CARTA DA EDITORA | Marta Gleich - Diretora de Redação
Uma missão foi dada à Redação de Zero Hora na manhã daquele sinistro domingo, 27 de janeiro de 2013: investigar, até o fim, as causas e as responsabilidades pela tragédia que vitimou 238 jovens em Santa Maria. O assunto domina reuniões de editores, conversas de repórteres, encontros que definem a capa do jornal. Enquanto não forem identificados os causadores diretos e indiretos das mortes, o assunto não sai da pauta.
Investigação é uma das missões mais básicas – e, ao mesmo tempo, nobres – de um jornal. Ainda mais em uma publicação regional como Zero Hora. Se os jornalistas daqui não fizerem isso, quem vai fazer? Não somos a polícia, nem o Ministério Público ou o Judiciário. Cada um no seu papel. Mas, sim, à imprensa cabe descobrir o porquê das coisas, perseguir trilhas de papel, localizar personagens-chave de uma história. Zero Hora tem uma tradição nisso, e não seria diferente na maior tragédia da história do Rio Grande do Sul.
Trabalhamos em dois níveis: o primeiro tem foco em Santa Maria. A responsabilidade dos donos da boate, dos músicos, das autoridades municipais e estaduais que levou à tragédia. O segundo é um convite à sociedade gaúcha para uma discussão mais ampla: o que as mortes nos deixam de tema de casa individual e coletivo? O que é preciso mudar na legislação, no comportamento, na fiscalização, para que outros jovens não percam a vida de forma tão absurda?
Carlos Etchichury, coordenador do Grupo de Investigação de Zero Hora e editor de Polícia, desde o início liderou as equipes do jornal que investigam o caso de Santa Maria:
– Nossa preocupação foi desembaralhar o cenário e apresentar aos leitores, de forma ordenada e responsável, elementos que pudessem auxiliar nas investigações. Já na edição de terça-feira, dia 29, após ouvir especialistas e mergulhar na legislação, apontamos cinco falhas banais que transformaram a boate Kiss numa gigantesca arapuca. Durante a apuração, percebemos que um documento ajudaria a compreender a origem dos malfeitos que permitiram o funcionamento da boate. O que dizia e quem assinara o Plano de Prevenção e Combate a Incêndio (PPCI) feito pelos donos da Kiss e aprovado pelo Corpo de Bombeiros? O documento se fazia necessário porque, desde o domingo, enquanto as famílias choravam suas perdas, os comandos da Brigada Militar e do Corpo de Bombeiros asseguravam que o local funcionava de acordo com a legislação – mas negavam-se a fornecer o PPCI. Zero Hora descobriu que o plano de prevenção, na verdade, nunca existiu. E que o alvará de prevenção, chancelado pelos Bombeiros, fora concedido, possivelmente, de forma irregular. ZH revelou também que pelo menos uma empresa, cujo proprietário é um bombeiro da ativa, especializou-se em fazer alterações de medidas de segurança propostas, justamente, pelo Corpo de Bombeiros. Uma outra linha de apuração se dedica a investigar por que a prefeitura permitia o funcionamento da danceteria com alvará vencido. A apuração de ZH está deixando claro que a cadeia de responsabilidades não se limita aos músicos e aos sócios da boate que já estão presos.
Na edição deste domingo, das páginas 23 a 28, você confere mais um capítulo do trabalho, desta vez sobre a rede de falhas, burocracias e omissões que contribuíram para a tragédia. Leia também uma reportagem que mostra a fragilidade da liberação de funcionamento dos locais públicos no Estado todo. Nossa missão não se encerrará enquanto o assunto não for esgotado, e as responsabilidades, apuradas. É nosso compromisso.
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