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quinta-feira, 3 de março de 2011

GUERRAS DO RIO

Miriam Leitão, da coluna no GLOBO, 27/02/2011

O secretário de Segurança do Rio, José Mariano Beltrame, luta duas guerras ao mesmo tempo. A mais conhecida é a da ocupação das favelas do Rio, libertando-as do controle dos chefes do tráfico. Ele corre para que 2.200 policiais estejam prontos até 31 de outubro para começar a UPP do Alemão. A outra guerra ele chama de "assuntos internos", a corrupção policial. Como a primeira, essa vai continuar.

A diferença entre uma e outra é que na ocupação das favelas há charme e apoio dos dois lados da cidade do Rio, que sonha um dia em não ser partida. O próprio nome é doce: Unidades de Polícia Pacificadora (UPP). Na outra, o risco é que cada caso pareça apenas briga de gangs da polícia. Mais que interna, parece intestina. Confirma a velha desconfiança da população na polícia.

Uma coisa Beltrame não faz, por mais que um jornalista insista: acusar Alan Turnowsky. Gaúcho, ele esquiva como um mineiro, lembra que seu ex-chefe de polícia foi indiciado por vazamento de informações, mas que pode ainda provar sua inocência. Admite apenas que ele errou quando cercou e invadiu a Draco, Delegacia de Repressão ao Crime Organizado, sem uma acusação sólida.

Atacar essa segunda frente é parte do sucesso da primeira. Ou a população confia na sua polícia, ou não há UPP que dê jeito. Nada do que se faz aqui parece bonito como na primeira frente de luta: polícia investigando e prendendo polícia; quem parecia exemplo e fonte de admiração, de repente aparece depondo, preso. Gravações confirmam velhas suspeitas de que a contaminação da polícia pelo crime é antiga e profunda. Se na primeira frente a população se enche de esperança a cada novo avanço; a outra alimenta a decepção. Portanto, a frente dos assuntos internos é pior:

— Mas nós vamos em frente, fazer o que precisa ser feito. A luta contra a corrupção na polícia é parte da política de segurança. Temos que investigar e punir quem se envolve com o crime na polícia. Temos que mudar as grades curriculares da formação dos policiais e eu trouxe uma pessoa para fazer isso. Haverá resistências, eu sei. Precisamos de inteligência e modernização tecnológica. Montamos uma subsecretaria de tecnologia que nem deveria existir, porque as modernas ferramentas da informática deveriam estar disseminadas a esta altura. Deveria ser parte do trabalho, e não uma subsecretaria à parte.

Os lances desta luta interna não têm charme, mas são uma operação inescapável da guerra do Rio. A corregedoria vai investigar policiais civis e militares até na esfera criminal. A Draco vai para mais perto do secretário e ganha novos poderes. Foi criada uma Superintendência de Contrainteligência, dirigida por um policial federal. Haverá um projeto de lei para delação premiada interna. Haverá sindicância patrimonial. O policial terá que prestar conta dos seus bens. O cerco vai se fechando contra o mau comportamento. Beltrame admite que há novas ações em curso, novas prisões a serem feitas, novos lances dessa guerra interna.

Na rua, a briga é pela conquista de territórios nas mãos do tráfico e das milícias. Se a primeira não for bem feita, na segunda não haverá o aliado principal: o morador. Mas os cidadãos têm medo de que o sucesso da primeira parte da operação do Alemão — com seu espetáculo, seus blindados subindo morros, suas bandeiras fincadas — tenha atropelado o cronograma original. Afinal, não se instalou ainda a UPP do Alemão e já começa a do Morro de São Carlos:

— Tínhamos um cronograma e ocorreu o caso do Alemão. Tivemos que reestruturar. Mas o Morro de São Carlos já estava preparado. No Alemão, vamos começar no dia 31 de outubro, a data será cumprida.

Ao todo, o Rio forma este ano 7.000 novos policiais para várias unidades. Ainda há outras áreas grandes. Mangueira, por exemplo. Vidigal e Rocinha são um complexo: serão atacadas de uma vez só. Lá está o mais hábil e inteligente dos chefes traficantes, Antônio Bonfim Lopes, o Nem. Ele não barbariza o entorno. E seu quartel-general está encravado num morro entre Gávea e São Conrado. A Zona Sul prende a respiração e aguarda esse lance da guerra, tão difícil quanto a do Alemão, talvez mais perigosa.

Uma pergunta que o morador do Rio se faz insistentemente eu fiz ao secretário: avisar antes só faz com que os bandidos fujam. Que sentido tem isso? Isso aumenta a criminalidade em outros lugares? Concentra os bandidos em outras áreas?

— Quem foge é o grande bandido, o chefe. Pelo menos 80% dos que estão em torno dele fazem apenas pequenos trabalhos, guardam algum armamento, vigiam pontos, enrolam envelopes. São abandonados pelos chefes. Depois que a UPP entra, é mais fácil prendê-los. Já cumprimos 188 ordens de prisão no Alemão desde a entrada das tropas. Para pegar os chefes, precisamos montar ações pontuais, bem planejadas para que não morra o morador. Erros podem tirar o brilho de uma operação, mas a morte de um inocente é fatal. Vou monitorando as estatísticas de crime, não está havendo aumento em nenhuma área. Aliás, no pior dos crimes, o homicídio, as estatísticas mostram queda forte.

Outro risco: a política. Beltrame nega de forma terminativa que tenha qualquer interesse nela. Mas Marta Rocha, sua nova chefe de polícia, já namorou a política. "Ela está licenciada", diz com firmeza. Beltrame está na sua dupla guerra. Parece igualmente empenhado. Duas horas de conversa com ele dão uma sensação de que ele não vai recuar dos terrenos conquistados, tem planos e estratégia, e que, na verdade, não são duas as guerras do Rio. É uma só, travada em dois fronts.

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