Revelamos aqui as causas e efeitos da insegurança pública e jurídica no Brasil, propondo uma ampla mobilização na defesa da liberdade, democracia, federalismo, moralidade, probidade, civismo, cidadania e supremacia do interesse público, exigindo uma Constituição enxuta; Leis rigorosas; Segurança jurídica e judiciária; Justiça coativa; Reforma política, Zelo do erário; Execução penal digna; Poderes harmônicos e comprometidos; e Sistema de Justiça Criminal eficiente na preservação da Ordem Pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio.

sexta-feira, 21 de março de 2014

BRASILEIRO NÃO GOSTA DE POBRE


ZERO HORA 21 de março de 2014 | N° 17739


DAVID COIMBRA




Você sabe por que o corpo daquela mulher foi arrastado de carro por PMs no Rio? Aconteceu dias atrás: uma mulher foi morta em tiroteio entre polícia e traficantes num morro carioca. Os policiais colheram seu corpo do chão e o atiraram no porta-malas. No caminho de ida para o necrotério, o porta-malas se abriu, o corpo da mulher foi jogado para fora e ficou pendurado na traseira do carro, rolando no asfalto por 250 metros, até que o motorista percebeu o que ocorria e parou.

Bem. Por que os PMs fizeram isso? Não foi por maldade. Não era uma vingança, como Aquiles arrastando o corpo de Heitor em Troia. Nem se tratou de algum tipo de diversão macabra. Foi apenas por descuido. Pelo seguinte motivo:

Porque ela era pobre. Brasileiro não respeita pobre, imagina pobre morto. A grande discriminação, o grande preconceito brasileiro não é o racial, é o social. Uma amiga minha, jornalista bem conceituada, outro dia ela conversava com um estrangeiro sobre isso, sobre preconceito, e então disse algo que foi elucidativo: Se eu casar com um negro, ninguém vai achar estranho, no Brasil. Mas se eu casar com um caminhoneiro será um escândalo.

O estrangeiro ficou sem entender nada. Mas é isso. Claro que existe racismo no Brasil. Em todo lugar do mundo existe racismo, porque em todo lugar do mundo o homem teme o que lhe é diferente. Só que o Brasil é, de fato, um país miscigenado, as etnias se misturam e todos, negros, alemães e japoneses, mulatos, mamelucos e albinos, todos são brasileiros. Se for um brasileiro rico, será bem tratado, não importa a cor da pele, o tamanho, o formato ou a procedência. Agora, se for pobre, no máximo contará com a condescendência dos que se acham paladinos dos oprimidos.

O pobre é discriminado por todos, inclusive pelos pobres. Os PMs que arrastaram o corpo daquela mulher decerto não são ricos. Mas, se ela fosse um defunto da Zona Sul, o tratamento seria outro, teria a solenidade que merece a morte.

O brasileiro não respeita o pobre porque o brasileiro não se respeita. O brasileiro não respeita o que é, nem o que faz. Os PMs do Rio não estavam atuando como oficiais em defesa do cidadão. Não. Eles estavam só fazendo o servicinho deles, exatamente como faz a maioria dos brasileiros. Tudo é muito casual por aqui. Você não precisa fazer as coisas com correção, porque ninguém espera correção de você. A correção é uma exceção. É para os trouxas. O Estado brasileiro às vezes é um pai provedor, às vezes é um pai omisso, mas sempre é um pai leniente. É um pai que fecha os olhos aos erros dos filhos.

Você, que é pai, sabe, ou deveria saber: o filho, quando erra, QUER punição. Se não houver punição, ele, na hora, ficará aliviado, mas em seu peito estará impressa a sensação de que o pai não se importa o suficiente com ele e que, se o pai não se importa o suficiente com ele, ele não tem tanta importância e, se ele não tem tanta importância, ele não merece respeito e, se ele não sente respeito por si mesmo, não sentirá pelos outros.

Assim o Estado e o cidadão. Um Estado que é leniente com o cidadão faltoso, passa o recado de que a falta do cidadão não é importante, porque o próprio cidadão não é importante, porque as regras que o próprio Estado instituiu não são importantes, porque o próprio Estado não é importante. Ou seja: não é importante ser cidadão, comportar-se como um cidadão. Aquilo, o Estado, não é dele nem faz parte dele; é terra de ninguém. É o Estado lá em cima e o cidadão aqui embaixo.

A punição do cidadão faltoso indica zelo do Estado, indica que o Estado e o cidadão são parte de uma mesma coletividade. O pobre, o rico e o remediado são, todos, cidadãos, e é isso que faz deles importantes, não o fato de serem pobres, ricos ou remediados.

Os PMs que arrastaram aquela senhora no Rio não se consideram cidadãos e não consideram a senhora cidadã. Eles não sentiram respeito por ela, porque não sentem por si mesmos, como cidadãos. Porque falta atenção do Estado. Falta punição. O brasileiro está clamando por punição. Está ansioso pelo castigo. A punição educa. A punição forma cidadãos.

Nenhum comentário: