Revelamos aqui as causas e efeitos da insegurança pública e jurídica no Brasil, propondo uma ampla mobilização na defesa da liberdade, democracia, federalismo, moralidade, probidade, civismo, cidadania e supremacia do interesse público, exigindo uma Constituição enxuta; Leis rigorosas; Segurança jurídica e judiciária; Justiça coativa; Reforma política, Zelo do erário; Execução penal digna; Poderes harmônicos e comprometidos; e Sistema de Justiça Criminal eficiente na preservação da Ordem Pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio.

domingo, 27 de novembro de 2011

UMA FAÇANHA DE MODELO AO BRASIL


GAÚCHO DA GEMA. Trabalho obsessivo e linguajar que diverte os colegas cariocas são duas marcas do secretário José Mariano Beltrame, santa-mariense que combate o tráfico no Rio com mão forte e cidadania - JOSÉ LUÍS COSTA | ENVIADO ESPECIAL/RIO

Dias depois de assumir a Secretaria da Segurança Pública do Rio, em janeiro de 2007, o delegado da Polícia Federal José Mariano Benincá Beltrame deparou com um apontador de jogo do bicho quase à porta da repartição no complexo da Estação Central do Brasil.

A indiferença do incauto diante de policiais civis e militares fez ferver o sangue de Beltrame. No meio de um formigueiro de gente, o inimigo número um da bandidagem carioca abandonou o carro oficial e deixou os seguranças de cabelo em pé ao ir no encalço do contraventor.

Como se diz no Rio Grande do Sul, o secretário natural de Santa Maria “grudou o homem à unha” e o apresentou, preso, na 4ª Delegacia da Polícia Civil, localizada no saguão do prédio centenário, quatro andares abaixo do seu gabinete.

É com essa obstinação que Beltrame, 54 anos, comanda desde então a instalação das Unidades de Polícia Pacificadora, as UPPs, nos morros do Rio, a mais espetacular cruzada contra o crime no país. O sucesso o transformou em celebridade mundial em matéria de segurança pública. Al Jazeera, The New York Times, BBC, TVs da França, da China, todos querem ouvir o que Beltrame tem a dizer. Entrevistas têm de ser agendadas com até 30 dias de antecedência.

– É um profissional do ramo, qualificadíssimo. Alguém pode falar mil vezes e ninguém ouvir. Ele fala simples, uma vez só, e conquista a confiança de todos – diz o delegado da PF gaúcha, José Antônio Dornelles de Oliveira, amigo de Beltrame há três décadas.

Receio de grampos ao encomendar erva

O “Gauchão”, como é chamado por colegas de governo, se mantém fiel aos costumes forjados entre a roça e a zona urbana de Santa Maria. Recém-nomeado delegado, chegou ao Rio em 2003 (leia mais sobre a trajetória na página 6). Em oito anos, manteve o sotaque e as expressões típicas. No começo, provocava risos entre colegas e subordinados quando se surpreendia com algo e soltava: “vou morrer e, para ver tudo neste mundo, ainda vou ter de doar minhas córneas”.

O eterno verão carioca aguçou o gosto pelo chope supergelado, mas ele segue “dependente químico” do chimarrão. Cumpre o rito pontualmente às 6h em seu apartamento, em Ipanema, ao lado da segunda mulher, Rita Paes, formada em Educação Física, que também trabalha no governo do Estado, e do filho do casal, Francisco, dois anos – Beltrame tem mais dois, Maurício e Mariana, de 29 anos e 23 anos, do primeiro casamento.

Quando precisa encomendar apetrechos para o mate do Rio Grande, faz questão de falar bem claro ao telefone. É o temor de cair em um grampo, ser mal interpretado e por em risco a imagem de homem incorruptível.

– Se falam que vão me levar um negócio, aí, eu pergunto: “Que negócio? É erva-mate para o chimarrão, né?” Seguro morreu de velho.

Ao raiar do sol, Beltrame vai para um curso de inglês seguido por uma caravana de nove guarda-costas. Depois, malha em uma academia. Os seguranças ficam do lado de fora.

– As pessoas veem que sou de carne e osso, que meu coração bate igual ao deles.

Quando a agenda permite e a hérnia de disco dá trégua, Beltrame pratica seu hobby favorito. Caminha de oito a 10 quilômetros à beira da Lagoa Rodrigo de Freitas. Se decide correr, relembrando os tempos de lateral-direto de muito fôlego e pouca bola no time da PF, os guarda-costas se obrigam a acompanhar.

– A segurança fica desesperada. Mas fiz uma boa ação. Botei todo mundo em forma. No começo, não estavam acostumados. Eu só ouvia os gritos: “ai, ai, ai, abri a panturrilha, abri a virilha” – conta, às gargalhadas.

O fôlego ainda suporta alguns exageros como em agosto: varou a noite dançando com jovens de uma favela em um baile de debutantes e, na manhã seguinte, completou os 21 quilômetros da Meia Maratona do Rio.

Entre garfadas, a ideia das UPPs

Beltrame chega ao gabinete abraçado a uma garrafa térmica. A mateada vai até o meio-dia, “lavando as tripas”, como costuma dizer. O trabalho não para no almoço. Pelo contrário. Beltrame garante que é o momento mais produtivo da jornada que se alonga, às vezes, além das 21h. Para trocar o restaurante pelo gabinete, organizou uma vaquinha entre assessores diretos – tem cinco subsecretários, quatro deles delegados da PF – e, com o dinheiro, paga uma cozinheira e os alimentos, saboreados em uma sala anexa:

– Nesta região é ruim de sair para comer. E tem de movimentar o aparato de segurança. Almoçando juntos, aqui, é uma maneira de despachar. Ali nasceu a ideia das UPPs e uma série de outras coisas. Estou convencido que essas reuniões nas quais você deixa a informalidade funcionar são muito mais proveitosas. “Por que a gente não ocupa o Alemão (conjunto de favelas)? Tá louco? Mas se fizer isso ou aquilo?” Aí, o almoço de 20 minutos vira duas, três horas, e a gente sai dali, cada um com uma missão.

Beltrame se delicia com comida simples: nhoque, salada verde, pudim de leite. Mas se lambe por um churrasco:

– O paladar daqui é pela carne mal passada. Dão aquela sapecada e, às vezes, fica com gosto de carvão. Agora, o pessoal já me conhece. Serve uma costela no espeto. E tem de ter gordura. Carne magra é para doente.

Bloquinho em vez de redes sociais

Apesar da pressão diária, Beltrame é tão dedicado aos afazeres que não se sente à vontade em descansar. Acredita na máxima de que “o boi só engorda com o olhar do dono”. Completa cinco anos como secretário em janeiro, sem jamais tirar férias.

– Não tenho esse plano agora. Me preocupo mais fora, parado, do que aqui.

No gabinete de 60 metros quadrados, toma as decisões que movimentam os 55 mil homens das polícias Civil e Militar fluminense.

Anota o mais importante em um caderninho surrado com distintivo do FBI. A agenda tradicional, com capa de couro preta, fica só para registro dos compromissos formais. Beltrame ainda é meio xucro com as novas tecnologias. Na internet, usa só o “feijão com arroz” para receber e enviar documentos por e-mail e acompanhar o noticiário. Esquiva-se de redes sociais para evitar dores de cabeça.

Embora já tenha sido ameaçado de morte 18 vezes, Beltrame não se sente bem enfiado em um colete à prova de balas. Confia na equipe de segurança e na proteção divina de Nossa Senhora Medianeira. Uma réplica em ferro da padroeira do Rio Grande do Sul fica ao alcance da mão. Católico fervoroso, não perde uma missa de domingo. Reveza-se em duas capelas, a Nossa Senhora da Paz, em Ipanema, e a da PUC, na Gávea. Sempre com seguranças dissimulados como fiéis. Mas nem tudo é trabalho e missa. Beltrame se incorporou aos ritmos do Rio.

– Me apaixonei pela cidade – confessa.

Vai a shows como o Rock In Rio, o de Paul McCartney e ao Sambódromo. Foi na quadra do Salgueiro, em 2004, que conheceu Rita, durante um dos primeiros passeios fora do alojamento da PF onde vivia enfurnado. Por conta da nova paixão, simpatiza com o Vasco, time da mulher, mas mantém o Inter em primeiro lugar.

Tropa de elite em defesa do Inter

Raramente tem tempo de ir aos estádios. No domingo passado, horas antes da partida do Inter contra o Botafogo, no Engenhão, ele foi com a família até a concentração conversar com jogadores e torcedores. No microfone da Rádio Gaúcha, brincou que liberaria os caveiras do Bope para defender o colorado.

E qual será seu futuro? Beltrame rejeita a política. O mais perto disso são eventos como o jantar que teria no dia em que recebeu ZH, um encontro com empresários em busca de doações para UPPs. Hoje, o grande benfeitor na iniciativa privada é Eike Batista, que assegura R$ 20 milhões ao ano até 2014. Beltrame ressalta a missão de instalar 40 UPPs – está na metade do caminho –, para depois traçar novos planos. Deixa escapar um:

– Tenho aquela coisa meio de filho de imigrante, criado na terra. Gostaria de um dia, se possível, ter um canto, onde pudesse sujar as mãos na terra, criar, plantar. Meus avós eram da roça, meus pais sempre tinham isso...

Desejo simples de um interiorano à frente da maior revolução contra o crime na história do Brasil.


“É branquear os cabelos ou se esconder embaixo da mesa”. José Mariano Beltrame, secretário da Segurança do Rio.

Entre audiências e reuniões, o secretário da Segurança Pública do Rio de Janeiro, José Mariano Benincá Beltrame, recebeu em seu gabinete, na quarta-feira, uma equipe de Zero Hora. Durante 50 minutos, falou da rotina de trabalho estafante no Rio. A seguir, trechos da entrevista:

ZH – Há um ano, o Complexo do Alemão foi ocupado (28 de novembro de 2010). Em 2011, as forças de segurança avançaram para Rocinha e Vidigal. O que mais lhe dá satisfação nestas conquistas?

Beltrame – Ver as mães quando faço visitas em comunidades com UPPs. Vi uma avó com uma criança de colo dizendo: “ó secretário, esse é meu neto, vai fazer dois anos e desde que nasceu nunca ouviu um tiro”. Respondi que, se Deus quiser, não vai ouvir. Isso marcou bastante. Assim como vejo uma pessoa com uma conta de luz na frente de uma casinha humilde, e ela diz “com essa continha de luz vou ali na esquina e abro um crediário”. Isso é cidadania.

ZH – E o momento mais difícil?

Beltrame – Desde o início foi muito difícil. Fomos recebido com a cidade sendo metralhada. Incendiaram ônibus, metralharam delegacias, porque, eu mesmo antes de assumir, disse que ia mandar os líderes (das facções) para presídios federais. E o Comando Vermelho tentou se insurgir e fez ações muito fortes e eu nem tinha assumido. Nos dois primeiros dias, eu dormi aqui nesse sofá. A morte dos meninos João Hélio (arrastado durante o roubo de um carro em 2007) e do João Roberto Soares (baleado em abordagem equivocada da PM, em 2008) marcaram muito.

ZH – Pensou em desistir?

Beltrame – Volta e meia, como diz o gaúcho, isso passa pela cabeça da gente. Eu digo, que, se eu pensasse em mim e em meus companheiros, talvez, agora, fosse momento de sair por cima. Mas se pensarmos no projeto para esse Estado, a gente vê que tem muita coisa a se fazer.

ZH – Como recebeu o convite para ser secretário?

Beltrame – Na época, a equipe do governador Sérgio Cabral procurava uma delegado federal para ser secretário. Meu nome foi ventilado para fazer uma proposta de segurança pública. Conversamos muito sobre o tema. Saí dessa reunião e fui para Santa Maria, era 14 de novembro de 2006. Aí, tocou o telefone e era o governador. Confesso que deu um gelo. Mas é aquela história do cavalo passar encilhado. Não dormiria em paz se não aceitasse.

ZH – Como é sua relação com o governador Cabral?

Beltrame – Ele me disse: “você faça o que tem de ser feito, e a política faço eu”. Nos ficamos, às vezes, 10 dias sem se falar. Nunca tocou um telefone para pedir por um delegado, um coronel, “bota o Fulano ali, tira o Fulano dali”. Ou, “não faz isso que vai macular a imagem tal”. Foi um homem que garantiu isso lá em 2006 e sustenta até hoje. Não me vejo aqui sem ele ou alguém muito ligado a ele.

ZH – Ganhou cabelos brancos e perdeu alguns fios?

Beltrame – Quem quer sentar ali (aponta para a mesa) e fazer, vai branquear os cabelos ou vai se esconder embaixo da mesa. Não há outra alternativa a não ser viver isso 24 horas por dia. São decisões difíceis, posicionamentos fortes, dignos de branquear os cabelos.

ZH – As milícias lhe preocupam mais do que o tráfico?

Beltrame – No geral, não dá para dizer que o tráfico seja organizado. A milícia se desenha mais como crime organizado. Ela usa muita violência, usa o agente público. Além disso, ela conta com a polícia. Se investigar isso já é difícil, investigar com o componente polícia se torna ainda mais difícil. Nós temos ações contundentes. Cheguei aqui, tinha seis milicianos presos. Hoje tem 800.

ZH – O senhor encara a morte da juíza Patrícia Acioli como uma derrota em meio a tantas batalhas vencidas?

Beltrame – Não tenha dúvida. Não podemos ganhar todas. Tentaram calar a boca do Judiciário e isso é muito ruim. Mas o mesmo Estado que sofreu uma ação triste dessas é o mesmo que soube prender essas pessoas e entregar para a Justiça.

ZH – Foi por isso que o comandante da PM (coronel Mário Sérgio Duarte) foi exonerado? Foram quatro comandantes da PM e três chefes da Polícia Civil. Não é muita troca?

Beltrame – O comandante (Duarte) trouxe para si a responsabilidade da nomeação (do tenente-coronel Cláudio Luiz Oliveira, acusado como mentor do crime). E ele soube reconhecer que, acima dele, existe um projeto para o Estado. Gostaria que fosse um nome só. Mas a gente vai procurando entender se precisa trocar ou não. Sou exigente. A começar comigo.

ZH – O senhor é visto na rua sem colete à prova de balas...

Beltrame – Eu e minha família, graças a Deus, não pensamos muito nisso. Quando a polícia prende corretamente as pessoas, acho que isso não compromete a nossa vida. No linguajar policial, se diz ao bandido que ele perdeu. E ele sabe, dentro dele, que perdeu.



COMENTÁRIO DO BENGOCHEA - Bela e justa homenagem do Jornal Zero Hora a este bravo e honesto delegado da polícia federal atuando na frente da Secretaria de Segurança de um Estado que, no país, paga os piores salários aos policiais, detém os níveis de criminalidade mais elevadas, onde tem o maior número de mortes em enfrentamento, onde a corrupção é mais evidente e onde o poder do crime é mais saliente, forte e abastecido com armas de guerra. A decisão de recuperar as comunidades do poder do tráfico através da ocupação policial ao invés de continuar as políticas de enfrentamento onde mais morriam vítimas inocentes e policiais que bandidos, é seu maior mérito. Neste objetivo contou com estratégias que defendi no meu livro "Ordem e Liberdade"(PolOst.2006)num capítulo denominado "Como vencer a guerra do Rio". Ele foi além, conquistou o coração e a motivação de policiais bravos e honestos que há muito tempo já pediam medidas deste porte, estabelecendo ações prevendo a redução de riscos para as comunidade envolvidas.

Pena que todo este esforço tem sido inutilizado na continuidade, onde justiça, MP, defensoria e setores sociais ainda não estão devidamente comprometidos, assim como não estão a AL-RS e o Congresso Nacional na elaboração de leis rigorosas (sem brechas para a impunidade e conflitos constitucionais) e na construção de sistemas, nacional e estadual, de ordem pública envolvendo e aproximando o Poder Judiciário cumprindo sua função coativa. Sem estas medidas e mantendo a política de desvalorização salarial dos policiais, com o tempo, as UPPs se enfraquecerão e a bandidagem continuará operando no Rio e migrando técnicas mafiosas para outros Estados ainda despreparados e executando política partidária nociva dentro das secretarias de segurança.

Nenhum comentário: