Revelamos aqui as causas e efeitos da insegurança pública e jurídica no Brasil, propondo uma ampla mobilização na defesa da liberdade, democracia, federalismo, moralidade, probidade, civismo, cidadania e supremacia do interesse público, exigindo uma Constituição enxuta; Leis rigorosas; Segurança jurídica e judiciária; Justiça coativa; Reforma política, Zelo do erário; Execução penal digna; Poderes harmônicos e comprometidos; e Sistema de Justiça Criminal eficiente na preservação da Ordem Pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio.

domingo, 12 de agosto de 2012

LOTERIA NATURAL

CORREIO DO POVO, 12/08/2012




JUREMIR MACHADO DA SILVA

O incômodo Sócrates acabou condenado por estimular os jovens a contestarem as autoridades. Para ele, nunca se deve aceitar um argumento simplesmente por ele ter sido apresentado por alguém importante, o que chamamos hoje de especialista. Será que o especialista está certo? Será que tem interesses no que diz? Qualquer pessoa inteligente, com dados em mãos, pode tirar conclusões próprias. O argumento de autoridade é o carteiraço, o efeito de credencial, o poder da assinatura. John Rawls foi uma autoridade argumentadora no século XX. Não se impunha como dono da verdade. O seu livro "Uma Teoria da Justiça" conseguiu a façanha de sair da academia e ser lido por muita gente. Virou best-seller. Rawls foi um pacato professor liberal. Nunca teve pendores marxistas.

Mas concluiu que o sistema capitalista, tal qual se apresenta, é injusto. Como chamar de justo um sistema no qual uma criança passa fome enquanto outra tem dinheiro para jogar fora? Culpa dos pais? Rawls achava que muitos não têm culpa pela falta de oportunidades e pela própria situação. Peter Singer, outro filósofo não marxista, questiona: se estivesse, caro leitor, passando na frente de um lago e visse uma criança se afogando, entrava na água para salvá-la? Então, por que não faz coisa alguma para salvar crianças em várias parte do mundo que estão neste momento morrendo de doença e miséria e que poderiam ser salvas com alguma ajuda filantrópica? Qual a diferença? Rawls entendia que examinamos o mundo a partir da nossa "posição original", dos nossos interesses.

Propôs imaginar uma sociedade melhor sem saber que posição se ocuparia nele. Como deveria ser? Como deveria ser uma sociedade melhor se, nela, eu fosse burro, pobre e sem talento? Uma sociedade melhor baseada nesse princípio deve se assentar sobre dois princípios: liberdade e igualdade. Deve ser possível dizer tudo e poder escolher pelo voto os líderes e representantes. Jean-Jacques Rousseau, Hegel e os marxistas acham que as pessoas devem ser "forçadas a ser livres". Rawls, como Mills e os liberais em geral, só acredita no convencimento. Só que Rawls dá alto valor à igualdade. Para ele, a inteligência e certos talentos, entre os quais as habilidades esportivas, não representam um mérito pessoal, mas o resultado de uma "loteria natural", da sorte. Por que pagar fortunas a um jogador de futebol?

Conforme Nigel Warburton, em "Uma Breve História da Filosofia" (L&PM), para Rawls "a sociedade deveria ser organizada para dar oportunidades e riquezas mais iguais para os mais desprovidos". A ideia é simples: alguém só poderia ganhar 10 mil vezes mais do que outro se esse ganho maior revertesse em benefício para o desprovido, fazendo-o receber mais do que receberia se essa disparidade não existisse. O mais rico deve ajudar o mais pobre a deixar de ser tão pobre. Ao defender um "liberalismo igualitário", com base na equidade, Rawls mostrou que se pode ser liberal sem ser reacionário ou totalmente egoísta. A sociedade é um condomínio. Cabe criar condições para que todos possam contribuir e viver adequadamente dentro do edifício. Menos pode ser mais.

Nenhum comentário: