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quinta-feira, 8 de janeiro de 2015

TIROS CONTRA A LIBERDADE


 
ZERO HORA 08 de janeiro de 2015 | N° 18036


MUNDO TERRORISMO EM PARIS


NO MAIS MORTÍFERO ataque desde 1961 na França, encapuzados armados de fuzis abrem fogo na redação da revista humorística Charlie Hebdo, na capital francesa, em atentado que deixa pelo menos 12 vítimas fatais



Terroristas invadiram ontem a sede do jornal satírico francês Charlie Hebdo e mataram a tiros 12 pessoas. Os cartunistas mais influentes da França foram o alvo do maior atentado no país nos últimos 50 anos. O ataque foi planejado e executado por pelo menos três pessoas. Durante a madrugada, a polícia francesa divulgou fotos dos irmãos Chérif Kouachi, 32 anos, e Said Kouachi, de 34, suspeitos de terem cometido o ataque. Hamyd Mourad, 18 anos, se entregou à polícia de Charleville-Mézières, próximo a Bélgica, segundo a agência de notícias AFP. Todos são franco-argelinos.

Entre as vítimas do atentado estão Stéphane Charbonnier, o Charb, diretor da publicação, e os cartunistas Jean Cabut, o Cabu, Georges Wolinski e Bernard Verlhac, o Tignous. Nascido na Tunísia em 1934, Wolinski era um dos mais respeitados cartunistas do mundo (confira relação das vítimas na página ao lado).

Armados com fuzis Kalashnikov e encapuzados, dois homens mascarados entraram no prédio da redação. Foram para o segundo andar, onde era realizada a reunião de pauta da publicação. O advogado do semanário, Richard Malka, disse que os terroristas separaram as mulheres e pediram para os homens se identificarem e, só então, começaram a atirar à queima-roupa, indicando que os alvos já estavam previamente escolhidos.

Os assassinos mataram ainda policiais que protegiam o prédio. Ferido, Ahmed Merabet agonizava na calçada quando um dos terroristas voltou e disparou em sua cabeça. Um vídeo feito por vizinhos flagrou o assassinato. Em seguida, os dois homens entraram em um Citroën C3 onde o terceiro terrorista aguardava. Antes de entrarem, um deles gritou: “Allah Akbar” (Deus é Grande) e “O profeta está vingado. Charlie Hebdo está morto”.

O jornal já tinha sofrido ataques por publicar caricaturas de líderes muçulmanos e do profeta Maomé. Em 2011, a redação foi alvo de incêndio criminoso.

Manifestações em solidariedade às famílias das vítimas teriam reunindo mais de 100 mil pessoas na França. Líderes de diversos países repudiaram o atentado.


OS SUSPEITOS
Chérif Kouachi
Said Kouachi



PERPLEXIDADE

MARIA CLARA MACHADO | Especial/Paris

O parisiense que estava pronto para aproveitar a abertura das liquidações de inverno, iniciadas ontem, voltou para casa de sacolas vazias. No apagar das luzes de um dia cinzento e frio, havia poucas pessoas nas ruas, nos ônibus e nas estações de metrô, após os atentados que vitimaram 12 pessoas no final da manhã na capital francesa.

Apesar da temperatura de cerca de 3ºC, muitos evitaram aglomerações e trocaram ônibus e metrô pelo velib, o sistema público de transporte por bicicleta, como evidenciavam as estações vazias, ou foram para casa a pé.

Nas estações, além dos raros passageiros no horário de pico, circulava um silêncio desolador, só entrecortado por sirenes de polícia e ambulâncias. Os habitantes que costumam ler livros no trajeto preferiram acompanhar as notícias pelo celular. Com lojas e vagões vazios, poucos se aventuram a desbravar as ruas sombrias da Cidade Luz. Nas portas de bibliotecas e museus, houve revista rigorosa de bolsas e mochilas.

Damien Maitre, 34 anos, descreveu o clima como de “muita tristeza”. O barman, que trabalha no mesmo bairro, o 11º distrito parisiense, onde ocorreu o ataque ao satírico Charlie Hebdo, classificou o atentado como “estúpido”.

– Não consigo entender. Pensamos que isso só acontecesse longe. É chocante – disse Maitre.

O sentimento de muitos parisienses é de perplexidade e tristeza. Para Jean Sebastian Barrais, 36 anos, diretor artístico, “mais que pessoas, os valores de liberdade de expressão foram atacados”.

– Não criticavam uma religião, denunciavam o que achavam que devia ser denunciado, riam e não tinham medo de rir – disse, referindo-se, em especial, aos cartunistas Charb, Cabu, Wolinski e Tignous.

A estudante brasileira de mestrado Paula Cândido, 34 anos, há oito na França, acredita que o atentado pode acirrar uma agressividade latente na sociedade parisiense.

– Os esclarecidos sabem que são fatos isolados, mas a direita pode usar isso para acirrar tensões – explicou, temendo que preconceituosos reforcem argumentos racistas.

Já o sentimento da turista brasileira Julia Shilichting é de insegurança:

– Uma cidade desse tamanho não dá conta das ameaças terroristas.

Ela passeava com o marido e os filhos pequenos. Soube do atentado e resolveu passar as férias em casa.



Vitrine do humor nasceu nos anos 60


MARCELO RECH


Minutos depois do atentado de ontem, a última edição da revista Charlie Hebdo havia se esgotado nas bancas da França. Na capa, havia uma caricatura do escritor francês Michel Houllebecq, autor do polêmico livro Soumission (Submissão, inédito em português), também publicado ontem. O romance é ambientado numa hipotética França islamizada em 2022. “Submissão” é o significado literal da palavra árabe Islã.

Fundado em 1969, na esteira das manifestações do Maio de 1968, Charlie Hebdo era considerada a versão francesa do Pasquim brasileiro, da Humor argentina ou da El Jueves espanhola. Sucedia a um semanário igualmente polêmico, Hara Kiri, fundado pelos humoristas Cavanna – que morreu no ano passado – e Georges Bennier. O semanário nasceu anticlerical – postura quase tradicional da opinião pública republicana francesa – e antiburguesa, mas seu humor costumava ser particularmente implacável com os poderosos de todos os matizes.

Em 1970, misturando o drama em uma discoteca na qual morreram 146 pessoas com a morte do ex-presidente Charles De Gaulle em seu retiro, a revista trouxe a manchete “Baile trágico em Colombey: um morto”. O governo gaullista de Georges Pompidou proibiu imediatamente a revista.

UMA REFERÊNCIA A CHARLIE BROWN

A redação se reinventou, então, sob a identidade de Charlie Heb- do. O nome era uma referência ao personagem Charlie Brown, de Charles Schulz, muito popular na França na época.

Em sua longa história, a publicação colecionou processos por difamação: da Igreja, de empresários, de ministros e de famosos. Em 1981 – sintomaticamente, o ano em que o socialista François Mitterrand chegou à presidência –, uma combinação de problemas financeiros e perda de leitores interrompeu sua circulação.

A Charlie Hebdo ressurgiu em 1992, abrigando os melhores talentos do traço francês – entre eles, Georges Wolinski e Cabu, mortos no atentado de ontem. Continuou provocativa: em 2006, reproduziu as caricaturas do profeta Maomé publicadas pela imprensa dinamarquesa.









Mortos falam mais alto do que nunca


O absurdo ataque ao semanário satírico Charlie Hebdo acerta em cheio três outros alvos. O primeiro é a liberdade de expressão, uma conquista da sociedade civilizada que vem sendo gradativamente pisoteada, das repúblicas bolivarianas da América do Sul a leis cada vez mais restritivas em países europeus, como Portugal, Hungria e Reino Unido.

O atentado fere o direito à opinião em todo o mundo, mesmo o daqueles que rejeitam ou ignoram as charges profanas do Charlie Hebdo. Além disso, com a temperatura do sectarismo subindo constantemente no forno nas redes sociais, quem perpetra um atentado do gênero contará pelo menos com bolsões de apoio, realimentando as ameaças: sempre haverá fanáticos religiosos e políticos que escolherão a violência contra o mensageiro como argumento.

O segundo alvo é a tolerância, e não apenas contra quem emite opiniões contrárias. Confirmada a identidade islâmica dos atacantes, pode-se prever um reforço na onda xenófoba na Europa, particularmente contra os muçulmanos. Nas últimas semanas, por exemplo, passeatas contra uma suposta ameaça de islamização vêm enchendo ruas de cidades alemãs. Agora, os terroristas robustecem o preconceito, a desconfiança e o ódio – um tiro na testa dos milhões de muçulmanos pacíficos que constroem suas vidas no Ocidente.

O terceiro alvo são os próprios dogmas e respeito a religiões de diferentes matizes. Toda censura ou ato de violência contra quem manifesta opinião só amplia o interesse e a curiosidade sobre aqueles e aquilo que se tenta calar. Até ontem, 99% do planeta nunca tinha ouvido falar do Charlie Hebdo e de suas charges francamente profanas sobre muçulmanos, judeus e cristãos. Com a informação instantânea e globalizada, depois do ataque as charges passaram a circular em velocidade meteórica pela internet. Ou seja, os terroristas ampliaram dramaticamente a opinião de quem supunham silenciar. Os mortos, mártires da liberdade de opinião, falam neste momento mais alto do que nunca.



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