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sexta-feira, 9 de setembro de 2011

O PESO DA CENSURA

IMPRENSA IMPEDIDA - HUMBERTO TREZZI - ZERO HORA 09/09/2011

O Grupo RBS está sob censura há nove dias. Por decisão da 9ª Câmara Cívil do Tribunal de Justiça do Estado, os veículos da empresa estão proibidos de vincular o nome e a imagem de um vereador gaúcho à série Farra das Diárias, apresentada em agosto de 2010. Na reportagem a seguir, ZH mostra por que essa determinação judicial é insólita, entrevista o vereador que move ação contra a RBS e expõe os argumentos de um juiz de Direito em defesa da decisão.

Um caso insólito de censura no Rio Grande do Sul tem atraído as atenções de veículos de comunicação e de entidades representativas da imprensa no país e no mundo. A decisão do Tribunal de Justiça de proibir o Grupo RBS de divulgar o nome e a imagem de um vereador do Interior sempre que o assunto for a Farra das Diárias – reportagem feita pela RBS TV em agosto de 2010 – já levou nos últimos dias instituições como a Sociedade Interamericana de Imprensa (SIP) e a Associação Nacional de Jornais (ANJ) a repudiarem a determinação.

Ironicamente, nas notas, comunicados e reportagens em que o caso é abordado, o nome deste vereador é sempre citado. A censura prévia imposta pelos três desembargadores da 9ª Câmara Cível atinge apenas a RBS.

O segundo ponto que torna o caso inusitado partiu da associação que representa os magistrados do Rio Grande do Sul (Ajuris). A nota divulgada pela entidade na terça-feira, assinada pelo seu presidente João Ricardo dos Santos Costa, contém um equívoco ao afirmar que o vereador em questão já provou sua inocência:

“(...) O cidadão atingido já havia comprovado documentalmente sua inocência e que nem sequer foi denunciado pelo Ministério Público”.

O vereador é réu em uma ação judicial por improbidade e também indiciado pela Polícia Civil por falsidade ideológica. O presidente da Ajuris admite que a nota foi redigida antes de a associação ser informada de que pesa contra o parlamentar uma ação.

– Essa informação não consta no recurso em que ele pede ao TJ que seu nome não seja divulgado pela RBS – afirma Costa.

O magistrado justifica sua nota como um ato de solidariedade ao Judiciário em decorrência “da pressão sofrida” por parte de uma manifestação da ANJ, que “desqualifica os magistrados que atuaram no processo”.

Em nome da garantia constitucional

A liminar que impede os veículos da RBS de mencionarem o nome do vereador foi concedida pela 9ª Câmara com base em voto do desembargador Leonel Ohlweiler e mantida pela pretora Janice Cainelli de Almeida, da 1ª Vara da Comarca de Torres.

A RBS adotou as medidas cabíveis em nome de um valor constitucional – a liberdade de expressão. Mesmo que o parlamentar não fosse réu, isso não invalida o direito à mídia de nominá-lo. A Constituição, em seus artigos 5º e 220, veda a censura prévia e confirma que é livre a manifestação do pensamento. Garante também a todos o acesso à informação e resguardo ao sigilo da fonte. Em contrapartida, quem se julga atingido na honra pode exigir direito de resposta e indenização.

O promotor Vinicius de Melo Lima, de Torres, pede a condenação do vereador por improbidade e o seu afastamento do cargo “porque, sob o pretexto de participar no mencionado ‘curso de aperfeiçoamento’, com o escopo de obter as respectivas diárias, posteriormente, violou os princípios da legalidade e da moralidade administrativa”.

O curso a que se refere o promotor foi “promovido” em Foz do Iguaçu pela empresa Sistema Brasileiro de Apoio à Administração Municipal (Sibram) entre os dias 27 e 31 de julho de 2010. A reportagem da RBS TV mostra que, no horário em que as aulas deveriam estar ocorrendo, o vereador e vários colegas fizeram compras no Paraguai e visita às Cataratas do Iguaçu. Documentos apreendidos pela Polícia Civil em domicílios dos vereadores mostram que eles assinaram presença nos cursos, como se tivessem frequentado as aulas.

O promotor Roberto Masiero diz que o vereador só não foi denunciado criminalmente em Torres porque o diploma de frequência no curso foi emitido em Foz do Iguaçu, onde o caso será apreciado.

– Em nenhum momento dissemos que ele é inocente. Existem indícios veementes de que o vereador cometeu falsidade ideológica e por isso estranhamos a nota da Ajuris, embora respeitemos – diz Masiero.

O delegado Rodrigo Bozzetto, que indiciou o vereador por falsidade ideológica, explica que agiu assim porque o livro de presença no curso da Sibram em Foz do Iguaçu – apreendido pela Polícia Civil – mostra que os vereadores teriam participado de aulas em dias que, comprovadamente, estavam passeando no Paraguai e nas cataratas. Isso foi comprovado por filmagens feitas pela RBS TV.


“Não tinha obrigação de frequentar o curso”. Vereador cujo nome não pode ser referido - FABIANO COSTA

O vereador que conseguiu na Justiça o direito a censurar a RBS concedeu ontem entrevista a ZH em dois momentos. Primeiro por telefone e, depois, por e-mail.

ZH – Por que o senhor ingressou com pedido para que seu nome não seja mencionado em reportagem? Por que o senhor não falou, quando procurado pela reportagem?

Vereador – O Giovani Grizotti (repórter da RBS TV e autor da reportagem Farra das Diárias) me procurou em Foz do Iguaçu e disse que tinha comprovantes de que usei as diárias para fazer a viagem até aquela cidade. Eu não usei diárias. Aí tentei ser ouvido, enviei e-mails à RBS pedindo para dar entrevista, mas não fui ouvido.

ZH – O senhor aparece passeando nas cataratas e fazendo compras no Paraguai, no horário dos cursos. Mas disse que frequentou os cursos. Como?

Vereador – Não tinha obrigação de frequentar o curso, ali estava para outros fins, conforme informado no inquérito policial. Arquei com os valores da passagem, hospedagem, inclusive os recibos foram emitidos em meu nome, sem qualquer menção ao Legislativo (o que seria correto se houvesse a intenção de requerer diárias). Ali estava como pessoa física. Justamente por isso foi solicitado ao repórter da RBS que não fosse veiculada a minha imagem.

ZH – Por que o senhor assinou livro de presença no curso? Num trecho de depoimento ao promotor, o senhor “admite que falhou ao assinar a lista de presenças” entre 27 e 30 de julho de 2010.

Vereador – Como não estava em Foz do Iguaçu representando a Câmara, e sim como pessoa física, não havia a necessidade de ter assinado a lista de presenças. Foi assinado por solicitação do responsável do curso, mas sem compromisso. Desde o início foi esclarecido que não havia representação da Câmara naquele evento.

ZH – O senhor não chegou a pegar diárias na Câmara, para a viagem?

Vereador – Nem poderia ter solicitado o pagamento de diárias após a viagem, pois esta foi custeada com recursos próprios.

ZH – No processo que move contra a RBS, o senhor admite que é réu no caso da Farra das Diárias?

Vereador – Isso é público. O promotor me denunciou, com base na reportagem da RBS TV. Não sei se na ação que movo contra vocês isso está escrito, só vendo detalhadamente.

ZH – O senhor sabe que, quando cair a proibição, seu nome pode ser divulgado também como autor de uma ação defendendo a censura?

Vereador – (não respondeu)

“Uma visão que remonta à Inquisição”. Miro Teixeira, deputado federal (PDT-RJ)

Autor da ação que resultou no fim da Lei de Imprensa, o deputado Miro Teixeira (PDT-RJ) afirma estar surpreso com setores do Judiciário que submetem a mídia à censura em plena democracia. Advogado e jornalista, Teixeira diz que um agente público não pode invocar a preservação da intimidade quando criticado por seu desempenho profissional. A síntese da entrevista:

ZH – O que vem primeiro: o direito de preservação da imagem de um político ou o direito do cidadão de ser informado?

Teixeira – Neste caso, não há direito a ponderar. Existe um direito do povo à informação verdadeira. Não estamos falando da honra ou da imagem de um cidadão, mas do desempenho de um agente público. Se ele teve um desempenho nocivo, merece a crítica. O vereador que usou recursos públicos indevidamente não está sendo atacado nos seus direitos individuais, e sim por seu desempenho. A atuação do agente público diz respeito a todos os cidadãos.

ZH – Qual deveria ser o papel do Judiciário em episódios que envolvam agentes públicos em suspeitas de irregularidades?

Teixeira – Historicamente, a censura no Brasil foi entregue à polícia ou ao Ministério da Justiça durante as ditaduras. Estranha-me, em um período democrático, a censura ser exercida por setores do Judiciário. Não há possibilidade de agentes públicos invocarem o direito à intimidade em razão de críticas ao desempenho de sua função. Não pode existir censura quanto a procedimentos de políticos e servidores.

ZH – As autoridades brasileiras se consideram intocáveis?

Teixeira – As autoridades se consideram acima do bem e do mal. Elas gostam de elogios, não de reportagens.

ZH – Na sua avaliação, deveriam ser impostos limites à imprensa?

Teixeira – Limite para a imprensa é garantir a diversidade de veículos. As pessoas escolhem o que querem ler. Acompanhamos na Inglaterra o tabloide News of the World se desqualificar por conta dos métodos reprováveis que utilizava. O ideal é que cada cidadão pudesse fiscalizar o poder público, no entanto, é impossível. Quem acaba assumindo esse papel é a imprensa. Marx já dizia: as pessoas têm de ser o cão de guarda de seu direito à informação.

ZH – Há algum caso em que a censura prévia se justifique?

Teixeira – Não há possibilidade. A Constituição assegura direito à indenização ou direito de resposta, entretanto, ambos preceitos indicam que a condenação tem de vir após o fato ser consumado. Publicado algo indevido, o cidadão pode buscar seus direitos.

ZH – Decisões judiciais como a que atinge o Grupo RBS afrontam a liberdade de imprensa?

Teixeira – A cultura do poder contra a liberdade de pensamento vem sendo enfrentada pela era moderna. Há registros na História de pessoas se insurgindo contra o controle da difusão das ideias.

ZH – A censura à RBS não é um episódio isolado. O jornal O Estado de S. Paulo também está proibido de publicar informações sobre investigações contra o empresário Fernando Sarney. Há uma tendência de tentar enquadrar judicialmente a imprensa?

Teixeira – Não creio nessa tendência. O Superior Tribunal de Justiça tem votos magníficos em defesa da liberdade de expressão. Quando chegam ao STJ, essas decisões geralmente caem. No entanto, de forma lamentável, temos no 1º grau e também em alguns Tribunais de Justiça uma visão que ainda remonta aos tempos da Inquisição.

ZH – O senhor concorda com o ministro do Supremo Carlos Ayres Britto, que disse que a imprensa e a democracia são irmãs siamesas?

Teixeira – Subscrevo com honra. Quando a imprensa é ferida na sua liberdade de expressão, o passo seguinte é o fechamento do Congresso e o fim de garantias individuais como o habeas corpus. Sem imprensa livre, não há democracia.

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