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domingo, 15 de junho de 2014

A POLÊMICA DO DIREITO AO ESQUECIMENTO


ZERO HORA 15 de junho de 2014 | N° 17829 ARTIGO

NELSON MATTOS*



Como comentei na minha última coluna, a revolução digital causou muitas transformações no mundo. A primeira e mais profunda transformação, e que trouxe maior benefício, é como lidamos com informação. Essa transformação corre o grande risco de regredir dadas as decisões aprovadas recentemente pelos europeus. Felizes dos brasileiros, cujo governo tomou um caminho bem mais sensato!

Os sistemas de busca da internet, como Google e Microsoft Bing, colocam toda a informação do mundo ao alcance de todos. Viramos dependentes deles e queremos que toda a informação esteja disponível em todo lugar a toda hora. O Google tornou-se a “fonte de todas as informações”, e nós nos tornamos “viciados” nele. Esperamos encontrar tudo no Google. A cada mês, 100 bilhões de consultas são feitas no Google – aproximadamente uma consulta para cada habitante do mundo um dia sim e um dia não. Nossa curiosidade é tanta e tão variada, que 15% das consultas diárias no Google são novas.

Presenciei o Google sendo usado em lugares inesperados. Vi agricultores no interior da Zâmbia verificando preços dos seus produtos para negociarem melhor com o intermediário. A simples disponibilidade dessa informação aumentou a renda de tais agricultores em 30%. Vi o mesmo na Etiópia, Nigéria e Gana. Em lugares mais remotos da África, ajudei a implementar serviços para mulheres grávidas receberem informações sobre o cuidado com seus bebês, diminuindo a mortalidade infantil.

O acesso democrático à informação aumenta o poder da população. A internet está sendo usada para expor corrupção e aumentar a transparência do governo, trazendo mudanças positivas para o mundo.

Em resumo, a internet democratizou o acesso à informação, solidificando dois direitos fundamentais: a liberdade de expressão e o direito de saber. Infelizmente, essa democratização entra em conflito com dois outros direitos importantes: a privacidade individual e o direito de ser esquecido.

Permitir que indivíduos apaguem dados que os constrangem é compreen-sível. Há boas razões para que pessoas queiram remover fotos e mensagens embaraçosas publicadas por outros em mídia social. Porém, tal remoção tem que ser implementada de forma a não eliminar a liberdade de expressão ou permitir que informações importantes sejam escondidas do público.

Numa decisão surpreendente, no mês passado, a Corte superior da União Europeia decidiu que sistemas de busca e outros serviços da internet são obrigados a aceitar pedidos para remoção de links que expõem informações as quais indivíduos alegam interferir com sua privacidade mesmo que as informações sejam em si precisas e legais. A Corte não forneceu nenhuma orientação sobre quando e como tais links devem ser retirados, abrindo as portas para solicitações que violam tanto o direito de saber quanto a liberdade de expressão.

Como esperado, a nova regulamentação europeia já está sendo mal utilizada. Nos primeiros dias após a decisão, cerca de mil europeus pediram ao Google a retirada de links, sendo que metade dos solicitantes estava envolvida em processos criminais. Os pedidos incluíam um ator buscando esconder um caso com uma menor de idade, um médico tentando eliminar comentários negativos a seu respeito e um político bloqueando o site de um livro que ele via como difamatório.

Eu acredito que a decisão europeia é errônea e ilustra a falta de conhecimento da internet e sistemas de busca por parte dos juízes. Além de permitir o abuso conforme ilustrei acima, essa decisão tem ainda dois problemas fundamentais.

Primeiro, por não fornecer qualquer regulamentação de como implementá-la, a resolução está delegando muito poder para empresas da internet (algo que a Corte não tinham intenção de fazer). Empresas como Google e outras decidirão como e quando informações devem ser retiradas. Quais os critérios que irão utilizar? Como empresas diferentes usarão critérios consistentes? Levarão em consideração a pessoa que fez o pedido? Como farão para impedir que os pedidos não sejam usados para encobrir erros do passado como pedófilos, políticos corruptos e empresários sem escrúpulos? Favorecerão partidos políticos ou a cultura americana? Tendo sido vice-presidente de Engenharia do Google na Europa por vários anos, tenho certeza de que o Google vai fazer um excelente trabalho ao tomar tais decisões. No entanto, o fato de uma empresa ter todo esse poder de decisão, e não um processo judicial, é simplesmente errado!

Segundo, esta resolução irá afetar diretamente os usuários europeus. Como essas remoções são ilegais nos Estados Unidos (onde a liberdade de expressão é um direito garantido pela Constituição) e em outros países, como o Brasil, o Google removerá os links de seus resultados somente nos países europeus. Ou seja, enquanto os links dos pedidos serão retirados dos domínios europeus como google.de na Alemanha, ainda poderão ser encontrados no site google.com americano ou no site google.com.br brasileiro. Tenho certeza de que a Corte europeia não pretendia que uma pessoa pudesse ser esquecida na Europa mas não no resto do mundo. O pior é que a remoção deixará os europeus menos informados e fará com que jornalistas ou dissidentes na Europa tenham a sua voz menos ouvida. Isso levará a diferentes níveis de qualidade de resultados de busca, dependendo de onde os usuários estiverem localizados no mundo.

Acredito que essas decisões não devem ser feitas por uma empresa, mas pelo Poder Judiciário que aplicará as leis locais para decidir quais pedidos de remoção são adequados. Este é exatamente o caminho tomado pelo governo brasileiro, evitando todos os problemas acima. O Marco Civil da Internet, sancionado em abril deste ano, garante a liberdade de expressão, a proteção da privacidade e a neutralidade da rede como princípios básicos da internet. No Brasil, o conteúdo de terceiros só poderá ser retirado por ordem judicial (exceto quando esse infrinja matéria penal como racismo, violência ou pedofilia). Realmente uma decisão muito mais sensata, que atingiu um balanço entre a liberdade de expressão e de saber e o direito a privacidade individual e de ser esquecido.

Felizes os brasileiros! Só espero que o sistema judicial funcione.


*DOUTOR EM CIÊNCIAS DA COMPUTAÇÃO, GAÚCHO, RESIDENTE NO SILICON VALLEY, CALIFÓRNIA

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