Revelamos aqui as causas e efeitos da insegurança pública e jurídica no Brasil, propondo uma ampla mobilização na defesa da liberdade, democracia, federalismo, moralidade, probidade, civismo, cidadania e supremacia do interesse público, exigindo uma Constituição enxuta; Leis rigorosas; Segurança jurídica e judiciária; Justiça coativa; Reforma política, Zelo do erário; Execução penal digna; Poderes harmônicos e comprometidos; e Sistema de Justiça Criminal eficiente na preservação da Ordem Pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio.

domingo, 15 de junho de 2014

LIDERANÇA, AUTORIDADE E PODER



REVISTA DE PSICOLOGIA. VOLUME II / NÚMERO 2 (Julho-Dezembro 2011)


LIDERANÇA E ORGANIZAÇÕES

LEADERSHIP AND ORGANIZATIONS

José Henrique de Faria1 
 Francis Kanashiro Meneghetti2

RESUMO

A liderança pode ser considerada um papel social que deve ser desempenhado tendo como suporte alguns princípios básicos. A liderança que procura seguir estes princípios desencadeia o potencial humano individual de integrante de um coletivo. Do líder dependem muitas pessoas, que depositam nele suas esperanças para melhorar suas condições de trabalho e realizar seus objetivos individuais. O líder tem como atributo a tarefa de proteção dos seus subordinados quanto às más condições de trabalho, às arbitrariedades na atribuição de tarefas e aos riscos ligados aos trabalhos, independentemente se estas situações causem impactos negativos na eficiência do trabalho. Assim, a qualidade de trabalho e, em parte, a qualidade de vida, são atribuições do líder. Neste sentido é que a liderança deve ser concebida como condição, atributo ou capacidade de um sujeito individual ou coletivo de mobilização de outros sujeitos ou indivíduos devido à sua ação diante de situações de sofrimento, indecisão ou preenchimento de desejos e necessidades por parte dos liderados.

Palavras-chave: Liderança, Autoridade, Poder, Ética, Grupos, Democracia


ABSTRACT

Leadership can be considered a social role to be played with and support some basic principles. The leadership that seeks to follow these principles unleashes the human potential of individual member of a collective. Many people depend on the leader, who put their hopes in him to improve their working conditions and achieve their individual goals. The leader has as attribute the task of protecting his subordinates about the poor working conditions, the arbitrariness in the allocation of tasks and risks related to work, regardless of whether these conditions cause negative impacts on the efficiency of work. Thus, the quality of work and, in part, the quality of life, are functions of the leader. In this sense is that leadership must be conceived as a condition attribute or ability of a subject individual or collective mobilization of other subjects or individuals due to its action in situations of suffering, indecision or filling of wants and needs on the part of subordinates.

Keywords: Leadership, Authority, Power, Ethics, Groups, Democracy


1 Professor Titular da UFPR, Programa de Pós-Graduação em Educação (Mestrado e Doutorado). Professor Titular do Programa de Mestrado Interdisciplinar em Organizações e Desenvolvimento da FAE. Brasil. jhfaria@gmail.com

2 Professor Titular do Programa de Mestrado e Doutorado em Administração da Universidade Positivo. Brasil.



2. LIDERANÇA, AUTORIDADE E PODER


2.1. Liderança e Autoridade

Para Weber (1992), a relação entre a ordem e o comando (autoridade) que se estabelecem entre os indivíduos é dividida em três itens: a tradição, o carisma e a burocracia.

a. A autoridade tradicional é quando uma pessoa ou grupo social obedece a um outro porque tal obediência é proveniente do hábito herdado das gerações anteriores. A tradição é extrínseca ao líder. A autoridade tradicional não anula a presença de outras, tais como as habilidades pessoais;

b. A autoridade carismática é proveniente das características pessoais dos indivíduos. Sua base de legitimação é a devoção dos seguidores à imagem dos grandes líderes religiosos, sociais ou políticos. Portanto, a idéia de carisma está associada às qualidades pessoais e à posição organizacional ou às tradições. O carisma é, em muitos casos, a base explicativa de autoridades informais nas organizações;

c. A autoridade racional-legal ou burocrática é a principal base da autoridade no mundo contemporâneo. Apesar das modernas organizações formais (Estado, organizações públicas e privadas, etc.) procurarem tratar a liderança como um atributo de cargos específicos, que deve ser legitimamente aceita pelos indivíduos, a hierarquia em uma organização tem como um dos objetivos emprestar aos ocupantes dos cargos o direito de tomar decisões e de se fazer obedecido, dentro de uma divisão pré-estabelecida e aceita de antemão. A autoridade burocrática, desta forma, é extrínseca à figura do líder. Ela é de caráter temporário e pertence ao cargo da pessoa que ocupa. A autoridade formal legitima o uso da “força”. A necessidade de manter a ordem e estabilidade depende da delegação da autoridade burocrática.

Outras duas formas de autoridade são identificadas nos estudos organizacionais: a autoridade pelas relações pessoais e pela competência técnica. A autoridade pela relação pessoal é aquela atribuída às relações que se estabelecem entre os indivíduos. Estas relações são de caráter pessoal e estão relacionadas com os vínculos sociais – amizade, relacionamento com pessoas importantes, etc. A autoridade por competência técnica está relacionada com a influência no comportamento alheio através da superioridade do líder no plano do conhecimento. Os seguidores se deixam influenciar por acreditarem que seus líderes possuem competências e conhecimentos superiores aos seus. Uma forma não exclui as outra.

Para Kernberg (2000, p.84), que concorda com as formas acima identificadas, a liderança refere-se ao reconhecimento que os liderados creditam ao líder na execução das suas tarefas. A liderança, aliada à autoridade geral, é um importante fator para o cumprimento dos objetivos estabelecidos. No entanto, ambas necessitam de outras fontes de autoridade, tais como o conhecimento técnico do líder, suas habilidades humanas, sua personalidade. As delegações de autoridade inadequadas ou excessivas são problemas freqüentes e isto se deve, em parte, ao processo de racionalização que ocorre nas organizações. A estrutura organizacional, cada vez mais dominada pela burocratização e pela supremacia do uso da técnica, faz com que nem sempre as delegações de autoridade sejam respaldadas por aqueles que recebem o novo líder.

A perda da autoridade – no sentido restrito da palavra – reduz a clareza das tarefas a serem executadas. Isto implica não só na perda do controle do líder em relação aos seus liderados, como também na redução da credibilidade frente aos seus superiores. Esta condição provoca uma desconfiança geral na sua capacidade de manutenção e coesão dos grupos (subordinados e superiores) quanto a sua capacidade de atingir os objetivos. A autoridade, portanto, não passa, nesse sentido, de uma habilidade específica, de forma que ser um líder torna-se um objetivo como outro qualquer. Seu caráter instrumental é reforçado pelas propostas dos gerencialistas, que vêem a liderança como mais uma técnica para ser aprendida.

A tentativa de utilizar a teoria weberiana da autoridade, neste tipo de abordagem, acaba por simplificar o problema da liderança, caindo na insensatez de supor que as três formas da autoridade (tradicional, carismática e burocrática) possam condicionar todas as explicações possíveis para as abordagens conceituais da liderança. A teoria da autoridade de Weber jamais teve esta finalidade de ser uma teoria da liderança e só consegue ser utilizada como tal por preencher as três dimensões básicas das relações sociais: a dimensão pessoal (representada pela autoridade carismática), a relação social (representada pela autoridade tradicional) e a relação estrutural (representada pela relação racional-legal ou burocrática). Estas dimensões enquadram praticamente todas as possibilidades que podem ocorrer nas relações sociais. Portanto, elas não devem ser confundidas com as reais “forças” que guiam as ações da liderança, mas como bases das relações de poder (Faria, 2001). Os conceitos de liderança analisados neste trabalho, como pode ser percebido, foram constantemente associados aos estudos da autoridade, o que tem gerado certa confusão entre os termos.

2.2. LIDERANÇA E PODER

A liderança, assim como o poder, só pode ser percebida nas suas manifestações. Entretanto, o conceito de liderança não deve ser confundido com o conceito de poder. Ambos se relacionam7 por partirem da mesma fonte, a legitimidade no âmbito coletivo, mas não possuem conotações semelhantes. Sendo a autoridade uma das bases do poder, reduzir o conceito de liderança a uma manifestação da autoridade é tentar compreender as expressões maiores que envolvem as relações sociais para além do visível.

É oportuno verificar um exemplo do uso inapropriado do conceito de poder e sua utilização como sinônimo de autoridade. Verifica-se de que forma ambos (o poder e a autoridade) são utilizados para associá-los a um conceito de liderança:

Liderança eficaz se apóia na maneira como um gerente usa o “poder” para influenciar o comportamento de outras pessoas. Poder é a habilidade para conseguir que outra pessoa faça alguma coisa que você quer que seja feita. É a habilidade para fazer com que as coisas aconteçam da maneira com que você quer (Schermerhorn Jr, 1999:224).

Liderança é a maneira como se usa o poder e poder é o exercício da autoridade. Esta forma de conceituação segue o clássico modelo de definir A como B e B como C, de maneira que, ao final, A, B e C por serem uma única coisa, não são coisa nenhuma. No caso específico desse exemplo, observa-se que o conceito não permite levar em consideração aspectos importantes do problema da legitimidade natural do líder. Apesar de o gerente possuir uma autoridade racional-legal, ele pode não ser visto diretamente como um indivíduo legítimo para o cargo. Algumas ações de natureza coletiva, por parte de seus liderados, podem ser praticadas para tentar retirá-lo do posto que ocupa. Desta forma, apesar dele ser reconhecido como a liderança formal, não se configura necessariamente como o líder efetivo para o grupo: esta posição hierárquica que ocupa faz com que tenha certa influência sobre os demais indivíduos, mas isto por si só não o credencia a ganhar credibilidade no âmbito daquela coletividade.

Assim, o conceito de liderança deve partir de uma definição conceitual mais específica e menos reducionista. Para tal, é necessário antes reforçar o conceito de poder, levando-se em conta as formas inapropriadas da utilização do seu termo. O conceito a ser utilizado deve-se ao fato de que sua sustentação encontra-se em uma reflexão que procura distinguir o uso do termo poder com suas formas de manifestação. Assim, o poder pode ser definido como8:

(...) a capacidade que tem uma classe social (ou uma fração ou segmento), uma categoria social ou um grupo (social ou politicamente organizado) de definir e realizar seus interesses objetivos específicos9, mesmo contra a resistência ao exercício desta capacidade e independentemente do nível estrutural em que tal capacidade esteja principalmente fundamentada. O exercício do poder adquire continuidade e efetividade política quando do acesso do grupo ou da classe social ao comando das principais organizações, das estruturas institucionais ou políticas da sociedade, inclusive aquelas criadas como resultado de um processo de transformação, de maneira a por em prática ou a viabilizar tal exercício (Faria, 2001).

O primeiro ponto importante a salientar é que o poder se manifesta em classes sociais, categorias sociais e grupos socialmente e politicamente organizados. Isto quer dizer que o poder não se manifesta somente em ambientes legalmente formalizados. O segundo ponto é que as classes sociais, as categorias sociais ou os grupos política e socialmente organizados buscam as realizações de objetivos específicos. É importante observar que apesar dos indivíduos procurarem atingir os objetivos específicos comuns, não se deve esquecer que cada membro vincula-se a um grupo para realizar seus objetivos individuais. Isto acontece devido às diferenças pessoais de cada integrante. Aqueles que conseguem colaborar de forma diferenciada para que a classe social, categoria social ou grupo social atinjam os objetivos coletivos serão destacados pelos demais integrantes: é exatamente aqui que aparece a liderança.

Por fim, o poder é uma capacidade coletiva e, como tal, deve der adquirida, desenvolvida e mantida. Os indivíduos inserem-se em suas relações a partir de funções que desempenham no âmbito coletivo, de forma orgânica ou não, podendo influir, coordenar, liderar, representar, organizar e conferir legitimidade. O poder e suas manifestações estão imbricados dentro de um processo histórico e dialético, sobre a influência constante das mudanças sociais. Os indivíduos possuem papel importante dentro dessa relação de mudança histórica, atuando como personagens centrais e desempenhando as funções essenciais de coordenação e modificação da realidade social. Desta forma, os indivíduos que compõem a coletividade devem estar cientes do contexto histórico e do caráter dinâmico das mudanças sociais que ocorrem, procurando desempenhar os papéis coletivos que lhes são legitimamente conferidos pelos demais membros. Assim, se o conceito de liderança levar em conta os fatores apontados acima, com o intuito de não amalgamar capacidade coletiva com atributos individuais, é possível fazer avançar uma proposição.

Desta forma, liderança pode ser entendida como uma manifestação de natureza tanto psicológica quanto social e política que ocorre (a) no interior de uma classe social (numa fração ou segmento), categoria social ou grupos formais ou informais (social e politicamente organizados), (b) entre classes (frações ou segmentos) categorias ou grupos sociais, (c) no interior de organizações e (d) entre organizações. A liderança é um atributo individual e/ou coletivo que deve levar em consideração o caráter histórico e dialético das mudanças internas e externas (relações vinculares entre os integrantes, dinâmica do âmbito coletivo ou organizacional, mudanças das normais sociais, influência do contexto ambiental etc.) que influenciam na aceitação e legitimidade da figura do líder, seja este uma pessoa, um grupo ou uma organização10.A liderança apresenta-se como manifestação natural, decorrente de delegação de autoridade ou adquirida mediante atributos reconhecidos por outros como portadores de uma representação real ou simbólica, com o objetivo de atingir objetivos imaginários e concretos (de natureza econômica, jurídica, política, ideológica e social), sejam eles de ordens individuais ou coletivas. A liderança difere da autoridade e do simples carisma porque pressupõe a prática democrática, emancipatória e esclarecedora, voltada sempre aos interesses de uma ética coletiva11.

Deste modo, o papel do líder requer não só capacidades próprias como também coletivas. Uma liderança não ocorre sem a legitimação dos integrantes que compõem a coletividade que a confere. Deste modo, a liderança pode ser transitória e requer, do líder, um constante investimento em sua manutenção.

7“Dito de outra forma, existe uma relação efetiva entre poder e liderança, influência, autoridade, coerção, Estado, processo decisório, estratégias etc., porém, a cada termo pertence um conceito distinto, na medida em que se referem a realidades concretas também distintas” (Faria, 2001:03).

8O conceito apresentado aqui pode ser encontrado de forma mais desenvolvido em Faria, José Henrique de. Economia Política do Poder. 6ª. Reimpressão. Curitiba: Juruá, 2010. 3 Volumes. Volume 1.


9“Os interesses objetivos específicos são aqueles de natureza econômica, jurídico, política, ideológica e social definidos pelas classes ou grupos sociais como sendo indicativos de suaprópria condição. Neste sentido, o poder não é uma condição individual e tampouco um atributo coletivo. Trata-se de uma capacidade coletiva e, como tal, deve der adquirida, desenvolvida e mantida, sendo que os indivíduos inserem-se em suas relações a partir de funções que desempenham no âmbito coletivo, de forma orgânica ou não, podendo influir, coordenar, liderar, representar, organizar e conferir legitimidade” (Faria, 2000, p. 15).


10Pode-se, assim, falar de um grupo político que exerce uma liderança em uma agremiação política, tanto quanto se pode falar de uma empresa ou organização líder ou de uma nação líder em um determinado continente.


11A personalidade autoritária tem sido confundida, na literatura, como liderança forte. É preciso separar a tirania de liderança.





3. LIDERANÇA E GRUPOS

Do ponto de vista das relações pessoais, não há liderança sem um grupo que a legitime. A figura do líder deve ser compartilhada e aceita pelos integrantes de um grupo. Sua aceitação é fundamental para o sucesso das atividades que desempenha ou nas decisões que venha a tomar para realizar os objetivos desejados. Entretanto, é importante observar que sempre existem os que questionam a legitimidade do líder e as decisões tomadas por ele, seja por que desejam ocupar seu lugar (apresentando-se como alternativa mais apropriada), seja porque não suportam vê-lo ocupando o lugar (são freqüentes as tentativas de desestabilizar o líder, de desqualificá-lo), seja porque percebem, antes dos demais membros, as conseqüências inadequadas da sua ação. Assim, o líder necessita estar atento para que estas situações não venham a obstaculizar as realizações dos objetivos propostos ou a provocar a instabilidade dentro do grupo. No primeiro caso, trata-se de uma disputa que, se democrática, pode melhorar o padrão de desempenho do grupo; no segundo, trata-se de um problema que se desenvolve nos bastidores e que pode vir a deteriorar a unidade do grupo; no terceiro caso, trata-se de capacidades que necessitam ser apropriadas pelo grupo.

O líder precisa estar consciente de que o seu papel está vinculado ao de um administrador de conflitos. Ele precisa constantemente reavaliar o seu papel no contexto em que se encontra, redimensionando e aprimorando sua capacidade de relacionamento com os integrantes do grupo, vislumbrando os aspectos relacionais, simbólicos e psicossociais. Entretanto, é importante verificar que o grupo é uma manifestação psicossocial espontânea; portanto, não é passível de ter sua dinâmica completamente controlável (Pagés, 1976).

Para administrar os conflitos, o líder não pode esquecer que os seus interesses, seus problemas pessoais, seus sentimentos ambivalentes, suas virtudes e defeitos influenciam nas suas tomadas de decisão. Portanto, o líder deve possuir um senso de autocrítica aguçado, bem como sensibilidade para aceitar e reavaliar as críticas que se dirigem a ele. Os líderes, sendo pessoas, são passíveis de cometer erros. É natural, desta forma, que algumas de suas decisões e atitudes possam frustrar os integrantes do grupo; estes algumas vezes têm em seu imaginário a figura idealizada do líder, uma pessoa dotada de capacidade quase divina de sempre tomar decisões corretas. Os líderes que se deixam levar por essa idolatria, que corresponde a uma projeção do ego ideal, podem causar complexos problemas para o grupo e para si mesmos.

Segundo Davel, Machado e Grave (2000, p.05) a “força de convicções e suas ressonâncias no imaginário grupal e na identificação social dos indivíduos é o que constitui a força do líder e funda o exercício legítimo de sua influência”. A figura do líder é antes imaginada no seu estado ideal na cabeça de cada membro do grupo. A capacidade do líder em atender às expectativas imaginárias dos liderados é determinante para a sua aceitação dentro da coletividade. Grande parte da manifestação de apoio e, conseqüentemente, de legitimidade, ocorre devido a isso. Estas expectativas podem ser:

a. Os interesses e objetivos particulares que os indivíduos pretendam alcançar através do grupo;

b. O reconhecimento pessoal, através da valorização das suas capacidades, por parte do grupo ou da organização em que estão inseridos;

c. As recompensas sociais e materiais como forma de reconhecimento pelos esforços despendidos em nome do grupo;

d. O reconhecimento como integrantes legítimos do grupo e a valorização e atendimento de seus desejos através dos objetivos coletivos.

Quando, porém, um líder não consegue atender as expectativas dos seus liderados, sua liderança passa a ser questionada. O líder, portanto, precisa estar política e psicologicamente preparado para desempenhar o seu papel, pois os integrantes do grupo depositam em sua figura as esperanças de realização dos seus desejos individuais através das ações coletivas. O líder, não sendo capaz de satisfazer às expectativas, anteriormente imaginadas pelos seus liderados, acaba experimentando um descrédito e passa a ser depreciado pelos integrantes do grupo. Logo de imediato o grupo passa consciente ou inconscientemente a procurar um novo “candidato ao posto”, que possa ser capaz de satisfazer os objetivos individuais e coletivos (Kernerg, 2000, p.16).

Esta busca por um novo líder é um processo doloroso não só para o líder como também para os integrantes do grupo. Todas as esperanças que cada um depositou no atual líder acabam de ser frustradas. O grupo depara-se com a angústia de ter de aceitar um novo líder, que nem sempre é imediatamente reconhecido como legítimo. O sentimento de orfandade também toma conta de parte do grupo, que elegeu o Pai da Horda, assassinou-o e necessita colocar, em seu lugar, um novo Pai que possa guiá-lo (Enriquez, 1984).

A maneira como este novo líder estabelecerá as relações vinculares com cada indivíduo do grupo é ainda, muitas vezes, uma incógnita para cada integrante, que deverá procurar uma melhor maneira de se relacionar com ele, buscando estabelecer ações de cooperação para evitar conflitos indesejáveis. As relações de empatia e afinidades são determinantes para o início de um relacionamento do líder com cada indivíduo do grupo e com a coletividade. A maneira como se manifestarão os sentimentos ambivalentes e, principalmente, a maneira como o novo líder lidará com estes, procurando manter a coesão e a harmonia dentro do grupo, serão determinantes para a sua aceitação e para a legitimação da sua função. Entretanto, passado o período de euforia inicial, pelos mesmos motivos que o líder anterior deixou de ser reconhecido, o novo líder começará a lidar com as formas nem sempre explícitas de rearticulação do grupo em torno de sua inviabilização: aqui será decisiva sua capacidade de tratar com os conflitos e com os sentimentos (da empatia à inveja) para que permaneça em sua posição.

Assim sendo, a escolha de um novo líder é um processo que envolve incertezas quanto ao futuro dos relacionamentos e da realização dos objetivos individuais e coletivos. As relações vinculares se estabelecem aos poucos e ocorrem de forma diferenciada para cada integrante. Enquanto para alguns integrantes o novo líder representa seus anseios, para outros esse processo ocorre de forma insatisfatória, seja porque possuíam grande afinidade com o líder anterior e, agora, possuem resistências ao novo líder, seja porque desejariam estar no lugar do novo líder, seja porque o líder que escolheriam não seria o que assumiu esse papel. Esta situação coloca uma questão essencial no relacionamento entre líderes e liderados: as relações de poder na dinâmica dos grupos. “A liderança envolve uma distribuição desigual de poder entre os líderes e os membros do grupo. Os membros dos grupos não são desprovidos de poder; podem moldar e moldam de vários modos as atividades grupais” (Stoner e Freeman, 2000, p.344). Entretanto, a escolha do líder significa igualmente a predominância de uma parcela do grupo sobre outra(s), ou seja, uma distribuição assimétrica de poder entre os membros do grupo. O líder, por sua vez, sabe que, embora represente uma parcela do grupo, passa a ser líder de todo o grupo e, assim, precisa dar conta dessas diferenças e administrá-las, exercício esse que exige dele extrema habilidade e competência e que constituir-se-á no diferencial entre sua legitimidade (aceitação) e seu fracasso (substituição). É importante ressaltar que o líder só exerce esse papel porque seus seguidores o legitimam na função. Em uma situação em que parte importante do grupo ou mesmo em que todos os integrantes do grupo passam a boicotar ou prejudicar as realizações dos objetivos determinados pelo líder, ocorre uma perda substancial e muitas vezes definitiva de credibilidade do líder. Mesmo que este líder seja aceito perante as autoridades ou por seus superiores, na medida em que o seu trabalho não seja adequadamente realizado e prejudique a realização dos objetivos, ele poderá ser deslocado para outra função ou grupo, pois o que prevalece são os objetivos gerais da organização12.

O líder deve estar atento a como as relações de poder são exercidas no grupo, seja formalmente, através da autoridade delegada, por exemplo, seja informalmente, através dos mecanismos de influência que legitimam, por meio da empatia ou confiança, certas frações do grupo. O surgimento de outras e novas lideranças é um processo natural dos grupos e deve ser encarado pelo líder como uma manifestação psicossociológica necessária para a manutenção da coesão do grupo. O aparecimento destas lideranças deve-se:

a. À não aceitação por unanimidade do líder;

b. Às relações de vínculos pessoais (empatia, identificação) que se estabelecem de formas diferentes entre os indivíduos de um mesmo grupo;

c. Ao fato dos objetivos individuais não serem realizados na totalidade perante os objetivos do grupo;

d. Ao desejo de alguns membros do grupo de ocupar o lugar do líder;

e. À presença de sentimentos obstrutivos13 dentro dos grupos.

Para o líder poder conviver com estes acontecimentos dentro dos grupos, é necessário, segundo Zimerman (1997b, p.41-7) observar os “atributos desejáveis para um coordenador de grupos”. Estes atributos têm como função favorecer uma melhor compreensão, por parte dos líderes, da dinâmica dos grupos, no que se refere a uma melhora contínua dos relacionamentos estabelecidos e nas realizações dos objetivos individuais e coletivos.

a. Gostar e acreditar em grupos: estar preparado para o trabalho em grupo, acreditar na potencialidade do grupo para atingir os objetivos almejados. Um líder de personalidade autoritária, neste caso, terá sérias dificuldades em desenvolver um bom trabalho, mesmo que goste de trabalhos em grupo;

b. Coerência: os líderes devem sempre estar atentos para os “excessos” que podem ocorrer dentro dos grupos ou com ele próprio. Estes excessos podem ser de natureza narcísica, ou decorrentes de imprudência ou negligência. É evidente que a incoerência é uma prerrogativa dos indivíduos; no entanto, a atenção deve estar voltada para as incoerências sistemáticas que possam estar ocorrendo;

c. Amor às verdades: além de ser um dever ético, tal afirmação é necessária para que virtudes como sinceridade, solidariedade, cooperação, criatividade etc., sejam as práticas corriqueiras dentro do grupo. Sendo assim, a adoção da verdade funciona como um catalisador para a boa convivência;

d. Senso de ética: ética aqui se refere ao respeito do líder em relação à liberdade dos membros do grupo. Os espaços democráticos devem se constituir em práticas constantes, defendidas pelos integrantes dos grupos;

e. Respeito: respeitar as divergências de opiniões e procurar a busca do consenso possível para melhor realizar os objetivos traçados. O respeito está relacionado, ainda, com a tolerância em relação aos limites pessoais de cada indivíduo;

f. Paciência: “paciência deve ser entendida como uma atividade ativa, como um tempo de espera necessário para que uma determinada pessoa do grupo reduza a sua possível ansiedade paranóide inicial, adquira uma confiança basal nos outros, permita-se dar uns passos rumo a um terreno desconhecido, e assim por diante”;

g. Função de pensar: o líder deve estar atento para perceber se os liderados sabem “pensar” as idéias, os sentimentos e as posições que são verbalizados. Para desempenhar esta função, o líder deve estar preparado para pensar as questões que envolvem o cotidiano do grupo;

h. Comunicação: dar a devida importância, seja na forma ou no conteúdo, para o processo de comunicação no grupo. A linguagem do líder determina o sentido e as significações das palavras, gerando as estruturas na mente dos liderados. O líder deve estar atento para a questão da interpretação e compreensão das suas mensagens. É importante ressaltar o estilo da comunicação e seus impactos frente aos indivíduos do grupo;

i. Modelo de identificação: é a capacidade que o líder tem de perceber a forma como seus liderados o concebem. Nesta perspectiva, o líder pode ser visto de diversas formas, tanto em relação às suas capacidades técnicas, como às suas características pessoais. A correta interpretação da forma como seus liderados as percebem, ajuda no processo de melhoria das relações estabelecidas.

Kernberg (2000, p.89) chama a atenção para outro assunto importante: os perigos que a personalidade narcisista14 do líder pode trazer. A necessidade excessiva de ser admirado e, conseqüentemente, idolatrado pelos seus seguidores, pode levá-lo a tomar atitudes de natureza egoístas, voltados apenas para as realizações dos seus desejos e objetivos. Evidentemente que o narcisismo ao qual o autor se refere aqui é o de natureza patológica.

Assim, o líder deve ser um indivíduo capaz de trabalhar em grupo. Sua aceitação, no entanto, vem através da maneira como ele se integra com os indivíduos e a postura que adota frente a posturas coletivas. Trabalhar em grupo requer estar preparado para a prática democrática, em defesa da ética coletiva.


12 No âmbito da organização capitalista, o lucro é a medida da eficiência e dos resultados. As organizações sem fins lucrativos ou filantrópicas, têm também suas medidas de resultado, sua eficiência e eficácia, presumidas pela efetividade dos resultados. Quando estas vêem ameaçadas sua existência ou seus resultados, podem adotar ações que preservem sua manutenção ou seus objetivos, inclusive promovendo troca de líderes em funções que estejam pondo em risco suas metas.


13 Os líderes devem sempre estar atentos para sentimentos obstrutivos que permeiam os sistemas sociais, os grupos ou instituições (ZIMERMAN, 1997a, p.71). Estes sentimentos, que podem ser a inveja, a hipocrisia, arrogância, rancor, sentimento de vingança etc., se não identificados e “controlados”, podem causar sérios riscos para a dinâmica do grupo, afetando, desta forma, o cumprimento das tarefas e os relacionamentos estabelecidos.


14 “Convém enfatizar que estou empregando o conceito de personalidade narcisista no sentido estrito, referindo-me a pessoas cujas relações interpessoais caracterizam-se por uma excessiva referência a si próprias e egocentrismo, cuja grandiosidade e superestimativa de si próprias ocorre em conjunto com sentimentos de inferioridade e que dependem excessivamente da admiração externa, são emocionalmente superficiais, intensamente invejosas e afrontosas e exploradas em seus relacionamentos com os demais” (KERNBERG, 1970, 1974).


4. LIDERANÇA E ORGANIZAÇÕES

Para compreender o desenvolvimento da teoria da liderança nos estudos organizacionais é necessário, antes, identificar os elementos que compõem as organizações. As organizações modernas têm como características centrais o uso de sistemas de recursos para realizar objetivos ou conjunto de objetivos (Maximiano, 2000:91). Esta conceituação é o que representa, na atualidade, a melhor definição para justificar o porquê das organizações existirem.

Elucidando ainda mais as características das organizações modernas, é importante salientar que elas estão inseridas em um sistema econômico capitalista, que ditam e regulam as relações econômicas da atual sociedade. As teorias da liderança nos estudos organizacionais, dentro desta lógica econômica, surgiram como instrumentos para que os objetivos, ou o seu conjunto, fossem atingidos. Não se exclui, para este estudo, todas as outras fontes que proporcionaram o surgimento de teorias que se propunham a dar explicações à liderança. Os elementos que caracterizam as organizações modernas tiveram fortes influências para as formulações conceituais da liderança, sendo assim necessário abordar alguns desses elementos e seus entrelaçamentos.

Os objetivos que as organizações procuram atingir são aqueles vinculados à manutenção da sua sobrevivência. Para que uma organização tipicamente capitalista sobreviva é necessário que realize o valor excedente obtido no processo de produção de suas mercadorias, permitindo assim que obtenha lucro, devendo estar preparada, desta maneira, para a competição nos mercados. Para atingir este objetivo nuclear, as organizações capitalistas procuram desenvolver um conjunto de processos capazes de viabilizar suas ações operacionais e suas estratégias competitivas. Neste sentido, os indivíduos que a compõem são vistos como instrumentos para atingir os objetivos, como meio da organização e não um fim. O líder passa a ser o “administrador” desses instrumentos e, ele mesmo, acaba por tornar-se um instrumento da organização. Desta forma, o líder deve ser capaz de discernir quando está instrumentalizando seus liderados e quando acaba por se tornar um mero instrumento. Questões como a qualidade do trabalho, os interesses individuais de cada integrante, por exemplo, devem ser preocupações constantes dos líderes. Eles têm, portanto, que desempenhar o papel de evitar que a organização exerça a dominação irrestrita e sem questionamento sobre os indivíduos, ao mesmo tempo em que reconhecem que estão ali a serviço da organização. Esta situação paradoxal, quanto mais claramente percebida pelo líder, mas estressante se torna para ele15.

Um segundo elemento das organizações modernas são os recursos a serem utilizados pela organização. A tendência de classificar os indivíduos como “recursos humanos”, acabou por gerar uma série de conseqüências. Os recursos, da maneira como a administração se propõe a conceituar, são considerados elementos quantificáveis. Se os indivíduos passam a ser entendidos como recursos, ele torna-se um ser reificado, ou seja, ele é comparado a outras fontes de recursos (matéria-prima, máquinas, instalações etc.) da organização. Os líderes surgem, em grande parte, para gerenciar esses recursos humanos e, para isso, devem possuir qualidades pessoais para orientar as tarefas e pessoas na direção das realizações dos objetivos. Os indivíduos deveriam ser a própria razão da existência da organização. Tal é o discurso que se pronuncia nas organizações e na literatura. No entanto, as ações indicam que outra é a realidade (Faria, 2001b).

O terceiro elemento é a divisão do trabalho. Marx afirma que a divisão do trabalho é, em si mesmo, a forma que aliena o homem. Quando se divide o trabalho cria-se a condição favorável para a especialização das tarefas. Em contrapartida, perde-se o conhecimento do ofício. Com a tendência à especialização e em decorrência da complexidade com que as mercadorias são produzidas, é inevitável que as organizações não dividam o processo de trabalho, seja qual for a forma que adotem para fazê-lo. Assim, os líderes surgem também como forma de intensificar o grau de especialização das tarefas e como instrumento integrador dos elementos que compõem a divisão do trabalho. A figura do líder, nestas circunstâncias, passa a ser de um coordenador dos processos de interdependência e convergência das tarefas especializadas. A liderança, neste caso, assume um papel específico, que é o de permitir que as qualidades pessoais (do líder) sirvam de veículo para melhorar as qualidades materiais (da produção e dos produtos). Esta é uma nova exigência da reestruturação produtiva promovida pelas inovações das tecnologias físicas de base microeletrônica e de sua correspondente necessidade de inovação das tecnologias de gestão (Faria, 1997).

As teorias recentes sobre liderança, como se pode perceber, têm como objetivo central enfatizar características pessoais, atitudinais e simbólicas para demonstrar como o líder consegue atender os objetivos das organizações modernas. É preciso chamar a atenção para o fato de que a liderança, enquanto manifestação psicossociológica, não pode ser reduzida a elementos previsíveis e totalmente mensuráveis16. Esta constatação certamente provoca algum grau de frustração nas organizações, porque torna intangível a capacidade de se elaborar uma “cartilha” sobre “como criar, formar ou desenvolver um líder”.



15 Alguns profissionais dizem, de si mesmos, que são uma espécie de “algodão entre cristais”, pois pretendem evitar conflitos e apaziguar as diferenças. Ledo engano. Sua função é a de servir à reprodução da lógica da organização e, portanto, seu papel de conciliação é o de convencer o empregado a aceitar as determinações do empregador. Fazer isto de maneira que o empregado acredite que os interesses da organização são os mesmos que os seus, que os projetos são semelhantes, esta é de fato a capacidade que se exige desses profissionais.


16 Adequadas técnicas de pesquisa podem mensurar, até mesmo com alguma precisão, certos componentes subjetivos das relações. Mas, mesmo assim, não se pode afirmar que estas sejam as melhores e mais efetivas formas de analisar este tipo de fenômeno. As tendências das metodologias de pesquisa a “matematizar” as relações concretas e a estabelecer, como problema, relações ou nexos causais entre variáveis ainda decorre da forte influência do positivismo e das concepções cartesianas presentes nas ciências humanas e sociais.


5. LIDERANÇA: UMA PROPOSIÇÃO CONCEITUAL



O conceito de liderança apresenta, nas ciências sociais, características diversas, cada qual contendo suas fragilidades, conforme argumentado anteriormente. Em vista disto, convém apresentar uma proposta de definição17.

Liderança é a condição, atributo ou capacidade de um sujeito individual ou coletivo (pessoa, grupo ou organização) de mobilização de outros sujeitos ou indivíduos (massas), devido à hipnotização ou ao convencimento decorrente da expectativa de transposição de uma situação de sofrimento ou de indecisão em uma de realização, ou ao preenchimento dos desejos e necessidades por parte dos liderados. Trata-se da presença, nos sujeitos, da realização ou do ideal do ego, colocado por projeção em outro sujeito ou instituição. As necessidades de um grupo social e a constituição do caráter do líder constituem uma relação típica de liderança. Assim, a liderança exercida por um sujeito (individual ou coletivo) em uma relação social, política ou individual, desenvolve-se em contextos de interações, refletindo em si mesma e em suas ações os limites situacionais, manifestando tanto as motivações e as atitudes peculiares dos líderes e seus recursos, como as expectativas e aspirações dos liderados.

Desta forma, a liderança é relativa à situação e ao contexto tanto quanto aos atributos do líder legitimados pelos liderados, pois líderes e liderados desempenham papeis ativos na relação, de forma que os líderes podem tanto comandar como interpretar e representar. A liderança, portanto, refere-se a esta capacidade ou ao atributo de um sujeito (individual ou coletivo), de conduzir, de forma determinante, ações de outros sujeitos, de maneira ativa e legítima, podendo ser entendida como uma manifestação de natureza tanto psicológica quanto social e política que ocorre (i) no interior de uma classe social (numa fração ou segmento), categoria social ou grupos formais ou informais (social e politicamente organizados), (ii) entre classes (frações ou segmentos) categorias ou grupos sociais, (iii) no interior de organizações e (iv) entre organizações.

A liderança é um atributo individual e/ou coletivo que deve levar em consideração o caráter histórico e dialético das mudanças internas e externas (relações vinculares entre os integrantes, dinâmica do âmbito coletivo ou organizacional, mudanças das normas sociais, influência do contexto ambiental etc.) que influenciam na aceitação e legitimidade da figura do líder, seja este uma pessoa, um grupo ou uma organização18.

A liderança apresenta-se como manifestação funcional, decorrente de delegação de autoridade, ou adquirida, mediante atributos reconhecidos por outros como portadores de uma representação real ou simbólica, com o objetivo de atingir objetivos imaginários e concretos (de natureza econômica, jurídica, política, ideológica e social), sejam eles de ordens individuais ou coletivas. A liderança difere da autoridade e da tirania porque pressupõe a prática voltada aos interesses coletivos ou que os representa, mesmo que estes possam ser justamente condenados por outras éticas. Deste modo, o papel do líder requer não só capacidades próprias como também coletivas19. Uma liderança não ocorre sem a legitimação dos integrantes que compõem a coletividade que a confere, o que implica em que a constituição do líder não deve pressupor ausência de responsabilidade dos liderados em quaisquer circunstâncias, mesmo que o líder conduza os liderados a atos condenáveis20.

Deste modo, a liderança pode ser transitória e requer, do líder, um constante investimento em sua manutenção. Do ponto de vista das relações pessoais, não há liderança sem um grupo que a legitime. A figura do líder deve ser compartilhada e aceita pelos integrantes de um grupo. Sua aceitação é fundamental para o sucesso das atividades que desempenha ou para as decisões que venha a tomar com o objetivo de realizar as metas desejadas. Entretanto, é importante observar que sempre existem os que questionam a legitimidade do líder e as decisões tomadas por ele, seja porque (i) desejam ocupar seu lugar (apresentando-se como alternativa mais apropriada), (ii) porque não suportam vê-lo ocupando o lugar (são freqüentes as tentativas de desestabilizar o líder, de desqualificá-lo), ou (iii) porque percebem, antes dos demais membros, as conseqüências inadequadas da sua ação. O líder geralmente está atento para que estas situações não venham a obstaculizar as realizações dos objetivos propostos ou provocar instabilidade dentro do grupo. No entanto, é preciso observar que no primeiro caso, trata-se de uma disputa que, se democrática, pode melhorar o padrão de desempenho do grupo; no segundo, trata-se de um problema que se desenvolve nos bastidores e que pode vir a deteriorar a unidade do grupo; no terceiro caso, trata-se de capacidades que necessitam ser apropriadas pelo grupo.

O líder precisa estar consciente de que o seu papel está vinculado ao de um administrador de conflitos. O líder precisa constantemente reavaliar o seu papel no contexto em que se encontra, redimensionando e aprimorando sua capacidade de relacionamento com os integrantes do grupo, vislumbrando os aspectos relacionais, simbólicos e psicossociais. Entretanto, é importante verificar que o grupo é uma manifestação psicossocial espontânea e, portanto, não é passível de ter sua dinâmica completamente controlável (Pagès, 1976).

Para administrar os conflitos, o líder não pode esquecer que os seus interesses, seus problemas pessoais, seus sentimentos ambivalentes, suas virtudes e defeitos influenciam nas suas tomadas de decisão. Deste modo, o líder deve possuir um senso de autocrítica aguçado, bem como sensibilidade para aceitar e reavaliar as críticas que se dirigem a ele. Os líderes, sendo pessoas, são passíveis de cometer erros. É natural, desta forma, que algumas de suas decisões e atitudes possam frustrar os integrantes do grupo; estes algumas vezes têm em seu imaginário a figura idealizada do líder, uma pessoa dotada de capacidade quase divina de sempre tomar decisões corretas. Os líderes que se deixam levar por essa idolatria, que corresponde a uma projeção do ego ideal, podem causar complexos problemas para o grupo e para si mesmos.




17Esta proposta foi retirada de FARIA, José Henrique de. Economia Política do Poder. 6ª. Reimpressão. Curitiba: Juruá, 2010. # volumes. Volume 1.


18 Pode-se, assim, falar de um grupo político que exerce uma liderança em uma agremiação política, tanto quanto se pode falar de uma empresa ou organização líder ou de uma nação líder em um determinado continente.


19 A personalidade autoritária tem sido confundida, na literatura, como liderança forte. É preciso separar a tirania de liderança.


20 Refere-se, aqui, entre outros casos, à responsabilidade de todos os que legitimaram e reproduziram o fascismo e o nazismo, inclusive no que se refere ao extermínio de seis milhões de judeus nos campos de concentração. É cômodo atribuir tal ação apenas aos líderes, cujas responsabilidades e corretas condenações acabam tendo um efeito de expiação coletiva, como se o sujeito que forma tal coletivo pudesse isentar-se de responsabilidade.



6. LIDERANÇA, ÉTICA E DEMOCRACIA: POR UMA CONCLUSÃO


A liderança pode ser considerada um papel social que deve ser desempenhado tendo como suporte alguns princípios básicos. A liderança que procura seguir estes princípios desencadeia o potencial humano individual de integrante (Covery, 2001, p.11). Do líder dependem muitas pessoas, que depositam nele suas esperanças para melhorar suas condições de trabalho e realizar seus objetivos individuais. Kernerg (2000, p.125) define como atributo do líder a tarefa de proteção dos seus subordinados quanto às más condições de trabalho, às arbitrariedades na atribuição de tarefas e aos riscos ligados aos trabalhos, independentemente se estas situações causem impactos negativos na eficiência do trabalho. Assim, a qualidade de trabalho e, em parte, a qualidade de vida, são atribuições do líder.

Contudo, esta não é a prática da maioria das organizações. Faria (2000a, p.5-8), em uma pesquisa realizada com gestores, verificou que a prática nem sempre corresponde ao um discurso. Apesar de 74,1% dos pesquisados afirmarem que as pessoas que costumam cometer injustiças não possuem condições de exercer postos de liderança, para a maioria dos entrevistados “são os valores que a organização considera como importantes que condicionarão a atitude ética de seus membros em última instância. Produtividade, racionalidade e estratégia competitiva são os determinantes deste ‘código moral’ que guia a ética nas organizações globalizadas”. As organizações é que ditam o que devem ser consideradas atitudes éticas a serem seguidas pelos líderes.

Esta disparidade de interesses, em que normalmente prevalecem os das organizações, acaba por causar prejuízos para a maioria dos indivíduos, mas esta não é realmente a preocupação dos gestores. As condições de trabalho, as arbitrariedades das tarefas e os riscos no trabalho são constantemente subordinados à lógica do cálculo de eficiência material, em que os interesses das organizações prevalecem sobre a qualidade de trabalho dos indivíduos. A qualidade somente é levada em conta se os defeitos ou sua ausência diminuírem a produtividade do trabalho e não se causarem danos às pessoas. Portanto, nas organizações existem dois conceitos de qualidade: a qualidade instrumental, que segue padrões, é avaliada e certificada, e a qualidade psicossociológica, que somente é levada em conta se seus efeitos interferirem negativamente na qualidade instrumental. A pessoa e considerada por sua contribuição ou colaboração aos objetivos da organização e não por seus desejos ou sentimentos. Nesse sentido, convém não se iludir: mudar a denominação de administração de recursos humanos para o de gestão de pessoas, pode ser apenas uma alteração de verniz.

É importante ressaltar que a responsabilidade por esta situação não é somente dos indivíduos que ocupam os postos de comando. A própria estrutura econômica capitalista21 favorece aos indivíduos que ocupam cargos de comando que não estejam atentos às questões que provocam a precarização do trabalho e diminuem a qualidade de vida ou que a desconsiderem, seja porque entendem ser esta uma situação natural e própria da realidade do trabalho, seja porque negam as evidências para poder conviver com a culpa de reproduzir ou de favorecer a reprodução das situações de sofrimento, seja porque não pretendem arriscar perder o lugar que ocupam na organização. Em síntese, há um conjunto de fatores que imprime atitudes defensivas ou alienadas.

O líder precisa estar atento a todas estas condições que o modelo sócio-econômico impõem e às normas daí decorrentes, sempre observando que sua obediência depende da maneira como ele mesmo a encara. O líder deve ser capaz de se posicionar como aquele que receberá a norma, isto porque “quando o respeito da norma tiver se expandido com respeito a outrem e ao si mesmo como um outro” (Ricoeur, 1999, p.211) ela passará a ser coerente com o interesse de todos.

Princípios são temas que estão relacionados como atributos que o líder deve preservar, independentemente dos interesses em jogo. O respeito ao outro e aos seus objetivos devem ser preservados e o líder deve ser o integrador e mediador de todos esses interesses sem esquecer que sua prática pressupõe uma atitude voltada para uma ética coletiva - sem que os interesses econômicos prevaleçam sobre os interesses humanos -, voltada para a prática democrática do diálogo e respeito à opinião de todos. Desta forma, é fundamental distinguir o líder do chefe, do administrador, do gestor, do coordenador, ainda que o mesmo possa vir a exercer tais funções, pois um líder pode vir a ser um gestor, mas um gestor, por si só, não é necessariamente um líder.

Finalmente, é preciso destacar que se a liderança pretende responder às condições de emancipação, de autonomia e de construção de uma história, a mesma não pode estar separada da ética e da democracia, pois “a questão ética tornou-se inseparável da democrática, na medida em que a democracia afirma os princípios da igualdade, da justiça, da liberdade e da felicidade como direitos universais, criados pelos agentes sociais, assim como o princípio do direito às diferenças, universalmente reconhecidas como legítimas por todos” (Chauí, 1994).

21A estrutura econômica capitalista faz com que “a ética será aquela que, ao mesmo tempo, proporcione lucro cada vez maior sem, contudo, ferir a imagem moral da empresa no mercado. É a lógica da dominação econômica em prática, ditando as condutas éticas frente a uma imagem a ser preservada. O recente processo de globalização só veio intensificar a postura competitiva” (Faria e Meneghetti, 2001a, p. 04).


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Recebido em dezembro de 2010.
Aprovado em setembro de 2011.

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