Revelamos aqui as causas e efeitos da insegurança pública e jurídica no Brasil, propondo uma ampla mobilização na defesa da liberdade, democracia, federalismo, moralidade, probidade, civismo, cidadania e supremacia do interesse público, exigindo uma Constituição enxuta; Leis rigorosas; Segurança jurídica e judiciária; Justiça coativa; Reforma política, Zelo do erário; Execução penal digna; Poderes harmônicos e comprometidos; e Sistema de Justiça Criminal eficiente na preservação da Ordem Pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio.

sexta-feira, 20 de junho de 2014

O DESGASTE DA AUTORIDADE NO BRASIL GERA CONSEQUÊNCIAS NEGATIVAS



Revista Consultor Jurídico, 15 de junho de 2014, 10:18h


Por Vladimir Passos de Freitas



O mundo passa por transformações profundas e isto não é novidade para ninguém. O conceito de autoridade e hierarquia vem mudando em toda parte, não só nas atividades da administração pública como no mundo corporativo, no interior das famílias, nas religiões, nas empresas e em outros setores da sociedade. Os jovens não se submetem às regras postas pelos mais velhos, discutem-nas, opinam, apontam mudanças.

Nisto tudo não há problema algum, é uma questão de gerações que vêm e que vão, sempre com uma acomodação natural das diferenças. O novo sempre vem, cantava Ellis Regina na música Como os nossos pais. O problema é que no Brasil, nos últimos anos, as coisas estão indo longe e depressa demais.

No âmbito da administração pública a autoridade e a hierarquia são fundamentais, dão a base de todas as atividades. Hely Lopes Meirelles, em lição que se mantém atual, esclarece que “do poder hierárquico decorrem faculdades implícitas para o superior, tais como a de dar ordens e fiscalizar o seu cumprimento, a de delegar e avocar atribuições, e a de rever os atos dos inferiores” (Direito Administrativo Brasileiro, 14ª. ed., p. 101).

Exerce autoridade quem, dentro da hierarquia, tem poder de decidir. Chefes do Poder Executivo, juízes, delegados de Polícia, diretores de escolas e outras autoridades. Não há hierarquia entre magistrados de diferentes instâncias, no que toca à função de julgar, nem entre estes e os profissionais das carreiras públicas (p. ex., Defensoria) ou da advocacia.

Na vida privada exercem autoridade os pais no interior das famílias, os que detêm poder de decisão nas organizações empresariais, os que ocupam posições de mando nas sociedades religiosas (v.g., o Bispo) e até mesmo nas atividades esportivas, como o capitão de um time de futebol.

Todavia, em todas as esferas, públicas e privadas, a disciplina e a hierarquia vêm sendo diariamente postas à prova. Alunos não respeitam os professores, pais enfrentam os diretores de escolas, juízes e agentes do Ministério Público resistem a submeter-se a determinações de residir na comarca ou de pedir autorização para, delas, ausentar-se, regras mínimas de convivência em sociedade, como proibições em condomínios, são violadas sistematicamente.

Desta miscelânea de ações e omissões, originadas por sentimentos e fatores difusos, que vão da descrença nos órgãos administrativos até a mais pura e simples falta de educação, resulta uma vida em sociedade que vai se tornando cada vez mais complexa e de qualidade flagrantemente pior.

Ao início esta mudança de hábitos era confundida com uma posição de resistência política. Como tivemos uma ditadura militar de 20 anos e nela a tônica era obedecer sem discutir, a resistência vinha como uma espécie de posicionamento contra o autoritarismo. Só que a ditadura acabou em 1984 e já estamos em 2014, ou seja, passaram-se 30 anos. Há muito tempo é possível manifestar o inconformismo e provocar a ação das autoridades dentro das regras da democracia. Vivemos em um país democrático.

Contudo, a insurgência transformou-se em algo desordenado, confuso, sem direção certa, contra tudo e contra todos, levando-nos rumo ao caos. Há cerca de um ano o povo foi às ruas manifestar-se contra o aumento da passagem de ônibus. Revolta organizada, aspiração legítima. Mas ela foi se transformando, estudantes idealistas e pacíficas mães de família foram sendo substituídos por pessoas violentas, mascaradas, que passaram a destruir o patrimônio público e privado.

Todos se acham no direito de fazer Justiça pelas próprias mãos. Pessoas sem teto invadem residências desocupadas. Estudantes universitários invadem e ocupam a reitoria de universidades (USP, UFRGS, UFPR e UFPE), reivindicando o que entendem ser-lhes devido. Ninguém enfrenta tais problemas, ninguém mais quer assumir obrigações, exercer autoridade sobre nada, a omissão ganha espaço, tudo pondo em risco a própria democracia.

Qual a justificativa para a destruição das dependências da Câmara Municipal do Rio de Janeiro? O que se lucra arrebentando as instalações de um comerciante do centro de uma grande cidade? Destruição de estabelecimentos bancários? Queima de ônibus? O que justifica a agressão a pauladas de um Coronel da Polícia Militar de São Paulo, aos gritos de “pega”? O vídeo, que realmente impressiona, pode ser visto em aqui. Desta agressão, não encontrei, certamente por falha minha, nenhuma manifestação de apoio à vítima por parte de entidades de direitos humanos.

Em um segundo momento, as manifestações deixaram de ser apenas protestos contra deficiências do Estado para tornar-se também palco de reivindicações de aumento salarial. A proximidade da Copa do Mundo tornou-se o momento ideal para todas as categorias. De funções estratégicas para a mobilidade urbana, como o metrô de São Paulo, até o movimento de servidores de museus federais do Rio de Janeiro, todos deflagraram greves.

Notícias contraditórias, posições antagônicas, ocuparam espaço. A Justiça Federal do Rio de Janeiro ordenou que os aeroviários retornassem ao trabalho, evitando o caos no aeroporto do Galeão. Só que a mesma Justiça Federal paralisou suas atividades em diversos pontos do território nacional. O STJ proibiu a greve dos servidores da Receita Federal. Liminares dos TRTs e TRFs são concedidas e descumpridas. Um estagiário de Direito foi preso dia 12, sob a acusação de atirar coquetel molotov na Câmara Municipal de São Paulo. Greve de ônibus dificulta a ida ao jogo da Copa em Natal.

O noticiário de cada dia, na mídia eletrônica ou impressa, é sempre mais surpreendente do que o do dia anterior. E para culminar, na abertura da Copa do Mundo a presidente da República é alvo de xingamento grosseiro, dando ao mundo uma péssima imagem do Brasil e de seu povo.

De quem é a culpa? Certamente, todos têm uma resposta na ponta da língua. Eu prefiro não culpar ninguém, apenas fazer o registro: não será destruindo nossas instituições, desmoralizando nossas autoridades, danificando o patrimônio público e privado, menosprezando a lei, que se avançará socialmente.

Dispenso informações sobre as muitas coisas erradas deste país, como corrupção, abuso de poder, incompetência policial e injustiça social. Conheço bem nossa realidade. Acho também que precisamos de mudanças urgentes. Só que não será jogando por terra o que se construiu em décadas que as coisas irão melhorar. Pelo contrário, elas estão a piorar dia a dia.

Que tal reconhecer que as coisas vão de mal a pior e, a partir daí, procurar mudar?



Vladimir Passos de Freitas é desembargador federal aposentado do TRF 4ª Região, onde foi corregedor e presidente. Mestre e doutor em Direito pela UFPR, pós-doutor pela Faculdade de Saúde Pública da USP, é professor de Direito Ambiental no mestrado e doutorado da PUC-PR. Vice-presidente para a América Latina da "International Association for Courts Administration - IACA", com sede em Louisville (EUA). É presidente do Ibrajus.

Nenhum comentário: