Revelamos aqui as causas e efeitos da insegurança pública e jurídica no Brasil, propondo uma ampla mobilização na defesa da liberdade, democracia, federalismo, moralidade, probidade, civismo, cidadania e supremacia do interesse público, exigindo uma Constituição enxuta; Leis rigorosas; Segurança jurídica e judiciária; Justiça coativa; Reforma política, Zelo do erário; Execução penal digna; Poderes harmônicos e comprometidos; e Sistema de Justiça Criminal eficiente na preservação da Ordem Pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio.

terça-feira, 30 de novembro de 2010

A GUERRA DO RIO - ENFIM, O ESTADO!


Enfim, o Estado!, por Romeu Karnikowski, Advogado e sociólogo - Zero Hora 30/11/2010

O Rio de Janeiro é a cara mais evidente do Brasil, refletindo suas belezas, seus esplendores e seus fascínios, mas também suas contradições, suas mazelas e degradações. É uma cidade profundamente partida, cindida no seu coração há décadas por políticas que plasmaram o apartheid social que está na origem da violência e do banditismo que grassou na cidade, sobretudo, nos últimos 30 anos. Como se vê, o Estado está paradoxalmente na origem das agruras vividas pela comunidade carioca, num processo que vem se acumulando há mais de cem anos.

O Estado moderno foi constituído sob três princípios fundamentais: o legislativo, o jurisdicional e o administrativo. Ao longo do século 20, o Estado foi carregado de funções tais como atribuir educação, saúde, fomentar a economia e construir infraestrutura, entre as quais o saneamento básico. Mas existe uma função que é muito mais remota e que na verdade fundamentou a existência do Estado ao longo dos séculos: a segurança.

O próprio conceito de cidadania tem origem na ideia de segurança, quando na Antiguidade as cidades-Estados concediam o “direito de cidade” para proteger pessoas dos inimigos, das feras e dos salteadores. O Estado brasileiro, durante muito tempo, reconheceu a cidadania dos ricos e criminalizou os segmentos marginalizados, cuja forma se sedimentou no Rio Janeiro. Desse modo, a atua-ção das forças de segurança nos complexos da Penha e do Alemão no Rio de Janeiro, contra os narcotraficantes, representa a retomada pelo Estado de áreas deterioradas pelo crime e pela violência. A ausência do Estado nessas áreas tem origem nas medidas de modernização, urbanização e saneamento desencadeadas no primeiro quartel do século 20, no sentido de fazer do Rio a “Paris dos Trópicos”, mas cujo resultado foi empurrar milhares de cariocas para os morros da cidade, onde ficaram sem uma estrutura mínima de vivência.

Os soldados retornados da Campanha de Canudos (1897) logo denominaram essa nova realidade de “favela”, em alusão à gramínea e ao ambiente que havia no arraial dos jagunços de Antonio Conselheiro. A Revolta da Vacina, de 1904, é o acontecimento mais emblemático contra essas políticas “modernizadoras” que na prática acabaram segregando a maioria da população da cidade. No filme Assalto ao Trem Pagador, de 1961, Roberto Farias mostra com maestria as contradições sociais vivenciadas pela cidade entre as pessoas segregadas dos morros e os bem vividos da planície. Mas o verdadeiro cenário de fundo dessa obra-prima é a miséria que grassava nos morros da Cidade Maravilhosa, de onde emergem seus protagonistas trágicos. Na verdade, as lentes de Roberto Farias mostraram cruamente o resultado das políticas modernizadoras do início do século 20, que no final tornaram os morros áreas criminalizadas.

Assim, onde gerações inteiras foram jogadas à própria sorte, sem a presença do Estado no fornecimento de infraestrutura básica, especialmente de segurança, os narcotraficantes encontraram o ambiente geograficamente favorável às suas atividades desde os anos 80. Somados a isso, os policiais advindos do regime militar agiam de acordo com a doutrina da ordem e não da segurança, ou seja, visavam à manutenção da ordem do Estado e não da segurança das pessoas. A Constituição de 1988, em seu artigo 144, subverte esse princípio dado pelos DLs 317/67 e 667/69, de modo que o sucesso da ação das polícias fluminenses somente foi possível com o conceito da polícia de segurança, cujo objetivo é a preservação da vida das pessoas e não do Estado ou de um regime.

A tomada do complexo da Penha e do Alemão pelas forças de segurança está carregada de simbolismo que deve ser aproveitado pelo poder público para começar a reparar o seu próprio erro, que se perpetua há mais de cem anos. Essa reparação é o estabelecimento do Estado com todas as suas prerrogativas nos morros do Rio de Janeiro e dessa forma afirmar: enfim, o Estado.

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