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domingo, 21 de setembro de 2014

A TIRANIA DAS LENDAS



ZH 21 de setembro de 2014 | N° 17929


MOISÉS MENDES*



Tem mais elementos de comédia do que de epopeia a performance de parte da torcida do Grêmio, que gritava o Hino Rio-Grandense enquanto era tocado o Hino Nacional antes do jogo com o Santos, na quinta-feira.

Foi uma manifestação juvenil, mas com adolescentes de todas as idades, alguns já meio velhuscos. O que o Brasil deve pensar dessa bazófia, que já aconteceu no Beira-Rio?

O historiador Moacyr Flores conta que na campanha republicana, nos anos 70 do século 19, os estudantes desfilavam pelas ruas de Porto Alegre cantando o Hino Rio-Grandense e a Marselhesa.

A Revolução Farroupilha começava a ser mitificada e comparada à Revolução Francesa. Quase um século e meio depois, parte da Geral do Grêmio canta o hino gaúcho sobre a música do Hino Nacional.

Regredimos ao primitivismo do período revolucionário iniciado em 35, que ainda mobiliza tanta gente na Semana Farroupilha. Imagino o rebuliço se alguém subisse numa carreta, no centro do Acampamento Farroupilha, em Porto Alegre, e gritasse: não é bem isso que vocês estão pensando.

Alguém com a sabedoria de um Moacyr Flores. Que chamasse os interessados para uma roda e falasse da revolução. Que dissesse que os líderes farroupilhas não eram, na origem, separatistas – mas foram, por oportunismo, convencidos de que essa seria uma boa ideia.

Seria formada uma roda de fogo para explicar que a corrente farroupilha, dentro do movimento, nem foi liderada por um gaúcho. O líder era um mineiro. E que a maioria dos gaúchos não aderiu à revolta.

E assim avançaria a conversa. Você pensa que a motivação do levante foi a tributação do charque? Mas os chefes da rebelião contrabandeavam charque para o Uruguai. E, se o imposto incomodava, por que, instalada a República Rio-Grandense, o que aconteceu foi o aumento do imposto sobre o charque?

O povo iria se achegando no Acampamento, e a prosa se alastraria. A expressão farroupilha não tem nenhuma conexão com guerrilheiros esfarrapados. Moacyr Flores diria: no início do século 19, já existia o Partido Farroupilha do Rio de Janeiro. O significado de farrapo ou farroupilha é revolucionário federalista.

Quem quiser saber mais dos rebeldes de 35 pode ler A Paz dos Farrapos, publicado há 10 anos pela Já Editores, com organização do jornalista Elmar Bones. O livro contribui para a compreensão da construção da mitologia dos farroupilhas, amplificada pelo tradicionalismo.

Foi assim que se fortaleceu a ideia de que somos um modelo a toda a Terra, na valentia, no discurso e na dança do pezinho. Com todas as contradições possíveis, entre as quais esse acampamento gigante na Capital que pôs a correr os farroupilhas.

Flores acredita que as ideias que mobilizaram os farroupilhas – descentralização do poder, fortalecimento do parlamento e, enfim, dos princípios republicanos – são melhores do que isso tudo que ficou da lenda. As lendas são a parte reconfortante da História que nos constrange e nos perseguirá para sempre.

A mesma conversa do historiador com o pessoal do Acampamento poderia se repetir na saída de um jogo do Grêmio. Os torcedores que se impuseram na gritaria, para que o hino gaúcho abafasse o brasileiro, iriam sentar-se com Flores no chão do Largo Glênio Reis.

Teriam a chance de dizer a um mestre da nossa História por que cometeram a grosseria dos hinos sobrepostos. Estão insatisfeitos com o Brasil? Sentem-se inseguros?

Quem são esses gaúchos que acham que somos uma gente superior? Acreditam que um dia pegaremos de novo em armas? Contra quem? Contra o goleiro Aranha?

Coitado do Bento Gonçalves. Quem imaginaria que, em nome da memória dos farrapos, os que se acham os verdadeiros gaúchos seriam tão grotescos?



*JORNALISTA


COMENTÁRIO DO BENGOCHEA - Admiro muito o jornalista Moisés Mendes, mas neste artigo ele faz uma comparação lamentável entre a epopeia farroupilha com os hooligans do futebol que cometem atos racistas e homofóbicos, vandalismo, agressões e mortes de torcedores rivais. Os farrapos nunca se consideram superior, nem a grande maioria dos gaúchos se considera superior. Ocorre que o nacionalismo é um sentimento forte de gauchismo, demonstração de amor à terra e reconhecimento das façanhas dos farrapos que, por 10 anos, enfrentaram o maior império da América latina. O fato é que a permissividade das leis, a morosidade de uma justiça assistemática e a condescendência das autoridades, vem estimulando o desrespeito aos símbolos nacionais e a banalização e a impunidade do holiganismo por todo o Brasil, com Estados registrando muito mais violência e crimes contra a vida do que o RS.

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