Revelamos aqui as causas e efeitos da insegurança pública e jurídica no Brasil, propondo uma ampla mobilização na defesa da liberdade, democracia, federalismo, moralidade, probidade, civismo, cidadania e supremacia do interesse público, exigindo uma Constituição enxuta; Leis rigorosas; Segurança jurídica e judiciária; Justiça coativa; Reforma política, Zelo do erário; Execução penal digna; Poderes harmônicos e comprometidos; e Sistema de Justiça Criminal eficiente na preservação da Ordem Pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio.

quarta-feira, 16 de janeiro de 2013

LÍDERES E DEMAGOGOS

INTERPSIC 25/10/2000

O dramático e o trágico de nossos tempos

Marco A. F. Velloso


Nestes tempos de eleições, não há como evitar uma espécie de "stress" de demagogia.

Os candidatos se degladiam, utilizando argumentos que o bom senso não aceita.

Valem-se de ataques pessoais - a chamada baixaria - destinados a causar efeito e desviar a atenção para o irrelevante.

Desencadeiam uma guerra de desinformação que desrespeita o cidadão, colocando-o diante da impossibilidade de tomada de qualquer decisão lúcida e conseqüente. 

Trata-se de uma contradição em termos, trágica e destrutiva.

Este, aliás, é um risco grave para a democracia representativa em nosso tempo. Mais e mais o cidadão comum é posto no lugar de incompetência decisória. 

Assim, cada dia, as decisões vitais das comunidades e dos países estão sendo colocadas nas mãos de quem tem menos informação e competência para decidir sobre elas: os eleitores mal informados, chamados a manifestar sua vontade de um modo impulsivo, nada reflexivo.

Tudo bem, me dirá o leitor, mas o fato é que ainda não encontramos sistema melhor do que esse. Melhor uma democracia fajuta do que qualquer ditadura!

Concordo, mas continuo pensando que pode, e deve, ser bem melhor do que isso.

Em nosso país, ainda ocorre uma outra distorção absurda: o voto é obrigatório, de modo que o cidadão, queira ou não, goste ou não, é obrigado a entrar na dança.

A abstenção, em vez de direito legítimo do eleitor, é tida, entre nós, como algo equivalente à deserção do soldado em campo de batalha.

Resquício fascista do Estado Novo, que sobrevive até hoje, a serviço da legitimação forçada da corporação política, com seus currais eleitorais, privilégios pecuniários e balangandãs de pompa e circunstância que envaidecem seus integrantes, independente da cor de seus partidos.

Liderança e civilização

Não há grupo social organizado, não há vida social civilizada sem exercício competente de liderança.
Por isso, a função de liderança é vital nos grupos, nas comunidades, nos países, e na própria comunidade internacional.

Embora o desenrolar da história seja o resultado da resolução das contradições que envolvem a humanidade em razão dos conflitos de interesse econômicos e políticos, é inegável reconhecer, também, que o caráter dos líderes tem sua parcela de influência nesse processo.

Bons líderes fazem os grupos progredirem, conseguem avanços significativos no tratamento das questões relacionadas à equidade social, estimulam a criatividade, motivam positivamente os que os seguem.
Maus líderes subvertem os valores sociais, pervertem a distribuição da riqueza, semeiam a discórdia e arquitetam, por ação ou omissão, as catástrofes mais destrutivas que a humanidade pode conhecer, aí incluídas as guerras.

O fato é que a vida em sociedade, como já apontava Freud, é um fardo muito pesado para os seres humanos.

Embora necessitemos da vida social como espaço ecológico sem o qual não sobrevivemos, as relações com os outros seres humanos nos impõem renúncias que exigem tolerância e capacidade de sublimação.
É por isso que os líderes são especialmente necessários.

A eles cabe interpretar a demanda social e propor projetos capazes de atendê-la.

Mais do que isso, cabe a eles o apelo legítimo à renúncia à satisfação imediata dos desejos para canalizar as energias coletivas na direção da construção dos projetos comuns.

A barganha demagógica

O próprio Freud já apontava também para o fato de que os líderes, na dinâmica das relações com seus seguidores, se defrontam a todo momento com a demanda maciça de realização de desejos, o que os submete a confrontações delicadas em busca da manutenção do controle sobre as massas.

Líderes consistentes, em momentos críticos desse processo, são capazes de convencer seus seguidores a aceitar o inevitável, emulando neles as energias indispensáveis para um coordenado esforço coletivo que leve à superação dos infortúnios.

Um exemplo famoso é a frase de Winston Churchil ao assumir o cargo de primeiro ministro inglês num momento crítico, quando a Grã-Bretanha estava em desvantagem diante da Alemanha, durante a segunda guerra mundial: "Nada tenho a oferecer senão sangue, suor e lágrimas".

Do ponto de vista dos líderes, a armadilha nesta confrontação com seus seguidores está no enfrentamento de seu próprio narcisismo.

Ao proporem a renúncia à satisfação pulsional imediata, os líderes se expõem aos ataques de seus seguidores, e terminam por se verem diante de suas próprias feridas narcísicas.

Esta é uma característica fundamental do exercício de liderança, surpreendentemente muito pouco enfatizada. É o preço inevitável do exercício da liderança.

Por isso, todo aquele que, na história da humanidade, contribuiu para a superação de limites históricos, lutando pela introdução de inovações políticas e sociais ou pelo avanço do conhecimento, sofreu ataques virulentos de seus contemporâneos. Galileu Galilei que o diga, e seu resmungo ranzinza diante dos juizes da inquisição ecoa até hoje em nossos ouvidos: E pur si muove... Outros pagaram com a própria vida os desafios que propuseram.

É nesta dinâmica do narcisismo que a barganha demagógica se apresenta. Por não tolerarem a ferida narcísica, os demagogos passam a barganhar com seus seguidores, de modo a obter a amenização da virulência dos ataques contra eles mobilizados.

A psicodinâmica é a da evitação da dor narcísica através da mitigação da dor psíquica resultante da inevitabilidade da renúncia.

Há como que um acordo tácito, não falado, entre líderes e seguidores: "Não lhes peço qualquer renúncia, dizem os líderes, desde que vocês acariciem meu "ego", e não me ataquem." Ou, em outros termos, "deixemos livres nossos respectivos narcisismos: viva o prazer, abaixo qualquer renúncia!"

As três qualidades fundamentais dos líderes

É a partir da consideração dessa dinâmica do narcisismo na relação entre líderes e seguidores que considero fundamental a existência de três qualidades no exercício consistente da liderança: inteligência, indignação e generosidade.

Inteligência é uma qualidade fundamental dos líderes, já que a realidade concreta das contradições exige perspicácia para a sua apreensão.

Nem sempre compreendemos que os limites para a solução dos problemas, na maioria das vezes, já estão estabelecidos na forma de sua abordagem.

Solucionar um problema implica, quase sempre, na superação de um limite ou de um estereótipo, num salto na perspectiva de sua abordagem, de modo que se possa re-enfocá-lo a partir de um novo plano, o que resulta, na maioria das vezes, num modo mais simples de interpretá-lo.

Dos líderes se espera exatamente isso: a recolocação dos problemas de uma maneira nova, mais criativa, que, ao mesmo tempo que reorganiza suas causas e conseqüências, indica o caminho para o seu equacionamento e superação.

Já a indignação é essencial para que um líder tenha sensibilidade para os dramas humanos.

É necessário que não se conforme com o status quo, com o déjà vu.

É fundamental que se disponha à ousadia de construir o novo. É necessário que, em sua própria indignação, encontre os meios de motivar os outros para seguirem o caminho ousado dessa construção.

É nessa indignação que encontrará a energia para os embates que se interporão em seu caminho, e é ela que lhe permitirá ser duro quando necessário, sem perder jamais a ternura, como recomendava o Ché.

Sem generosidade, de outro lado, um líder jamais assumirá riscos.

É a generosidade que lhe permitirá a perseverança frente aos obstáculos, e, no limite, é ela que lhe dará forças para jogar a própria vida na luta por suas convicções.

Cada instante de nossas vidas é, ao mesmo tempo, um momento de morrer e renascer.

O fluir inexorável do tempo nos permite fazer algo de novo a cada instante, mas, também, leva com ele um pouco de nossa vida.

Assim, cada gesto que realizamos tem a possibilidade de transcender nossa própria morte, já que implica na dedicação de uma parte de nossa vida àquilo que nos propusemos realizar: "morrer" por alguma coisa que nos pareceu ter valor.

É por esta via que a armadilha do narcisismo dos líderes pode ser desmontada, se for transmutada em sublimação.

Na medida em que considerem que a dedicação e o esforço pela causa que defendem implique na conquista de uma transcendência - num drible da morte - pela conquista de um espaço na memória de seus seguidores, podem se reconciliar com o próprio narcisismo, resgatando-o de forma útil, incluindo os outros na realização dessa transcendência.

O dramático e o trágico de nosso tempo

Nossos tempos são particularmente difíceis.

Estamos vivendo uma transição civilizatória, caminhamos a passos firmes para o desconhecido.

Sentimo-nos, tantas vezes, e literalmente, com os pés solidamente plantados no ar.

É natural, dado o inusitado deste momento histórico, que nos defrontemos com muitas incertezas, que encontremos muitas dificuldades na elaboração de projetos conseqüentes para esta transição.

Nossos telescópios só nos permitem perscrutar o presente e o passado. Nem em astronomia é possível ver, com eles, o futuro.

Esse, portanto, é o nosso drama: em tempos como os nossos, o futuro só pode ser intuído, e com uma margem de erro muito grande.

O trágico advém do fato de que, em momentos como esses, os demagogos se esbaldam.

Para eles, não há necessidade de projetos, de propostas conseqüentes.

Basta que existam oportunidades imediatas, proveito a ser tirado a curto prazo.

Não importa o preço a ser pago, desde que seja pago por outros.

Por isso me repugnam tanto os demagogos.

Paciência, meu amigo. É assim que caminha a humanidade...

A cada esquina da história nos defrontamos com novos desafios, e o preço que ela nos cobra é imenso.

Mas vale a pena.

O mundo de nossos netos e de nossos bisnetos será muito melhor do que o nosso, assim como o nosso é, indiscutivelmente, muito melhor do que o de nossos predecessores.

Nenhum comentário: