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terça-feira, 18 de fevereiro de 2014

TENSÃO NAS RUAS DA VENEZUELA



ZERO HORA 18 de fevereiro de 2014 | N° 17708


LÉO GERCHMANN


SITUAÇÃO-LIMITE

Com índices econômicos que mostram contexto difícil, protestos tomam as cidades venezuelanas



A Venezuela tem o risco país mais alto do mundo, inflação que atingiu os 56,3% anuais, desabastecimento de 26,2% da cesta básica, índice de homicídios em Caracas três vezes superior ao de São Paulo e queda de 27% nas reservas em 12 meses (estão em apenas US$ 20,525 bilhões). A Venezuela também tem uma onda de protestos que se alastra pelas ruas, que já provocou a morte de três pessoas e que tem mais uma manifestação marcada para hoje.

A tal manifestação foi marcada pelo grupo liderado por Leopoldo López e María Corina Machado, corrente oposicionista radical que usa a expressão “La Salida” e pede a renúncia do presidente Nicolás Maduro. Por sua vez, Maduro se aproveita da disposição de López e Corina para atribuir motivações golpistas a todos os seus oponentes, mesmo que outra vertente dos críticos, liderada pelo ex-candidato presidencial Henrique Capriles, veja a opção eleitoral como a adequada para chegar ao poder. Capriles, aliás, já convocou outro protesto, do seu grupo, para dia ainda indeterminado.

– A situação é grave e de incerteza. Está difícil me concentrar para trabalhar hoje – comenta a escritora e jornalista venezuelana Milagros Socorro.

Viés autoritário

O historiador Carlos Malamud, especialista em América Latina do Real Instituto Elcano de Estudos Internacionais e Estratégicos, da Espanha, identifica um autoritarismo crescente por parte do governo, que rotula os opositores de golpistas, mantém confronto com os empresários (cuja margem de lucro não pode ser superior a 30%) e rejeita licença para os jornais comprarem o papel de que precisam para circular (leia entrevista ao lado). Malamud atribui essa escalada autoritária à fragilidade de Maduro (que derrotou Capriles nas eleições de abril passado por pouco mais que um ponto percentual) e ao fato de os chavistas se dizerem responsáveis pela chamada “revolução bolivariana”, que levou o país ao “socialismo do século 21”.

– Como houve uma revolução, segundo o discurso bolivariano, somente o governo, encarnação da vontade popular, pode ganhar eleições – analisa Malamud. – Qualquer pretensão opositora de afastar o chavismo mediante as urnas é denunciada como desestabilizadora e apresentada como potencial golpe de Estado. Em seus 10 meses como presidente, Maduro denunciou uma dezena de intentonas sem apresentar provas. A polarização é uma das armas favoritas do populismo latino-americano.

Novas expulsões

Em recente discurso, Maduro deu razão à interpretação do historiador.

– Na Venezuela, não há três, quatro ou cinco opções, só há dois modelos que se enfrentam. Um é o dos que sabotam a economia, que tiram o alimento do povo e manipulam os jovens. O outro é o dos que queremos trabalhar, dos patriotas – disse, ao convocar uma “marcha pela paz, contra o fascismo e contra o golpismo”.

O governo tem atribuído a crise econômica e em especial o desabastecimento a boicotes empresariais. Acusa também o governo americano de insuflar a oposição local. Ontem, Maduro anunciou que expulsou três funcionários consulares americanos, acusados de participação em reuniões com universitários, ao mesmo tempo em que prosseguiam os protestos de estudantes, que pedem, além de melhoras socioeconômicas, o fim da repressão e da violência no país.

– Dei a ordem ao chanceler de declarar persona non grata e expulsar do país esses três funcionários consulares da embaixada dos EUA. Que vão conspirar em Washington! – disse Maduro, em rede nacional de rádio e televisão, tomando atitude que não chega a ser nova: no fim de setembro, ele já expulsara três diplomatas americanos, entre eles a encarregada de negócios Kelly Keiderling, acusados pelo governo de conspirar em reuniões com opositores.

Enquanto isso, os estudantes continuam protestando e prometem mais.

– Vamos continuar na rua, em paz, sem violência. Exigimos de Nicolás Maduro o desarmamento dos “coletivos” (grupos chavistas). Se não os desarmarem, continuaremos nas ruas – disse, para a agência de notícias France Presse, Gabriela Arellano, estudante da Universidade dos Andes e líder do movimento.


“O governo reprime quem protesta. O momento é terrível”

Em meio à crise na qual inflação, desabastecimento e insegurança azedam o humor da população, um confronto atinge a imprensa na Venezuela: os jornais reclamam que o governo de Nicolás Maduro lhes impede o acesso à moeda estrangeira necessária para comprar o papel de cada dia. Pelo menos 12 publicações já deixaram de circular, e 15 estão na iminência de fazê-lo. O maior jornal da Venezuela, o El Nacional, circula com menos páginas, cortou suplementos e projeta que, com isso, sobrevive até maio. Temendo por seus empregos e pela liberdade de se expressar, jornalistas têm saído às ruas para protestar. Entidades de imprensa reclamam que a mídia impressa é o último bastião dos críticos ao governo. Leia entrevista, por telefone, com o proprietário do jornal, Miguel Henrique Otero.

Zero Hora – Com as manifestações contra e a favor do governo, em especial as ocorridas na quarta-feira, o senhor acha que a situação se agravará?

Otero – A situação está cada vez mais crítica, está chegando a um limite muito perigoso. Hoje mesmo também há estudantes protestando, e o governo não tem respostas. Prendeu ainda mais estudantes. O governo e o chavismo não têm controle sobre os centros acadêmicos do país. Todas as federações de estudantes estão nas mãos da oposição, e os estudantes estão protestando cotidianamente.

ZH – A crise se diferencia de outras ocorridas nos últimos anos?

Otero – Ela é pior, porque está acompanhada de um problema econômico muito grave, com desabastecimento e inflação. E o governo reprime quem protesta. O momento é terrível.

ZH – Há menos liberdades que havia na época da presidência de Hugo Chávez (morto há um ano)?

Otero – Sim, porque o atual governo não tem a mesma força que tinha o de Chávez, e os problemas econômicos se agravaram. Então, há mais repressão, para compensar essa fragilidade.

ZH – Como está a situação do El Nacional?

Miguel Henrique Otero – A situação do jornal está muito crítica, desde maio. Não podemos adquirir divisas para comprar papel. No curto prazo, não poderemos continuar. Desde maio do ano passado o governo não nos autoriza a ter dólares para comprar papel.

ZH – Até quando o jornal vai circular?

Otero – Cortamos suplementos e diminuímos o corpo do jornal. Isso faz com que alarguemos nossa agonia. Com esses cortes, com essa prolongação da agonia, iremos até maio.

ZH – Que diminuição sofreu o jornal para que fosse assegurada a rodagem até maio?

Otero – Metade, mais ou menos. Estamos em 32 páginas e costumávamos ter mais de 50. Realmente, estamos fazendo o possível para termos uma sobrevida nessas circunstâncias de extrema dificuldade para a imprensa crítica e independente.

ZH – Que suplementos o jornal teve de cortar?

Otero – Fomos forçados a cortar os suplementos literário, de turismo e de estilo, infelizmente.



O depoimento de quem esteve nos protestos


O escritor Lucas Reis Gonçalves nasceu faz 23 anos em Novo Hamburgo, mas, há um ano, mora em Caracas. Poeta, Gonçalves trabalha no Instituto Cultural Brasil Venezuela como professor de português. Recentemente, participou da Nova Coletânea de Poesia Gaúcha Contemporânea. Na Venezuela, ele tem acompanhado os protestos e vivido dias tensos. Confira trechos do seu relato:

Cheguei em casa agora, à meia-noite em ponto, morto de cansado, morto de medo, morto por quase morrer umas três, quatro vezes nas ruas de um país que não é o meu ou que eu pensava que não era meu (...).

O lugar é uma praça colorida, bem ajeitada – ponto clássico de encontro para as manifestações de oposição ao governo. E, agora, era cada vez mais linda, mais cheia, mais ousada e usada por muita gente. E era gente estudante, gente vizinha, gente decente, e eu.

Desci um pouco mais, em direção à rodovia principal da cidade, e dei de cara com o caos. O cenário, ainda iluminado pela cara distante do sol, era de guerra. Voavam bombas de gás lacrimogêneo rasgando o céu em faíscas vermelhas. E dava medo. Era o caos, de verdade. Eu, despreparado, nem sequer tinha vinagre ou pasta de dente pra amenizar o efeito da fumaça – asfixiante. E mais asfixiante era toda a imagem, toda a fotografia daquele instante: gente chorando - sabe-se lá se era pela bomba ou se era pela aflição, pelo país, pela luta - e correndo, tropeçando nos outros, gritando palavras de “fora, Maduro” e “sou estudante”; gente que já tinha desistido, caído no chão sujo de cinzas; gente que carregava a bateria do celular num posto de gasolina; outros que, em moto, faziam uma espécie de escolta pros que andavam a pé; e eu.

Isso durou uma hora, por aí. (...).

Com todos reunidos na praça, a decisão foi unânime: todos deveriam ir a Chacao, outro ponto de manifestação da oposição – onde um dos manifestantes morreu na quarta-feira, dia 12. (...) Fomos minha namorada, um amigo jornalista, outro amigo professor, e eu. Todos venezuelanos, e eu.

Ali, vimos alguns jogarem lixo no meio da rua e atearem fogo. O clima, já de noite, era pior. Não era só o caos. Era maior. E todos continuavam a gritar os mesmos gritos de guerra (não de protesto). A coisa agora era diferente. Minha namorada, ligada, já me vinha puxando pra longe do fogo. (...)

O ar começou a pesar, as pessoas já começavam a correr por qualquer moto que passava. Nos escondíamos atrás do primeiro obstáculo que podíamos encontrar. A situação era tensa. E foi ficando mais, e mais, e mais, e mais até que aconteceu a maior correria de todas. E balas, e bombas, e balas, e bombas, e gritos, e correria, e balas e bombas. (...).

Numa dessas de BOMBAS, desses disparos virados pra onde a gente tava, uma veio certeira: caiu dentro do prédio onde estávamos escondidos. Eu só gritava “MARÍA ANTONIETA, ONDE TU TÁ? VAI PRA DENTRO DA CASA DA SÍNDICA! ENTRA, ENTRA, ENTRA!”, até perder o resto de fôlego e parar pra vomitar o invomitável; arrotar o inarrotável. Eu cuspia fumaça, arrotava fumaça e, nos intervalos dessas tentativas, eu gritava o nome dela. (...)

Foi aí, nesses cinco minutos, que eu nasci de novo. E nasci tranquilo, firme também, procurando minha namorada, (...) meus amigos (...).

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