Revelamos aqui as causas e efeitos da insegurança pública e jurídica no Brasil, propondo uma ampla mobilização na defesa da liberdade, democracia, federalismo, moralidade, probidade, civismo, cidadania e supremacia do interesse público, exigindo uma Constituição enxuta; Leis rigorosas; Segurança jurídica e judiciária; Justiça coativa; Reforma política, Zelo do erário; Execução penal digna; Poderes harmônicos e comprometidos; e Sistema de Justiça Criminal eficiente na preservação da Ordem Pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio.

quarta-feira, 30 de janeiro de 2013

EMPATIA

ZERO HORA 30 de janeiro de 2013 | N° 17328


MARTHA MEDEIROS



As pessoas se preocupam em ser simpáticas, mas pouco se esforçam para ser empáticas, e algumas talvez nem saibam direito o que o termo significa. Empatia é a capacidade de se colocar no lugar do outro, de compreendê-lo emocionalmente. Vai muito além da identificação. Podemos até não sintonizar com alguém, mas nada impede que entendamos as razões pelas quais ele se comporta de determinado jeito, o que o faz sofrer, os direitos que ele tem.

Nada impede?

Foi força de expressão. O narcisismo, por exemplo, impede a empatia. A pessoa é tão autofocada, que para ela só existem dois tipos de gente: os seus iguais e o resto, sendo que o resto não merece um segundo olhar. Narciso acha feio o que não é espelho. Ele se retroalimenta de aplausos, elogios e concordâncias, e assim vai erguendo uma parede que o blinda contra qualquer sentimento que não lhe diga respeito. Se pisam no seu pé, reclama e exige que os holofotes se voltem para essa agressão gravíssima. Se pisarem no pé do outro, é porque o outro fez por merecer.

Afora o narcisismo, existe outro impedimento para a empatia: a ignorância. Pessoas que não circulam, não possuem amigos, não se informam, não leem, enfim, pessoas que não abrem seus horizontes tornam-se preconceituosas e mantêm-se na estreiteza da sua existência. Qualquer estranho que possua hábitos diferentes será criticado em vez de respeitado. Os ignorantes têm medo do desconhecido.

E afora o narcisismo e a ignorância, há o mau-caratismo daqueles que, mesmo tendo o dever de pensar no bem público, colocam seus próprios interesses acima do de todos, e aí os exemplos se empilham: políticos corruptos, empresários que só visam ao lucro sem respeitar a legislação, pessoas que “compram” vagas de emprego e de estudo que deveriam ser conquistadas através dos trâmites usuais, sem falar em atitudes prosaicas como furar fila, estacionar em vaga para deficientes, terminar namoros pelo Facebook, faltar compromissos sem avisar antes, enfim, aquelas “coisinhas” que se faz no automático sem pensar que há alguém do outro lado do balcão que irá se sentir prejudicado ou magoado.

É um assunto recorrente: precisamos de mais gentileza etc. e tal. Para muitos, puxar uma cadeira para a moça sentar ou juntar um pacote que alguém deixou cair, basta. Sim, somos todos gentis, mas colocar-se no lugar do outro vai muito além da polidez e é o que realmente pode melhorar o mundo em que vivemos. A cada pequeno gesto diário, a cada decisão que tomamos, estamos interferindo na vida alheia. Logo, sejamos mais empáticos do que simpáticos. Ninguém espera que você e eu passemos a agir como heróis ou santos, apenas que tenhamos consciência de que só desenvolvendo a empatia é que se cria uma corrente de acertos e de responsabilidade – colocar-se no lugar do outro não é uma simples gentileza que se faz, é a solução para sairmos dessa barbárie disfarçada e sermos uma sociedade civilizada de fato.

terça-feira, 29 de janeiro de 2013

CENAS FRENÉTICAS OU OS "ABUTRES DO BEM

ZERO HORA 29 de janeiro de 2013 | N° 17327

RICARDO CHAVES



Não foi a primeira vez que um fotógrafo da Agência RBS fez a foto de primeira página do The New York Times, o mais influente jornal do planeta. Para que isso ocorra é preciso que um fato, acontecido em nossa principal área de atuação, tenha uma dimensão e interesse mundiais e que estejamos, como sempre, suficientemente alertas. Em agosto de 2001, uma imagem feita pelo Editor de Fotografia de Zero Hora, Júlio Cordeiro, e distribuída pela Agência Reuters, mostrava o balão do milionário americano Steve Fosset irremediavelmente no solo de Aceguá denunciando mais uma tentativa frustrada do aventureiro solitário que pretendia dar a volta ao mundo. A foto foi capa do NYT, ZH, e diversos outros jornais das mais diferentes nacionalidades. Ontem, a foto de Germano Rorato sobre a tragédia ocorrida em Santa Maria também ilustrou a capa do jornalão americano e de muitos outros, mundo afora.

A cena, publicada na contracapa de ZH na segunda-feira, diz muito do horror no momento em que ele está acontecendo, e também revela algo sobre a nossa condição de repórteres fotográficos. Caminhões de bombeiros, gente correndo e uma vítima sendo socorrida, carregada nos braços. Ela lembra outras ocasiões em que as pessoas fogem do pavor e o fotógrafo, na contramão do que seria o “bom senso”, corre na direção do fato. Era o que fazia Nick Ut naquela estrada do Vietnã quando encontrou a menina vindo, queimada por napalm. Nem sempre essa atitude de confronto com a realidade, fundamental para quem quer contar a história usando imagens, acaba bem ou é compreendida pelos outros. Pouco importa. Imagens não mudam nada. Nós, fotógrafos, acreditamos apenas que talvez, diante dos nossos eloquentes testemunhos, as pessoas venham a tomar as atitudes que esperamos. Agora que todos se tornaram fotógrafos, com seus celulares e suas pequenas câmeras digitais, pode ser que seja mais fácil entender o que estou tentando dizer.




Capa do The New York Times descreve tragédia em Santa Maria




Foto do balão de Steve Fosset, em Aceguá, em agosto de 2001




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sábado, 26 de janeiro de 2013

POLÍTICOS COM SANGUE NAS MÃOS

Roldão Arruda

FOLHA.COM, 25/01/2013

Coronel Telhada ataca políticos com “sangue nas mãos”

Felipe Frazão

“Ontem, 24 de janeiro, seria o aniversário de 65 anos de Alberto Mendes Junior, caso ele não tivesse sido assassinado por terroristas no dia 10 de maio de 1970″. Foi assim que o ex-comandante das Rondas Ostensivas Tobias de Aguiar (Rota), o vereador paulistano Coronel Telhada (PSDB), iniciou o texto de uma mensagem divulgada nesta sexta-feira, 25, em sua página no Facebook.

Na frase seguinte ele definiu o seu objetivo: criticar políticos que estão no poder e que no passado pertenceram a grupos que pegaram em armas contra a ditadura militar. O texto continua: “(Foi)Assassinado por grupos terroristas de políticos que hoje estão no poder e ainda se apresentam como defensores dos direitos humanos… Políticos que têm na memória e nas mãos o sangue desse jovem que foi morto aos 23 anos, amarrado, com a cabeça esfacelada a golpes de coronhas de fuzil.”

A mensagem não diz quais são esses políticos. Sabe-se, no entanto, que o grupo que matou o tenente pertencia à Vanguarda Popular Revolucionária (VPR). Era liderado pelo capitão Carlos Lamarca, que desertou do Exército para se unir à esquerda armada.



Em 1969, a VPR fundiu-se a outra organização de esquerda, Colina Mineira, da qual fazia parte a futura presidente Dilma Rousseff. Essa união, porém, durou pouco. No racha, Dilma desligou-se do grupo de Lamarca. Em maio de 1970, quando o tenente da PM foi morto, ela estava presa há cinco meses, no DOI-Codi, em São Paulo.

O vereador tucano está em seu primeiro mandato parlamentar. Foi o quinto candidato mais votado entre os 55 eleitos – mais de 89 mil votos. Entre 2009 e 2011, chefiou o 1.º batalhão de choque da Polícia Militar.

Ao explicar a divulgação da mensagem, disse: “Sempre faço isso aí como um grito de revolta, porque era um jovem de 23 anos que foi morto defendendo a constituição da época no País e é totalmente esquecido. Muitos dos que estão no poder hoje eram desses grupos armados, vide José Genoino, José Dirceu. São pessoas criminosas, que roubaram, mataram e foram anistiadas. Hoje estão condenados por outros crimes e novamente não acontece nada.”

O episódio ao qual se refere ocorreu no Vale do Ribeira, no interior de São Paulo – a região escolhida por Lamarca para treinar guerrilheiros. Na época, tropas do Exército e da Polícia Militar foram deslocadas para a área.

O tenente Mendes, que pertencia ao 1.º Batalhão de Choque da PM, foi preso pelos guerrilheiros e ali mesmo, na mata, executado e enterrado. Promovido após sua morte, por bravura, ao posto de capitão, deixou para sua família a pensão relativa ao posto.

Dos cinco guerrilheiros envolvidos no episódio do assassinato do tenente, só um está vivo. Lamarca foi morto por tropas do Exército, em 1971, no interior da Bahia.

quinta-feira, 17 de janeiro de 2013

OS RUMOS DA "REFORMA AGRÁRIA"

FOLHA.COM 17/01/2013 - 03h30

Gerson Teixeira

Na década de 1990, as organizações dos trabalhadores do campo combateram, com êxito, a implantação, no Brasil, das estratégias do Banco Mundial para as áreas rurais da América Latina, centradas na chamada reforma agrária de mercado. No auge do neoliberalismo, pretendia-se delegar ao mercado o poder regulatório sobre a questão agrária brasileira.

Restou que os instrumentos de compra e venda de terra ficaram nas franjas institucionais. Tanto que, de 1995 a 2002, a desapropriação de grandes propriedades alcançou 10,3 milhões de hectares contra 4,3 milhões nos oito anos seguintes.

Assim, em termos de "obtenção de terras privadas para a política de assentamentos" (grifei), "bons tempos" os anos de 1990! Afinal, por força das lutas sociais, as desapropriações, com as insuficiências e anomalias conhecidas, foram preservadas, e as restritas operações de compra e venda de terras continham uma réstia redistributiva, pois transferiam para os camponeses frações de grandes propriedades.

Hoje, percebemos sinais em sentido oposto. Terras da União sob o controle dos assentados poderão vir a ser transferidas para as grandes propriedades. É o desfecho esperado da proposta de emancipação dos assentamentos abandonados pelos poderes públicos.

Sugerida pela entidade máxima do agronegócio, a Confederação Nacional da Agricultura (CNA), a emancipação traduziria a sensibilidade social da sua presidente pela "libertação dos assentados". O alvo real: a expectativa de apropriação, pelo agronegócio, de milhões de hectares dos assentados, a exemplo do que ambicionam com as suas lutas pela subtração dos territórios indígenas, quilombolas e das áreas protegidas em geral.

Entre as medidas do "pacote da CNA", supostamente acolhido pelo governo, constariam também a regularização "de ofício" dos imóveis localizados às margens das rodovias federais na Amazônia, o que equivaleria ao "carnaval do grilo". E, ainda, a facilitação da ratificação dos títulos das propriedades nas faixas de fronteiras indevidamente emitidos pelos Estados.
Carvall/Folhapress



Nos últimos dois anos, foram desapropriados apenas 130 mil hectares; desempenho tão pífio que, desde 1985, só rivaliza com o período Collor. Comenta-se que tal desempenho resultou da imposição, pela Casa Civil, do limite de R$ 100 mil por família nos projetos de assentamentos. O equívoco do limite deve-se à sua forma irrefletida. Até as cercas dos latifúndios sabem que a desapropriação gera enormes ganhos indevidos aos seus donos, graças à persistência de legislações lenientes e jurisprudências duvidosas.

Exemplo: enquanto a taxa Selic, na atualidade, é de 7,25% aa e a inflação, menor ainda, os juros compensatórios, indevidamente aplicados sobre os valores da desapropriação contestados em juízo, são de 12% aa. Então, em vez de se extinguir anomalias da espécie, opta-se por um corte arbitrário que inviabiliza de vez a desapropriação.

Mas, esse é apenas um detalhe de uma mudança essencial. Efetivadas as medidas anunciadas, a política agrária terá "evoluído" do seu tradicional perfil restrito de contenção de conflitos sociais em proteção ao latifúndio/agronegócio para um estágio de funcionalidade direta às necessidades da própria expansão do agronegócio. Transição equivalente ocorre com a política ambiental.

Em suma, a sedução e a rendição política aos quase US$ 100 bilhões gerados pelas exportações do agronegócio poderão levar o Brasil a cenários sombrios de um "abismo agrário-ambiental". A presidente Dilma Rousseff, que vem enfrentando com coragem interesses econômicos poderosos em defesa do povo brasileiro, haverá de rever esses rumos desastrosos das políticas agrária e ambiental.

GERSON TEIXEIRA, 60, engenheiro agrônomo, é presidente da Associação Brasileira de Reforma Agrária (Abra)

quarta-feira, 16 de janeiro de 2013

LÍDERES E DEMAGOGOS

INTERPSIC 25/10/2000

O dramático e o trágico de nossos tempos

Marco A. F. Velloso


Nestes tempos de eleições, não há como evitar uma espécie de "stress" de demagogia.

Os candidatos se degladiam, utilizando argumentos que o bom senso não aceita.

Valem-se de ataques pessoais - a chamada baixaria - destinados a causar efeito e desviar a atenção para o irrelevante.

Desencadeiam uma guerra de desinformação que desrespeita o cidadão, colocando-o diante da impossibilidade de tomada de qualquer decisão lúcida e conseqüente. 

Trata-se de uma contradição em termos, trágica e destrutiva.

Este, aliás, é um risco grave para a democracia representativa em nosso tempo. Mais e mais o cidadão comum é posto no lugar de incompetência decisória. 

Assim, cada dia, as decisões vitais das comunidades e dos países estão sendo colocadas nas mãos de quem tem menos informação e competência para decidir sobre elas: os eleitores mal informados, chamados a manifestar sua vontade de um modo impulsivo, nada reflexivo.

Tudo bem, me dirá o leitor, mas o fato é que ainda não encontramos sistema melhor do que esse. Melhor uma democracia fajuta do que qualquer ditadura!

Concordo, mas continuo pensando que pode, e deve, ser bem melhor do que isso.

Em nosso país, ainda ocorre uma outra distorção absurda: o voto é obrigatório, de modo que o cidadão, queira ou não, goste ou não, é obrigado a entrar na dança.

A abstenção, em vez de direito legítimo do eleitor, é tida, entre nós, como algo equivalente à deserção do soldado em campo de batalha.

Resquício fascista do Estado Novo, que sobrevive até hoje, a serviço da legitimação forçada da corporação política, com seus currais eleitorais, privilégios pecuniários e balangandãs de pompa e circunstância que envaidecem seus integrantes, independente da cor de seus partidos.

Liderança e civilização

Não há grupo social organizado, não há vida social civilizada sem exercício competente de liderança.
Por isso, a função de liderança é vital nos grupos, nas comunidades, nos países, e na própria comunidade internacional.

Embora o desenrolar da história seja o resultado da resolução das contradições que envolvem a humanidade em razão dos conflitos de interesse econômicos e políticos, é inegável reconhecer, também, que o caráter dos líderes tem sua parcela de influência nesse processo.

Bons líderes fazem os grupos progredirem, conseguem avanços significativos no tratamento das questões relacionadas à equidade social, estimulam a criatividade, motivam positivamente os que os seguem.
Maus líderes subvertem os valores sociais, pervertem a distribuição da riqueza, semeiam a discórdia e arquitetam, por ação ou omissão, as catástrofes mais destrutivas que a humanidade pode conhecer, aí incluídas as guerras.

O fato é que a vida em sociedade, como já apontava Freud, é um fardo muito pesado para os seres humanos.

Embora necessitemos da vida social como espaço ecológico sem o qual não sobrevivemos, as relações com os outros seres humanos nos impõem renúncias que exigem tolerância e capacidade de sublimação.
É por isso que os líderes são especialmente necessários.

A eles cabe interpretar a demanda social e propor projetos capazes de atendê-la.

Mais do que isso, cabe a eles o apelo legítimo à renúncia à satisfação imediata dos desejos para canalizar as energias coletivas na direção da construção dos projetos comuns.

A barganha demagógica

O próprio Freud já apontava também para o fato de que os líderes, na dinâmica das relações com seus seguidores, se defrontam a todo momento com a demanda maciça de realização de desejos, o que os submete a confrontações delicadas em busca da manutenção do controle sobre as massas.

Líderes consistentes, em momentos críticos desse processo, são capazes de convencer seus seguidores a aceitar o inevitável, emulando neles as energias indispensáveis para um coordenado esforço coletivo que leve à superação dos infortúnios.

Um exemplo famoso é a frase de Winston Churchil ao assumir o cargo de primeiro ministro inglês num momento crítico, quando a Grã-Bretanha estava em desvantagem diante da Alemanha, durante a segunda guerra mundial: "Nada tenho a oferecer senão sangue, suor e lágrimas".

Do ponto de vista dos líderes, a armadilha nesta confrontação com seus seguidores está no enfrentamento de seu próprio narcisismo.

Ao proporem a renúncia à satisfação pulsional imediata, os líderes se expõem aos ataques de seus seguidores, e terminam por se verem diante de suas próprias feridas narcísicas.

Esta é uma característica fundamental do exercício de liderança, surpreendentemente muito pouco enfatizada. É o preço inevitável do exercício da liderança.

Por isso, todo aquele que, na história da humanidade, contribuiu para a superação de limites históricos, lutando pela introdução de inovações políticas e sociais ou pelo avanço do conhecimento, sofreu ataques virulentos de seus contemporâneos. Galileu Galilei que o diga, e seu resmungo ranzinza diante dos juizes da inquisição ecoa até hoje em nossos ouvidos: E pur si muove... Outros pagaram com a própria vida os desafios que propuseram.

É nesta dinâmica do narcisismo que a barganha demagógica se apresenta. Por não tolerarem a ferida narcísica, os demagogos passam a barganhar com seus seguidores, de modo a obter a amenização da virulência dos ataques contra eles mobilizados.

A psicodinâmica é a da evitação da dor narcísica através da mitigação da dor psíquica resultante da inevitabilidade da renúncia.

Há como que um acordo tácito, não falado, entre líderes e seguidores: "Não lhes peço qualquer renúncia, dizem os líderes, desde que vocês acariciem meu "ego", e não me ataquem." Ou, em outros termos, "deixemos livres nossos respectivos narcisismos: viva o prazer, abaixo qualquer renúncia!"

As três qualidades fundamentais dos líderes

É a partir da consideração dessa dinâmica do narcisismo na relação entre líderes e seguidores que considero fundamental a existência de três qualidades no exercício consistente da liderança: inteligência, indignação e generosidade.

Inteligência é uma qualidade fundamental dos líderes, já que a realidade concreta das contradições exige perspicácia para a sua apreensão.

Nem sempre compreendemos que os limites para a solução dos problemas, na maioria das vezes, já estão estabelecidos na forma de sua abordagem.

Solucionar um problema implica, quase sempre, na superação de um limite ou de um estereótipo, num salto na perspectiva de sua abordagem, de modo que se possa re-enfocá-lo a partir de um novo plano, o que resulta, na maioria das vezes, num modo mais simples de interpretá-lo.

Dos líderes se espera exatamente isso: a recolocação dos problemas de uma maneira nova, mais criativa, que, ao mesmo tempo que reorganiza suas causas e conseqüências, indica o caminho para o seu equacionamento e superação.

Já a indignação é essencial para que um líder tenha sensibilidade para os dramas humanos.

É necessário que não se conforme com o status quo, com o déjà vu.

É fundamental que se disponha à ousadia de construir o novo. É necessário que, em sua própria indignação, encontre os meios de motivar os outros para seguirem o caminho ousado dessa construção.

É nessa indignação que encontrará a energia para os embates que se interporão em seu caminho, e é ela que lhe permitirá ser duro quando necessário, sem perder jamais a ternura, como recomendava o Ché.

Sem generosidade, de outro lado, um líder jamais assumirá riscos.

É a generosidade que lhe permitirá a perseverança frente aos obstáculos, e, no limite, é ela que lhe dará forças para jogar a própria vida na luta por suas convicções.

Cada instante de nossas vidas é, ao mesmo tempo, um momento de morrer e renascer.

O fluir inexorável do tempo nos permite fazer algo de novo a cada instante, mas, também, leva com ele um pouco de nossa vida.

Assim, cada gesto que realizamos tem a possibilidade de transcender nossa própria morte, já que implica na dedicação de uma parte de nossa vida àquilo que nos propusemos realizar: "morrer" por alguma coisa que nos pareceu ter valor.

É por esta via que a armadilha do narcisismo dos líderes pode ser desmontada, se for transmutada em sublimação.

Na medida em que considerem que a dedicação e o esforço pela causa que defendem implique na conquista de uma transcendência - num drible da morte - pela conquista de um espaço na memória de seus seguidores, podem se reconciliar com o próprio narcisismo, resgatando-o de forma útil, incluindo os outros na realização dessa transcendência.

O dramático e o trágico de nosso tempo

Nossos tempos são particularmente difíceis.

Estamos vivendo uma transição civilizatória, caminhamos a passos firmes para o desconhecido.

Sentimo-nos, tantas vezes, e literalmente, com os pés solidamente plantados no ar.

É natural, dado o inusitado deste momento histórico, que nos defrontemos com muitas incertezas, que encontremos muitas dificuldades na elaboração de projetos conseqüentes para esta transição.

Nossos telescópios só nos permitem perscrutar o presente e o passado. Nem em astronomia é possível ver, com eles, o futuro.

Esse, portanto, é o nosso drama: em tempos como os nossos, o futuro só pode ser intuído, e com uma margem de erro muito grande.

O trágico advém do fato de que, em momentos como esses, os demagogos se esbaldam.

Para eles, não há necessidade de projetos, de propostas conseqüentes.

Basta que existam oportunidades imediatas, proveito a ser tirado a curto prazo.

Não importa o preço a ser pago, desde que seja pago por outros.

Por isso me repugnam tanto os demagogos.

Paciência, meu amigo. É assim que caminha a humanidade...

A cada esquina da história nos defrontamos com novos desafios, e o preço que ela nos cobra é imenso.

Mas vale a pena.

O mundo de nossos netos e de nossos bisnetos será muito melhor do que o nosso, assim como o nosso é, indiscutivelmente, muito melhor do que o de nossos predecessores.

MONTESQUIEU E A SEPARAÇÃO DOS PODERES

JORNAL DO COMERCIO 15/01/2013


Aldo B. Campagnola


Iluminista, Montesquieu, ao teorizar a democratização do poder absoluto dos reis, dividiu o Estado em 3 poderes, ou seja: o Executivo para fazer cumprir as leis executando-as; o Legislativo para fazer as leis; e o Judiciário, para interpretá-las e cuidar de sua execução; harmônicos e independentes. É bem verdade que a França estava sob o poder absoluto de seus reis, já o Reino Unido, sob sistema parlamentar, após a Revolução Gloriosa, já tinha democratizado o poder. Com a independência, em fins do século XVIII, sob a inspiração de um Estado moderno, os Estados Unidos aplicaram a tese de Montesquieu, e criaram uma república, com a separação dos três poderes, sem poder moderador, tendo o presidente como chefe do Poder Executivo e também cabendo a chefia de Estado, tornando este poder mais forte do que os demais. Num país anglo-saxão o sistema manteve-se equilibrado, inclusive pelo pequeno número de partidos políticos.

Nas Américas Central e do Sul, com a independência feita por caudilhos, e na forma republicana, as ditaduras se estabeleceram, salvo no Brasil, que se separou de Portugal como Reino Unido, com a Constituição Imperial de 1824, que dava ao soberano poderes “presidenciais” com o poder moderador e Executivo, tornando-se sistema parlamentar, através do Decreto 523 de 20/7/1847, criando a chefia de gabinete, responsável perante o Legislativo. No sistema presidencial dos restantes países das Américas, instalaram-se ditadores que, em alguns países, existiam e existem de forma disfarçada até hoje, intercalando-se ditaduras e regimes democráticos. O presidencialismo é uma democracia infantil perante o parlamentarismo, permitindo 2 ditaduras no Brasil, num total de 36 anos.

Conselheiro do IBEM/RS

segunda-feira, 14 de janeiro de 2013

UM VELHO TEXTO SOBRE CUBA

Correio do Povo
Postado por Juremir em 5 de novembro de 2012 - Política

Correio do Povo, Porto Alegre (RS), 4 de março de 2001

CUBA, O INFERNO NO PARAÍSO
Juremir Machado da Silva

Na crônica da semana passada, tentei, pela milésima vez, aderir ao comunismo. Usei todos os chavões que conhecia para justificar o projeto cubano. Não deu certo. Depois de 11 dias na ilha de Fidel Castro, entreguei de novos os pontos.

O problema do socialismo é sempre o real. Está certo que as utopias são virtuais, o não-lugar, mas tanto problema com a realidade inviabiliza qualquer adesão. Volto chocado: Cuba é uma favela no paraíso caribenho.

Não fiquei trancando no mundo cinco estrelas do hotel Habana Libre. Fui para a rua. Vi, ouvi e me estarreci. Em 42 anos, Fidel construiu o inferno ao alcance de todos. Em Cuba, até os médicos são miseráveis. Ninguém pode queixar-se de discriminação. É ainda pior. Os cubanos gostam de uma fórmula cristalina: ‘Cuba tem 11 milhões de habitantes e 5 milhões de policiais’. Um policial pode ganhar até quatro vezes mais do que um médico, cujo salário anda em torno de 15 dólares mensais. José, professor de História, e Marcela, sua companheira, moram num cortiço, no Centro de Havana, com mais dez pessoas (em outros chega a 30). Não há mais água encanada. Calorosos e necessitados de tudo, querem ser ouvidos. José tem o dom da síntese: ‘Cuba é uma prisão, um cárcere especial. Aqui já se nasce prisioneiro. E a pena é perpétua. Não podemos viajar e somos vigiados em permanência. Tenho uma vida tripla: nas aulas, minto para os alunos. Faço a apologia da revolução. Fora, sei que vivo um pesadelo. Alívio é arranjar dólares com turistas’. José e Marcela, Ariel e Julia, Paco e Adelaida, entre tantos com quem falamos,pedem tudo: sabão, roupas, livros, dinheiro, papel higiênico, absorventes. Como não podem entrar sozinhos nos hotéis de luxo que dominam Havana, quando convidados por turistas, não perdem tempo: enchem os bolsos de envelopes de açúcar. O sistema de livreta, pelo qual os cubanos recebem do governo uma espécie de cesta básica, garante comida para uma semana. Depois, cada um que se vire. Carne é um produto impensável.

José e Marcela, ainda assim, quiseram mostrar a casa e servir um almoço de domingo: arroz, feijão e alguns pedaços de fígado de boi. Uma festa. Culpa do embargo norte-americano? Resultado da queda do Leste Europeu? José não vacila: ‘Para quem tem dólares não há embargo. A crise do Leste trouxe um agravamento da situação econômica. Mas, se Cuba é uma ditadura, isso nada tem a ver com o bloqueio’. Cuba tem quatro classes sociais: os altos funcionários do Estado, confortavelmente instalados em Miramar; os militares e os policiais; os empregados de hotel (que recebem gorjetas em dólar); e o povo. ‘Para ter um emprego num hotel é preciso ser filho de papai, ser protegido de um grande, ter influência’, explica Ricardo, engenheiro que virou mecânico e gostaria de ser mensageiro nos hotéis luxuosos de redes internacionais.

Certa noite, numa roda de novos amigos, brinco que,quando visito um país problemático, o regime cai logo depois da minha saída. Respondem em uníssono:

Vamos te expulsar daqui agora mesmo’. Pergunto por que não se rebelam, não protestam, não matam Fidel? Explicam que foram educados para o medo, vivem num Estado totalitário, não têm um líder de oposição e não saberiam atacar com pedras, à moda palestina. Prometem, no embalo das piadas, substituir todas as fotos de Che Guevara espalhadas pela ilha por uma minha se eu assassinar Fidel para eles.

Quero explicações, definições, mais luz. Resumem: ‘Cuba é uma ditadura’. Peço demonstrações: ‘Aqui não existem eleições. A democracia participativa, direta, popular, é um fachada para a manipulação. Não temos campanhas eleitorais, só temos um partido, um jornal, dois canais de televisão, de propaganda, e, se fizéssemos um discurso em praça pública para criticar o governo, seríamos presos na hora’.

Ricardo Alarcón aparece na televisão para dizer que o sistema eleitoral de Cuba é o mais democrático do mundo. Os telespectadores riem: ‘É o braço direito da ditadura. O partido indica o candidato a delegado de um distrito; cabe aos moradores do lugar confirmá-lo; a partir daí, o povo não interfere em mais nada. Os delegados confirmam os deputados; estes, o Conselho de Estado; que consagra Fidel’.Mas e a educação e a saúde para todos? Ariel explica: ‘Temos alfabetização e profissionalização para todos, não educação. Somos formados para ler a versão oficial, não para a liberdade.

A educação só existe para a consciência crítica, à qual não temos direito. O sistema de saúde é bom e garante que vivamos mais tempo para a submissão’.José mostra-me as prostitutas, dá os preços e diz que ninguém as condena:’Estão ajudando as famílias a sobreviver’. Por uma de 15 anos, estudante e bonita, 80 dólares. Quatro velhas negras olham uma televisão em preto e branco, cuja imagem não se fixa. Tentam ver ‘Força de um Desejo’. Uma delas justifica: ‘Só temos a macumba (santería) e as novelas como alento. Fidel já nos tirou tudo.Tomara que nos deixe as novelas brasileiras’. Antes da partida,José exige que eu me comprometa a ter coragem de, ao chegar ao Brasil, contar a verdade que me ensinaram: em Cuba só há ‘rumvoltados’.

FONTE: http://www.correiodopovo.com.br/blogs/juremirmachado/?p=3418

NOTA: Texto indicado por Clóvis Mamedes