Revelamos aqui as causas e efeitos da insegurança pública e jurídica no Brasil, propondo uma ampla mobilização na defesa da liberdade, democracia, federalismo, moralidade, probidade, civismo, cidadania e supremacia do interesse público, exigindo uma Constituição enxuta; Leis rigorosas; Segurança jurídica e judiciária; Justiça coativa; Reforma política, Zelo do erário; Execução penal digna; Poderes harmônicos e comprometidos; e Sistema de Justiça Criminal eficiente na preservação da Ordem Pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio.

segunda-feira, 3 de junho de 2013

COMISSÃO DA VERDADE E OS TAIS DOIS LADOS

CORREIO DO POVO, 03/06/2013

JUREMIR MACHADO DA SILVA

São tantos os mitos sobre o passado recente.

Segundo o historiador Thomas Skidmore, em “Brasil, de Castelo a Tancredo”, Costa e Silva foi acusado pelo general Moniz Aragão “de obter favores para seus parentes”. O ditador ficou fulo com o seu ministro do Exército, Lira Tavares, que não soubera manter a disciplina da tropa. Aragão, que era chefe do Departamento de Provisão Geral do Exército, perdeu, depois da sua carta-bomba, o cargo. Assim se constrói uma imagem.

Os defensores da ditadura adoram criticar a Comissão da Verdade por ela não investigar os “dois lados” do que aconteceu durante o regime militar.

É uma asneira ideológica reproduzida para confundir.

A Comissão da Verdade não tem poder de punição.

Mas poderá, quem sabe, levar a uma revisão da Lei da Anistia, o que permitiria o julgamento dos agentes de Estado, torturadores, jamais incomodados.

Por que os resistentes à ditadura teriam de ser julgados duas vezes?

A verdade é esta: eles foram julgados pela justiça militar.

Deixemos de lado os exilados, os suicidados e os desaparecidos.

Fiquemos só com julgados.

Punição não faltou.

A ignorância não pode ser argumento.

Na apresentação ao livro “Como eles agiam – os subterrâneos da ditadura militar: espionagem e polícia política”, do historiador Carlos Fico, Jacob Gorender observa: “Com os dados hoje disponíveis, pode-se estimar que cerca de cinquenta mil pessoas tiveram, no período ditatorial, a experiência traumática da passagem pelos ‘porões’ e, destas, não menos de vinte mil foram submetidas à violência da tortura. Nos cerca de oitocentos processos por crimes contra a segurança nacional, e encaminhados à Justiça Militar, figuraram onze mil indiciados e oito mil acusados, resultando em alguns milhares de condenações”.

Carlos Fico disponibiliza um anexo de uma fatia dos julgamentos:

Crimes contra a segurança nacional. Número de denunciados, absolvidos ou condenados em primeira instância, cujas sentenças foram examinadas pelo Supremo Tribunal Militar através de recursos de apelação – 1970/1973
Artigocrimedenunciadosabsolvidoscondenados
43Organizar entidade subversiva21114269
27Assaltar banco20936173
14Integrar entidade subversiva1788098
28Assalto, sequestro, terrorismo1305575
45Propaganda subversiva1147242
46Usar armas privativas das FA604812
42Organização militar ilegal32239
25Provocar guerra revolucionária30624
39Incitar subversão2323
33Violência contra autoridade20812
34Ofender autoridade20191
16Propagar notícia falsa19145
23Implantar ditadura1717-
24Insurreição armada14131
47Apologia do crime963
41Perturbar reuniões oficiais541
36Ofender presidente da República44-
17Falsificar prova2-2
21Ofender presidente estrangeiro22-
48Fuga de presos211
44Ultrajar bandeira nacional11-
totais1.102514528
Crimes contra a segurança nacional em 1974
Réus julgados: 234
Aguardando julgamento: 359
Absolvidos: 149
Condenados: 47
Outros resultados: 38
Condenados por crimes contra a segurança nacional em 1974 segundos os artigos dos decretos-leis respectivos
Decreto-leiartigocondenados
314/67121
362
251
510/69371
252
898/6988
1111
1818
27 e 503

DIREITOS VIOLADOS

ZERO HORA 03 de junho de 2013 | N° 17452


EDITORIAIS


É inesgotável o desvendamento de práticas do período em que, sob regime militar, o país se afastou da democracia e de normas básicas de convivência, com prejuízos não só para a atividade política. É assim que os brasileiros continuam conhecendo, com as investigações da Comissão da Verdade e o trabalho de pesquisadores, detalhes das muitas faces do governo implantado em 1964. A imprensa tem oferecido sua contribuição para o entendimento do que ocorreu durante a ditadura, como a ampla reportagem publicada no domingo por Zero Hora sobre cidadãos comuns, muitos dos quais sem qualquer ligação direta com a militância contra a repressão, que eram vigiados pelo Departamento de Ordem Política e Social. Joga-se luz, a partir do fichário do que sobrou do acervo do Dops, sobre uma faceta conhecida mas ainda pouco divulgada do regime.

Sabe-se, desde antes da retomada do poder pelos civis, que o período militar foi marcado pelo monitoramento dos passos daqueles considerados inimigos. Muitos políticos retornaram ao país em 1979, com a anistia, e são ainda hoje protagonistas, no Executivo e no Legislativo. Outros nomes, também conhecidos, das mais variadas atividades, retomaram suas vidas sabendo que foram vigiados. Mas pouco se conhecia dos gaúchos comuns que o Dops espionou, sob o pretexto de que poderiam cometer atos contra os interesses da nação. Foi com essa desculpa que a polícia política elaborou milhares de fichas de pessoas que, na sua visão, mereciam acompanhamento.

A reportagem, baseada em mais de 4 mil fichas, às quais ZH teve acesso, é um mural da violação de direitos elementares. É também uma prova de que, sob o pretexto de que tudo deveria ser controlado, o governo desperdiçava recursos para montar um fichário em boa parte inútil até mesmo para a preservação da ditadura. Por isso, o acervo revela-se hoje como um monumento ao autoritarismo e ao desrespeito, mas também à burocracia, tão cara aos regimes de exceção. Estão nas listas os nomes de servidores públicos, professores, estudantes, religiosos, profissionais liberais, operários, empresários, todos sob a suspeita de que conspiravam ou poderiam conspirar, simplesmente por defender ideias ou tomar atitudes em desacordo com o que determinava o governo.

Há casos em que personagens da reportagem não têm como dimensionar hoje quais foram, afinal, as consequências das espionagens nas suas vidas. Para outros tantos, os danos foram irreparáveis. O que importa é que a divulgação de documentos como esses continue oferecendo informações para a compreensão do período e para que o país tenha a certeza de que tais fatos não irão se repetir.

domingo, 2 de junho de 2013

SOBRE APRENDER, SOBRE ESQUECER

ZERO HORA, 02 de junho de 2013 | N° 17451

ARTIGOS

Fernando Luis Schüler*



A criação da Comissão Nacional da Verdade (CNV) é uma iniciativa inegavelmente positiva. Parece claro que a memória do regime militar brasileiro resta, em boa medida, como um cadáver insepulto. A Lei da Anistia cumpriu uma função política, que permitiu a rápida reconstrução da nossa democracia. Mas isto não resolve o problema da história. O direito de saber o que houve. De cada família saber de seus mortos. A frustração de perceber que aqueles que mataram ou praticaram a tortura nem mesmo foram punidos pelo conhecimento público e pela vergonha.

Passado mais de um ano de funcionamento, a Comissão vive um momento difícil. O debate sobre a revisão da Lei da Anistia foi antecipado, as divergências entre seus membros são explícitas e tudo parece se aproximar perigosamente do universo comum da disputa política. Vale lembrar que a CNV nasceu como um órgão de Estado, vocacionada a contribuir para a reconciliação nacional através da investigação serena e cuidadosa da “verdade histórica”.

A Comissão nasceu de maneira equivocada. Melhor seria se fosse originária de um entendimento entre os poderes e instituições de Estado. Ela deveria contar com algum rigor sobre o que se está querendo investigar, e de que maneira, bem como com um corpo profissional de juristas e historiadores, em “condições de atuar com imparcialidade”, como determina a lei. Nada disso foi feito. Ela nasceu como um ato do Executivo. Seus membros são pessoas de alta respeitabilidade, ainda que alguns eventualmente distantes de um perfil de imparcialidade. Há quem diga que imparcialidade não existe. Existe, sim. Está lá na lei assinada pela presidente. Se a imparcialidade não existe, a lei também não, o mesmo valendo para a Comissão.

Mal iniciaram seus trabalhos, os membros da Comissão optaram por descumprir aspectos importantes da lei. O primeiro descumprimento parece compreensível: restringir a investigação apenas aos crimes cometidos após 1964. A lei prescrevia estender a investigação até 1946, período evidentemente longo. Melhor teria sido solicitar a sua retificação. O segundo parece bastante grave. A lei determina que sejam examinados os crimes praticados pelos aparelhos “estatais e na sociedade”. Os membros da Comissão decidiram examinar apenas as violações de direitos cometidos por agentes do Estado.

Sua decisão, até agora mantida, é de desconsiderar os crimes cometidos pelos grupos armados que atuaram no país nos anos 60 e 70. O tema é difícil, e imagino que o façam por julgar que foram crimes legítimos. Ao fazer isto, antecipam um juízo histórico que não lhes cabe. O país não instituiu uma comissão para produzir uma interpretação de sua história. O objetivo é o oposto: gerar uma ampla base factual a partir da qual os cidadãos possam fazer a sua interpretação. Ao lado do “direito à verdade”, deveria haver um “direito à interpretação”. Lembro-me das lições de Paul Veyne, para quem a prática da história pode cumprir um papel de purificação, quando nos permite viver uma segunda vez, intelectualmente, aquilo que originalmente vivemos com paixão. No plano do Direito, a justiça restaurativa sugere este caminho. Uma história vivida originalmente com ódio pode dar lugar a outros tipos de sentimento, desde que se deixe a verdade fluir.

O critério da imparcialidade é crucial no trabalho da CNV, pela simples razão de que, quando tratamos de violações de direitos humanos, o que deve valer não é a paternidade ideológica de um crime. A vida de Wladimir Herzog, torturado e morto no DOI-Codi, em São Paulo, em 1975, vale tanto quando a do segurança Cardênio Dolce, morto em um assalto da ALN, no Rio de Janeiro, em 1971. Um é herói, com toda a justiça, outro um anônimo, mas a dor que vai no coração de seus filhos é exatamente a mesma. Os crimes são distintos. Cabe à CNV examinar ambos. Definir sua legitimidade não lhe compete.

Os crimes cometidos pelo regime militar brasileiro são, com certeza, de uma dimensão e gravidade infinitamente superior aos que foram cometidos pelos seus opositores. A estes, porém, também pertence o direito à história, e com certeza seu exame nos trará lições importantes. Quem sabe a Comissão da Verdade deva rever sua posição e ter, doravante, o cuidado de acolher também os apelos das vítimas que por ora lhe parecem indesejáveis. Seria um erro viver a história uma segunda vez com os mesmo ódios da primeira. Algo que faria lembrar a conhecida sentença de Talleyrand sobre Bourbon, à época da restauração: nada aprenderam, nada esqueceram.

*DOUTOR EM FILOSOFIA PELA UFRGS

sábado, 1 de junho de 2013

CONTRA A LIBERDADE DE EXPRESSÃO, CENSURA JUDICIÁRIA


CONGRESSO EM FOCO, 31/05/2013 13:29

No texto de estreia para o Congresso em Foco, Jorge Maranhão lamenta que a Justiça tenha servido cada vez mais de instrumento para “sufocar a liberdade de expressão”


JORGE MARANHÃO

Todo regime autoritário, para se perpetuar no poder, procura abafar qualquer manifestação e crítica aos seus métodos, ações e, principalmente abusos e crimes. Para isso, regimes desse tipo obviamente lançam mão dos canais de força do poder Executivo: polícias, Forças Armadas, departamentos de inteligência e por aí vai. Mas é preciso prestar muita atenção, pois isso também pode ser usado em tempos de plena democracia. De uma forma mais sutil, com certeza, mas ainda assim muito eficiente para calar críticos e até a oposição.

Um bom exemplo já foi fartamente documentado aqui mesmo no Congresso em Foco: o caso do jornalista Lucio Flávio. Ele vive sob perseguição política desde que começou uma série de reportagens-denúncia contra poderosos empresários de seu estado, o Pará, e também está sendo sufocado com uma série praticamente ininterrupta de processos judiciais.

Esse tipo de situação tem se multiplicado nos últimos anos e um dos mais emblemáticos está sendo protagonizado pelo polêmico senador e ex-presidente José Sarney, homem público dos mais ciosos de sua vida privada. Nosso nobre senador moveu uma ação por danos morais contra a jornalista Alcinéia Cavalcante, do Amapá, por conta de uma enquete em seu blog pessoal, onde perguntava quais seriam os políticos mais corruptos do estado. Como é costume, vários políticos foram citados pelos internautas, mas José Sarney não gostou e processou a jornalista. No total, Alcinéia responde a 20 processos movidos pelo senador reclamando altas quantias a título de reparação por danos morais. Como ela não tem como se defender de tantos processos, pois vive com salário de professora aposentada, acabou condenada a pagar mais de R$ 2 milhões ao parlamentar.

Dois casos emblemáticos que criam um precedente para inibir o ânimo crítico não só dos jornalistas, mas de todos os cidadãos. Ao mesmo tempo em que resulta na prática da auto-censura psicológica, mesmo diante da firme defesa da liberdade de expressão empreendida pelo ex-ministro Ayres Britto ao julgar o fim da Lei de Imprensa no STF três anos atrás. O ex-ministro lembrou na época o inciso I do artigo 220 da Constituição Federal: “Nenhuma lei conterá dispositivo que possa constituir embaraço à plena liberdade de informação jornalística em qualquer veículo de comunicação social”. E completou: “A existência do abuso não pode coibir o uso”.

Esse novo modo de sufocar a liberdade de expressão, que já ganhou até apelido de censura judiciária, contraria princípios constitucionais e permite que qualquer um que tenha posição, autoridade e meios financeiros pode simplesmente se valer do pouco entendimento de parte do poder Judiciário para “calar a boca” de quem está lhe incomodando.

Nada mais perigoso para a cidadania, a vida republicana e a democracia.



SOBRE O AUTOR


Jorge Maranhão

* Jorge Maranhão é publicitário, consultor e escritor. Atualmente dirige o Instituto de Cultura de Cidadania A Voz do Cidadão, além de produzir e apresentar boletins semanais sobre cidadania nas rádios Globo e CBN. E-mail: jorge@avozdocidadao.com.br.

terça-feira, 28 de maio de 2013

UMA REFERÊNCIA DE LIBERDADE

ZERO HORA 28 de maio de 2013 | N° 17446

EDITORIAIS


Ultrapassa os limites do ambiente da comunicação e da imprensa o acervo deixado pelo empresário Roberto Civita. Mais do que um grupo editorial, o presidente do Conselho de Administração da Editora Abril construiu no Brasil um conceito de jornalismo crítico e independente, expressado pelas múltiplas publicações que ajudou a criar e a gerir. Com a sua morte, o país herda também sua referência na luta permanente pela liberdade de expressão e pela defesa intransigente da democracia. Civita construiu, inicialmente ao lado do pai e depois como sucessor, no comando da empresa, histórias de sucesso no mercado de revistas, com publicações marcadas pelo pioneirismo, que inovaram, atenderam demandas de públicos amplos e tiveram o mérito de interpretar a realidade brasileira.

Durante sua gestão, os veículos da Abril reafirmaram a missão de vigiar o comportamento de ocupantes de cargos públicos, consolidando assim uma das características da editora desde sua criação. Foi com essa determinação que o grupo cumpriu papel importante na moralização das instituições, com contribuições decisivas à identificação e ao esclarecimento de desmandos. Sob o comando de Roberto Civita, as publicações da Abril ofereceram, no exercício do jornalismo investigativo, subsídios importantes para que a população tomasse conhecimento de fatos como os que determinaram a queda de Fernando Collor de Mello da Presidência, em 1992, e o afastamento e posterior julgamento de políticos envolvidos com o mensalão, a partir de 2005.

Civita foi um empreendedor, cujas iniciativas serviram de modelo a outras empresas, por saber conciliar publicações dedicadas ao jornalismo e ao entretenimento, sempre com a prevalência da qualidade e da liberdade editorial. O criador de Veja também nos deixa como patrimônio a preocupação com a educação, presente na linha editorial das revistas e em sua conduta como cidadão.


2º Fórum Democracia & Liberdade.


segunda-feira, 27 de maio de 2013

INQUIETA AUMENTO DOS CASOS DE INTOLERÂNCIA


O país tem de reagir com rigor contra perseguições a segmentos religiosos, agressões homofóbicas e outras demonstrações de intransigência na sociedade


EDITORIAL
O GLOBO
Atualizado:26/05/13 - 0h00


Casos de intolerância — religiosa, sexual, racial etc. — têm sido registrados no Brasil com perigosa constância. Eles conformam um inquietante alerta ao país: o fenômeno contém claros indícios de que se pode estar chocando um ovo da serpente sob a curva ascendente em que se contabilizam esses deploráveis episódios. Por conta da intransigência, um número cada vez maior de agressões verbais — por si, deploráveis — a dessemelhantes dá lugar a ataques físicos, inclusive com mortes.

Não se alcançaram por aqui, ainda, níveis de perseguição comparáveis aos de países em que determinados grupos sociais, movidos por xenofobia, ódio racial ou homofobia, chegam ao ponto de se organizarem para promover violentas demonstrações de repúdio a imigrantes, homossexuais, adeptos de credos religiosos e outros segmentos. Mas os casos registrados em todo o território brasileiro já chegam a um ponto em que se impõem ações de punição exemplar, para evitar um descontrole de consequências trágicas.

No Rio, adeptos de religiões de matriz africana (umbanda, candomblé) têm sido vítimas constantes dessas manifestações de incivilidade. Relatório do Centro de Promoção da Liberdade Religiosa e Direitos Humanos (Ceplir) concluiu que, desde janeiro, o candomblé foi o segmento religioso mais vulnerável à perseguição, em boa parte movida por seguidores de outros credos. O fenômeno é corroborado no Mapeamento das Casas de Religiões de Matriz Africana do Estado do Rio, feito pelo Núcleo Interdisciplinar de Reflexão e Memória Afrodescendente, da PUC-Rio: segundo o documento, uma pesquisa com 847 centros de umbanda e candomblé concluiu que metade deles relatou episódios de intolerância religiosa. São agressões que chegam a pôr em risco a integridade dos fiéis — como em 2009, quando um homem quebrou com uma marreta o altar e peças de adoração de um centro em Caxias, ou em 2008, quando jovens invadiram e depredaram um templo no Catete.

São manifestações de irracionalidade tanto mais condenáveis numa cidade em que a visita do Papa Francisco a transformará, por alguns dias, em capital mundial da fé e da tolerância. E, de maneira geral, porque atentam contra direitos individuais, como a liberdade de escolha consagrada na Constituição. No mesmo caso, se incluem as perseguições homofóbicas, com censuráveis aumentos de registros. Em São Paulo, chocaram o país imagens de jovens agredindo um grupo de homossexuais na rua; em São Gonçalo, a homofobia estava na raiz do atropelamento intencional (com morte) de um rapaz.

Os exemplos se sucedem. Causam apreensão, mas esse tipo de resposta não basta. O país tem o dever de reagir, moralmente e com o emprego de leis rigorosas, contra a intolerância de qualquer tipo. A cria do ovo não pode vingar.

sexta-feira, 24 de maio de 2013

AGRESSÃO AO PACTO FEDERATIVO


ZERO HORA 24 de maio de 2013 | N° 17442. ARTIGOS

Marcelo Bertoluci*


O engessamento dos Estados, diante das enormes e impagáveis dívidas com a União, mobilizou, no dia 15 de maio, na sede do Conselho Federal da OAB, em Brasília, mais de 120 entidades da sociedade civil organizada. A força do ato ficou demonstrada na participação de representantes da advocacia, da magistratura, do Ministério Público, dos poderes Judiciário, Legislativo e Executivo e associações de classes.

Mais uma vez, ficou evidenciado que esse não é um problema do Rio Grande do Sul, mas, sim, da maioria dos Estados da República Federativa do Brasil. Aliás, o nome oficial da nação não vem fazendo jus ao que acontece na realidade. Existe, há tempos, uma verdadeira agressão ao pacto federativo, uma vez que a transferência de receitas entre as 27 unidades da federação e os mais de 5 mil municípios não é igualitária e, muito menos, proporcional. Segundo o orçamento da União executado em 2012, apenas 10,21% das despesas totais foram repartidas entre os entes federados.

A dívida gaúcha foi refinanciada em 1998, a partir do empréstimo de R$ 10 bilhões ao Estado. Nesse período, o passivo foi sendo quitado, mas ainda assim aumentou de forma incontrolável, tanto que, em 2011, mesmo com R$ 15 bilhões em pagamentos, o saldo devedor já ultrapassava os R$ 40 bilhões. O principal motivo para esse crescimento assustador foram os indexadores adotados pela União, baseados em índices de correção monetária completamente fora da realidade do cenário financeiro atual e que retiram aproximadamente 13% do orçamento dos Estados. Nossa preocupação resultou no ajuizamento, pela OAB/RS, em novembro de 2012, da Ação Civil Originária nº 2.059, no STF, para a renegociação da dívida contraída pelo RS junto à União.

E o que o cidadão tem a ver com esse problema? Saúde, educação, segurança, acesso pleno à Justiça e pagamento de precatórios são apenas alguns dos direitos fundamentais da sociedade e que não são cumpridos na sua integralidade devido a essa dívida.

Por consequência, o maior prejudicado continua sendo o cidadão brasileiro, que, individualmente em 2013, já pagou quase R$ 2,7 mil em tributos, totalizando nacionalmente mais de R$ 514 bilhões, segundo o “impostômetro” de São Paulo. Por sua vez, o retorno desses impostos segue sendo o pior entre 30 países, conforme o Instituto Brasileiro de Planejamento Tributário.

Buscando modificar essa absurda realidade, aprovamos no ato da dívida pública, em Brasília, o Manifesto pela Revisão da Dívida dos Estados e Municípios, que propõe recalcular os passivos do Estado com a União, levando em consideração três fatores fundamentais: retroativamente à data da assinatura dos contratos dos valores devidos à União, limitados ao IPCA e sem a cobrança de juros; aplicar sobre os passivos remanescentes o IPCA e sem os juros; e limitar a 6% o comprometimento da receita líquida real para o pagamento das prestações futuras.

*PRESIDENTE DA OAB/RS