ZERO HORA 12 de dezembro de 2012 | N° 17281. ARTIGOS
DEBATE: Independência dos poderes
Paulo Torelly*
O princípio fundamental de qualquer juízo consiste em determinar qual das partes tem razão e qual se equivocou em um conflito com base no direito posto pelo legislador democrático. A jurisdição é o reflexo de um processo muito mais teórico do que um ato de vontade. Julgar não pode ser o mero resultado de desejos ou decisões emitidas por grupos de poder. Nem mesmo o “clamor popular” pode suprimir o direito de qualquer segmento social. A jurisdição pressupõe uma decisão segundo critérios reconhecíveis previamente e que deve ser obtida sobre uma base fundamentalmente teórica. No mais, “tudo é política”.
É saudável o exercício de mutações constitucionais em face da evolução dos valores e crenças comuns à maioria, mas a ruptura do equilíbrio entre os poderes da República, “independentes e harmônicos entre si” (Constituição, art. 2º), não pode ser decorrência de um fator contingente. O constitucionalismo comporta a diversidade democrática e o sentido aberto e plurilinear da história contemporânea, mas nem mesmo o “altar da moralidade” pode arredar a soberania popular enquanto primeiro fator de legitimação do poder (Constituição, art. 1º). A positiva experiência brasileira de reinterpretação do princípio da presunção de inocência com a edição da Lei da Ficha Limpa – mesmo sendo de aplicação questionável em algumas situações – constitui um avanço que envolveu os três poderes da República em sintonia com a prudência e a sabedoria de toda a sociedade.
É lugar-comum que os regimes de força ignoram as regras constitucionais e ampliam os próprios poderes para restringir ou eliminar direitos. Os tribunais constituem a última esperança da sociedade, pois o ato de julgar não é uma tarefa discriminatória automática própria da regra da maioria e muito menos um ato de força. A invenção da Constituição escrita é, portanto, um marco no aparato jurídico-político da modernidade. O exercício de funções públicas se dá dentro das competências constitucionais e não deve ser meio de luta política, pois não há coerção nas relações institucionais. A reserva de competência prevista no § 2º do art. 55 da Constituição é inequívoca: “A perda do mandato será decidida pela Câmara dos Deputados ou pelo Senado Federal”.
A hegemonia de um único poder da República sobre o espaço público, tal como do poder econômico, deve sempre ser refreada. Não há democracia sem transparência e combate à corrupção em todas as dimensões e em suas duas vontades (poder econômico e burocracia), mas, no Estado de direito, devem ser observados o equilíbrio e a independência dos poderes. Os interesses políticos e econômicos não existem fora dos marcos constitucionais.
*ADVOGADO E DOUTOR PELA FACULDADE DE DIREITO DA USP
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