ZERO HORA 13 de outubro de 2013 | N° 17582
MOISÉS MENDES*
O psicanalista Contardo Calligaris escreveu na Folha de S.Paulo um comovente artigo sobre meninos que cobram dos pais o direito de serem reconhecidos como meninas e vice-versa. Eles e elas querem trocar de nome e ter o direito de frequentar o banheiro que entendem ser o do seu sexo.
Mas não são adolescentes, são crianças. É a busca cada vez mais precoce dos lastros da construção de uma identidade. Põem pais, professores, a ciência e a ética contra a parede. São vozes que até bem pouco só sabiam pedir mimo e brinquedos. Ouvi-los é também correr o risco de ser engambelado pelas fantasias infantis.
E tudo pode ser ainda mais complexo. O próprio Calligaris acredita que há espaço para um terceiro e um quarto gêneros. Nos Estados Unidos, verifica-se um fenômeno mais surpreendente. Stephen Ira Beatty é um dos seus propagadores.
Stephen nasceu menina e até os 14 anos chamou-se Kathlyn Elizabeth Beatty. Foi quando decidiu que, na necessidade de uma definição, preferia ser menino. Só que Stephen acha que o mundo, como suspeita Calligaris, não cabe em dois gêneros. O fenômeno social que ele representa é o dos defensores do agênero, que rejeitam enquadramentos.
Stephen é filho do ator Warren Beatty e da atriz Anette Bening. Warren Beatty ganhou fama como um dos garanhões do cinema e já confessou ter transado com mais de 12 mil mulheres. Tudo o que o filho faz é inverter, pela desconstrução das caricaturas de gênero, o que o pai sempre procurou propagandear. Importa que cada um decida o que quer ser e se pretende explicitar sua escolha.
Vim com esse assunto até aqui para chegar a outra questão que envolve escolha e identidade. É o caso do estudante João Victor Gasparino, de Santa Catarina, que virou fenômeno na internet porque se negou a realizar um trabalho sobre Marx na universidade.
Gasparino também fez uma troca, era de esquerda e virou de direita. Num mundo em que muita gente enquadra facilmente o amigo, o vizinho, o colega, mas prefere omitir suas convicções ou referências políticas e ideológicas, há no gesto um ato de coragem. Militantes assumidos de direita são raridade. E temos poucos reacionários glamourosos.
Pode-se dizer que todos os grandes pensadores brasileiros do século 20 navegaram em algum momento pelas ideias de Marx. Fernando Henrique Cardoso, o mais importante intelectual brasileiro vivo, é um deles. Negar-se a estudar Marx por ser de direita equivale a aceitar que um estudante celibatário se negue a estudar Freud por se sentir ofendido pela teoria da pulsão sexual.
Isso não quer dizer que o rapaz deva gostar de estudar Marx, assim como não se gostava, na ditadura, de estudar as bobagens de Moral e Cívica e de Organização Social e Política do Brasil. Mas que se aplauda seu desprendimento, num mundo em que alguns ainda escondem a cara para não serem reconhecidos como anarquistas, fascistas ou nazistas.
E você aí, acha relevante dizer o que é? Eu confesso a Gasparino que nunca li Marx direto no Capital. Só li o Manifesto Comunista, textos sueltos e coisas de segunda mão, pelo escrito dos outros. Na juventude, no Alegrete, quando deveria estar lendo Marx, eu lia e recitava Meu Pé de Laranja Lima e O Pequeno Príncipe. Deu no que deu.
*JORNALISTA
MOISÉS MENDES*
O psicanalista Contardo Calligaris escreveu na Folha de S.Paulo um comovente artigo sobre meninos que cobram dos pais o direito de serem reconhecidos como meninas e vice-versa. Eles e elas querem trocar de nome e ter o direito de frequentar o banheiro que entendem ser o do seu sexo.
Mas não são adolescentes, são crianças. É a busca cada vez mais precoce dos lastros da construção de uma identidade. Põem pais, professores, a ciência e a ética contra a parede. São vozes que até bem pouco só sabiam pedir mimo e brinquedos. Ouvi-los é também correr o risco de ser engambelado pelas fantasias infantis.
E tudo pode ser ainda mais complexo. O próprio Calligaris acredita que há espaço para um terceiro e um quarto gêneros. Nos Estados Unidos, verifica-se um fenômeno mais surpreendente. Stephen Ira Beatty é um dos seus propagadores.
Stephen nasceu menina e até os 14 anos chamou-se Kathlyn Elizabeth Beatty. Foi quando decidiu que, na necessidade de uma definição, preferia ser menino. Só que Stephen acha que o mundo, como suspeita Calligaris, não cabe em dois gêneros. O fenômeno social que ele representa é o dos defensores do agênero, que rejeitam enquadramentos.
Stephen é filho do ator Warren Beatty e da atriz Anette Bening. Warren Beatty ganhou fama como um dos garanhões do cinema e já confessou ter transado com mais de 12 mil mulheres. Tudo o que o filho faz é inverter, pela desconstrução das caricaturas de gênero, o que o pai sempre procurou propagandear. Importa que cada um decida o que quer ser e se pretende explicitar sua escolha.
Vim com esse assunto até aqui para chegar a outra questão que envolve escolha e identidade. É o caso do estudante João Victor Gasparino, de Santa Catarina, que virou fenômeno na internet porque se negou a realizar um trabalho sobre Marx na universidade.
Gasparino também fez uma troca, era de esquerda e virou de direita. Num mundo em que muita gente enquadra facilmente o amigo, o vizinho, o colega, mas prefere omitir suas convicções ou referências políticas e ideológicas, há no gesto um ato de coragem. Militantes assumidos de direita são raridade. E temos poucos reacionários glamourosos.
Pode-se dizer que todos os grandes pensadores brasileiros do século 20 navegaram em algum momento pelas ideias de Marx. Fernando Henrique Cardoso, o mais importante intelectual brasileiro vivo, é um deles. Negar-se a estudar Marx por ser de direita equivale a aceitar que um estudante celibatário se negue a estudar Freud por se sentir ofendido pela teoria da pulsão sexual.
Isso não quer dizer que o rapaz deva gostar de estudar Marx, assim como não se gostava, na ditadura, de estudar as bobagens de Moral e Cívica e de Organização Social e Política do Brasil. Mas que se aplauda seu desprendimento, num mundo em que alguns ainda escondem a cara para não serem reconhecidos como anarquistas, fascistas ou nazistas.
E você aí, acha relevante dizer o que é? Eu confesso a Gasparino que nunca li Marx direto no Capital. Só li o Manifesto Comunista, textos sueltos e coisas de segunda mão, pelo escrito dos outros. Na juventude, no Alegrete, quando deveria estar lendo Marx, eu lia e recitava Meu Pé de Laranja Lima e O Pequeno Príncipe. Deu no que deu.
*JORNALISTA
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