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sexta-feira, 7 de junho de 2013

ORIXÁS, ÁGUAS E GENERAIS

ZERO HORA 07 de junho de 2013 | N° 17455

ARTIGOS


Alexandre Bach*



Meu avô é um fichado. Um agitador na mira do Dops. Meu avô, Waldemar Manoel Espíndola. Nascido em setembro de 1925 e criado em Tramandaí, onde sustentou a família como pescador. Morto há 36 anos. Está lá, registrado numa cartolina amarelada pelo tempo, com o nome perpetuado por uma clássica máquina de escrever.

Nada como um sábado de chuva, um computador e o fantástico trabalho de colegas de Zero Hora para descobrir esse passado da família. Vai clicando e, de repente, a realidade: o teu avô, pai da tua mãe, um senhor alto, forte e calvo, era um quase terrorista na visão do governo gaúcho que respaldou a ditadura brasileira.

Confesso que senti orgulho. Lembro bem do vô Waldemar, apesar dos poucos anos de convivência que tivemos. Ensinou os netos a nadar, para que sempre soubessem enfrentar as águas. Nadar, hábito que mantenho até hoje e que me salvou de um infarto. Não era de aceitar as coisas ruins assim na maior e lutava pelo que considerava justo, enfrentando fosse quem fosse para que o certo restasse restituído. Mas daí a ser eleito como “um perigo para a sociedade”, como imbecilmente justificava o Dops para bisbilhotar e, em muitos tristes casos, acabar com a vida de pessoas, faltou muito. Fico imaginando quantos crimes seus agentes não cometeram por conta dessa visão oficial assassina.

Tentei relembrar a vida do Waldemar para encontrar algum fato que pudesse justificar o interesse do Dops. Por que tamanha preocupação? Lembrei de uma notória história de família contada até hoje por minha mãe. Ocorrida num terreiro de umbanda. Católico fervoroso, o velho foi arrastado a contragosto para o local por uns parentes que o visitavam. A sessão começou e, a todo momento, alguém caía, possuí-do por uma entidade. Waldemar se levantou do seu canto e desafiou: queria que todos aquelas entidades o atacassem naquele momento. Silêncio no terreiro. Cada um saiu para um lado, a sessão acabou, e o velho ficou lá em pé, sozinho.

Se não for por esse fato, a ficha deve ser por outro motivo, também outra história familiar. Com um grupo de colegas pescadores, meu avô usou as mãos para cavar o que é hoje o Rio Tramandaí que nós conhecemos, ligando o mar à Lagoa de Tramandaí, marcando o limite com Imbé. Na época, meados do século 20, a abertura da barra do rio variava ao sabor das ondas do Atlântico, dificultando a saída para a pesca em alto-mar. Munido de pás, um grupo de pescadores enfrentou a natureza e cavou o canal, ligando as duas águas e fixando a barra. Essa história me foi contada por uma testemunha: minha avó, que, com as demais esposas, assistiu à epopeia das margens, levando água e comida aos maridos.

A resposta para minhas dúvidas está em branco. Na ficha do velho, nada está escrito, além dos dados básicos de identificação. Qualquer observação feita pelo Dops nunca chegou ao papel acartonado. Mas imagino o que amedrontou essa gente da Polícia Civil gaúcha: se ali estava um homem que desafiava os orixás e enfrentava a fúria da natureza, encarar generais de plantão era barbada para o velho Waldemar.


*JORNALISTA

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