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domingo, 23 de março de 2014

HERANÇA VERDE-OLIVA



ZERO HORA 23 de março de 2014 | N° 17741


NILSON MARIANO


LUZ E SOMBRA NA ECONOMIA DA DITADURA


Conduzida por ministros civis, a política econômica do regime militar, iniciado há cinco décadas, entregou ao país grandes obras de infraestrutura, como a freeway, no Rio Grande do Sul, mas aumentou a inflação, arrochou os salários e deixou o Brasil mergulhado em dívidas

Se a economia fosse comparável a uma casa, pode-se dizer que os golpistas civis e militares de 1964 a receberam desarrumada. Eles reconstruíram os alicerces, trocaram a mobília e expulsaram os inquilinos indesejados, erguendo uma mansão aos olhares do mundo, mas não foram capazes de cuidá-la. Ao entregarem o poder, em 1985, a residência estava novamente arruinada, corroída pelo cupim da inflação.

Há méritos e fracassos no modelo econômico da ditadura militar, é o que analisam especialistas consultados por ZH. Se na área política vigorou o horror – tortura, cassações, assassinatos, prisões e perseguições de todo naipe –, na economia houve momentos de prosperidade. Para começar, os generais não se intrometeram nas pastas da Fazenda e do Planejamento, delegando-as a cérebros civis que partilhavam de suas ideias (leia entrevista do ex-ministro João Paulo dos Reis Velloso na página 6).

O professor da Escola de Pós-Graduação em Economia (EPGE) da Fundação Getulio Vargas (FGV), Fernando de Holanda Barbosa, autor de um estudo sobre os 50 anos do Programa de Ação Econômico do Governo (Paeg), pondera que é preciso reconhecer os acertos, até elogiar Roberto Campos e Otávio Gouveia de Bulhões, os quais considera “grandes estrategistas”. A dupla arquitetou o modelo econômico e lançou reformas que elevaram o país ao grau de potência.

– O Brasil foi uma espécie de tigre asiático temporário. O crescimento de cada ano da década de 1970 foi o dobro do obtido em 15 anos – destaca.

Holanda Barbosa se refere ao “milagre econômico”, de 1969 a 1973, quando o país se expandiu a taxas de 11% ao ano. A classe média se refestelou. Comprou a casa própria em amigáveis prestações, teve crédito à farta para andar em Dodge Dart e desfrutar da coqueluche tecnológica da época: a rainha da sala de visitas, a TV. O que acontecia nos porões, onde verdugos trituravam adversários da ditadura a pauladas e choques elétricos, não interessava.

Assim como realça os êxitos, o professor da EPGE/FGV aponta os equívocos. Critica que os ministros civis erraram de estratégia ao pedir dinheiro emprestado aos Estados Unidos e ao Fundo Monetário Internacional (FMI) para enfrentar a crise do petróleo de 1973 e prolongar o milagre. O endividamento encalacrou o país numa hiperinflação de três dígitos por ano.

– No final, entregaram a economia mais ou menos como a receberam, com o país quebrado – analisa Holanda Barbosa.

Aumentou o abismo entre ricos e pobres

O professor de Economia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Pedro Cezar Dutra Fonseca, observa que a ditadura seguiu a linha de Getúlio Vargas, instaurada em 1930, com prioridade ao crescimento industrial, tendo o Estado como tutor. O Brasil já era o mais industrializado daAmérica Latina, mas necessitava de reformas, desde o governo de João Goulart.

– Houve uma modernização conservadora, sem afetar a distribuição de renda do país – define Fonseca.

Outro pecado do regime autoritário, na economia, foi não investir na educação para formar desde operários qualificados até doutores em produção e inovação tecnológica. Houve avanços, é certo, como o Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS), mas para o economista Flavio Tavares de Lyra, autor do ensaio Pós-1964: “milagre” e modernização fugaz, os trabalhadores ficaram em segundo plano.

– O foco era a proteção à expansão do patrimônio das classes empresariais. Foi um modelo elitista– diz Lyra, doutorado pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).

Justamente quando o “milagre econômico” alimentava ufanismos, como retratou a campanha publicitária “Brasil, ame-o ou deixe-o”, a renda dos trabalhadores minguava. Lyra diz que o salário mínimo sofreu perdas de 25% (1964 a 1966) e de mais 15%, entre 1967 e 1973, enquanto o Produto Interno Bruto (PIB) engordava 11% ao ano.

Nenhuma ditadura se prolongaria por duas décadas sem uma economia robusta. O bolo do “milagre” embatumou, como desejava o ex-ministro Antônio Delfim Netto, mas as fatias mais generosas foram reservadas aos afortunados de sempre. Lyra exemplifica que a participação dos 80% de brasileiros mais pobres na riqueza nacional caiu 8,7%, em 1970. As favelas que bordejam as cidades comprovam.


CASA PRÓPRIA, DO SONHO AO PESADELO


A ditadura militar embalou o sonho da casa própria em suaves prestações mensais, a partir de 1964, promovendo o maior programa de financiamento de imóveis da história. Foram mais de 4,5 milhões de moradias pelo país, com o predomínio de conjuntos residenciais.

Quem comprou no início, quando havia fartura de recursos no Banco Nacional da Habitação (BNH), regalou-se. Os que pegaram financiamento depois, quando disparou a inflação na década de 1980, caíram na areia movediça das dívidas.

A diretora da Associação Brasileira dos Mutuários da Habitação (ABMH), Luciane Varisco, ressalta que “ganhou na loteria” quem contraiu financiamento enquanto vigorou o Fundo de Compensação das Variações Salariais (FCVS), que assegurava a quitação do contrato em caso de imprevistos.

Com o fim do mecanismo, as prestações foram corrigidas pela inflação, enquanto os salários não acompanhavam os reajustes.

– Sem o FCVS, o mutuário pagava mensalmente a prestação, mas não cobria sequer o juro do contrato – esclarece Luciane.

A sede gaúcha da ABMH coleciona absurdos. Luciane diz que um mutuário comprou um imóvel avaliado em R$ 250 mil, mas a dívida totalizou R$ 600 mil.

O músico José Mário Teixeira Barros, 69 anos, foi uma das vítimas do descontrole. Em 1980, adquiriu um apartamento de dois quartos, no bairro Cidade Baixa, financiado em 20 anos. Parou de pagar no 15º ano, porque as prestações engoliam os seus cachês. Ingressou na Justiça, para não perder o imóvel, e passou a negociar com a Caixa – a sucessora do BNH.

– Foi quitado em 2010, não deixei de lutar contra o poder econômico – diz Mário Barros.



PROFESSOR PERDEU TRÊS EMPREGOS


Quem discordou do modelo econômico instaurado em 1964 também sentiu a mão pesada da ditadura militar. Por fazer palestras sobre economia e expor opiniões contrárias, o professor Antônio de Pádua Ferreira da Silva foi demitido dos três empregos onde suava para sustentar a mulher e os sete filhos.

Logo depois do golpe, nem reassumiu como professor de matemática financeira na Faculdade de Economia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), onde lecionava há 10 anos. Também perdeu o cargo de auditor no Iapi, o extinto Instituto de Aposentadoria e Pensões dos Industriários. Em 16 de abril de 1964, enquanto expunha a raiz quadrada no quadro-negro do Colégio Estadual Júlio de Castilhos – então uma escola de excelência –, bateram à porta da sala de aula. Ao atender, os dedos sujos de giz, ouviu do policial:

“Olhe, o senhor está detido”.

Hoje com 92 anos, o professor Pádua, como é conhecido, lembra que ficou preso por 49 dias, incomunicável, mas sem sofrer torturas. Sequer foi interrogado. Não lhe perguntaram sobre o Movimento Nacionalista, ligado ao velho Partido Trabalhista Brasileiro (PTB) de Getúlio Vargas, que promovia as palestras pelo país.

– Fui libertado, mas cortaram os meus empregos. No Iapi, fui aposentado proporcionalmente com apenas 22 anos de serviço – conta.


EMPRESÁRIO SE SUICIDOU


O empresariado brasileiro aceitou o regime, com posições que oscilaram da adesão entusiasmada a uma conveniente neutralidade para a sobrevivência dos negócios. Muitos acumularam fortunas, houve até os que conspiraram e deram grana para montar o aparato de repressão, como o industrial Henning Albert Boilesen, de São Paulo, que acabou assassinado por guerrilheiros.

O caso mais exemplar de perseguição foi o dos empresários Celso da Rocha Miranda e Mario Wallace Simonsen, sócios da Panair, a maior companhia de aviação na época. Por serem simpáticos aos governos de Juscelino Kubitschek e João Goulart, viram a Panair ser fechada, em 1965, enquanto as linhas eram distribuídas para a Varig e a Cruzeiro do Sul.

Dono da TV Excelsior, Simonsen era o maior exportador de café do país, mas não resistiu ao desmonte da Panair. Suicidou-se em Paris, em 1965, aos 56 anos. No ano passado, a Comissão Nacional da Verdade (CNV) começou a investigar o assunto. O entendimento é de que as violações não foram consumadas somente com torturas e mortes, mas por pressões políticas e financeiras contra empresários que não afinavam com a ditadura.


Economês militar

SIGLAS

- Paeg – Programa de Ação Econômica do Governo
- PND I e II – Plano Nacional de Desenvolvimento
- FMI – Fundo Monetário Internacional
- BNH – Banco Nacional da Habitação
- SFH – Sistema Financeiro da Habitação

TERMOS
- Dívida externa – a soma de financiamentos contraídos no Exterior por governo, estatais e empresas privadas, ganhou proporção de desafio nacional durante a ditadura.
- Arrocho salarial – a diferença entre o ritmo da inflação e o do reajuste dos salários também era tema no país à época.
- Milagre econômico – como foi conhecido o período de prosperidade de 1969 a 1973.
- Indústria de base – setores pesados, como siderurgia, petroquímica e energia ganharam incentivos durante o regime militar.

MAIORES EMPRESAS EM 1964
- Rede Ferroviária Federal
- Petrobras
- Cosipa
- Grupo Ermírio de Morais
- Vale do Rio Doce
- Cemig
- Grupo Matarazzo
- Grupo Piratininga
- Fábrica Nacional de Motores (FNM)
- Companhia Siderúrgica Nacional
Fonte: Fonte: Enciclopédia Nossa Século

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