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quinta-feira, 6 de outubro de 2011

O ENIGMA DO CORONEL

J. A. PINHEIRO MACHADO - ZERO HORA 06/10/2010

Os jornais da semana noticiam declarações de indignação contra uma placa afixada na USP, que se referia à “Revolução de 64”, em vez de “golpe militar de 64”. Diante dos primeiros protestos, a placa foi imediatamente retirada.

Um velho amigo, o coronel Juca, que considero “meu reacionário favorito”, queixou-se da “injusta arbitrariedade”. Diz ele que o “espírito da Revolução de 64 está mais pujante do que nunca”.

Diante da minha perplexidade, ele me serviu uma tigela da ambrosia de uma tia com mãos de fada, dona Bibica, e começou a revelar sua visão dos fatos: “A tentativa de regulamentar os jornais, impondo limites às opiniões na mídia, sempre foi um dos nossos princípios na Revolução de 64. Veja agora: estão censurando até propaganda de calcinha!”.

Quase me engasguei com a ambrosia.

“Mais uma coisa. A reforma política. Outro princípio da Revolução foi afastar o povo das decisões. Vamos combinar, aqui entre nós, que o povo não está preparado para votar. Agora se encaminha uma solução que, nos velhos e bons tempos, quando estávamos com os tanques na rua, nos faltou coragem para fazer: em vez do povo votar em candidatos, vamos apresentar listas prontas dos nomes a serem eleitos! Fomos tímidos: criamos apenas senadores biônicos...”

Ah, esta ambrosia parece um poema de açúcar, pensei rapidamente. Mas voltei ao debate com disposição redobrada. Tentei ponderar ao coronel que não era bem assim, que havia um debate nacional sobre o assunto...

“Debate nacional? Em gabinetes fechados? Você foi ouvido? Convocaram um plebiscito?”

Em vez de apartear, elogiei o doce da dona Bibica e aceitei o cálice de vinho do Porto.

O Porto estava admirável. O coronel aproveitou enquanto eu me deliciava com um gole mais demorado e continuou com sua metralhadora verbal: “O sistema eleitoral brasileiro, com todos os seus defeitos, nem com os tanques nas ruas conseguimos alterá-lo em 64. Além disso, vocês, que gostam de falar em democracia, ordem constitucional etc., devem lembrar que ocorreu uma Constituinte em 1988, que referendou esse sistema que está aí. Ai de nós, naqueles tempos, se tivéssemos essa audácia...”

E concluiu enigmático: “A explicação para tudo isso está naquele livro que você traduziu: Il Gattopardo, de Tomasi di Lampedusa”.

Dona Carmelita, esposa do coronel, insistiu que eu ficasse para o jantar. O cardápio incluía empadão de galinha caipira desfiada, purê de aipim com bacon, omelete com cogumelos frescos, lombinho de porco, macarrão al doppio burro... e ovos-moles na sobremesa!

Com coração partido, recusei. Eu tinha pressa para chegar em casa e decifrar o enigma do coronel. Estava lá, na página 35 do livro de Lampedusa. Tancredi explicando ao seu querido tio, o poderoso Príncipe de Salina:

“Se não estivermos lá também nós, eles acabam fazendo uma república. Se queremos que tudo fique como está, é preciso que tudo mude. Consegui me explicar?”.

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