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quarta-feira, 19 de fevereiro de 2014

KIEV EM CHAMAS

ZERO HORA, 19 de fevereiro de 2014 | N° 17709

UCRÂNIA, KIEV

Jornada sangrenta



Dividida entre quem quer se manter sob a tradicional hegemonia russa e quem quer aderir à União Europeia, a Ucrânia teve ontem um dia de confrontos e violência, com pelo menos 22 mortos.

É o ápice de três meses em que a oposição protesta permanentemente contra o governo que rejeitou a aproximação com o Ocidente

A figura de linguagem “um país em chamas” se tornou literal ontem na Ucrânia. Uma Kiev incendiada e o resultado de pelo menos 22 mortes em meio a confrontos tornaram o país centro-europeu, de terras férteis e 40 milhões de habitantes, a imagem de uma conflagração na qual resta dividido entre quem quer continuar sob a influência russa ou quem protesta pedindo a adesão à União Europeia (UE).

A tragédia de uma terça-feira que entrará para a história da Europa ocorreu horas depois de a Rússia ter liberado US$ 2 bilhões em ajuda ao país, que tenta manter na sua órbita de influência.

Sob uma temperatura próxima do 0ºC, a tropa de choque avançou sobre milhares de manifestantes, utilizando-se de gás lacrimogêneo e canhões de água para forçá-los a sair da Praça Independência, onde, nos últimos dias, havia ocorrido protestos. De outro lado, os oposicionistas respondiam com coquetéis molotov e pedras. Tentavam colocar fogo nas barricadas de madeira e pneus anteriormente montadas.

Antes disso, cerca de 2 mil opositores haviam retomado a ocupação de prédios públicos na cidade e atacado a sede do Partido das Regiões, ao qual o presidente, Viktor Yanukovich, é filiado.

O confronto ocorreu no dia em que o parlamento discutiria uma reforma constitucional que limita o poder do presidente. Aliados do governo, porém, impediram a entrega da proposta, o que provocou insatisfação entre os manifestantes que vêm protestando contra o governo.

Atos de exceção, uma ameaça

No dia anterior, em um gesto que parecia ser de boa vontade em relação aos oposicionistas, foram retiradas as acusações que recaíam contra 234 manifestantes presos desde novembro. Os opositores desocuparam prédios estatais em Kiev em uma medida destinada a favorecer a libertação dos ativistas.

Durante o dia de ontem, o metrô de Kiev foi fechado, e o tráfego em direção à Praça Independência foi bloqueado na capital.

A onda de protestos na Ucrânia teve início em novembro passado, quando Yanukovich desistiu de um acordo comercial alinhavado com a UE por pressão da Rússia, sua maior aliada. O gesto enfureceu parte da população identificada com a Europa, que luta por mais direitos civis e liberdades individuais na ex-república soviética.

Depois dos enfrentamentos de ontem, cresce o receio de que o estado de emergência seja declarado e que o exército, que vem se mantendo ao largo dos protestos, intervenha com força, configurando a tão temida guerra civil no país que separa a Rússia da Europa ocidental.




Uma revolução para ser contada em tuítes

FERNANDA GRABAUSKA

“Venha para a praça, Kiev, e traga pneus”, era o cântico entoado em um palco montado na conflagrada Praça Independência. Em frente à forte repressão, ativistas foram às redes sociais para relatar o cenário de completo caos visto na capital ucraniana – tudo marcado pela hashtag #euromaidan.

Assessora de imprensa de um advogado oposicionista, Kateryna Kruk tomou para si desde o início dos protestos, em novembro, a tarefa de relatar a beleza e a violência dos protestos. Da praça que se tornou símbolo da chamada “Revolução da Dignidade”, ela ontem distribuía ordens e convocava homens para proteger barricadas da invasão da Berkut, a polícia de choque ucraniana. Em seus tuítes, relatou que os titushki, homens pagos pelo governo para tumultuar manifestações, atiravam tinta ultravioleta nos que estavam nas ruas para marcá-los como alvo – para que a polícia, com tiros, pudesse derrubá-los. Embora exalte a coragem dos compatriotas, confidenciou pânico quanto ao futuro imediato do país:

– Estou realmente assustada. Enquanto Yanuk (Yanukovitch) continuar na presidência, as próximas noites e os próximos dias serão ainda piores do que este.

O engenheiro de software Taras Denysenko também encarou como um ato de cidadania contar para o mundo os dias de fúria de Kiev. Em um inglês impecável, relatou em detalhes a perseguição e a captura de um oficial da Berkut pelos manifestantes e, das 8h às 2h, não encerrou a cobertura informal:

– Percebi que muitas pessoas no Ocidente não entendiam o que realmente estava acontecendo na Ucrânia e que simplesmente não há ucranianos que falem inglês o suficiente para cobrir os eventos – disse.

Para ele, embora “a mídia ocidental” pense nos protestos como um desaguadouro de frustração história, a raiva dos ucranianos vem da falta de democracia:

– Nos olhos de quem está na Praça Independência hoje, Yanukovitch e seu governo se deslegitimaram. O mero fato de que estejam preparados para ir com qualquer coisa contra os manifestantes, inclusive com atiradores com armas de fogo e os titushki, mostra que os homens no poder na Ucrânia são criminosos e não representam a vontade do povo – afirmou, em depoimento a ZH (leia a íntegra em zerohora.com).



OLHAR GLOBAL | Luiz Antônio Araujo

Cenas de guerra civil



Nem os momentos mais críticos da Primavera Árabe como o dia 2 de fevereiro de 2011, quando as ruas do Cairo testemunharam a hoje célebre Batalha do Camelo entre oposicionistas e simpatizantes do mubarakismo produziram cenas de confronto e destruição comparáveis às da capital da Ucrânia na tarde e na noite de ontem. A tradução política da onda de violência que voltou a explodir no segundo maior país da Europa é simples: a negociação que vinha sendo conduzida pelo governo pró-russo do presidente Viktor Yanukovitch e pela fração oposicionista pró-europeia encabeçada por Arseni Yatseniuk fracassou de forma retumbante.

Vale recapitular os acontecimentos dos últimos dias. No final da semana passada, governo e oposição chegaram a um acordo pelo qual mais de 700 ativistas presos seriam anistiados em troca da desocupação da prefeitura de Kiev. Esses dois compromissos foram pontualmente cumpridos. Em seguida, os dois lados discutiriam reformas políticas que apontariam para uma maior participação da oposição no poder.

O acordo foi por água abaixo quando parte da bancada governista no parlamento bloqueou a entrega do projeto de reforma. Em resposta, um grupo de oposicionistas invadiu a sede do partido de Yanukovitch. A polícia reagiu com violência na Praça Independência, mas encontrou os ocupantes armados com coquetéis molotov e determinados a não ceder. À noite, havia cerca de 140 baixas – incluindo aproximadamente 14 mortos, sendo seis policiais. O balanço político é desfavorável para os elementos moderados da oposição, que haviam se reunido na segunda-feira em Berlim com a chanceler alemã Angela Merkel.

Um entendimento entre a Rússia e a União Europeia em torno de um arranjo de poder palatável à Praça Independência poderia dar novo fôlego ao diálogo entre governo e oposição, embora a permanência de Yanukovitch no cargo seja cada vez mais improvável. Russos e europeus teriam, no mínimo, tempo a ganhar com um acerto desse tipo. Mas, enquanto os primeiros estão defendendo a sua própria zona de influência num país com uma fatia russificada há mais de um século, os últimos estão sendo arrastados a contragosto para um confronto de alta voltagem na sua periferia. Já se sabe que os sofridos ucranianos odeiam Moscou. Será que, depois de tudo, terão reservas de confiança nos políticos de Bruxelas e Berlim?

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