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sábado, 22 de fevereiro de 2014

O FIM DOS SIMBOLOS

21/02/2014 20h49



Atacar a imprensa é alarmante – é como se parte da sociedade desconfiasse da democracia
WALCYR CARRASCO



Para salvar a cigana Esmeralda da condenação à fogueira, o Corcunda de Notre-Dame a leva para o sótão e o telhado da famosa catedral, no romance de Victor Hugo. Era um refúgio seguro. Durante séculos, as igrejas funcionavam como se fossem embaixadas, que protegiam os abrigados até mesmo de exércitos inimigos. Óbvio, não permaneceram assim continuamente. No Brasil, em 1968, foi um escândalo quando, ao final da missa pela morte do estudante Edson Luís, os participantes que deixavam a Igreja da Candelária, no Rio de Janeiro, foram atacados pela cavalaria. Considero esse episódio como a destruição de um símbolo importante que nos afeta até hoje. Até então, a missa era intocável. Estive, pessoalmente, na missa pela morte do jornalista Vladimir Herzog, pelo governo militar, na Catedral da Sé, em São Paulo. Lembro o clima de terror, instaurado em torno de uma simples participação numa missa.

Ao longo dos últimos anos, acompanhei o fim de vários símbolos. Já foi dito o suficiente sobre a morte do cinegrafista Santiago Andrade pelos black blocs. Antes dele, outros jornalistas foram atacados, não só pelos manifestantes, mas também levaram balas de borracha da polícia. Carros de reportagem foram queimados. Jornalistas já foram atacados, sim, em outras situações, internacionalmente. Em guerras, por exemplo. Numa sociedade democrática, durante manifestações, é alarmante. É como se parte da sociedade deixasse de reconhecer a isenção do jornalismo, crença vital para a democracia. Paradoxalmente, outra autoridade tem sido dinamitada nos últimos tempos: a polícia. Quando se descobre que os presídios, onde teoricamente a Justiça mantém criminosos e promoveria sua reintegração, são dominados por grupos criminosos, na cabeça das pessoas, polícia e Judiciário como um todo perdem. Deixam de ser a expressão da lei, tornam-se simbolos estraçalhados. Da mesma forma, o Congresso, com suas atitudes mais que controversas. Já conheço muita gente que diz claramente:

– Para que Congresso? Para que sustentar aquele bando de políticos que não fazem nada?

Não concordo com isso. País sem Congresso é ditadura – no final das contas, é muito pior. O homem não é o único animal que vive em comunidade, mas é o único capaz de criar símbolos. O símbolo é um signo que dá sentido a uma coisa, objeto, até mesmo associação. A vida em grupo precisa de símbolos e convenções. Pode parecer superficial, mas a moda também expressa esse desagregamento. Nas últimas décadas, houve um movimento para relaxar a forma como as pessoas se vestem. Comparecer a uma festa de camiseta não é mais o horror dos horrores. Mas a forma como as pessoas se vestiam, décadas atrás, simbolizava o significado do evento, para elas e para quem também ia. Hoje é uma confusão. Há inúmeros casais em que os homens aparecem de jeans e tênis, e as mulheres de rendas e paetês, como se nada tivessem a ver um com o outro. O ritual de se arrumar para os outros vem sendo abandonado. E, com ele, inúmeros outros pequenos rituais que enriqueciam o cotidiano, que funcionavam como uma linguagem não falada. O fim dos símbolos decreta a destruição da civilidade. Um deles, simples, mas essencial, é a questão da fila. Por convenção, quem chega primeiro fica em primeiro lugar, e assim sucessivamente. A não ser que exista um controle, as pessoas parecem perder essa noção. Amontoam-se. Gritam. Querem ser os primeiros. Não estou me referindo à população mais pobre. Outro dia, no Leblon, no Rio de Janeiro, entrei numa sorveteria que também vende chocolates. Peguei alguns tabletes e fui para o caixa. Na minha vez, um carioca jogou algumas notas no caixa e avisou:

– Tira aqui, seis sorvetes.
– É a minha vez – disse, gentil, enquanto ele fechava a cara.

Se insistisse, eu chamaria até o gerente. Sou bom de barraco quando me sinto injustiçado.
Já vi crianças ser quase atropeladas na hora do embarque do avião. Embora a lei lhes dê prioridade, e os assentos sejam marcados!

Perdemos os símbolos, década após década. Os grandes, fundamentais para a sociedade como um todo: a sacralidade, o respeito à mídia, a crença nos políticos. E os menores, do dia a dia, que ditam normas de convivência, como até mesmo deixar alguém entrar no elevador antes de nós. Nem sequer vejo o nascimento de novos símbolos e convenções. Que futuro estamos construindo, afinal?

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