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domingo, 9 de fevereiro de 2014

OS INTERESSES QUE TURBINARAM


ZERO HORA 09 de fevereiro de 2014 | N° 17699

CARLOS ROLLSING E HUMBERTO TREZZI


GREVE DOS RODOVIÁRIOS



Quando a paralisação dos rodoviários teve início, em 27 de janeiro, ninguém apostava que ela pudesse se prolongar por tanto tempo – nem mesmo os líderes da greve. Como em inúmeros dissídios coletivos anteriores, o movimento nasceu com a perspectiva de durar uns poucos dias e gerar prejuízos apenas moderados para a população.

Um cenário único e uma combinação inédita de interesses conflitantes mudaram por completo esse script, impondo uma suspensão total dos serviços de ônibus como Porto Alegre nunca viu. Oito meses depois de o transporte coletivo servir de estopim para os megaprotestos que varreram o país, com a questão tarifária transformada em um barril de pólvora, trabalhadores, empresários e autoridades encararam a greve pressionados por uma série de questões paralelas: disputas internas virulentas, negócios lucrativos ameaçados e uma série de armadilhas políticas.

Esses interesses conflitantes ajudam a explicar por que uma greve que começou como qualquer outra obteve adesão de 100% da categoria e ganhou características únicas, que vão deixá-la gravada para sempre na memória da cidade.

Sindicato em pé de guerra
Uma disputa feroz pela liderança dos 8 mil rodoviários de Porto Alegre foi responsável por uma reviravolta nos rumos da greve e prolongou o movimento muito além do que seus líderes originais haviam projetado. Marcado por um histórico de guerras internas fratricidas, o Sindicato dos Rodoviários viveu a greve como uma batalha entre suas correntes políticas.

A paralisação foi desencadeada pela direção do sindicato, ligada à Força Sindical, com a ideia de ganhar pontos junto à categoria e consolidar poder. O plano era fazer um movimento com poucos dias de duração e dimensão parcial: por um lado, mantinha-se a legalidade, com atendimento de necessidades mínimas da população, por outro, dava-se uma demonstração de força às bases.

Mas então veio uma espécie de golpe de estado dentro da greve. Enquanto a direção mantinha um atitude cordial diante dos empresários (o que chegou a originar suspeitas de que o movimento contava com o beneplácito dos patrões, interessados em forçar um aumento das tarifas) e sentava à mesa com o TRT para negociar acordos, grupos rivais alijados do poder no sindicato insuflavam as massas. Apoiados pelo radical Bloco de Luta, eles convenceram os trabalhadores a rejeitar em assembleias o que a direção havia negociado e a deflagrar uma suspensão de 100% do serviço.

Em uma situação poucas vezes vista, a oposição do sindicato assumiu o comando de uma greve iniciada por adversários e mudou o destino dela. Ao fazê-lo, deixou os diretores do sindicato em situação delicada: eles tornaram-se incapazes de cumprir o que assinavam e viram-se vergados por multas judiciais (elas já ultrapassam a barreira do R$ 1 milhão) que não têm poder de evitar.

A disputa interna entre os rodoviários não é por dinheiro, já que o sindicato está quase falido – do faturamento estimado em R$ 50 mil mensais, R$ 30 mil são usados para saldar dívidas. A luta ocorre porque a agremiação, capaz de parar uma cidade, significa poder.

O histórico de disputas e suspeitas no sindicato é farto. Em 2006, o presidente Itibiribá Acosta, ligado à Força Sindical, passou 95 dias em prisão preventiva no Presídio Central e, mesmo assim, foi reeleito, de dentro da cadeia. Acabou condenado na 1ª Vara Federal Criminal por formação de quadrilha, estelionato e fraudes contra o INSS.

Em novembro de 2011, Acosta concorreu a mais um mandato e venceu Luís Afonso Martins, da corrente esquerdista A CUT Pode Mais, mas sua chapa foi impugnada porque ele e outros membros estavam inelegíveis. O impasse determinou que Júlio “Bala” Gamaliel, vice-presidente de Acosta até 2011, assumisse o comando da entidade.

No ano passado, com o acirramento de ânimos, a sede do sindicato foi invadida por opositores de esquerda, que acabaram expulsos pelos líderes da Força Sindical. De discurso moderado, os militantes da Força perderam musculatura ante o crescimento das centrais Conlutas, CUT, Nova Central Sindical dos Trabalhadores, da corrente CUT Pode Mais e dos partidos PSTU e PSOL.

Esses grupos contaram com o apoio do Bloco de Luta e seu discurso agressivo, que obteve vitória ao conseguir o congelamento do valor da passagem durante protestos de rua no ano passado. E que prega a continuidade da greve, mesmo contra a determinação da Justiça e ante a contrariedade da população.


Políticos pisando em ovos

Erros de estratégia, tentativas de fugir da mira de grupos radicais e calculismo político foram a contribuição das autoridades para aprofundar e estender a greve dos rodoviários em Porto Alegre. Enquanto a população enfrentava a falta de transporte, seus líderes mantinham-se à distância, sem contribuir com soluções.

O prefeito José Fortunati esteve isolado desde o início. Encontrou só oposição entre os representantes dos rodoviários, fossem eles radicais de esquerda ou os ex-aliados da Força Sindical – no comando da direção do sindicato da categoria, a Força desvinculou-se recentemente do partido do prefeito, o PDT. Vereador e presidente da central sindical no Estado, Cláudio Janta deixou a base governista atritado com Fortunati.

Quando as rédeas da greve foram tomadas pelos radicais – PSOL, PSTU, Conlutas, CUT, A CUT Pode Mais, Bloco de Luta –, a situação não melhorou para o prefeito: ele estava agora diante de grupos que, desde o ano passado, promovem críticas ferrenhas e manifestações ruidosas contra sua administração.

Sem diálogo com os grevistas e diante da irritação dos usuários de ônibus, o prefeito deu um passo que acirrou ainda mais os ânimos. Em um momento em que os rodoviários colocavam 30% da frota na rua, ingressou na Justiça para pedir mais. A medida indignou a categoria, que optou pela paralisação de 100%.

Para atenuar o desgaste, Fortunati praticamente se retirou da função de mediador. Passou a afirmar que a discussão do dissídio era tarefa exclusiva de empresários e rodoviários, na Justiça do Trabalho. Também lavou as mãos em relação ao reajuste das tarifas, um tópico que se transformou em rojão político desde a mobilização popular de junho passado. Deixou a questão a critério do Tribunal de Contas do Estado (TCE), que realizava uma inspeção no transporte coletivo da Capital. Ao garantir que seguirá à risca as determinações do tribunal, ele repassa à corte grande parte da responsabilidade por um reajuste de tarifa que é repelido pela população e por grupos como o Bloco de Luta.

Ao mesmo tempo, interesses eleitorais pautaram a ação de vereadores e partidos políticos, que viram no desgaste da imagem de Fortunati uma oportunidade de palanque. Parlamentares de oposição ao governo – do PSOL, do PT e do PC do B – insuflaram a greve, alguns inclusive incentivando o reforço dos bloqueios nas garagens. Eles compareceram às assembleias e, em geral, suas posições eram mais favoráveis ao conflito do que ao consenso. A bancada de vereadores do PT chegou a apresentar um pedido liminar de passe livre por cinco dias, o que foi rechaçado judicialmente.

O governador Tarso Genro é outra parte da complexa teia política em torno da greve. Desde o início, ele vem sofrendo críticas por se negar a intervir com a Brigada Militar para garantir a circulação de ônibus. Como o problema com o transporte coletivo de Porto Alegre não é de sua competência, Tarso preferiu não se intrometer para ficar livre da ira da esquerda extremista em ano eleitoral. Apesar dos apelos de Fortunati, o Piratini também posterga desde os primeiros dias da greve a autorização para que os coletivos metropolitanos permitam o embarque e desembarque em corredores de Porto Alegre. Mais uma vez, Tarso evitou se colocar no centro de um problema que, diretamente, não é seu.


Empresários de olho nos lucros

A greve apanhou os empresários do transporte em um dos momentos mais delicados de sua história. Depois de décadas explorando o serviço sem passar por qualquer concorrência pública, eles viam sua própria existência ser ameaçada por uma licitação do sistema, em preparo na prefeitura. Ao mesmo tempo, o TCE mergulhava nas suas planilhas, encontrando problemas de cálculo que encareciam a tarifa. Para completar o quadro, a população havia desenvolvido uma aversão a qualquer reajuste na passagem, a partir dos protestos de 2013.

Diante dessa situação nova, os empresários reagiram com uma postura também nova, e incomum: mostraram-se benevolentes com a greve. Seria uma forma de usar o dissídio coletivo como um bem-vindo instrumento de pressão junto à prefeitura, em favor de um reajuste na tarifa. O tiro saiu pela culatra. Passados os primeiros dias de cordialidade grevista, os grupos de esquerda assumiram o movimento, alienaram a direção do sindicato e radicalizaram.

Com a arrecadação comprometida, os concessionários mudaram de tática. Endureceram à mesa de negociação, fazendo propostas módicas aos trabalhadores. A situação deles era complicada: sem garantia de aumento na tarifa, poderiam comprometer os lucros com uma proposta mais generosa. A consequência foi o impasse com os rodoviários.

Os empresários sentem-se ameaçados porque detêm um negócio altamente lucrativo. Indicativo disso é a intenção das atuais concessionárias em participar da licitação que será lançada pela prefeitura para redistribuir as linhas de ônibus. Em Florianópolis a licitação foi concluída semana passada e resultou em barateamento das tarifas (de R$ 2,90 para R$ 2,80).

– Em princípio, todas as empresas estão interessadas em participar da licitação – revela Luiz Mário Magalhães Sá, gerente-executivo da Associação dos Transportadores de Passageiros (ATP).

Só em 2011, o lucro bruto das concessionários foi superior a R$ 481 milhões, conforme o TCE. O maior lucro líquido, fruto da arrecadação reduzida dos gastos, foi da Sudeste (Unibus), com R$ 4 milhões. Vieram em seguida a Sopal (Conorte), com R$ 3,1 milhões, e a Belém (STS), com R$ 2,6 milhões. Três empresas privadas apresentaram prejuízo: Estoril, Presidente Vargas e VTC. Mas a mais deficitária é a Carris, com prejuízo de R$ 7,8 milhões em 2011. A estatal, que puxa a tarifa para cima, tem seu feudo garantido: não precisará participar da licitação das linhas.


Piquetes impedem saída de ônibus


O 13º dia de greve de ônibus na Capital começou com piquetes nas garagens dos ônibus neste sábado, e há um impasse sobre o que será decidido na assembleia desta segunda-feira. Representantes do Sindicato dos Rodoviários querem convencer a categoria a aceitar a última oferta dos empresários, por temerem que a decisão judicial sobre o dissídio trará prejuí- zos, já que a tendência é de reajuste com base na inflação.

Mas integrantes da comissão de greve são favoráveis à continuidade da paralisação pois acreditam que, mesmo que o reajuste seja abaixo do esperado, ainda assim os rodoviários podem sair vitoriosos com a decisão. Daniel Chagas, um dos representantes da comissão, explica que uma das principais reivindicações no momento é o fim do banco de horas, com o consequente pagamento das horas extras, e essa reivindicação poderia ser atendida pelo tribunal.

Grevistas tentarão neste fim de semana se reunir com a desembargadora Ana Luiza Heineck Kruse, do Tribunal Regional do Trabalho, para tentar negociar o percentual de ônibus que irão às ruas durante a paralisação. A ideia é obter a garantia de legalidade da greve, com o pagamento dos dias parados. Com isso, os rodoviários poderiam garantir até mais de 70% dos ônibus em circulação, de acordo com Rodrigo Almeida, um dos líderes dos grevistas. Os veículos poderiam ser liberados na terça-feira.


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