presidente Dilma Rousseff, quando o escolheu para integrar o time de sete personalidades que vai conduzir o trabalhos na comissão.

Às vésperas da sua instalação oficial, marcada para amanhã (16), em Brasília, Pinheiro afirma que a comissão não tem caráter revanchista, mas também não se destina a alimentar polêmicas sobre as ações de organizações de esquerda que pegaram em armas para enfrentar a ditadura, como desejam militares da reserva. O papel da comissão será a análise de casos de violações de direitos humanos cometidas por pessoas investidas no papel de representantes do Estado. “Nenhuma comissão da verdade teve essa bobagem de dois lados”, diz ele.

Pinheiro é fundador e pesquisador-associado do Núcleo de Estudos da Violência da Universidade de São Paulo (NEV/USP) e há seis meses atua como presidente da Comissão Internacional Independente de Investigação da ONU para a Síria. A seguir a entrevista que ele concedeu ao Estado.

Qual será o papel da comissão?

O papel está definido na lei e não há nada a ser inventado ou criado em torno disso. A lei diz que seu objetivo são as graves violações de direitos humanos, particularmente o esclarecimentos das circunstâncias em que ocorreram. A lei especifica com clareza quais são os casos: tortura, morte, desaparecimento forçado, ocultação de cadáver e sua autoria, ainda que ocorridos no exterior. Também tem uma ação complementar ao magnífico trabalho desenvolvido na Comissão de Mortos e Desaparecidos, contribuindo com informações para a identificação e localização de corpos.



Como vê a acusação de que a comissão é revanchista?

Vingança não tem lugar no diálogo democrático e essa história de revanchismo está encerrada. É bom lembrar que tivemos, em primeiro lugar, um projeto de lei. Depois, o presidente Lula o encaminhou ao Congresso. A Câmara e o Senado discutiram e aprovaram. Finalmente, a presidenta sancionou e, com muito critério, estabeleceu a comissão. Mais democrático do que esse processo é impossível.

Os fatos apurados podem desaguar na responsabilização judicial dos envolvidos?

Acompanho comissões da verdade desde a década de 1980 e sei que nenhuma delas teve papel de ministério público ou judicial. A comissão não acusa, não pronuncia nem julga, o que seria um despautério. A comissão seguirá o que está na lei e apresentará um relatório ao final de dois anos, sem extensão de prazo.

Que destino terá o relatório?

Não temos nenhuma competência a esse respeito e eu não vou fazer previssões sobre o que vai ocorrer.

A comissão pode ressuscitar o debate da Lei da Anistia?

A Lei da Anistia está mencionada na lei que cria a comissão. Ela é um fato concreto, existente na legislação brasileira, e a comissão não vai criar nenhuma polêmica sobre isso. Outras instituições do Estado poderão lidar com isso, mas não a comissão.

O que a comissão representa para as famílias de mortos e desaparecidos políticos?
As famílias já tiveram o reconhecimento do Estado desses desaparecimentos, mas também têm direito a obter mais informações sobre as circunstâncias, os locais, os nomes das pessoas que perpetraram esses atos, como está na lei.

Já foram feitas inúmeras tentativas de se revelar a verdade. Será que a comissão conseguirá avançar?

Se não fosse avançar, eu não teria aceito o generoso convite da presidenta. Entendo que será um passo adiante. Na realidade, sem quer fazer o jogo do contente, estamos muito mais adiantados em termos de acesso à documentação do que a Argentina e o Chile, países onde nenhum arquivo estatal foi aberto ou posto à disposição do público. Nós temos o arquivo do Brasil Nunca Mais, que reúne o material do Superior Tribunal Militar; temos, no Arquivo Nacional, o material do sistema de informações; temos os dados acumulados da Comissão de Desaparecidos; temos o projeto Memórias Reveladas, que trouxe para os arquivos públicos uma quantidade enorme de documentos. Outra informação para quem acha que estamos muitos atrasados é que a França só reconheceu a responsabilidade do Estado francês pelos crimes do regime de Vichy (1940-1944) no governo Chirac (Jacques Chirac, presidente da França entre 1995 e 2007). Aqui, dez depois do regime militar, uma lei aprovada no Congresso, negociada pelo ex-ministro José Gregori, no governo de Fernando Henrique Cardoso, reconheceu a responsabilidade do Estado. Todos os estudiosos reconhecem essa lei como a pedra fundamental, a partir da qual foi possível se avançar, no governo Lula, até a comissão. Há um acumulado enorme. Não houve tempo perdido.

Outros países que também enfrentaram ditaduras militares já tiveram comissões da verdade.

É correto. Mas, se formos comparar, a nossa comissão está sendo criada com acúmulo de trabalho, experiência e conhecimentos que outras comissões não tinham.

Tem esperança de que ainda possam ser encontrados arquivos capazes de ajudar a esclarecer os fatos?

Nunca desanimei diante de afirmações de que arquivos foram destruídos, de que não existe mais nada a ser descoberto. Creio que a comissão, com os poderes dados a ela pelo Congresso Nacional, vai ter condições de fazer pesquisas e investigações e identificar e localizar arquivos.

Acredita que, em dois anos, com uma equipe de 14 auxiliares, será possível um relatório conclusivo?

Não dá para prolongar mais. Dois anos é mais que ótimo. Esses 14 funcionários constituem um pequeno núcleo, fundamental para a comissão decolar, mas, por determinação da presidenta Dilma, ela poderá contar com um apoio muito largo em vários setores da administração federal. Além disso, a comissão vai dialogar com comissões da verdade já criadas em várias assembleias legislativas e universidades. As outras comissões também começaram com um pequeno núcleo, um secretariado.

Na semana passada o senhor teve um encontro de 45 minutos com Dilma. Qual é a disposição dela?

Ela não conversou só comigo. Da minha parte testemunhei o engajamento completo da presidente e sua disposição de apoiar a comissão no que ela necessitar. Acho que foi perfeitamente justificada a reflexão cuidadosa que ela teve para chegar aos sete nomes da comissão. Formou um colegiado capaz de se integrar rapidamente, porque existem vários pontos de contato.

Das comissões que já acompanhou, existe alguma que considera exemplar?

A referência maior tem sido a Comissão Nacional de Desaparecidos que o presidente Alfonsín (Raul Ricardo Alfonsín, presidente da Argentina entre 1983 e 1989) instalou e o escritor Ernesto Sábato presidiu. Foi a primeira referência de um trabalho desse tipo no continente, antes mesmo do levantamento do Brasil Nunca Mais. Mas eles só trabalharam com depoimentos e entrevistas, sem acesso a documentos oficiais.

Críticos da comissão dizem que deveria apurar também atos de grupos armados de esquerda.

Como já disse, a moldura do trabalho da comissão é o que está na lei. E ali não há polêmica, controvérsia, vingança, nem dois lados. O único lado é o das vítimas, as pessoas que sofreram violações de direitos humanos. Onde houver registro de vítimas de violações praticadas por agentes do Estado a comissão vai atuar. Nenhuma comissão da verdade teve ou tem essa bobagem de dois lados, representantes dos perpetradores e das vítimas. Isso não existe. Você compõe uma comissão capaz de exercer o trabalho com objetividade e imparcialidade. Acho que todos os membros da comissão, os meus seis colegas, têm uma vida pública em torno desse compromisso com a verdade. Não vamos entrar nesse fla-flu de bater boca com críticos da comissão. Ela tem que praticar um obsequioso silêncio e trabalhar. Evidentemente, o direito de expressão é livre no Brasil. Felizmente, cada um pode exarar as opiniões que quiser.

Daqui a dois anos, qual será a grande contribuição da comissão ao Brasil?

A contribuição mais importante é espanar os mitos, as lendas, as histórias enviesadas que ainda sobrevivem sobre períodos nos quais o Estado foi o principal perpetrador de violações de direitos humanos. Isso garantirá o direito à verdade que os familiares das vítimas têm e, ao mesmo, permitirá o aprofundamento da democracia. Não se consolida nenhum processo democrático com verdades ocultas. É preciso devassar as verdades. Norberto Bobbio dizia que não há fator melhor para a democracia do que a claridade. Precisamos abrir os porões e espantar a escuridão.

O relatório final pode ter efeito sobre os crimes de tortura que ainda ocorrem no Brasil?

Não tenho a menor dúvida. A cientista política americana Kathryn Sikkink acabou de publicar um livro no qual analisou todos os estados democráticos na América do Sul e mostrou o seguinte: aqueles que fizeram o percurso das comissões da verdade têm hoje melhores condições de coibir violações de direitos humanos, como execuções sumárias, torturas, abuso policial. Essa é uma contribuição para o melhor funcionamento do Estado.

PATRIOTA?

 ZERO HORA 15/05/2012

Osmar Terra, Deputado federal (PMDB-RS)

É espantosa a entrevista do ministro de Relações Exteriores, Antonio Patriota, na ZH de domingo, especialmente quando fala do bloqueio argentino aos produtos brasileiros.

Com os principais setores da nossa indústria sofrendo enormes prejuízos, com um bloqueio às exportações que se arrasta há mais de ano, o ministro demonstra desconhecer por completo a questão.

Quando as maiores fábricas de tratores, colheitadeiras e implementos agrícolas do Brasil, localizadas no Rio Grande do Sul, não só não conseguem vender para a Argentina, mas são constrangidas a transferir sua produção para lá, ouvir o chefe da nossa diplomacia falar que “queremos evitar que questões comerciais contaminem o nosso relacionamento” é mais do que preocupante.

O ministro não deve saber (mas deveria) que milhares de tratores e colheitadeiras, aqui fabricados, estão parados há um ano na aduana argentina, como forma de pressão em cima das nossas indústrias. Na área calçadista, são 3 milhões de pares de sapatos parados na fronteira. Nossos frigoríficos nem enviam mais produtos para lá. Isso gera prejuízos enormes e demissões que já chegam a milhares, nos diversos setores.

Quando o bloqueio, em maio do ano passado, chegou ao setor automobilístico, houve uma pronta retaliação do governo brasileiro, com bloqueio do lado de cá à produção argentina. Logo chegaram a um acordo. Mas, em relação aos demais setores, o governo brasileiro lavou as mãos.

Abandonadas à própria sorte, as duas maiores indústrias de máquinas agrícolas daqui ficaram sem saída, e já anunciaram investimentos na Argentina da ordem de US$ 300 milhões. Vão produzir lá o que já fazem aqui, com sobra para abastecer várias vezes o mercado argentino. Isso é um absurdo nas regras de mercado e na vida de uma empresa. O resultado será a redução drástica da produção e dos empregos do lado de cá.

Diz ainda o ministro: “Há uma afinidade entre os dois governos e entre as duas chancelarias. O diálogo é muito amistoso”. E mais adiante: “A Argentina passou por crises sérias, começou a se recuperar”. Faltou dizer que está conseguindo isso às custas, em boa parte, da produção e de empregos gaúchos e da omissão brasileira. O ministro Patriota não foi capaz de nem uma palavra de alento para os gaúchos.

Importante lembrar que o Rio Grande do Sul é o Estado mais prejudicado pela inação do Itamaraty em outras situações. Há um ano, também, nossos frigoríficos sofrem com a suspensão de importações por parte da Rússia, o que já acarretou a perda de US$ 1 bilhão na economia estadual.

Esperávamos mais de um ministro de Relações Exteriores com este sobrenome.



COMENTÁRIO DO BENGOCHEA - Se PMDB é da base aliada e parte do Governo Dilma, é também conivente e responsável por estas medidas "patrióticas". Ao não reagir a estas medidas, o PMDB  se mostra um partido submisso e interessado apenas em cargos e vantagens. O restante é demagogia.

terça-feira, 8 de maio de 2012

O FORTALECIMENTO DO INTERIOR

EDITORIAL ZERO HORA 08/05/2012

Com base no binômio educação e emprego, municípios do Interior vêm reforçando importância no contexto econômico e social do Estado. Longe de significar um esvaziamento da Capital, esse fenômeno indica o acerto da política de investimentos em polos regionais de grande potencial, como é o caso de Rio Grande, onde a indústria naval revigorada vem ponteando o processo de desenvolvimento.

O único aspecto capaz de preocupar é a possibilidade de, com essa tendência, a Capital acabar perdendo força. A rápida mudança registrada no perfil da economia gaúcha, no qual o setor de serviços se fortaleceu perante a indústria nas somas das riquezas do Estado, tende a aumentar esse risco. Há três décadas, as riquezas no Rio Grande do Sul eram majoritariamente geradas pela indústria, em sua maior parte concentrada na Capital. Hoje, a supremacia fica com serviços – aí incluído o comércio –, disseminados pela imensa maioria dos municípios gaúchos. Em consequência, diminuiu a migração para Porto Alegre, que hoje abriga cada vez menos moradores de outras regiões.

As mudanças que deram origem a essa tendência só ocorreram porque aumentaram as oportunidades de acesso a ensino de qualidade, em todos os níveis, pelo Interior. Além disso, os avanços tecnológicos facilitaram a comunicação entre as pessoas, fazendo com que elas se sintam integradas mesmo longe dos grandes centros urbanos.

O Estado precisa ficar atento a essas transformações que, sem prejuízo da expansão econômica na Capital e das demais cidades da Região Metropolitana, precisam ser acompanhadas de perto pelo poder público. Quanto mais os gaúchos tiverem suas demandas básicas atendidas – o que inclui desde atendimento eficiente nas áreas de saúde e educação até oportunidades de trabalho –, menos razões haverá para migração. Em consequência, mais as comunidades do Interior tenderão a se fortalecer, beneficiando a todos.

VÍTIMAS DA AUSTERIDADE

EDITORIAL ZERO HORA 08/05/2012

Nicolas Sarkozy, derrotado na eleição presidencial francesa pelo socialista François Hollande, é o 11º líder europeu derrubado pela crise econômica do continente e, principalmente, pela tentativa de aplicação de corretivos para o mal. Depois de décadas no mundo irreal do Estado de bem-estar social, em que o poder público assume a condição de promotor do desenvolvimento e pretende garantir bens e serviços aos cidadãos do berço ao túmulo em troca da cobrança de altas taxas de impostos, a Europa mergulhou numa profunda depressão, caracterizada por economias falidas e altíssimo desemprego. Em consequência, líderes políticos de diversos matizes ideológicos não tiveram outra alternativa a não ser o acatamento de um rigoroso plano de austeridade – e estão pagando caro pelo desgaste político dele decorrente.

Antes de Sarkozy, foram apeados do poder líderanças importantes como o trabalhista britânico Gordon Brown, o socialista espanhol José Luis Zapatero e o português José Sócrates. Até mesmo a alemã Angela Merkel, que dirige a economia mais forte do continente e lidera o pacto fiscal europeu, começa a sofrer desgaste interno. É tão grande a preocupação com o empobrecimento da Europa, que as posições políticas estão ficando em segundo plano. Mas a direita radical e xenófoba está ganhando força na maioria dos países afetados pela crise, pois, quando não há emprego para todos, os nativos passam a ver os estrangeiros como predadores.

A Europa perdeu o rumo – afirmou ontem o embaixador Marco Azambuja, em entrevista à Rádio Gaúcha, acrescentando que o Velho Continente está se tornando menos importante para o mundo. Na verdade, o mundo – inclusive os países em desenvolvimento que navegam numa aparente onda de prosperidade – deveria prestar muita atenção no que aconteceu com a Europa nos últimos anos e no que está acontecendo agora.

O Brasil, que vive hoje um cenário de pleno emprego, dificilmente conseguirá se manter alheio à crise se não promover reformas estruturais. E precisa ficar atento não apenas ao efeito dominó da economia globalizada, mas também aos danos colaterais do remédio amargo que está sendo aplicado na Europa doente. Mais do que vítimas da austeridade, os governantes ora execrados pelos europeus sofrem as consequências de um modelo equivocado de interferência excessiva do Estado na economia e na vida dos cidadãos, além da falta de regulação adequada do sistema financeiro internacional.

O desejável é que a União Europeia reencontre o rumo do crescimento, sem perder de vista as conquistas sociais acumuladas ao longo deste período de fantasia nem permitir que o radicalismo e a xenofobia assumam dimensões incontroláveis. Repetir o passado recente seria um retrocesso inaceitável, até porque – como ensinou Karl Marx – a História se repete apenas como farsa.

segunda-feira, 7 de maio de 2012

CASTIGO SEM CRIME

DENIS ROSENFIELD, PROFESSOR DE FILOSOFIA NA UFRGS - O Estado de S.Paulo, 07/05/2012

O castigo - ou, em linguagem jurídica, a punição e a pena - guarda relação com o crime. Mais especificamente, a relação se faz segundo um critério de proporcionalidade e razoabilidade, não sendo admitido como racional que uma pena em muito exorbite o ato cometido. Em casos desse tipo, tal condenação pode ser dita injusta.

A injustiça, no entanto, pode ser ainda maior se o castigo não guardar relação alguma com o ato que o ensejou. Ou seja, saltaria à vista como irracional que punição e pena não guardassem relação com a ação que está em sua origem. Não se trata aqui de uma desproporcionalidade, mas de pura e simples ausência de relação, o que significaria dizer que pena e punição são claramente injustas. Os que sofrem tal castigo deveriam, pois, ser considerados injustiçados.

Em grandes cidades e metrópoles brasileiras estamos, cada vez mais, observando "injustiças" que têm como objeto empreendedores que enfrentam adversidades dessa natureza. Têm-se multiplicado as notícias sobre imóveis em construção, ou até mesmo acabados, que simplesmente têm suas obras embargadas ou não podem entrar em funcionamento por decisão de prefeituras ou de ações do Ministério Público (MP). Seguiram tudo o estipulado pela legislação em vigor e, de repente, se veem em situação de suposta irregularidade.

O fato mais recente que tem chamado a atenção da opinião pública se refere a um shopping center na cidade de São Paulo (JK Iguatemi) que, pronto, não pode funcionar. Casos assim não são algo novo, mas se inscrevem em longa lista que pode envolver os mais diferentes tipos de empreendimentos imobiliários, em cidades maiores ou litorâneas.

Evidentemente, estamos dando como pressuposto que todas as normas foram seguidas, conforme a legislação em vigor. Um grande empreendimento imobiliário deve passar por uma série de etapas, como autorizações da prefeitura, seguindo o Plano Diretor da cidade, que, por meio de uma secretaria ou órgão especializado, dá o sinal verde para que a obra comece. Há, no entanto, condicionantes impostas, que exigem a realização de obras viárias, necessárias, por exemplo, para a circulação de veículos naquela região.

Autorizações ambientais, municipais ou estaduais, conforme o caso, são igualmente necessárias, seja para a implantação do projeto, seja para a realização das condicionantes, cada uma delas burocraticamente vinculada a um órgão estatal. Ademais, o MP pode atuar em qualquer etapa do processo, inclusive em sua conclusão, segundo uma interpretação própria da lei, ou para determinar se essas várias regras e condicionantes foram observadas.

Hipoteticamente, vamos considerar que o empreendedor tenha obedecido a tudo o que lhe foi estipulado. Nesse caso, o empresário terá agido de boa-fé, atento à lei e ciente de suas consequências. Os que não o fizerem devem, certamente, ser punidos, o seu caso se inserindo na relação e na proporcionalidade entre o ato e sua punição, entre o crime e seu castigo. Devemos igualmente afastar, por ideológica e insensata, qualquer consideração do empresário como "especulador" e "irresponsável", por ser nitidamente preconceituosa.

Acontece, contudo, que essas diferentes instâncias administrativas e estatais não atuam de forma coordenada e frequentemente seguem critérios distintos. Individualmente, poderíamos estar de acordo com a secretaria responsável pelo Plano Diretor, com o órgão ambiental, com o MP ou com qualquer outro órgão que atue nesse processo.

Outra, porém, é a realidade quando esses diferentes órgãos e instâncias, além de agirem descoordenadamente, seguem tempos completamente aleatórios. Por exemplo, se uma das condicionantes para o prosseguimento da obra implicar uma autorização ambiental suplementar, esta não deveria demorar um tempo indeterminado, que pode tornar todo o projeto inviável. Teria de haver um prazo fixo para a decisão, que não poderia ser postergado indefinidamente.

Da mesma maneira, as condicionantes da prefeitura devem ser claras e precisas, sob pena de a aleatoriedade tomar conta de todo o projeto. Igualmente, não deveria ter o MP a prerrogativa de embargar, a qualquer tempo, uma obra que tenha seguido todos os trâmites legais, segundo uma nova interpretação.

Imagine-se um empreendedor submetido a um emaranhado jurídico e administrativo desse tipo. O seu empreendimento fica submetido a completa insegurança, prejudicando o seu investimento, criando instabilidade para seus funcionários e demais trabalhadores. No caso de uma obra pronta, a repercussão social e economicamente negativa entra em cadeia de descoordenações, pois, por exemplo, lojas de shoppings não podem ser abertas, causando prejuízos a outros empresários. Empregos tampouco podem ser criados e, se já criados, seus trabalhadores se encontram em insegurança. Impostos também não são recolhidos, pois as novas lojas não podem começar a funcionar. Tome-se em conta, além de tudo disso, que a construção de um novo shopping leva em torno de cinco anos, sendo dois só de projetos, trâmites administrativos e as mais distintas autorizações.

O disfuncionamento é total. Os empresários submetem-se, então, a um verdadeiro calvário. A burocracia e as instâncias judiciais os encaram como infratores que devem ser submetidos a castigos e penas, embora os seus autores não se considerem pessoas que tenham incorrido em infração alguma. A situação torna-se particularmente insensata, pois se consideram injustamente punidos.

Na tradição bíblica, Jó sofre uma série de infortúnios sem ter jamais blasfemado contra Deus e sem nunca ter cometido nenhuma infração contra seus mandamentos. Será que é isso que está sendo imposto a empreendedores brasileiros, como se o Estado tivesse uma posição de tipo divino?

domingo, 6 de maio de 2012

A AVALANCHE PROTECIONISTA

Carlos José Marques, diretor editorial - REVISTA ISTO É N° Edição: 2217, 06/05/2012

Projeta-se do lado de baixo da Linha do Equador uma nova e resistente barreira protecionista que assusta o mundo. A América Latina estaria se convertendo rapidamente em celeiro de expropriações de empresas, quebra de contratos, desobediência às regras de mercado. E, embora essa não seja uma tendência generalizada, a quantidade de países que aderem à prática já leva os investidores a acreditar numa ação articulada e perigosa dominando a região. Na semana passada, nas comemorações do 1o de Maio, Dia do Trabalho, o presidente Evo Morales anunciou a nacionalização da companhia Transportadora de Eletricidade (TDE), de capital espanhol, exatamente duas semanas após o governo argentino ter incorporado a petrolífera YPF.

Do ponto de vista semântico, cada país tratou do assunto ao seu jeito. Um falou em nacionalização e o outro em expropriação, mas tecnicamente não há diferença. Ambos assumiram a decisão de retirar posições estrangeiras de seus mercados. O que isso signifi caponto de vista global é fácil de avaliar: a América Latina vem perdendo, gradativamente, a condição de porto seguro do capital, com todas as consequências negativas decorrentes daí. Nos últimos seis anos, setores estratégicos – como petróleo, gás, tecnologia e energia elétrica, além de bancos e companhias aéreas – foram alvo dessa fúria protecionista.

Ao lado da Bolívia e da Argentina, Venezuela e Equador seguiram pelo mesmo caminho. No Brasil, embora não tenha havido ações extremas, o pendor intervencionista tem marcado o governo Dilma. O aumento de IPI para carros importados e do IOF em operações com moeda estrangeira seguem nesse trilho e vem provocando protestos em organismos de comércio. Normalmente, um tribunal arbitral internacional pode julgar e até aplicar sanções ou multas contra atos que ferem regras de mercado. Mas cabe ao país decidir se as acata ou não. A interferência indevida na livre iniciativa foi um mal que, no passado, comprometeu anos de desenvolvimento, inchou a máquina do Estado, prejudicou a efi ciência do parque produtivo e provocou gastos descontrolados do setor público. Voltar a esse modelo é uma opção que condena as nações a viver no atraso.

AUSCHWITZ DA DITADURA

Agente da repressão revela pela primeira vez que o regime militar incinerou os corpos de dez guerrilheiros em uma usina no Rio de Janeiro. Antonio Carlos Prado - REVISTA ISTO É N° Edição: 2217, 06.Mai.12 - 09:07

A atual história política do Brasil é pródiga em exemplos de que os crimes de tortura, assassinato e desaparecimento de corpos que a ditadura militar cometeu acabam em boa parte denunciados por aqueles que fizeram o trabalho sujo – é o porão a implodir o arranha-céu do horror que se construiu com o golpe de 1964 e perdurou até a redemocratização em 1985. Foi assim com os cadáveres de guerrilheiros que se opuseram ao regime de exceção, enterrados em cemitérios clandestinos – os agentes os sepultavam com nomes frios, mas escreviam nos laudos, com letra miúda, os nomes verdadeiros. Foi assim também nos próprios tribunais militares nos quais juízes consignavam que o réu fora torturado, embora não movessem um dedo contra isso. Pôr tudo no papel e fazer valer o que está escrito faz parte da tradição cartorial luso-brasileira. O livro “Memórias de uma Guerra Suja”, que acaba de ser lançado, confirma em um ponto essa regra ao trazer na primeira pessoa o depoimento inédito, surpreendente e estarrecedor do ex-delegado da repressão Cláudio Guerra. Ele revela que houve no Brasil uma espécie de campo de Auschwitz (referência ao mais famoso campo nazista de extermínio e cremação de judeus) onde corpos de guerrilheiros mortos sob tortura em São Paulo e no Rio e Janeiro foram incinerados. Em outro ponto, no entanto, o da tradição de que tudo se escreve, Guerra, 71 anos, quebra a regra: não anotou absolutamente nada e, assim, a denúncia que faz se baseia em sua memória e em sua palavra. “Ele é o mais importante dos agentes da repressão que falaram até agora, e, de fato, tem informação”, disse à ISTOÉ o ex-deputado e um dos mais atuantes advogados de ex-presos políticos Luiz Eduardo Greenhalgh. “E esse também é o momento mais importante para alguém falar porque a Comissão da Verdade está prestes a funcionar.”

Há quase quatro décadas familiares e organizações de direitos humanos trabalham para descobrir os corpos, por exemplo, de David Capistrano da Costa, dirigente do Partido Comunista Brasileiro (PCB), e Ana Rosa Kucinski Silva, militante da Ação Libertadora Nacional (ALN). É o ex-delegado quem agora afirma: “Não adianta procurar, eles foram incinerados.” Por quem? Pelo próprio depoente. O mesmo fim, segundo o livro de autoria dos jornalistas Marcelo Netto e Rogério Medeiros, tiveram, entre outros, os cadáveres de Wilson Silva, João Massena Mello, José Roman e Joaquim Cerveira. O forno do Auschwitz da ditadura, de acordo com Guerra, funcionou a partir de 1973 na usina de açúcar Cambahyba, com a anuência de seu ex-proprietário, o então vice-governador do Rio de Janeiro Heli Ribeiro. Localizava-se em Campos dos Goytacazes. Diz Guerra: “Eu me lembro muito bem de um casal, Ana Rosa Kucinski Silva e Wilson Silva (...) Eu e o sargento Levy, do DOI... fomos levar seus corpos à usina. A mulher apresentava muitas marcas de mordidas pelo corpo, talvez por ter sido violentada sexualmente. Wilson não tinha as unhas da mão direita. Tudo leva a crer que tinham sido torturados.” Sobre Capistrano e Massena, assim está na obra: “Eu me lembro bem de dois senhores que peguei na Casa da Morte e levei para a incineração na usina. Um deles me marcou muito, porque lhe haviam arrancado a mão direita (...) resultado de tortura impiedosa. O outro homem (...) era David Capistrano.”

Dirigente histórico do PCB e ex-combatente da Resistência francesa na Segunda Guerra Mundial, Capistrano desapareceu nas mãos da repressão em 1974. Sabe-se concretamente que foi preso no centro de São Paulo (rua 24 de Maio) e hipoteticamente que teria sido morto no Dops, ou no Manicômio Judiciário, ou ainda no Hospital Juqueri (ambos na cidade de Franco da Rocha). Reforça a tese de incineração apresentada por Guerra o fato de o corpo ter sido exaustivamente procurado e nunca localizado. Enfraquece-a, no entanto, outro ponto: o fato de Guerra (assim como informantes anteriores) não apresentar nenhuma prova além de dizer “era David Capistrano”. “Todas as informações devem ser levadas em consideração, mas elas têm de ser rigorosamente investigadas”, diz Greenhalgh. “Muitos já deram contrainformações.” “Esse Cláudio Guerra é um doido”, disse à ISTOÉ Maria Cecília Gomes, filha do ex-proprietário da usina. “Nossa família vai acionar a Justiça contra esse ex-delegado. Vai ter de provar o que falou.” Irmão de Ana Rosa, o escritor Bernardo Kucinski chega a considerar que o objetivo de Guerra pode ser o de “afrouxar as buscas pelos restos mortais dos desaparecidos”.

Se Guerra presta um serviço ou desserviço à história, isso o futuro dirá. No presente, porém, as suas revelações têm de ser consideradas. Isso no plano social. No campo individual, elas até podem aplacar a sua consciência, como ele próprio justifica, uma vez que se tornou evangélico quando esteve preso por ligação com o crime organizado no Espírito Santo, mas não amenizará a possibilidade de ser imediatamente processado pelo Ministério Público por ocultação e vilipêndio de cadáver – apenas a sua palavra de que não adianta mais procurar pelos corpos de Ana Rosa e Capistrano não o livra de responder pelo crime imprescritível de sequestro continuado, como determinou o STF. “O livro trata de pessoas incineradas. Depois da tortura, não sobrou mais nada. É terrível”, disse à ISTOÉ Marcelo Netto. “Foram três anos para escrevê-lo, entre convencimento, entrevistas e redação.” Também à ISTOÉ, Rogério Medeiros declarou que “foi Perly Cipriano, ex-subsecretário de Direitos Humanos no governo de Lula, quem convenceu o ex-delegado a dar seu depoimento”. No atual governo federal leram o livro em primeira mão a presidenta da República, Dilma Rousseff, a ministra dos Direitos Humanos, Maria do Rosário, e o ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo. Sabe-se que a presidenta o considerou uma peça histórica importante para o estabelecimento da verdade sobre a morte e o desaparecimento de cidadãos durante o mais obscurantista período da vida política brasileira.