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segunda-feira, 17 de outubro de 2011

DEMOCRACIA REAL PASSA POR EDUCAÇÃO DO POVO

ENTREVISTA ESPECIAL - Democracia real passa por educação do povo, ensina Petracco - Guilherme Kolling, João Egydio Gamboa e Adão Oliveira - JORNAL DO COMERCIO, 17/10/2011


''O movimento estudantil foi implodido pela reforma universitária da ditadura'', diz.
O presidente de honra do Partido Socialista Brasileiro (PSB) no Rio Grande do Sul, Fulvio Petracco, filiou-se há 50 anos. Foi um dos protagonistas da refundação da sigla no Estado após a redemocratização, em 1986. Naquele ano, candidatou-se a governador para ajudar a formar a legenda. Lançou o bordão “Petracco neles!”, conhecido até hoje. Depois de 25 anos, ele observa que o PSB já tem estrutura para chegar ao poder, mas é crítico em relação à atuação dos partidos, inclusive o seu, e à democracia no País. Também questiona a atuação de sindicatos e aponta para a implosão do movimento estudantil. Nesta entrevista ao Jornal do Comércio, Petracco sustenta que o aperfeiçoamento da democracia passa pela ampliação de mecanismos de cidadania como o Orçamento Participativo e pela educação. “Um povo, para viver uma democracia, deve viver em ampla e absoluta liberdade. E só se pode conceder ampla e absoluta liberdade a um povo educado.”

Jornal do Comércio - Como surgiu o bordão ‘Petracco neles!’?
Fulvio Petracco - Foi na reconstrução da democracia. Era para ser contra todos os políticos partidários consentidos pelo golpe militar - Arena, MDB e seus sucedâneos. O discurso era de que todos que estavam aí representavam a mesma coisa, então, Petracco neles todos! Até hoje eu ando pela rua e falam: “Petracco neles!”

JC - E sua filiação partidária? O senhor era comunista na época do movimento estudantil?
Petracco - Não, sempre fui socialista. Eu me filiei ao PSB em 1961, depois da Campanha da Legalidade. Tinha uma visão de justiça social, oportunidades iguais.

JC - O caminho convencional na época da Legalidade seria optar pelo trabalhismo, o PTB de Leonel Brizola e João Goulart.
Petracco - É que na universidade eu representava o corpo discente e convivi com dois catedráticos fantásticos: os professores Bruno de Mendonça Lima e Rubem Maciel, filiados ao PSB. E também em função do Cândido Norberto (deputado estadual do PSB), eu, que não tinha filiação - os universitários eram mais PTB -, disse: “Vou assistir a uma reunião do PSB”. O presidente do partido era o Germano Bonow Filho, pai do ex-secretário da Saúde. E me surpreendi. Cheguei e perguntaram quem eu era, porque estava num canto, e me chamaram. E eu lá, na reunião do diretório do Partido Socialista. Um ambiente liberal, democrático, todo mundo participando. O PTB era caudilhado, sob o comando de três ou quatro. E eu, como jovem, não queria aquilo. Filiei-me ao PSB e nunca mudei de partido.

JC - Mas o partido foi para a clandestinidade na ditadura...
Petracco - No golpe de 1964, eu fui parar na primeira lista de cassados. E cassaram quase que a totalidade dos mandatos dos parlamentares socialistas. Mas continuei no PSB e vou continuar enquanto a injustiça perdurar, enquanto esse mundo estiver envolvido por essa incompreensível relação de poder que se estabeleceu entre os políticos, o Estado e o povo.

JC - Qual é a sua avaliação da democracia no Brasil?
Petracco - Estamos a caminho de construí-la, passo a passo, mas longe de chegar lá. A democracia plena eu considero uma utopia.

JC - Os movimentos anticorrupção que estão nas ruas agora falam muito no slogan ‘Queremos democracia real’. O que quer dizer isso na sua avaliação?
Petracco - Um povo, para viver uma democracia, socialista, deve viver em ampla e absoluta liberdade. E só se pode conceder ampla e absoluta liberdade a um povo educado, que saiba respeitar o direito dos outros, que saiba que a liberdade de cada um não tem limites até o momento em que ela encontra a do seu vizinho. A democracia é uma consequência disso tudo. É um processo que deve ser construído por uma Nação, não pelo Estado nem pelos políticos. É um processo de vivência popular.

JC - Mas isso vai demorar...
Petracco - Aí recorreria à termodinâmica: “A previsibilidade dos fenômenos é possível e pode ser matematicamente definida. Mas a velocidade em que eles se realizam é uma incógnita.” Como diria Machado de Assis: “Socialismo é um sonho. Nós chegaremos lá a seu tempo”.

JC - E o que o senhor acha de setores historicamente atuantes da sociedade, como sindicatos e os movimentos estudantis?
Petracco - Esses setores da sociedade foram explodidos, ou implodidos, pela ditadura. Hoje não se pode mais falar em movimento universitário. O movimento universitário é uma célula da sala de aula, os colegas da mesma cadeira. Eu fui paraninfo de uma turma de Engenharia e me surpreendi com o fato de que alguns formandos foram se conhecer nas reuniões de organização da festa de formatura.

JC - É um dos reflexos da reforma universitária na ditadura?
Petracco - Evidente. Isso foi um projeto dos norte-americanos junto com o Golbery (do Couto e Silva) e o ministro Jarbas Passarinho. Acabaram com as turmas (nas faculdades). E hoje os alunos fazem o curso inteiro sem se conhecer. A convivência entre colegas é que favorecia o crescimento do conhecimento. E, a partir dessa turma solidária nos estudos, se formava uma turma solidária para as festas e para as manifestações políticas. Hoje não tem mais isso. Mesmo depois da redemocratização não se recuperou isso.

JC - E os sindicatos?
Petracco - Os sindicatos enriqueceram com as contribuições sindicais, fizeram células de poder permanentes e perderam a representatividade. Os bancários agora estão terceirizando os piquetes. Tenho um parente que é bancário e diz: “É absurdo contratar pessoas para fazer piquetes”. Respondi: “Concordo, mas tu ajudou a militância?” Ele disse que não. Então, na medida em que os bancários se omitem, dão lugar para que a direção dos sindicatos, rica com a contribuição sindical, possa contratar terceiros para fazer um trabalho político, que é indelegável.

JC - Um dos temas do momento no País é a Comissão da Verdade. Qual é a sua opinião?
Petracco - Tenho amigos que perderam familiares de forma inexplicável. Um colega estudante de Medicina se ligou à Guerrilha do Araguaia, ajudava as populações locais, fazia partos... E foi pego pelas forças da repressão. A família não faz ideia do que aconteceu. É absurdo. Tem que resgatar essa história. E há muitos outros casos. Não se sabe que fim levaram. É algo que não pode ser escondido eternamente. Que se perdoem os torturadores, mas que não se apaguem os rastros do que eles cometeram para que isso não se repita depois.

JC - Então o senhor é contra a revisão da Lei da Anistia?
Petracco - Foi torturador? É um crime hediondo, difícil de se aceitar, mas eu sou humano e tenho que aceitar que a pessoa se arrependa. Eu sou contra o pecado, não contra o pecador. O pecador tem que receber o perdão. Mas o pecado tem que ser abominado.

JC - Voltando à redemocratização, o senhor foi um dos fundadores do PSB aqui no Estado.
Petracco - Em 1986 concorri a governador. O partido cabia dentro de uma Kombi. Trabalhei para reorganizar o PSB - tinha um caminhãozinho vermelho, que botei a serviço do partido. Em Passo Fundo, tinha feito uma votação fantástica (em 1986). E (em 1990) nem fiz campanha e elegemos o Beto (Albuquerque a deputado estadual). Segui na prática o discurso de que o partido não pode ter dono. Incentivei o debate interno, renunciei ao cargo de presidente - foi eleito outro companheiro - para realmente fazer um partido, com mudanças no comando. A minha carreira, que adoro, é a de engenheiro. Nunca precisei de cargos.

JC - E 25 anos depois? Há críticas aos partidos políticos. O senhor é crítico ao PSB hoje?
Petracco - Hoje não. Sempre fui crítico, por melhor que o partido fosse. A autocrítica é necessária. E é isso que desapareceu.

JC - Qual deve ser a postura dos socialistas?
Petracco - A primeira coisa é ser o retrato do que quer que os outros façam. Não posso querer uma nação que proíba a reeleição permanente se permitir isso no partido. Se o partido não se abre à participação de militantes...

JC - E o presidente nacional do PSB governador de Pernambuco Eduardo Campos, que elegeu a mãe, Ana Arraes, para o Tribunal de Contas da União?
Petracco - Isso é socialismo? Não é. Não estou dizendo que os dirigentes do PSB hoje no Brasil sejam o exemplo do que eles pregam para os outros. Está desvirtuado. O PSB se contradiz na medida em que propõe uma coisa e faz outra. Não é esse o caminho.

JC - E aqui no Rio Grande do Sul, como está o PSB?
Petracco - Também com dificuldades; as pessoas se mantêm na direção, a participação da militância no debate interno é fraca, quando deveria ser dinâmica, agitada. Discurso único não leva para o futuro.

JC - É um problema do PSB ou há uma crise em todos os partidos políticos do País?
Petracco - Acho que sim. Só que isso passa a ser mais grave quando um partido (como o PSB) que tem a aspiração de ser transformacionista não se transforma... À medida que eu ouvia notícias de que o meu partido (nas eleições de 2010) poderia estar junto do PR, PPS, do PP! Mas, por favor, tchê! Esse é o Partido Socialista Brasileiro, que pagou um alto preço durante a ditadura. Como vai buscar aliança com afilhados da ditadura? Isso é inaceitável, é negar a nossa história... Quando concorri ao governo em 1986, foi para reorganizar o partido, e ali recomeçou, com ideias e propostas. Mostrando que, embora não tivesse força para chegar ao poder, dadas as circunstâncias, era um partido que tinha cacife.

JC - E a participação do PSB no governo Tarso Genro (PT)?
Petracco - Agora Tarso disse que vai retomar o Orçamento Participativo. É positivo, vai ser um avanço na participação popular. Quanto mais formas de participação popular, melhor - Consulta Popular, e também é importante que a Assembleia Legislativa se abra para ouvir as propostas populares.

JC - E sua avaliação da presidente Dilma Rousseff (PT)?
Petracco - Até aqui, muito boa. E, pelo fato de ser mulher, ela tem que provar sua capacidade representando o governo nacional, e isso ela já venceu de forma brilhante. Vi o discurso nas Nações Unidas, prova de que superou essas dificuldades. E também destaco a forma como está intervindo nessa questão de não permitir que trabalhem com ela pessoas sujeitas a investigações com fundo de verdade - coisa que o Lula (PT) não faria.

JC - O senhor apoia esses movimentos populares anticorrupção”?
Petracco - É uma coisa perigosa. Esse filme já assisti no passado. A pretexto de combater a corrupção, a UDN e os militares fizeram golpes e várias tentativas de golpes militares. Temos que ir com muito cuidado. Movimento popular é uma coisa. No momento em que esse movimento popular pode ser dirigido por estruturas de poder, aí é perigoso...

JC - Como o senhor vê a participação do PSB nas eleições municipais de 2012?
Petracco - O partido não tem condições de enfrentar a concorrência na prefeitura de Porto Alegre se quiser ganhar - porque hoje já é possível o PSB concorrer numa eleição para chegar ao poder, não é mais concorrer só para fazer bandeira. Então, se possível, deve se coligar com partidos da mesma linha ideológica. Seria possível discutir plano de governo com os comunistas, com o PDT. Agora, jamais com o PP, PPS, DEM, PSD...

JC – Está encaminhada uma aliança com a pré-candidata do PCdoB, Manuela d’Ávila.
Petracco - É viável, está dentro do programa, aproximando-se de uma linha socialista. Mas deve ser debatido no partido, não pode haver alinhamento automático.

JC - E o PT?
Petracco - O PT só aceita coligação com uma condição: que eles tenham a cabeça de chapa. Cabe a pergunta a eles: por que isso? A rotação é importante.

Perfil

Fulvio Celso Petracco, 75 anos, nasceu em Passo Fundo. Veio para Porto Alegre ainda na infância. É formado em Engenharia Mecânica e Elétrica pela Ufrgs, com pós-graduação em Engenharia de Processos pela Escola Nacional de Engenharia Química. Começou suas atividades políticas no movimento estudantil, atuando na União Gaúcha de Estudantes Secundários. Já na universidade, presidiu a Federação dos Estudantes Universitários da Ufrgs, tendo destacada atuação na Campanha da Legalidade, em 1961. Socialista, filiou-se no mesmo ano ao PSB. Nas eleições de 1962, elegeu-se suplente de deputado estadual, sendo cassado após o golpe militar de 1964. Na redemocratização, foi um dos fundadores do PSB no Estado, em 1986. Comandou a sigla por alguns anos e hoje é o presidente de honra do PSB no Rio Grande do Sul. Foi candidato ao governo do Estado em 1986, a prefeito de Porto Alegre em 1988, a deputado estadual em 1990 e a vereador em 1996. Hoje, trabalha como consultor de engenharia, função que exerce há décadas.

COMENTÁRIO DO BENGOCHEA - Concordo em parte com o autor do artigo. Primeiro, se a ditadura implodiu o movimento estudantil, o que dizer agora que este movimento está amordaçado por recursos pagos pelo governo? Concordo que a educação é vital para a vigência de uma democracia real, porém, esta educação não pode ser voltada apenas para a cidadania (defesa de direitos), esquecendo o civismo (deveres, contrapartidas e obrigações do cidadão na defesa da sua pátria) e as questões de ordem pública (respeito às leis, à autoridade e à paz social). São três fatores que interagem para uma cultura onde a supremacia do interesse público garante o direito de cada um e o desenvolvimento da pátria.

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